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Dignidade sexual do idoso

03/10/2022 às 16:55
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A sexualidade na terceira idade deve ser tratada não como um tabu, mas como uma questão de saúde e de dignidade humana.

Introdução

Quando se fala em idoso, em geral, dissocia-se o aspecto sexual de sua vida, sendo, assim, um assunto ainda tabu. É um fato que o envelhecimento não dessexualiza o ser humano. Pelo contrário, as mudanças fisiológicas dessa fase podem até modificar o desejo, porém não o terminam. O próprio Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) sequer reproduz o verbete sexualidade. Entretanto, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a atividade sexual é um dos sete aspectos utilizados para medir a qualidade da vida de uma pessoa.

Desse modo, por se tratar de um aspecto inerente ao ser humano, podendo influenciar sua saúde tanto física quanto mentalmente, deve-se conhecer e adaptar-se às mudanças da terceira idade, de modo a manter uma prática sexual prazerosa e segura.

Outro fator a ser de destaque é a negligencia ao tema pelo entretenimento de massa. Nos filmes, em geral, o tema é abordado de forma cômica, ou, ainda, vexatória. A idade máxima de sua representação é, em média, até os 60 para o homem e 50 para as mulheres. Porém, com o aumento da expectativa de vida e revolução sexual vivida nos últimos tempos, espera-se que haja maior diálogo e aceitação a respeito do tema.

Preconceito na Sociedade

A sexualidade sempre esteve bastante atrelada à reprodução. Ademais, a expectativa de vida também costumava ser mais baixa, de modo que poucas pessoas atingiam a terceira idade em condições adequadas de saúde para a prática do ato sexual. Soma-se a esses aspectos, por fim, a criação em ambientes mais repressores e religiosos, que viam o sexo como um pecado. Tal informação encontra respaldo inclusive na jurisprudência, a ver:

"As múltiplas concepções de sexualidade e de velhice existentes na maioria das sociedades industrializadas estão impregnadas de mitos, crenças, preconceitos e falsos estereótipos, sendo um dos mais prevalecentes e negativo, a idéia da velhice assexuada ou sexlessold age. Portanto, o contexto pós-Viagra sugere-nos que a problemática do envelhecimento e da sexualidade na terceira idade, carece de um "novo olhar" e devem tornar-se prioritários para todas as pessoas da sociedade civil e para os responsáveis políticos. A evolução sociodemográfica faz do grupo dos indivíduos situados na "terceira idade" um grupo cada vez mais significativo, pelo que urge compreender melhor as suas necessidades psicossociológicas, dando-lhe especial relevância.

Nas sociedades orientais, os idosos são valorizados pela sua sabedoria e pelos conhecimentos que detém. Essa concepção prevaleceu por algum tempo também em algumas sociedades ocidentais mais antigas. Actualmente os idosos passam porinúmeras situações de desrespeito e, até mesmo, desprezo culminando com a exclusão social dos mesmos, por serem considerados improdutivos por uma grande parcela da sociedade. Não é raro encontrarmos idosos ignorados eou abandonados no próprio seio familiar."

STJ: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 313.501 RS (grifou-se)

Todos esses fatores ajudaram na crença social de que o sexo é característica da juventude. Há a exigência de que os homens não podem falhar e as mulheres têm de ter beleza e juventude como fontes únicas de atratividade, causando uma diminuição do sexo na terceira idade. Em geral, admite-se que nos homens, por volta dos 60 ou 70 anos, a atividade sexual declina e, depois, desaparece de vez. Em relação às mulheres, a crença é que o fenômeno seja ainda mais precoce. A moral vigente durante séculos reforçou o mito de que o momento da menopausa e a consequente perda da capacidade de gerar filhos marcavam o fim do interesse sexual feminino.

Entretanto, do ponto de vista médico, o papel da sexualidade após os 60 anos é de fundamental importância para a saúde física e psíquica de homens e mulheres mais velhos. Estamos, aos poucos, devido às mudanças ocorridas na sociedade e a quebra da moral vigente, aprendendo a lidar com o fato de que a vivência da sexualidade não se restringe à juventude e à reprodução, sendo continuada durante a terceira idade.

Direito à Saúde

A Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, garante tanto em seu preâmbulo, quanto em seu artigo 1º a dignidade da pessoa humana. Esse preceito também é reiterado no artigo 230, in verbis:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Também o Estatuto do Idoso (lei nº10.741/2003), em seu artigo 2º estabelece que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Igualmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) garante que o direito de se viver a sexualidade é tão fundamental e universal quanto o direito à vida. Desse modo, entende-se constitucional e infraconstitucionalmente garantido o direito do idoso a uma vida sexual de qualidade.

