Capa da publicação Discursos de posse na Nova República: Forças Armadas e Judiciário
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Das Forças Armadas e do Poder Judiciário sob o prisma dos discursos presidenciais da Nova República.

De Sarney a Dilma

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21/12/2022 às 23:10
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Resumo: O presente artigo objetiva analisar os discursos proferidos pelos diversos Presidentes da Nova República (de Sarney à Dilma), de modo a verificar como se operou a evolução do status institucional das Forças Armadas e do Poder Judiciário ao longo da história brasileira, bem como identificar como se dava o pretérito emprego das Forças Armadas como instrumento de estabilização política.

Palavras-chave: Forças Armadas. Poder Judiciário. Estabilização política.


1. Introdução

A construção do presente artigo partiu de uma premissa: a de que os discursos, notadamente aqueles articulados por ocasião da assunção do mandato presidencial, abarcam, representam e refletem parte da história nacional, o que nos inspirou a analisar os pronunciamentos de posse realizados pelos Presidentes na Nova República, desde JOSÉ SARNEY até DILMA ROUSSEFF.

Nesse sentido, FERNANDO LYRA, então Deputado Federal, na qualidade de líder do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em discurso publicado no Diário do Congresso Nacional de 2 de abril de 1975, afirmou que os discursos, como testemunhos de uma época, "integram o acervo histórico de qualquer povo civilizado, valendo como fonte das mais originais e autênticas para fixar o grau de desenvolvimento político". (BRASIL, 1975, p. 2)

Tendo em vista o escopo a ser alcançado pelo texto ora introduzido, a empreitada limitou-se a identificar, fragmentar e analisar, especificamente, o ponto de vista anunciado por cada Presidente em relação às Forças Armadas e ao Poder Judiciário, de modo a buscar informações que possibilitassem verificar a respectiva trajetória institucional em momentos pretéritos.

Para tanto, foram examinados diversos discursos presidenciais, sendo que, em alguns casos, tendo em vista a inexistência de uma preleção de posse, outros, relativos a momentos posteriores, foram sopesados em substituição, adotando-se, em qualquer caso, o critério cronológico.

Obviamente, como não poderia deixar de ser, permitimo-nos, em alguns momentos, extrair certas inferências dos fragmentos textuais transcritos, para, em seguida, consignar a nossa própria observação acerca dos fatos, tudo historicamente relacionado com o tema de fundo abordado no trabalho.


2. Dos Discursos de João Figueiredo.

Para uma perfeita compreensão a respeito do que antecedeu ao advento da Nova República, cumpre analisar alguns discursos proferidos por JOÃO FIGUEIREDO, peças fundamentais para a compreensão do desenrolar histórico a partir de 1985.

Uma vez eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, o General JOÃO FIGUEIREDO, o último Presidente militar, passa a exercer o cargo em 15 de março de 1979, nele permanecendo até 15 de março de 1985, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, promulgada por GEISEL com amparo no AI nº 5, passou a fixar o mandato presidencial em 6 anos. Também da ala liberal, FIGUEIREDO assume o governo reafirmando a concepção de abertura política inaugurada pelo mandatário antecessor. Ao receber a faixa presidencial, FIGUEIREDO proferiu, em síntese, as seguintes palavras a respeito do movimento político-militar de 1964:

Reafirmo, portanto, os compromissos da Revolução de 1964, de assegurar uma sociedade livre e democrática. Por todas as formas a seu alcance, assim fizeram, nas circunstâncias de seu tempo, os presidentes Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.

Reafirmo: é meu propósito inabalável dentro daqueles princípios fazer deste País uma democracia. As reformas do eminente Presidente Ernesto Geisel prosseguirão até que possam expressar-se as muitas facetas da opinião pública brasileira, purificado o processo das influências desfigurantes e comprometedoras de sua representatividade. Reafirmo: sustentarei a independência dos poderes do Estado e sua harmonia, fortalecendo, para que atinja sua plenitude, a Federação sonhada pelos fundadores desta Pátria. [...].

