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A associação de associações e o controle concentrado de constitucionalidade

Agenda 27/08/2018 às 15:00

Trata-se da exposição de modelo para criação de uma associação de associações de determinado setor econômico, com legitimidade para o possível ingresso de ações constitucionais.

A Constituição Federal dispõe em seu art. 103 que são legitimadas para opor ADI e ADC, dentre outros, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.  Em face da ausência de norma que regulamente a caracterização da das aludidas entidades, enquanto legitimadas, coube ao STF o encargo de alinhar o tema.

Neste esteio, a possibilidade de ajuizamento dos referidos remédios constitucionais por esses entes está condicionada ao atendimento de certos pré-requisitos. Assim, importa esclarecer, a priori, alguns pontos importantes quanto a subsunção a essas condicionantes.

Primeiramente, a entidade, para poder atuar como postulante das ações sob análise, deve representar determinada classe ou categoria de forma singular, com patente homogeneidade. Dessa forma, a entidade deve, inclusive por disposição estatutária, atuar em defesa de uma classe bem definida e em sua integralidade, não podendo representar apenas uma fração da categoria.

Quanto ao tema, o STF estabeleceu:

A entidade de classe considerada legítima para ajuizar ADI deve ser integrada por membros vinculados entre si por objetivos comuns. É necessária a presença de um elemento unificador que, fundado na essencial homogeneidade, comunhão e identidade de valores, constitua um necessário fator de conexão capaz de identificar os associados como membros que efetivamente pertencem a uma mesma classe ou categoria (ADI 108-6/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.4.1992)

Diante da exigência de homogeneidade, a Corte Constitucional também tem entendido que entidades de caráter abrangente não dispõem de legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, justamente por congregarem distintas classes, carreiras ou categorias - mesmo supondo exercício de labor análogo -, ou, até mesmo, agrupando pessoas físicas e jurídicas em uma mesma entidade (STF - ADI nº 4.230/RJ-AgR).

Ademais, outro importante pré-requisito é que a entidade de classe seja enquadrada como de abrangência nacional. Para tal qualificação, o STF utiliza o mesmo entendimento aplicado para o registro de partidos políticos perante o Tribunal Superior Eleitoral, devendo a associação, portanto, ser composta por membros de, pelo menos, 09 (nove) estados da Federação, para, só assim, ser considerada como nacional (STF - ADI 386/ES).

Não se pode olvidar, ainda, da condicionante relativa à pertinência temática, visto que a tese jurisprudencial firmada é que a lei ou o ato normativo  impugnado por controle de constitucionalidade esteja em compasso com o conteúdo material das finalidades estatutárias da entidade, nos termos do entendimento da Magna Corte:

A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da cláusula inscrita no art. 103, IX, da Carta Política, erigiu o vínculo de pertinência temática à condição objetiva de requisito qualificador da própria legitimidade ativa ad causam das confederações sindicais para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade. Inicialmente exigida apenas quanto às entidades de classe de âmbito nacional (ADin 396-DF, Rel. Min. Paulo Brossard; ADin 839-Pr, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 133/1011, Rel. Min. Sidney Sanches), a pertinência temática a partir do julgamento da ADin 1114-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, passou a ser considerada requisito de observância indispensável também no que concerne às Confederações Sindicais (STF - ADI 1184/DF).

Assim, a atividade profissional ou classe econômica representada pela entidade deve guardar relação de pertinência temática sobre o conteúdo da norma, com disposição estatutária específica contemplando, como objetivo da associação, a finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem a área de atuação da categoria.

Superados os esclarecimentos acima, cumpre ressaltar que várias instituições, apesar de serem associações civis de abrangência nacional, não se encaixam no rol exaustivo de legitimados do dispositivo acima, restando impossibilitadas de defenderem os interesses de seus associados em sede de controle de constitucionalidade,

Uma alternativa para que essas entidades pudessem representar os seus interesses e os do setor econômico o qual atua perante o STF, através das ditas ações de controle concentrado de constitucionalidade, seria a criação, por parte delas, de uma associação nacional de associações estaduais.

