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A impugnação do executado e a efetividade do novo cumprimento de sentença

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25/11/2007 às 00:00
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Compatibilizando o direito de defesa do executado com a concretização do direito material, o legislador tornou o cumprimento de sentença a um só tempo célere e eficaz.

RESUMO

Trata das implicações da impugnação do executado na efetividade do novo modelo de cumprimento de sentença, introduzido no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.232/05, de 22 de dezembro de 2005. Inicia-se o trabalho com uma retrospectiva dos fatores que culminaram na transformação do autônomo processo de execução de sentença em mera fase do processo de conhecimento, dando nova roupagem ao cumprimento de títulos executivos judiciais, com a concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Delimita-se a vigência da nova lei e sua incidência sobre os processos findos, pendentes e futuros, à luz do princípio tempus regit actum. Define-se o conteúdo e a natureza jurídica da impugnação ao cumprimento de sentença, passando a discorrer sobre as hipóteses de sua rejeição liminar, seguindo-se do enfrentamento das matérias passíveis de alegação, com análise do âmbito de defesa do executado e suas repercussões no novo cumprimento de sentença. Discorre-se sobre a forma procedimental da nova impugnação e sobre os temas que lhe são correlatos, abordando-se as várias questões controvertidas que gravitam o tema e se suscitando outras de ordem prática, verificadas no quotidiano forense. Busca-se contribuir para a superação das controvérsias e consolidação do novo instituto jurídico, compatibilizando-o com a efetividade advinda do novo cumprimento de sentença.

Palavras chave: Efetividade, celeridade processual, cumprimento de sentença, impugnação, inexigibilidade, coisa julgada inconstitucional


INTRODUÇÃO

Há exatos dezenove anos, tomados por uma euforia democrática que teve na promulgação da atual Constituição Federal (CF/88) o seu ponto culminante, os brasileiros viram, finalmente, tornar-se realidade o sonho da redemocratização do País, alimentado ao longo de duas décadas de regime ditatorial.

O texto aprovado, contudo, não representou a Constituição da maturidade institucional da Nação. "Era a Constituição de nossas circunstâncias. Por vício e por virtude, seu texto expressa uma heterogênea mistura de interesses legítimos de trabalhadores, classes econômicas e categorias funcionais, cumulados com paternalismos - reserva de mercado e privilégios corporativos. A euforia constituinte – saudável e inevitável após tantos anos de exclusão da sociedade civil – levou a uma Carta que, mais do que analítica, é prolixa e corporativa" (BARROSO, 2006: 47).

Mais que isto, o Poder Judiciário, fiel da balança entre os poderes da República e, por isso mesmo, responsável pela manutenção do equilíbrio de forças no complexo jogo democrático, manteve-se praticamente alheio às profundas transformações por que passava a sociedade brasileira, preso que se achava a uma estrutura concebida sob os auspícios do regime ditatorial e que em muito remontava ao início do século XX.

Os problemas não tardaram a aparecer: a velha estrutura judiciária mostrou-se incapaz de atender adequadamente ao "boom" de demandas surgidas após a redemocratização do País, fruto do despertar de uma consciência voltada para a concretização dos novos direitos consagrados no texto constitucional, expressão maior da cidadania. A conjugação desses fatores intensificou consideravelmente a crise de eficiência do Poder Judiciário, já em curso.

Em resposta aos reclamos da sociedade, o Congresso Nacional levou a cabo uma mini-reforma institucional, alterando o espectro orgânico do Poder Judiciário por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 45, promulgada em 2005, após anos de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado da República.

No entanto, limitando-se a reforma constitucional, como lhe era própria, aos aspectos estruturantes do Poder Judiciário, de logo se evidenciou a premente necessidade de sua complementação no plano infraconstitucional.

Imbuído deste propósito, o legislador ordinário aprovou um "pacote" inicial de leis visando dinamizar o processo civil, na tentativa de alcançar a almejada eficiência jurisdicional.