Reafirmo o meu gesto: a mão estendida em conciliação. Para que os brasileiros convivam pacificamente. Para que as divergências se discutam e resolvam na harmonia e na boa vontade, tão da índole de nossa gente. [...].

Preocupada com o bem comum.

Vigilante na preservação da ordem pública e dos direitos das pessoas e da sociedade. Firme na segurança das instituições.

Prudente e serena na utilização dos instrumentos legais existentes para esse fim. (BRASIL, 1979)

Nota-se, perfeitamente, o tom conciliador que permeou o aludido discurso, provavelmente uma das razões explicáveis para o fato de FIGUEIREDO, como já havia feito GEISEL, não ter se dirigido expressamente às Forças Armadas, cujo protagonismo começava a se esvaecer. Afinal, naquele momento, já estava devidamente traçado o derradeiro rumo a ser dado ao movimento de 1964, qual seja, o afastamento dos militares da trama política.

Com efeito, em perfeita sintonia com o referido propósito de conciliação nacional, e após amplo debate, é sancionada por FIGUEIREDO, em 28 agosto de 1979, a Lei nº 6.683 (Lei de Anistia), cujo art. 1º, caput, concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

Não obstante ter silenciado quanto à caserna no discurso de posse, FIGUEIREDO, logo em 19 de março de 1979, na primeira reunião ministerial, refere-se expressamente às funções das Forças Armadas:

Nossas Forças Armadas, tranquilas no cumprimento do dever, saberão garantir-nos o grau de segurança indispensável à presença soberana do País no cenário internacional. Não deixarão, por outro lado, de assegurar a ordem e a paz internas, necessárias à participação política do povo na vida nacional. (BRASIL, 1979)

Mesmo diante dessa inegável tonalidade pacificadora, a década de 80 do século passado experimentaria sérias reações à proposta de abertura política, em curso desde GEISEL. Grupos de direita radical, numa completa aversão ao projeto em trâmite, perpetram odiosos atos de cunho terrorista, sendo o mais emblemático deles o que se deu em 1981, no conhecido Caso Riocentro, quando duas bombas explodiram durante um show comemorativo ao Dia do Trabalho. A ocorrência deste e de outros atentados reforçam o nosso entendimento de que as Forças Armadas, naquela quadra, já não ostentavam o mesmo poder político de antigamente, fato que era do amplo conhecimento dos próprios militares, sobretudo os liberais, tanto que alguns segmentos da caserna (os ditos radicais) tentavam a todo custo recuperar terreno e paralisar a inevitável distensão. Era o sinal inequívoco de que as próprias Forças Armadas não pretendiam mais prorrogar o exercício do poder. Estava esgotado, assim, o emprego das instituições militares como elemento de estabilização de crise.

Como que se estivesse preparando o novo caminho a ser trilhado pelas Forças Armadas a partir de 1985, FIGUEIREDO, quando de seu penúltimo discurso em cadeia nacional de rádio e TV, abordou o tema Defesa Nacional, sinteticamente:

Não se pode improvisar a Defesa Nacional. É preciso contar com estruturas permanentes, com alto nível de especialização, flexibilidade para renovação constante, tanto nas concepções estratégicas e táticas como nos instrumentos de combate. Porque a Defesa Nacional exige o máximo de eficácia, que só se consegue pela dedicação total das pessoas engajadas, pelo treinamento constante, pelo domínio dos avanços tecnológicos. [...].

Em que consiste a Defesa Nacional? É uma tarefa ciclópica que exige recursos tecnológicos avançados de poder de fogo de transporte e da eletrônica. É um papel estratégico que exige a perfeita integração entre Exército, Marinha e Força Aérea, na defesa conjunta do território, do mar e do espaço aéreo nacionais. [...].

