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Os acordos da administração pública e a construção da certeza jurídica

15/10/2022 às 19:10
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Se acordos feitos no âmbito do CADE tendem a ser uma resposta mais rápida e efetiva, eles também acabam por turvar a clareza dos limites da legalidade.

Os acordos da administração pública podem ser um reflexo e efetivação do principio da eficiência impresso pelo Artigo 37, caput, da nossa Constituição. A retomada da democracia tirou a Administração Pública da posição, na figura do Poder Executivo, de inquisidor que os ditadores militares lhe davam. Como bem colocado pelos textos, sancionar talvez não seja sempre o melhor meio de dar efetividade para o Poder de Polícia. Assim, a ideia de transação foi sendo introduzida em nosso ordenamento jurídico por meio de tal permissão em variados diplomas até se consolidar na figura do artigo 26 da LINDB, tornando-se diretiva aplicável a toda Administração Pública.

Uma classificação útil colocada é a distinção de acordos substitutivos da atividade sancionatória e acordos integrativos. Nesse sentido, há um enfoque muito maior no que se denomina por acordos substitutivos do que nos acordos integrativos. E aqui seria interessante colocar uma diferença entre o papel das agências reguladoras e do CADE, por exemplo. Um tende a regrar mercados mais sensíveis a falhas de mercado. Outro tende a atuar na busca da criação de condições que permitam a maior proximidade possível da concorrência perfeita. Porém, tanto agências quanto o CADE têm usado em demasia os acordos como forma de fazer com que os agentes econômicos cumpram com interpretações normativas que possam ter sido violadas. Isso pode ser um sinal de que normativas regulatórias não tenham clareza ou seja demasiada abertas de modo que a sua aplicação seja quase confundida com discricionariedade, podendo ser contestada muitas vezes no Judiciário.

Se, por um lado, tais acordos dão mais segurança jurídica na medida em que reforçam o enforcement do poder de polícia; por outro lado, o uso demasiado dos acordos substitutivos também pode gerar insegurança jurídica, quando a substituição quase que total do sancionamento pelos acordos acaba retirando marcos claros sobre o que pode ser considerado legal daquilo que poderia ser considerado ilegal. Esse é a crítica que muitas vezes se faz à política de acordo do CADE, pois se acordos tendem a ser uma resposta mais rápida e efetiva, eles também acabam por turvar a clareza dos limites da legalidade.

Tendo em vista esse cenário e a busca por maior efetividade do poder de polícia por meio dos acordos é que talvez agências reguladoras pudessem dar maior enfoque para os acordos integrativos como forma de que os agentes econômicos tenham cada vez mais clareza sobre o conjunto de ações que sejam considerados legais daqueles que sejam considerados ilegais. Em vez de remediar, a Administração Pública talvez pudesse buscar usar acordos para prevenir possibilidades do uso do Poder de Polícia para sancionar. Ainda, se o papel das Agências é o de mitigar as falhas de mercado dos setores em que atuam, então Acordos denominados integrativos poderiam dar ao Estado um papel mais ativo no sentido de promover justamente tal mitigação de falhas de mercado. Na mesma linha, se o CADE acaba por ter um papel mais passivo e reativo do que ativo, então a interação do CADE com a SEAE e com outros órgãos reguladores poderia ser mais propositiva no sentido de que os regramentos de mercado pudessem absorver mais as demandas dos stakeholders e traduzir tal interação em uma normatização que pudessem dar clareza e incentivar os agentes de mercado a agirem de modo a promover um mercado cada vez mais próximo da concorrência perfeita, dando maior efetividade para o livre mercado e beneficiando toda a sociedade.

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Sobre o autor
Kemil Raje Jarude

Advogado e Vice-Presidente da Câmara Júnior Brasil-Alemanha. Bacharel pela FDUSP e Especialista em Direito Alemão pela Universidade Ludwig-Maximilians de Munique – Alemanha. Também sou pós-graduando em Direito Concorrencial e Regulatório pela FGV-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARUDE, Kemil Raje. Os acordos da administração pública e a construção da certeza jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7045, 15 out. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100674. Acesso em: 28 abr. 2024.

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