Dignidade Sexual da Pessoa Humana

A dignidade sexual é um direito fundamental de todos os indivíduos a desenvolverem e expressarem as particularidades de sua sexualidade.Trata-se de um desencadeamento lógico do princípio maior da dignidade da pessoa humana, estando esse incorporado tanto na Constituição de 1988 quanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

"Se a liberdade sexual está firmemente estabelecida, outras liberdades invariavelmente a irão seguir. Uma sociedade que valoriza a liberdade de expressão erótica do indivíduo necessariamente estabelecerá as condições em que outros direitos humanos e liberdades civis serão gerados, estabelecidos e protegidos."

Barnaby B. Barratt, extraído de Why Sexual Freedom is a Fundamental Human Right, An Introduction to Woodhull Sexual Freedom Alliances State of Sexual Freedom Report.

Entretanto, por séculos, sexo e dignidade não pareciam pertencer ao mesmo universo, consequência em grande parte dos discursos propagados pelas religiões ocidentais que difundiram na sociedade a ideia de que o sexo estaria diretamente relacionado ao pecado, e a virgindade, sua antagonista, a pureza. Felizmente, essa fase já foi em certa parte superada, como demonstra o tratado Joy of Love escrito pelo Papa Francisco.

Foi somente nas décadas de 60 e 70 que a concepção de uma sexualidade mais liberta tomou força em âmbito mundial, ficado conhecida como a revolução sexual. Comandada principalmente, mas não exclusivamente, por jovens, o movimento se apresentou como aquele que traria à sociedade debates que iriam muito além de meras liberdades individuais (como a liberdade de manutenção de relações que não fossem as heterossexuais ou monogâmicas), mas também aqueles que invadiriam a esfera pública, como a utilização de métodos contraceptivos e a regulamentação do aborto.

As consequências do movimento repercutem nos dias atuais tanto na formação de um novo status-quo social como no âmbito estatal, com a adoção de legislações e políticas públicas destinadas a garantir o atendimento e a inclusão de um número maior de indivíduos e realidades a esfera de proteção do Estado. Obviamente, muitos dos indivíduos hoje idosos vivenciaram ativamente essas mudanças, sendo talvez a primeira geração que efetivamente venha a experimentar a ideia de uma dignidade sexual.

Das Mudanças Fisiológicas da Terceira Idade

É sabido que o envelhecimento é um processo dinâmico de modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam algumas perdas de capacidade e adaptação. Neste período da vida, em que o indivíduo experimentará a diminuição de diversas funções, entre elas, da potência sexual, a adaptação é fundamental. Vale ressaltar que a idade não dessexualiza o indivíduo, o que ocorre, na verdade, são apenas modificações quantitativas da resposta sexual, isto é, a vida sexual transforma-se constantemente ao longo de toda a evolução individual, porém, só desaparece com a morte.

Dentre as principais mudanças físicas e psicológicas que ocorrem nesta faixa etária, para o homem, podemos citar a velocidade com que ocorre resposta ao estímulo sexual, uma vez que este está acostumado a ter uma ereção rápida e a ideia de ter uma ereção de forma lenta é extremamente frustrante. Na mulher, a diminuição da produção de hormônios provoca significativas alterações, tanto no desejo quanto na excitação. Em mulheres as mudanças sexuais ocorrem mais lenta e progressivamente.

Em linhas gerais, o homem sofre com a incapacidade de obter uma ereção peniana adequada para a penetração vaginal dentre outros problemas que, entre eles, a ejaculação precoce e a inibição do desejo sexual ou perda da libido. Uma ereção normal exige estímulos sexuais presentes e um sistema nervoso funcionalmente adequado. Em relação aos distúrbios psicológicos, a disfunção erétil está muito ligada á ansiedade, entre outros fatores.

Para a sexualidade masculina, os hormônios são essenciais. A redução na produção hormonal é responsável pela perda do interesse sexual e redução da emissão seminal, ocorrendo também a redução da frequência, magnitude e latência da virilidade masculina. A falta de produção de testosterona pode ocasionar uma disfunção sexual relacionada com a perda do desejo sexual que não raramente evolui para a disfunção erétil. A deficiência na sua produção pode depender da alteração da função da hipófise, da má função dos testículos ou do excesso de prolactina.