As Forças Armadas têm também o dever de zelar pela segurança interna e pela nossa tranquilidade institucional. A união, a coesão das Forças Armadas, voltadas para a sua missão profissional, é fator decisivo para a manutenção do equilíbrio político e institucional de qualquer país.

A História nos mostra que o rompimento da coesão militar e o desvio das forças militares para servir a ambições de poder pessoal levam a crises violentas e demoradas, a perdas valiosas de vidas e de bens que deixam cicatrizes profundas na convivência de uma comunidade.

Essa ameaça estava presente quando fizemos a Revolução de 1964. Os fatores de controvérsia e divisão foram afastados e superadas as ambições pessoais. Prevaleceu, nestes 20 anos, o sentido da missão institucional; prevaleceu a doutrina de apoiar a nossa sociedade no caminho da democracia.

Antes de 1964, a situação das Forças Armadas deixava muito a desejar. O armamento era obsoleto, quase todo o material era importado. Os efetivos do Exército, da Marinha e da Força Aérea estavam dispostos apenas pelo litoral e pela fronteira sul do País.

Nestes 20 anos, fizemos um esforço sistemático para trazer as Forças Armadas ao nível compatível com o crescimento nacional. Forças Armadas eficientes e modernas implicam despesas. O avanço tecnológico dos instrumentos de combate exige elevado nível tecnológico de preparo dos homens para manejá-los.

O processo de modernização e equipamento das Forças Armadas obedeceu e obedece a critérios rígidos de economia, em vista da escassez dos recursos orçamentários, sempre aquém das necessidades dos vários setores da atividade governamental. [...].

A Força Aérea, a Marinha e o Exército precisam, portanto, de contar com a aparelhagem adequada. É imprescindível que cada uma dessas Forças disponha de sistemas de detecção, como o radar, o sonar, etc., apropriados às suas missões específicas. Também é imprescindível que cada Força conte com armas capazes de causar dano sobre o adversário; precisa da organização logística adequada, de apoio, abastecimento e administração; é preciso uma estrutura de comando e de estado-maior para estudo, decisão e execução quanto a estratégias e alternativas de ação.

A missão específica do Exército consiste na defesa do nosso imenso Território. Por isso, a modalidade das tropas terrestres e o poder de fogo por unidade são fatores fundamentais para a execução dessa tarefa. Hoje, a nossa r Infantaria, a Cavalaria blindada e a Artilharia dispõem de armamento e mobilidade adequados às suas missões específicas. [...]. (BRASIL, 1984)

No dia 28 de dezembro de 1984, FIGUEIREDO, despedindo-se em cadeia nacional de rádio e TV, reconheceu e apontou a quem cabe conduzir a cena política:

A democracia, que queremos plena, oferece à sociedade os meios para o seu contínuo aperfeiçoamento, para a solução racional dos seus próprios problemas e de suas crises. A política, como arte do diálogo, da argumentação e do compromisso, retoma, nesse quadro, a posição que lhe cabe no comando da sociedade. [...]. (BRASIL, 1984)


3. Dos Discursos dos Presidentes da Nova República.

Nova República é a designação dada ao período iniciado a partir do fim do Regime Militar, sendo caracterizado pela democratização do país.

3.1. José Sarney.

Malgrado o processo de abertura, o remanescente poder político dos militares era induvidoso e ainda haveria mesmo de se revelar, mormente quando do debate em torno da assunção de JOSÉ SARNEY, então Vice-Presidente, em substituição a TANCREDO NEVES, o primeiro civil, desde CASTELLO BRANCO, eleito (indiretamente) para o cargo presidencial, cuja posse, marcada para 15 de fevereiro de 1985, não chega a acontecer, tendo em vista grave doença que o acomete, vindo a falecer em 21 de abril do mesmo ano.

O cenário, com o falecimento de TANCREDO, era mesmo propício para se por à prova a solidez do processo de democratização em andamento. Diante do quadro de saúde do Presidente eleito, SARNEY, com a chancela dos militares, toma posse em 15 de março de 1985.