Dentre as principais modificações se destacam, tanto por sua abrangência quanto pelo caráter inovador das alterações, aquelas introduzidas pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 [01], que deu nova roupagem à execução de título judicial, mediante o acréscimo dos Capítulos IX e X [02] ao Título VIII do Livro I do Código de Processo Civil (CPC), modificando substancialmente os procedimentos de liquidação e de cumprimento de sentença, os quais passaram a constituir meras etapas ou fases do processo de conhecimento e não mais um processo autônomo, como antes se verificava.

Neste diapasão, as alterações na forma de cumprimento da sentença ensejaram, por corolário, significativas modificações no meio de defesa do executado, suplantando os antigos embargos do devedor pela nova impugnação ao cumprimento de sentença.

Tratando-se de matéria habitualmente enfrentada no quotidiano forense e necessitando apresentar trabalho de finalização de curso, impus-me o desafio de escrever sobre a impugnação do executado e a efetividade do novo cumprimento de sentença, tendo como principais objetivos: (a) discorrer sobre o conteúdo, o alcance e as implicações das novas disposições processuais na celeridade processual; (b) traçar a natureza jurídica e o conteúdo da nova impugnação ao cumprimento de sentença; (c) verificar se houve efetiva superação dos embargos do devedor ou apenas mudança de terminologia jurídica e (d) perquirir em que aspectos a simplificação do meio de defesa do executado poderá contribuir para a efetividade do novo cumprimento de sentença.


CAPÍTULO I

1.1DA NOVA ROUPAGEM DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

O artigo. 5º, inciso XXXV, da CF/88, ao afirmar que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", mais do que assegurar o princípio da universalidade da jurisdição, consubstancia uma garantia de acesso à justiça a todos os indivíduos, compreendida esta em sua expressão axiológica.

Neste sentido, suplantando os ideais liberais burgueses que preconizavam o acesso meramente formal à justiça, a moderna doutrina passou a difundir a idéia de que não bastava assegurar ao cidadão a faculdade de ajuizar uma demanda, fazendo-se mister garantir-lhe a proteção concreta dos direitos individuais e coletivos violados, ou ameaçados de violação, mediante a criação de procedimentos preordenados a conferir uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva ou, no dizer de Marinoni (1996: 27-28):

"Melhor é falarmos, então, em acesso à ordem jurídica justa: acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional mas, também, permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial. Acesso à justiça significa, ainda, acesso à informação e à orientação jurídica e a todos os meios alternativos de composições de conflitos".

Assim, por garantia de acesso à justiça, passou-se a entender, também, o direito à criação de procedimentos realmente capazes de proporcionar aos cidadãos uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva, identificando-se aí o que a moderna processualística define como direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (GRECO, 2002: 11-12).

Discorrendo sobre a legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, Marinoni (2006: 68-69) assevera que:

"O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o legislador e sobre o juiz, ou seja, sobre a estruturação legal do processo e sobre a conformação dessa estrutura pela jurisdição.

"Assim, obriga o legislador a instituir procedimentos e técnicas processuais capazes de permitir a realização das tutelas prometidas pelo direito material e, inclusive, pelos direitos fundamentais materiais, mas que não foram alcançadas à distância da jurisdição....

Porém, não basta parar na idéia de que o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre a estruturação técnica do processo, pois supor que o legislador sempre atende às tutelas prometidas pelo direito material e às necessidades sociais de forma perfeita, constitui ingenuidade inescusável.

A obrigação de compreender as normas processuais a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional e, assim, considerando as várias necessidades de direito substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à proteção (ou à tutela) do direito material".

Legislando em perfeita sintonia com os novos rumos da ciência processual e imbuído do propósito de assegurar o princípio da razoável duração do processo, estatuído no art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/88, acrescentado pela EC nº 45/2004, o Congresso Nacional editou um conjunto de leis dinamizando os procedimentos previstos no CPC em vigor.

Restou, assim, superada uma concepção procedimental que se contentava com a entrega ao autor apenas da sentença, sem qualquer preocupação com o bem da vida pretendido pelo demandante; não havia uma atenção direcionada à inibição do ato ilícito (tutela inibitória), nem à adequada recomposição do patrimônio material e/ou imaterial violado (tutela ressarcitória).