O reconhecimento da "associação de associações" como entidade de classe se deu quando no julgamento da ADI 3153-8/DF. Desta decisão, insta ressaltar o voto do então Ministro Sepúlveda Pertence:

Presidente, volta ao Plenário um problema cuja solução, na jurisprudência da Corte, jamais, pessoalmente, me convenceu: é a que baniu da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade o que se tem chamado "associação de associações". A meu ver, nada o justifica. Chegou-se a falar que uma "associação de associações" só poderia defender os interesses das suas associadas, vale dizer, das associações que congrega. Mas, data vênia, o paralogismo é patente. A entidade é de classe, da classe reunida nas associações estaduais que lhe são filiadas. O seu objetivo é a defesa da mesma categoria social. E o fato de uma determinada categoria se reunir, por mimetismo com a organização federativa do País, em associações correspondentes a cada Estado, e essas associações se reunirem para, por meio de uma entidade nacional, perseguir o mesmo objetivo institucional de defesa de classe, a meu ver, não descaracteriza a entidade de grau superior como o que ela realmente é: uma entidade de classe. No âmbito sindical, isso é indiscutível. [...]

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A partir desse leading case, portanto, as associações de associações passaram a ser legitimadas para a impetrarem ações de controle concentrado de constitucionalidade, desde que atendidas as condicionantes de transregionalidade de atuação, homogeneidade de composição e pertinência temática.

Dessa forma, resta definir-se o modelo de estruturação da associação nacional, a qual deve ser vinculada diretamente à instituição interessada, assim como a estrutura das associações estaduais, as quais comporão o quadro social daquela.

De antemão, sugere-se que as associações estaduais devam ser criadas por sociedades estaduais já vinculadas a essas instituições em, pelo menos, nove estados da Federação, ressaltando-se que os associados daquelas devem ser compostos apenas por entidades singulares de um setor econômico homogêneo.

Quanto a associação nacional, ela deve ser composta pelas associações estaduais acima, sendo necessário, no entanto, que sejam atendidos todos os pré-requisitos de legitimidade anteriormente ventilados.

Assim, não se pode negligenciar a necessidade de que a associação de associações tenha previsão expressa em seu estatuto sobre a possibilidade de ingresso de ação específica para controle de constitucionalidade em face de normas que afetem a classe/categoria/setor econômico. No mais, há de se observar, em cada ação a ser ajuizada, a pertinência material da legislação atacada com os interesses do setor econômico interligado.

Importa trazer à discussão que o art. 59 do Código Civil aponta que cabe à Assembleia Geral de uma Associação a destituição dos administradores, bem como a alteração do estatuto social, conforme segue in verbis:

Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

I – destituir os administradores; (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

II – alterar o estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Com efeito, por não haver restrição legal a respeito da constituição dos administradores de associações, é plenamente possível que a diretoria da associação nacional a ser criada seja vinculada e controlada pela instituição "criadora" da associação das associações, da forma mais conveniente aos membros e aos interesses dos associados.

Frente ao exposto, aponta-se que a criação de uma associação de associações, vinculada a uma associação nacional sem legitimidade para ajuizar ações em sede de controle de constitucionalidade, estruturada no modelo aqui sugerido, e atendidas todas as condicionantes jurisprudenciais, resultará no surgimento de uma entidade de classe de âmbito nacional, legitimada para a proposição de ADI e afins, nos termos do art. 103 da CF.

Sobre a autora
Camila Machado Lima

Advogada na área de Direito Público. Pós-Graduanda em Direito Administrativo pela PUC Minas. Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Membro da Comissão de Estudos Constitucionais OAB-CE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Camila Machado. A associação de associações e o controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5535, 27 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/68434. Acesso em: 24 nov. 2024.

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