O discurso proferido na ocasião é por demais sucinto, destacando-se muito mais a interinidade que marcava aquele momento. Por isso, nenhuma referências às Forças Armadas e a qualquer outra medida a ser tomada pessoalmente pelo substituto.

Com a morte de TANCREDO, SARNEY passa a exercer, por sucessão, a Presidência da República a partir de  21 de abril de 1985, ocasião em que, através de pronunciamento realizado em cadeia nacional de rádio e TV, afaga as Forças Armadas e pede, implicitamente, o seu apoio, evidenciando o poder que ainda enfeixavam:

Saberei ser o responsável pelo Estado, pela Nação e pela visão histórica da Pátria. Saberei ser o Comandante Supremo das Forças Armadas, patrióticas, mantenedoras da ordem e das instituições, bem como o condutor firme das nossas sofridas forças políticas, a que me orgulho de pertencer. (BRASIL, 1985)

No dia 8 de maio de 1985, portanto menos de um mês após a sucessão presidencial decorrente da morte de TANCREDO, SARNEY, ao se dirigir aos militares por ocasião da solenidade de homenagem à memória dos mortos na Segunda Guerra Mundial, distinguiu a relevância histórica das Forças Armadas nas diversas crises pelas quais passou o Brasil:

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Os soldados que lutaram há 40 anos defendiam este sentimento de pátria, em nome das gloriosas Forças Armadas do Brasil. Forças Armadas, que não têm um só momento de derrota. Participaram das guerras da Independência, das guerras da unidade nacional, das campanhas em que foram envolvidas fora deste País e sempre recolheram louros de vitórias. Forças Armadas e corpos combatentes recrutados no seio do povo. Forças Armadas que têm, ao longo da história do País, uma tradição de devoção e de manutenção da ordem e das instituições. Forças Armadas compostas de heróis e de homens extraordinários como Caxias, Osório, Pelotas, Mascarenhas de Morais, Tamandaré, Eduardo Gomes, Castello. (BRASIL, 1985)

3.2. Fernando Collor.

Em seguida, sagrando-se vencedor nas primeiras eleições diretas realizadas após o Regime Militar, FERNANDO COLLOR assume a Presidência em 15 de março de 1990. Como era de se esperar, seu pronunciamento não contém qualquer referência às Forças Armadas, cujo papel, tantas vezes destacado por quase todos os mandatários anteriores, não recebeu menção alguma. Ao mesmo tempo em que nada menciona sobre a caserna, o discurso de COLLOR registra, logo no segundo e no terceiro parágrafos, uma homenagem ao princípio da separação das funções, realçando a missão desempenhada pelo Legislativo durante a transição democrática, bem como pelo Poder Judiciário (em particular, a Justiça Eleitoral) ante a condução do pleito de 1989:

Venho trazer ao Poder Legislativo, ante o qual, seguindo o preceito da Constituição, acabo de assumir a Presidência da República, meu apreço e minha homenagem. Creio firmemente, Senhores Senadores, Senhores Deputados, que a dignidade do Governo implica essencialmente um sólido respeito pelos dois outros Poderes da República, o Legislativo e o Judiciário, tradicionais, autônomos e indispensáveis para a harmonia da política e o bem da Nação brasileira. [...].

A transição democrática brasileira, que culminou nas eleições presidenciais do fim do ano passado, teria sido inconcebível sem a vitalidade do Congresso, logo convertido em Assembléia Constituinte, por todos conduzida com vigor cívico, e que, graças ao trabalho diligente do relator, trouxe-nos texto fecundo e inspirador. Teria sido inconcebível, também, sem a severa vigilância do Judiciário, que através do Tribunal Superior Eleitoral, exemplarmente presidido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal, organizou de modo tão correto e transparente o pleito que restituiu ao povo brasileiro o direito de escolher seu governante. Nem poderia ela, a transição democrática, chegar a termo sem tropeços institucionais se não houvesse firme vontade nacional. (BRASIL, 1990)

