Influência de tatuagem na livre concorrência a concursos públicos, respeitando o respaldo legal e constitucional. Infringência aos princípios da isonomia, proporcionalidade, impessoalidade e o direito a livre manifestação artística e cultural resguardados pela Constituição Federal de 1988.
1. Trata-se de discussão sobre a questão de que se tatuagens podem barrar uma candidata ao ingresso em concurso público da Polícia Militar.
2. Têm-se como principal fundamentação a previsão no edital do referido concurso e há quem defenda ser contra este tipo de expressão cultural, que podem não ser compatível com cargos públicos.
3. Será que tatuagem, espécie de arte muito utilizada atualmente, é suficiente para a eliminação do concurso público?
4. Há argumentações que se não houver obediência ao previsto no edital do concurso, a relação do candidato, se aprovado, seria mal ao seu ingresso no referido cargo.
5. É o necessário a relatar. Em seguida, exara-se o opinativo.
6. O STF já decidiu sobre o assunto no dia 17 de agosto de 2016, o Plenário, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898450, cuja repercussão geral fora reconhecida em 28/08/2015, por maioria dos votos declarou inconstitucional a proibição de tatuagens em concursos públicos, desde que não viole valores constitucionais.
7. Para o relator ministro Luiz Fux, “qualquer restrição para o acesso a cargo público constante em editais de concurso dependeria da sua específica menção em lei formal.” [1] O caso era sobre um candidato ao cargo de Polícia Militar de São Paulo, que foi eliminado por ter uma tatuagem na perna.
8. Por outro lado, o relator continuou os argumentos salientando a jurisprudência do STF que aceita a exigência de altura mínima para determinado concurso, porém aqui utilizando os princípios constitucionais, sendo viável e proporcional:
“(...) o entendimento de que a exigência de altura mínima para o cargo de policial militar é válida, desde que prevista em lei em sentido formal e material, bem como no edital que regulamente o concurso (...) somente ser legítima a cláusula de edital que prevê altura mínima para habilitação para concurso público quando mencionada exigência tiver lastro em lei, em sentido formal e material (...) ALTURA MÍNIMA – EXIGÊNCIA PREVISTA APENAS NO EDITAL – AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL – OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE E DA RAZOABILIDADE (...)” [2]
9. Observa-se que se a exigência em questão fosse sobre a altura seria constitucional, por tratar de critério objetivo na influência da prática do cargo público em questão.
10. No que tange à tatuagem, declarou que a liberdade de manifestação artística e de expressão, estão estabelecidas no art. 5°, incisos IV e IX, da Constituição Federal. Contudo, está o candidato exercendo seu direito constitucional, não podendo ser punido por isto. Porém em poucos casos é possível se discutir até onde prevalecerá este direito, como no caso de ofender a própria Constituição.
“(...) o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não, não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discriminatório quando do deferimento de participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública (...). Dito de outro modo, inexiste qualquer relação de pertinência entre a proibição de possuir tatuagem e as características e peculiaridades inerentes à função pública a ser desempenhada pelo candidato. Um policial não é melhor ou pior nos seus afazeres públicos por ser tatuado.” [3]
11. É evidente a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade neste caso em questão, o edital não poderia trazer em seu corpo esse critério que não tem respaldo legal, afirmando o que estabelece o art. 37, I da Constituição da República, que, expressamente, impõe que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”.
12. Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p.38) apud relator Luiz Fux, em sua obra, assevera que:
“(...) no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto.” [4]
13. Entendo que somente a lei pode estabelecer critérios de eliminações que devem se basear em critérios objetivos e técnicos, a depender ao cargo pretendido. Não se pode punir o que está garantido na Constituição, a livre manifestação artística e cultural, salvo quando afrontar a Carta Magna. A simples pigmentação da pele atualmente, deixou de ter resquícios de criminalidade e passou a ser amparada na Constituição, respeitando as diversas culturas e manifestações artísticas.
14. Diante do caso, não é cabível o fato de simples tatuagem ser motivo de eliminação no concurso público, já que o legislador não pode dificultar a concorrência do candidato por critérios subjetivos. Isso afetaria a ampla concorrência e diminuiria consideravelmente o número de interessados, todavia acarretaria a violação do princípio da impessoalidade por parte da Administração Pública.
15. Além disso há descumprimento com os princípios da proporcionalidade e da isonomia, não sendo proporcional o fato de ter ou não tatuagem no cargo em questão, já que não influencia no seu exercício. Há ainda o encargo de se escolher pessoa menos qualificada para o exercício do cargo.
16. Somente através de lei poderá ser estabelecido critérios de distinções, e mesmo contendo a previsão, está sujeita ao controle de constitucionalidade se este critério for exclusivamente subjetivo e não sendo necessário ao exercício do cargo público.
17. Considero inconstitucional o referido edital e dou provimento a candidata para continuar no concurso de admissão da Polícia Militar e impetrar Mandado de Segurança resguardando seu direito líquido e certo.
18. É o que me parece, s.m.j.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 898450. Proibição de tatuagem a candidato de concurso público é inconstitucional, decide STF, Ministro Luiz Fux, Brasília, p. 03, ag. 2016
[2] Idem. (2016, p. 04/05)
[3] Idem. (2016, p. 15/16)
[4] MELLO, Celso Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 38.