De fato, no período anterior à reforma fazia-se mister que o autor, uma vez obtendo sucesso na ação de conhecimento levada a efeito sob o rito de cognição plena e exauriente, percorresse uma segunda via crucis, para só então alcançar o bem jurídico pretendido.

Pois bem, a Lei 11.232/05, suplantando essa dualidade de procedimentos, transformou a execução de título judicial em mera fase do processo de conhecimento, conservando o processo de execução stricto sensu apenas para o cumprimento de títulos executivos extrajudiciais [03] e, ainda, para as execuções especiais [04].

É bem verdade que, muito antes da Lei nº 11.232/05, o cumprimento das sentenças condenatórias compreendendo obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, já se processava como mera etapa do processo de conhecimento, à luz do que já dispunham os arts. 461 e 461-A do CPC, em relação às quais a doutrina identificava o caráter mandamental e executório lato sensu das respectivas tutelas (MARCATO, 2004: 1406-1407), persistindo a dualidade de procedimentos apenas quanto às obrigações de pagar quantia certa, dicotomia esta em boa hora superada pelo advento da nova lei.

Debruçando-se sobre o tema em destaque, Ferreira (2007: 02) também reconhece o pioneirismo daquelas tutelas:

"Preconiza o art. 475-I do Código de Processo Civil que o cumprimento da sentença de obrigação de fazer, não fazer e de dar será levado a efeito nos termos dos artigos 461 e 461-A. Não ocorreu, desta forma, qualquer alteração no sistema de efetivação das sentenças proferidas em sede de ação de cognição que tenham como objeto obrigação de fazer, não fazer ou dar (coisa certa ou incerta), por prestigiar o sistema a tutela jurisdicional específica ou in natura com adoção, inclusive, da classificação quinária das sentenças (executivas ou mandamentais), as quais sempre dispensaram, para a realização do direito emanado do comando emergencial das mesmas, processo de execução autônomo. As sentenças proferidas no caso vertente, como sabido, possuem efeito executivo e imediato.

A grande novidade diz respeito às sentenças condenatórias que versarem sobre obrigação de pagar quantia certa, cuja execução deverá ocorrer de forma incidental, em fase complementar sucessiva, na mesma relação jurídica processual, dispensando-se a instauração de estrutura processual autônoma".

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Em conseqüência, as sentenças proferidas nas ações de conhecimento contendo obrigação de fazer, de não fazer, de entregar coisa ou de pagar quantia certa contra devedor solvente, exceto quanto aos feitos da fazenda pública e às prestações alimentares processadas de acordo com os arts. 732 a 735 do CPC, passaram a ter caráter de tutela mandamental (obrigações de fazer e não fazer) e executória lato sensu (entregar coisa e pagar quantia certa) posto que, executáveis dentro da mesma relação jurídica processual, independentemente de um processo de execução autônomo ou, como anotado por Schenk (2007: 04):

"Afigura-se nítida, portanto, a intenção do legislador processual de implementar, também aqui, o sincretismo inaugurado no cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e para a entrega de coisa, acompanhado da tutela específica prevista nos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil".

E as alterações na forma de cumprimento da sentença, por corolário, ensejaram significativas modificações no meio de defesa do réu executado, substituindo-se a ação autônoma de embargos do devedor pelo incidente de impugnação ao cumprimento de sentença.

Essas modificações não operaram apenas no campo da terminologia jurídica, posto que alteraram, de forma radical, o modo de defesa do executado em juízo, escoimando do cumprimento de sentença uma concepção que, excessivamente comprometida com o liberalismo clássico, ensejava a hipertrofia do direito de defesa, a tal ponto que tornava a execução de título judicial um procedimento a um só tempo moroso e ineficiente.


CAPÍTULO II

2.1DA VIGÊNCIA DA NOVA LEI

De acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) c/c o art. 8º, caput, da Lei Complementar (LC) nº 95/98, a lei começa a vigorar no momento indicado em seu texto. Antes do transcurso do prazo assinado, a lei, não obstante promulgada e publicada, não produz efeito algum e por isso se diz vacante. Já o lapso temporal que intermedeia a publicação e a entrada em vigor da nova lei se denomina vacatio legis. Neste período, a lei nova não existe para o mundo do processo cujos atos continuam a ser praticados de acordo com a lei antiga, ainda em vigor.