No mesmo dia 15 de março de 1990, agora no parlatório do Palácio do Planalto, COLLOR, como se pretendendo afastar de vez as Forças Armadas da cena política, novamente releva o papel a ser cumprido pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário no seu governo:

Quero, neste instante, jurar a vocês, diante do altar de minhas convicções, de que haverei, conjuntamente com o Congresso Nacional, com o Poder Judiciário, respeitando a independência e a harmonia dos Poderes, juro a vocês, diante do altar das minhas convicções, que, ao lado do povo brasileiro, da sociedade civil organizada, nós haveremos sim, minha gente, de reconstruir o nosso País, para recuperarmos a confiança no seu verdadeiro destino. (BRASIL, 1990)

COLLOR parecia prenunciar o que estava por vir, e que tanto o atingiria politicamente. Ao enfatizar a função do Legislativo e do Judiciário, certamente o mais jovem dos Presidentes não imaginava a crise na qual se envolveria. Nem que os referidos poderes republicanos, calcados não em armas, mas na Constituição, conduziriam todo o processo que culminaria no seu afastamento do poder.

Num momento em que a sociedade brasileira experimentava um período de efetiva transição democrática, sem que houvesse ameaça de golpe, contragolpe, revolução ou qualquer outra denominação semelhante, a história nacional haveria de presenciar mais uma prova inconteste da consolidação da transferência do poder político, outrora nas mãos dos militares, para os civis, restando os castrenses, por conta disso, desprovidos da função de estabilização.

Evidentemente, referimo-nos ao impeachment de COLLOR, cujo procedimento foi conduzido não por Comandantes bélicos, mas pelo Congresso Nacional, exatamente conforme determina o Texto Magno de 1988, não havendo mesmo qualquer ingerência marcial. Naquele surpreendente, delicado e instável momento, em que o primeiro Presidente eleito (após a cessação do Regime Militar) pelo voto direto encontrava-se na iminência de ser afastado do Planalto, o Judiciário, fortalecido formal e materialmente, e assumindo de vez a função que lhe reservou a Lei Fundamental, decidiu importantes questões inerentes à crise que invariavelmente se estabeleceu no país. A atuação do Judiciário naquela oportunidade configurou, assim, mais uma evidência, entre tantas outras que viriam, de novos tempos para o Poder Judiciário.

O governo de FERNANDO COLLOR, marcado por escândalos de corrupção, redunda, em 2 de outubro de 1992, na autorização, por parte da Câmara dos Deputados, de abertura de processo de impeachment, o que leva ao afastamento temporário do Presidente de suas funções. No dia 29 de dezembro de 1992, na sessão de julgamento realizada no Senado Federal, COLLOR, tentando se livrar das consequências do impeachment, renuncia ao  mandato presidencial. Não obstante, os Senadores prosseguem no julgamento e aprovam a inabilitação política do Presidente por 8 anos. 

No âmbito processual penal, cumpre registrar por amor à verdade, o Plenário do STF, em 24 de abril de 2014, julgou improcedente o pedido formulado na Ação Penal nº 465, ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o ex-Presidente da República pela suposta prática dos delitos de falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato (arts. 299, 312 e 317 do Código Penal, respectivamente).

3.3. Itamar Franco.

Em razão da vacância do cargo de Presidente da República, ITAMAR FRANCO, Vice de COLLOR, assume o mandato presidencial em 29 de dezembro de 1992, data em que foi formalmente empossado pelo Congresso Nacional. O primeiro pronunciamento à Nação deu-se logo no dia seguinte, em cadeia de rádio e TV, no Palácio do Planalto, cabendo destacar os seguintes excertos, os quais revelam exatamente o quanto avançamos no que se refere ao equacionamento de convulsões institucionais sem o manobro das Forças Armadas. Ao contrário, aprendemos que controvérsias internas devem ser solucionadas sob o abrigo da Constituição e das Leis, jamais sob a ponta de uma baioneta, dado revelador de uma inegável maturidade histórica não somente da sociedade e das instituições de um modo geral, mas, sobretudo, das que se dedicam ao nobre ideal castrense:

Pode orgulhar-se a Nação capaz de dominar as suas mais graves crises políticas na ordem da Lei. Sábio é o povo que, na conquista e preservação de sua própria liberdade, expressa veemência no clamor das ruas e na serenidade de seus atos.

