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A democracia e as Forças Armadas à luz do art. 142, cabeça, da Constituição Federal de 1988 - Poderes desarmados versus poder armado

As Forças Armadas e o pseudo poder moderador

13/11/2022 às 14:00
Leia nesta página:

Trata-se de uma análise a respeito do processo eleitoral brasileiro de 2022; da ocorrência do ilícito de "aporofobia eleitoral" perpetrado por agentes da Polícia Rodoviária Federal contra pobres nordestinos.

José, doravante, Rapaz, filho de Tereza Carrar.

Tereza Carrar, Mulher de Pescador, doravante, Mãe.

Esses discursos não são diferentes daqueles que ouvíamos em Valência disse a Mãe ao Rapaz.

O Rapaz devolveu: - Por que não diz logo que são melhores?

Você sabe que eu não acho melhores: por que eu iria torcer pelos Generais? Sou contra todo derramamento de sangue respondeu a Mãe.

O diálogo acima é da peça Os Fuzis da Senhora Carrar, do teatrólogo e poeta alemão, Bertolt Bretch (1898-1965).

A peça foi desenvolvida sob a tensão da ocupação do fascismo espanhol sob os discursos ufanistas da ditadura (1936-1975) de Francisco Franco na Espanha.

A sra. Carrar havia perdido o marido e, ainda assim, recusava ceder os fuzis para os companheiros da oposição fascista do General Franco, este, apoiado pela igreja de Roma.

Em maio a tensão dos diálogos, a sra. Carrar responde à Manuela: (...) É Governo para cá e Governo para lá. E quem vai ao matadouro somos nós!

Enquanto a democracia ia ruindo e o povo grassando na pobreza sobre as ordens do ditador Franco, muitos optaram pela pseudoneutralidade, como se fosse possível. Ora, tal como a Espanha catolicizada , o que acontece no Brasil de formação católica caminhando para a formação de um cristofacismo de mercado de Paulo Guedes (ministro da Economia) que forja milhões à pobreza enquanto uma dezena de afortunados se tornam bilionários? Que exegese cristiana é essa que exclui do centro da práxis teológica a verve do apóstolo Tiago: Aquele, pois, que sabe fazer o bem e näo o faz, comete pecado (Novo Testamento, Epístola de Tiago, cap. 4, versículo 17)?

Convém ouvir a sabedoria da resposta que a jovem Manuela devolveu à sra. Carrar na peça de Brecht: Por causa de gente como a senhora é que estamos no ponto em que chegamos. É por causa de gente como os pseudoneutro, é que chegamos ao ponto de crise, de tensão que chegamos. E como ensina a etimologia grega, crise é o momento de forjar uma saída; uma ponte que sinalize a reedificação do tecido social para o cumprimento dos objetivos constitucionais plasmados na Constituição Federal de 1988, art. 3º.

No processo eleitoral recém encerrado, às urnas sufragaram o candidato Lula/Alckmin para guiar o povo nos próximos quatro anos. E que assim seja. A começar, que possamos resgatar o diálogo e a cooperação entre os povos latino-americanos segundo escólio do art. 5º da Carta Cidadã, já que o mandatário que entregará o cargo teve a proeza de fazer do Brasil um pária internacional.

Nem os melhores profetas conseguiriam prever que a cátedra do Barão de Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos (1845-1912), seria blasfemada por um protofascista e sua claque ufanista da ditadura civil-militar brasileira.

E pensar que no passado os fascistas tinham Carlos Lacerda à frente, um exímio orador? E hoje são liderados por um inquilino do Código Penal e deveras infrator dos princípios da Administração Pública escritos no art. 37, da CRFB/88.

Dito isso é que passamos a discorrer sucintamente acerca do papel das Forças Armadas segundo o art. 142 da Constituição de 1988.

É que o artigo 142, cabeça da carta cidadã de 1988, resulta da deposição dos poderes armados (ditadura civil-militar) pelos poderes civis da sociedade brasileira.

Sob a égide das democracias liberais na qual o Brasil e suas instituições de assentam na ordem vigente, as Forças Armadas são estão à serviço do Estado e não à (des)serviço do déspota de ocasião, que busca se valer da retórica ufanista militar para resgatar um passado inglorioso, manchado de sangue da neutralidade dos omissos frente os desafios do seu tempo, para ficarmos numa metáfora à sra. Carrar.

Segundo o ministro Luis Roberto Barroso do STF, o art. 142 é "norma de eficácia plena, que não suscita dúvidas sobre a posição das Forças Armadas na ordem constitucional" vigente.

(...)

"Nos quase 30 anos de democracia no Brasil sobre a Constituição de 1988, as Forças Armadas têm cumprido o seu papel constitucional de maneira exemplar: profissionais, patrióticos e institucionais.  Presta de serviço ao país quem procura atirá-las no varejo da política".

(...)
E emenda: "Nenhum elemento de interpretação literal histórico sistemático ou teleológico autoriza da área o artigo 142 da Constituição o sentido de que as forças armadas teriam uma posição moderadora hegemônica.