Faz-se necessário, portanto, se definir a data de entrada em vigor da nova Lei nº 11.232/05 e, por conseguinte, como se deu a sua incidência nos processos já findos, naqueles iniciados mas com execução pendente, e nos futuros.

No art. 8º da Lei nº 11.232/05, o legislador reformista, certamente levando em consideração a abrangência das novas disposições legais, fixou a vacatio legis em seis meses, período este absolutamente necessário para que os profissionais do direito pudessem conhecer a nova lei e se adaptar aos seus preceitos inovadores.

Assim, seis meses depois de publicada, a Lei nº 11.232/05 passou a ter vigência em todo o País. A contagem deste prazo se rege pelo disposto no § 3º do art. 132 do Código Civil Brasileiro (CCB) que assim dispõe:

"Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência".

No mesmo sentido do CCB, dispõe o art. 8º da LC 95/98:

"A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral".

Tendo a publicação da Lei nº 11.232/05 ocorrido no Diário Oficial da União do dia 23/12/05, os seis meses da vacatio legis se expiraram no dia 23/06/06, passando a nova lei a vigorar do dia imediatamente subseqüente, ou seja, 24/06/06, com a revogação expressa dos dispositivos indicados no seu art. 9º.

Portanto, a partir de 24 de junho de 2006, os procedimentos referentes à liquidação, ao cumprimento e à impugnação ao cumprimento de sentença, passaram a ser regulados pelos arts. 475-A a 475-R, introduzidos no texto do CPC pela mencionada lei, restando delimitar-se a eficácia do novo diploma normativo sobre os processos já findos, sobre os iniciados mas execução pendente, e sobre os futuros.

Ressalte-se que, não obstante tenham as leis processuais aplicação imediata sobre os processos pendentes (art. 1.211 do CPC), não se trata de normas de natureza retroativa visto que, em respeito ao direito adquirido, ao jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88), somente os atos processuais posteriores à sua entrada em vigor é que serão regulados por seus preceitos, subordinando-se a nova lei à máxima tempus regit actum, consoante esclarece Teodoro Jr. (2002: 19):

"E mesmo quando a lei nova atinge um processo em andamento, nenhum efeito tem sobre os fatos ou atos ocorridos sob o imperito da lei revogada. Alcança o processo no estado em que se achava no momento de sua entrada em vigor mas respeita os efeitos dos atos já praticados, que continuam regulados pela lei do tempo em que foram consumados. Se, por exemplo, a lei nova não mais considera título executivo determinado documento particular mas se a execução já havia sido proposta ao tempo da lei anterior, a execução força terá prosseguimento normal sob o império ainda da norma revogada".

De outra senda, embora se diga que a lei nova não incide sobre os processos findos, o que importa para estabelecer os seus limites temporais é, na verdade, a prática dos atos processuais em si. Em face do texto constitucional e da LICC, não tem aplicação a denominada teoria da unidade processual, segundo a qual os processos pendentes são regidos inteiramente pela lei antiga, ou pela lei nova, não se admitindo segmentação. A teoria das fases processuais, por seu turno, ao estabelecer que a fase procedimental em curso (postulatória, saneadora, probatória, decisória, recursal, etc.) será regulada pela lei revogada, aplicando-se as novas disposições legais apenas às fases subseqüentes, também não satisfaz plenamente, uma vez que centra seu foco exclusivamente nas fases do processo, sem considerar os atos processuais isoladamente (NUNES, 2007: 27-28).