Soubemos caminhar estes meses difíceis, sem arranhar as nossas leis e sem violar aqueles princípios permanentes do Direito que, embora não escritos, constituem o fundamento das sociedades políticas.

Os dirigentes e o nosso povo agiram com a mansidão dos justos, com a paciência dos justos. Com a paciência dos justos, recuperaram os postulados éticos que cimentam e suportam a estrutura dos Estados. A Nação, na firmeza que conduziu estas horas, declarou haver chegado àquele ponto da sua maturidade histórica que não admite mais retrocessos. [...].

O Congresso Nacional investiu-me, com a autoridade que lhe conferiu o povo brasileiro, na chefia do Estado e do Governo. Não há poder político legítimo que se eleve sobre os Parlamentos. Eles nasceram para dar às sociedades as leis e as normas, reunir as experiências ao calor da inteligência e da razão, a fim de garantir a continuidade da vida nacional, na paz e na justiça.

A essa prevalência me submeto, com a certeza de que muitos de nossos males decorrem dos abusos do Poder Executivo, comuns nos períodos de aparente normalidade republicana e exacerbados nos regimes autoritários.

Inclino-me, também, e com o mais profundo respeito, diante do Poder Judiciário. A ele, na interpretação das leis e, sobretudo, na responsabilidade de zelar pelo cumprimento da Constituição pelos outros dois Poderes, compete garantir, com a força da ética jurídica, a perenidade do estado de direito. [...].

Pretendo dizer à Nação que se encerrou, e esperamos, para sempre, a época de Chefes de Estado com poderes quase imperiais, para começar a era da responsabilidade dividida de fato, e não somente de direito, entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, na administração do País e no cumprimento de seu destino. (BRASIL, 1992)

O mesmo discurso acima contém fragmentos em que se faz clara referência aos novos momentos vivenciados pelas Forças Armadas. ITAMAR aponta, desde a posse, o relevante lugar a ser ocupado pelas instituições militares: a defesa nacional. Não se vislumbra mais, portanto, o pretérito emprego delas enquanto instrumento de estabilização política:

Tenho uma palavra para as nossas Forças Armadas que, com o seu renovado compromisso democrático e patriotismo, têm contribuído para a superação de nossas dificuldades. Sei dos imensos desafios que devem vencer, dada a precariedade de seus equipamentos, na guarda de nossas fronteiras terrestres, dos nossos céus e de nossas costas marítimas.

Convocarei, em breve, o Alto Comando das Forças Armadas, colegiado nunca antes reunido, para a definição da nossa política militar e de diretrizes para a solução de seus problemas. (BRASIL, 1992)

3.4. Fernando Henrique Cardoso.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO é eleito Presidente da República para o período de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 1999, tendo tomado posse em sessão solene do Congresso Nacional. Num dos trechos de seu pronunciamento, FHC, exatamente como fizera ITAMAR FRANCO, dedica atenção às Forças Armadas enquanto instituições fundamentais para a defesa nacional e da posição estratégia ocupada pelo Brasil no panorama mundial:

Como Comandante-em-Chefe das nossas Forças Armadas, estarei atento às suas necessidades de modernização, para que atinjam níveis de operacionalidade condizentes com a estatura estratégica e com os compromissos internacionais do Brasil.