As mulheres perdem a capacidade de reprodução, aproximadamente, 40 anos após a maturidade sexual, ou quando estão chegando aos 50 anos de idade. Nesta fase, o número de óvulos imaturos em cada ovário se aproxima de zero.

A produção de hormônios femininos fundamentais (estrogênio e progesterona) pelos ovários cessa com a menopausa. Por isso ocorrem muitas alterações no sistema reprodutivo feminino, dentre elas podemos citar o afinamento da parede vaginal, a redução no tamanho e a perda da elasticidade, as secreções vaginais e a acidez diminuem resultando em ressecamento vaginal. Além disso, ocorre também a diminuição do tônus do músculo pubococcígeo resultando no relaxamento da vagina e do períneo, que pode chegar a causar incontinência urinária. Essas alterações acabam por contribuir para o sangramento vaginal e coito.

É importante salientar que homens e mulheres podem continuar tendo uma vida sexual satisfatória, desde que adaptem as suas mudanças fisiológicas.

Viagra: Desdobramentos da Fabricação e Comercialização

O Viagra é a forma sob a qual é vendido o fármaco Citrato de Sildenafila, utilizada no tratamento, principalmente, da disfunção erétil do homem, conhecida popularmente como impotência sexual, no caso do Viagra, afamado pelo seu característico comprimido azul.

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Esse medicamento foi pioneiro no tratamento da disfunção erétil masculina, desempenhando um importante papel na garantia da vitalidade sexual de uma grande parcela de homens no mundo, principalmente na faixa etária que engloba a terceira idade, tendo sido receitado ao menos 223 milhões de vezes para pelo menos 37 milhões de homens no planeta e fazendo com que o laboratório que o desenvolveu, a saber Pfizer, tenha obtido 2 bilhões de reais em rendimentos com suas vendas no ano de 2012.

Nas farmácias brasileiras, uma caixa de Viagra 25mg com quatro comprimidos custa R$ 70,75, mas algumas drogarias online anunciam a caixa por R$ 55,00. O genérico da Medley ou da EMS sai por R$ 30,00[2].

Com base na informação acima, e considerando o baixíssimo valor empregado nas aposentadorias da nossa população idosa, é nítido que a aquisição de tal medicamento que por inúmeras vezes representa a única alternativa para uma vida sexual saudável fica comprometida, devido ao seu elevado valor.

Com esse cenário em mente, em 2010, por decisão do STJ, em reposta a recurso do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a patente do Viagra caiu conforme entendimento do colegiado de que patentes internacionais, cuja extensão atinge outros países (pipelines), findam-sequando extintas no seu país de origem, conforme acontecido com Viagra no Reino Unido.

Com essa decisão, qualquer laboratório poderá fabricar medicamentos com o mesmo princípio ativo que garante o sucesso do Viagra, repisa-se Citrato de Sildenafila, ou seja, agora existirão no mercado nacional versões genéricas desse afamado medicamento para impotência sexual.

Dentre as inúmeras consequências dessa decisão, relativa ao fim de sua patente, temos o barateamento do remédio, o que facilitará o acesso por parte dos homens, com ênfase nos objeto desse trabalho, os idosos, e consequentemente sua maior dignidade sexual. Ainda, deve-se observar a redução significativa da venda ilegal pela internet, bem como dos falsos comprimidos vendidos a preços mais baratos.

Conclusão

Com todo o exposto, fica claro que a questão da sexualidade na terceira idade deve ser tratada não como um tabu, mas como uma questão de saúde e de dignidade da pessoa humana.

Deve ser levado em consideração que as mudanças fisiológicas pelas quais as pessoas passam ao envelhecer são apenas mais uma fase da vida sexual da pessoa, não o seu fim. A menopausa e a dificuldade de ereção são questões que, com a tecnologia e medicina atuais, podem ser controladas.

Devem ser superados os preconceitos perpetuados pela sociedade através dos filmes e séries de televisão que tratam a sexualidade do idoso como um tópico cômico e deve-se tentar realmente retratar e discutir a realidade sexual da pessoa idosa.


Bibliografia

https://www.abcdasaude.com.br/sexologia/sexo-na-terceira-idade

http://m.economia.estadao.com.br/noticias/geral,viagra-perde-a-patente-e-ganha-concorrentes-mais-baratos,157221e

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI137363-15228,00.html

http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/04/stj-derruba-patente-do-viagra.html

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Gustavo Castilho. Dignidade sexual do idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7033, 3 out. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100066. Acesso em: 27 abr. 2024.

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