Com efeito, o processo é composto por uma série de atos processuais, espécie do gênero ato jurídico. E, para efeito de aplicação da lei nova, o intérprete deve ater-se ora a um ato processual isoladamente considerado, ora a determinada fase procedimental, dependendo sua escolha do estágio da causa no momento em que a nova lei passou a vigorar; logo, sobre os atos processuais já consumados incidência alguma tem a nova lei, ao passo os atos futuros se regulam completamente por esta. Tratando-se, contudo, de uma fase ou etapa processual, os atos processuais se regem pela lei antiga se, sob a sua vigência, se praticou o que se pode considerar ato determinante [05], operando-se, neste particular, genuína ultra-atividade da lei revogada, como se verá mais amiúde no tópico seguinte.

2.2DAS QUESTÕES DE DIREITO INTERTEMPORAL

Definido que a Lei nº 11.232/05 não alcançará os feitos já consumados e que os futuros serão por ela completamente regulados, os "conflitos de lei no tempo" restringir-se-ão aos processos pendentes, com ou sem execução iniciada, podendo surgir as seguintes situações:

(a) Título judicial constituído sob a égide da lei antiga mas cuja execução não se iniciou.

O efeito ou qualidade da coisa julgada recai tão-somente sobre o direito material declarado na sentença, em nada interferindo no modo de execução, o qual se subordina às regras de direito processual, e não material.

E, em relação às partes, o marco definidor da lei aplicável será a citação do executado (na lei antiga) ou a intimação (na lei nova).

Portanto, no caso em comento, em se considerando que o cumprimento da sentença só terá início já sob a vigência da lei nova, caberá ao credor requerê-la de conformidade com os novos parâmetros procedimentais, previstos nos arts. 475-A a 475-R do CPC, descartada, contudo, a incidência da multa moratória de 10% posto que não vigorante, na época da formação do título executivo judicial, o cumprimento voluntário da obrigação de pagar, o qual vem a constituir o fundamento jurídico da penalidade em referência (art. 475-J, caput, do CPC).

Não há, por óbvio, como se cogitar de um "direito adquirido" a execução da sentença segundo a lei vigente na época da constituição do título judicial, haja vista que o cumprimento de sentença cuida de matéria inerente ao direito processual, sem qualquer reflexo na relação jurídica de direito material subjacente, afigurando-se impróprio se pretender a aplicação de lei processual já revogada, em detrimento da incidência imediata da lei processual em vigor.

(b) Título judicial constituído sob a égide da lei revogada, cuja liquidação é alcançada pela vigência da lei nova.

Aplica-se aqui a teoria das fases processuais. Cada etapa do processo vai ser regulada pela lei do tempo da prática do ato determinante. Assim, se a liquidação se iniciou sob o império da lei antiga, aquela vai reger todo o processo liquidatório, desde que a citação do executado tenha ocorrido sob o império daquela, mas as etapas executórias subseqüentes à liquidação serão reguladas pela nova lei. Portanto, uma vez determinado, segundo os parâmetros da lei revogada, o quantum debeatur, transpõe-se o rito processual para o da nova lei, dando-se início à fase de cumprimento de sentença (art. 475-I do CPC), inclusive com a plena possibilidade de incidência da multa prevista no caput do novo art. 475-J do CPC.

Idêntico raciocínio se aplica ao meio de defesa do executado. Se a nova lei passa a vigorar com a citação para pagar ou nomear bens à penhora em 24 horas já efetivada segundo o revogado art. 652 do CPC, evidentemente que todo o restante do procedimento executivo será regulado pela lei antiga, conquanto já estabilizada a relação jurídico-processual. Ao revés, caso a citação ainda não tenha ocorrido na data de vigência da nova lei, é perfeitamente possível se proceder, ao invés da citação prevista no revogado art. 652 do CPC, à intimação do devedor para os fins do art. 475-J, caput, do CPC, facultando-se a defesa via impugnação ao cumprimento de sentença.

(c) Título judicial constituído sob a vigência da lei revogada e cuja execução (ou liquidação) é requerida sob a lei atual mas segundo o rito da lei revogada.

Em decorrência da frenética produção legislativa, não raro as partes praticam determinado ato processual segundo o direito revogado, ignorando completamente as regras introduzidas por uma nova lei processual.

Ressalte-se, porém, que no direito brasileiro vigora o princípio jura novit curia, corolário da máxima narra mihi factum dabo tibi jus, segundo o qual incumbe às partes tão-somente narrar os fatos, cabendo ao juiz a tarefa de identificar o direito aplicável, declarando-o ao caso concreto.