Nesse sentido, atribuirei ao Estado-Maior das Forças Armadas novos encargos, além dos já estabelecidos. E determinarei a apresentação de propostas, com base em estudos a serem realizados em conjunto com a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, para conduzir a adaptação gradual das nossas Forças de defesa às demandas do futuro. (BRASIL, 1995)

A alusão feita por ITAMAR e FHC às Forças Armadas, longe de configurar qualquer advertência para que não se repitam episódios do passado, expõe, em primeiro lugar, a compreensão, por parte do homem político, da relevante missão por elas desempenhadas no mundo atual, o que certamente não abarca o desvirtuamento das instituições bélicas enquanto instrumento de estabilização política. Denota, ademais, que eventuais crises devem ser solucionadas no plano dos poderes políticos, independentes e harmônicos entre si, aptos que se encontram hoje para resolvê-las, o que, como visto no decorrer do presente texto, não ocorria em outras quadras.

O discurso relativo ao segundo mandato de FHC (de 1º de janeiro de 1999 a 1º de janeiro de 2003) trata quase que exclusivamente das medidas econômicas estabelecidas no primeiro governo, nada trazendo a respeito das Forças Armadas. No entanto, cita que uma das reformas a serem implementadas seria a do Judiciário, o que efetivamente aconteceu em 2004, através da aprovação da Emenda Constitucional nº 45.

3.5. Luiz Inácio Lula da Silva.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA vence as eleições de 2002, habilitando-se para o mandato de 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2007. Seu discurso de posse, numa rápida menção, cita as Forças Armadas:

Estamos em um momento particularmente propício para isso. Um momento raro da vida de um povo. Um momento em que o Presidente da República tem consigo, ao seu lado, a vontade nacional. O empresariado, os partidos políticos, as Forças Armadas e os trabalhadores estão unidos. Os homens, as mulheres, os mais velhos, os mais jovens, estão irmanados em um mesmo propósito de contribuir para que o país cumpra o seu destino histórico de prosperidade e justiça. (BRASIL, 2003)

Posteriormente, quando da posse no segundo mandato (1º de janeiro de 2007 a 1º de janeiro de 2011), LULA nada mencionou sobre as instituições militares.

3.6. Dilma Rousseff.

DILMA ROUSSEFF é eleita Presidenta da República, assumindo o governo em 1º de janeiro de 2011. Quando de seu discurso durante o compromisso constitucional perante o Congresso Nacional, ressaltou a decisiva participação das Forças Armadas por ocasião da ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ocorrida em 2010, numa das maiores operações de combate ao narcotráfico:

O estado do Rio de Janeiro mostrou o quanto é importante, na solução dos conflitos, a ação coordenada das forças de segurança dos três níveis de governo, incluindo quando necessário a participação decisiva das Forças Armadas.

O êxito dessa experiência deve nos estimular a unir as forças de segurança no combate, sem tréguas, ao crime organizado, que sofistica a cada dia seu poder de fogo e suas técnicas de aliciamento dos jovens. (BRASIL, 2011)

Em 1º de janeiro de 2015, DILMA ROUSSEFF, uma vez reeleita, inicia o segundo mandato. Quando de seu discurso durante o compromisso constitucional perante o Parlamento, a Presidenta refere-se às Forças Armadas, realçando o seu papel no tocante à defesa das fronteiras nacionais:

Assumo, com todas as brasileiras e brasileiros, o compromisso de redobrar nossos esforços para mudar o quadro da segurança pública em nosso país. Instalaremos Centros de Comando e Controle em todas as capitais, ampliando a capacidade de ação de nossas polícias e a integração dos órgãos de inteligência e das forças de segurança pública. Reforçaremos as ações e a nossa presença nas fronteiras para o combate ao tráfico de drogas e de armas com o Programa Estratégico de Fronteiras, realizado em parceria entre as Forças Armadas e as polícias federais, entre o Ministério de Defesa e o Ministério da Justiça. (BRASIL, 2015)

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Das Forças Armadas e do Poder Judiciário sob o prisma dos discursos presidenciais da Nova República.: De Sarney a Dilma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7112, 21 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101699. Acesso em: 27 abr. 2024.

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