(...)
Interpretações que liguem as Forças Armadas à quebra da institucionalidade, à interferência política e ao golpismo, chegam a ser ofensivas" (STF, MI, 7311, min. rel. Luis Barroso, j. 10 de junho de 2020. DJe 12 de junho de 2020).

Os atos golpistas e criminosos de obstrução integral de fechamentos de ruas e artérias que ligam as rodovias e vicinais Brasil afora após a deposição do presidente em exercício pelas urnas que sufragaram o candidato da coligação Brasil da Esperança (Lula/Alckmin) acendeu o alarme de incêndio.

Acaso seria possível defender a democracia apenas com redação de notas à imprensa enquanto às ruas são infetadas de fungos e bactérias fascistas que regurgitam nas redes sociais todo tipo de palavrório criminoso, chauvinista, xenofóbico, aporofóbico etc.?

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O profeta da semiologia Umberto Eco alertou: As redes sociais darão voz a todo tipo de imbecis, nós é que não demos conta de controlar democraticamente a forma como esses grupos transnacionais da mídia (twitter, facebook, Instagram, TikTok, etc.) poderiam atuar respeitando a soberania e os interesses nacionais.

Os atos da horda golpista começaram no dia anterior ao dia do voto, quando o ministro da Justiça anunciou em suas redes uma série de ações da Polícia Rodoviária Federal a ser executadas no país durante as eleições.

Já prevendo o pior, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, havia proibido[1] o diretor-geral da Polícia Federal de obstruir ou prejudicar ou impedir os eleitores de comparecer às urnas para sufragar o candidato de sua confiança. Deu no que era esperado, no dia das eleições a PRF realizou aquilo que nominamos de aporofobia eleitoral (Adela Cortina, Aporofobia: a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. Contracorrente, 2020.

A nosso juízo, a ação da polícia rodoviária federal resultou no maior escândalo de aporofobia eleitoral do período pós-88 no Brasil ao realizar operações que dificultaram, obstaculizaram, impediram ou visavam impedir no todo ou em parte, o desejo de milhares de eleitores sufragarem seu candidato nas urnas, principalmente na região nordeste onde o candidato da chapa Brasil da Esperança recebeu mais votos, conforme previa as pesquisas de intenção de voto.

A PRF ao realizar ações desse viés voltadas em desfavor dos grupos mais pobres e desprovidos de condição material e de locomoção, principalmente num país que insiste não garantir o direito social ao transporte público (Emenda 90/2015) - de qualidade -, quiçá falar em gratuidade determinada pelo Supremo (STF, ADPF 1013, min. Luis Roberto Barroso) foi tratada com desdém por muitos entes da federação que procuraram criar óbices para descumprimento, são ações típicas de que o aparato policial está entregue a grupos fascistas. Não é crível que sejamos neutros em tempos de crise.

Com precisão cirúrgica disse o ministro Alexandre de Moraes (STF): A democracia não é um caminho fácil, não é um caminho exato, não é um caminho previsível, mas é o único caminho[2] . Caminho este que, a nosso juízo, para ser pavimentado com segurança e respeito à democracia participativa (parágrafo único, do art. 1º, CRFB/88) e em respeito à soberania popular (art. 14, cabeça, do r. texto), urge punição exemplar pelo desvio de finalidade e violação ao princípio da moralidade administrativa aos responsáveis pelos atos deflagrados pela PRF no dia das eleições que, conforme suscitamos, visaram especialmente desestimular e desesperançar física e psicologicamente os nordestinos de comparecer às urnas o candidato de sua preferência.

Que nossas Instituições de Estado possam valer-se do mesmo rigor contra quem liderou e deu apoio moral e financeiro aos atores dos atos golpistas perpetrados pela matilha fascista Brasil afora que terminou por prejudicar milhões de brasileiros com os fechamentos de vias e rodovias. Como dizia os romanos: dura lex sed lex (A lei é dura mas é lei).

Enfim, democracia é condição de participação da sociedade por meio do controle social; é direito à accountability; democracia é o poder desarmado controlando os poderes armados (Forças Armadas), nos termos da Constituição da República, esta sim, Senhora de todos nós, seus súditos.

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Sobre o autor
Lucas Gabriel Pereira

Advogado (criminal e administrativo), especialista em Direito Municipal - ética e efetivação de direitos fundamentais pela FDRP/USP-Ribeirão; presidente do Conppac (Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto), ex-representante da 12ª Subseção da OAB-SP na Câmara Municipal de Ribeirão Preto/SP (2019) e ex-presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da 12ª Subseção da OAB do Estado de São Paulo (2019-2021).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Lucas Gabriel. A democracia e as Forças Armadas à luz do art. 142, cabeça, da Constituição Federal de 1988 - Poderes desarmados versus poder armado: As Forças Armadas e o pseudo poder moderador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7074, 13 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100970. Acesso em: 23 nov. 2024.

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