Na situação em epígrafe, não seria lícito ao juiz negar vigência à lei federal nº 11.232/05 só pelo fato do exeqüente ignorar sua existência competindo-lhe, portanto, determinar a adequação da execução às normas do novel cumprimento de sentença aplicando-se, por analogia, o que dispõe o art. 295, inc. V, do CPC.

2.3 DOS NOVOS MEIOS DE INTIMAÇÃO DA PENHORA

De início, faz-se necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação.

No sistema jurídico processual há intimações que devem ser dirigidas às partes, razão porque se dizem "pessoais", e intimações que devem ser dirigidas aos advogados habilitados na causa. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (art. 36 do CPC), a intimação deve ser dirigida ao advogado da parte, conforme já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) [06]; b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente.

Sobre este tópico em especial, a reforma avançou de modo significativo para, superando verdadeiro dogma do direito anterior, dispor sobre a intimação da penhora com primazia na pessoa do advogado do executado constituído nos autos, por nota de foro (art. 236 do CPC), pessoalmente em cartório ou por via postal (art. 237 do CPC).

Em termos técnicos, a intimação da penhora na pessoa do advogado se justifica plenamente porque o ato a ser realizado – apresentação de impugnação à execução – é ato para o qual se exige capacidade postulatória, isto é, a parte apresentará impugnação através de advogado, o que explica cabalmente o fato de haver disposição legal expressa no sentido de que a intimação se dê na pessoa deste (art. 475-A, § 1º do CPC).

Tratando do tema em questão, Aragão (1998: 238) anota: "A parte somente será intimada quando deve, ela própria, ter ciência de algo, a fim de fazer ou não fazer alguma coisa".

Trilhando idêntica linha de pensamento, Dinamarco (2003: 431-432) assim assevera:

"Distinguem-se casos em que a intimação é feita à própria parte e casos em que se intima o advogado na qualidade de defensor e representante judicial desta. O critério central dessa distinção é a natureza dos atos a realizar. Quando se trata de atos de postulação, para os quais a parte não tem capacidade..., a intimação tem por destinatário o advogado – intimação de decisões, sentenças, designações, prazos para requerer provas e reformular quesitos ao perito, etc. Para os atos personalíssimos, intima-se a parte em si mesma, como no caso de comparecimento para depor em audiência ou para submeter-se à perícia médica, etc." E prossegue: "Intimações de estrutura complexa são passadas ao sujeito de quem o juiz exige alguma conduta, que serão: (a) às próprias partes, em caso de medida urgente impondo-lhes determinada conduta ou a entrega de um bem, (b) às testemunhas, para que compareçam, (c) ao perito, para que apresente o laudo e restitua os autos do processo, etc."

Evidentemente que, não existindo advogado constituído nos autos, a intimação será feita ao representante legal do executado, ou a este pessoalmente, por mandado ou via postal, como exceção à regra geral.

Registre-se que por intimação pessoal se entende aquela que é feita diretamente à parte, em contraposição a que se realiza na pessoa do advogado habilitado na causa, não se contrapondo o vocábulo "pessoalmente" ao meio (veículo) utilizado. Logo, é possível a intimação pessoal do executado ou de seu representante legal [07] por mandado, por via postal ou, sendo incerto o endereço do executado, por edital com o prazo de 20 a 60 dias, neste último caso aplicando-se subsidiariamente o disposto no art. 687, § 5º c/c o art. 475-R, ambos do CPC.

Discorrendo sobre o sentido e alcance da expressão "intimação pessoal" constante do § 5º do art. 687 do CPC [08], Marcato (2004: 1.954) preleciona que:

"A doutrina e a jurisprudência questionam-se se a publicação dos editais supre a ausência da intimação pessoal. O edital deve suprir a intimação pessoal desde que diligências do oficial de justiça (mandado de intimação) ou do serviço postal (carta registrada) tenham se frustrado, documentando-as. Mais: o edital precisa, desde logo, descrever a hipótese, deixando claro que ele também dirige-se ao executado, suprindo-se a impossibilidade de sua intimação pessoal".

Portanto, não deixa de ser "pessoal" a intimação feita por edital, haja vista que ela se dirige à parte e não ao seu advogado. E a jurisprudência pátria, como não poderia deixar de ser, tem admitido tal meio de intimação, conforme precedentes catalogados por Nery Jr. e Nery (2002: 1019):

"Não há que se considerar irregular a arrematação precedida de intimação por edital, sempre que circunstância relevante impeça que a ciência do devedor se faça pessoalmente (RT 696/127). No mesmo sentido: 1º TACivSP, ap. 779117-1, rel. Juiz Rizzatto Nunes, j. 16.9.98)"

"Intimação do devedor por edital. Pode ser feita por edital se impossível realizá-la de outro modo (JTACivSP 100/317)".

"Intimação do devedor por edital. Se não for possível se efetivar por mandado, admite-se a intimação editalícia do executado (Teixeira, PCSTJ, 625)".

2.4DO DEPÓSITO DE VALOR PARA FINS DE IMPUGNAÇÃO

Como visto nos tópicos precedentes, a impugnação poderá ser oferecida no prazo de quinze dias, contados da intimação da penhora e da avaliação dos respectivos bens (art. 475, § 1º, do CPC), evidentemente quando já deverá ter sido acrescido, no montante da dívida, o percentual de 10% referente à multa prevista no art. 475-J do CPC.

A lei, contudo, é omissa quanto à possibilidade do devedor depositar judicialmente a quantia exeqüenda para fins de garantia do juízo, sem caráter de pagamento imediato, situação esta freqüentemente ocorrida no quotidiano forense. E, se possível, como ficaria a imposição da multa moratória?

Entende-se, neste trabalho, ser perfeitamente possível tal depósito. Ao devedor é lícito efetuar o depósito judicial do quantum devido, sem caráter de pagamento imediato, quando entender que o valor cobrado é excessivo (o que é muito comum), ou que a execução padece de algum ou alguns dos demais vícios previstos no art. 475-L do CPC.

Tal omissão não é fruto do acaso, posto que o legislador idealizou o depósito de valor sempre com a natureza de pagamento (art. 475-J, caput, do CPC), jamais como garantia do juízo; no entanto, cabe ao aplicador interpretar as normas processuais compatibilizando-as com a lógica orgânica do sistema, de modo a evitar conclusões que levem a injustiças. Ademais, a inteligência da norma processual deve amoldar-se à realidade fática, propiciando a realização mais célere do processo, da forma que seja menos suscetível de gerar incidentes processuais desnecessários.

Logo, não se poderia penalizar o devedor que se dispõe a efetuar o depósito judicial da quantia exeqüenda, para posterior discussão de eventuais vícios, quando aquele que permanece inerte tem assegurada a faculdade de oferecer impugnação após a penhora de bens, ainda que sujeito a incidência da multa prevista no caput do art. 475-J do CPC.

De outra senda, deve ser estimulada a conduta do devedor que, imbuído de lealdade e boa-fé, efetua o depósito do valor exeqüendo, possibilitando ao credor levantar a quantia incontroversa [09] desde logo, caso em que não teria o menor fundamento ético-jurídico negar-lhe a faculdade de interpor a impugnação ao cumprimento de sentença como, à primeira vista, decorre de uma interpretação puramente literal do texto legal.

No tocante à imposição da multa moratória, é intuitivo que a sua incidência restaria peremptoriamente afastada sobre a parte incontroversa da dívida, posto que possível o levantamento imediato do valor depositado, ficando a sua aplicação limitada à parte controvertida da execução, a depender do resultado do julgamento da impugnação.

Em outras palavras, pode-se afirmar que, relativamente à parte incontroversa da execução, o que de fato existe é pagamento parcial e, por isso mesmo, insusceptível de qualquer penalização, por força do que dispõe o § 4º do art. 475-J, do CPC; já quanto ao percentual controvertido, a aplicação da multa ficaria na dependência do resultado da impugnação: se rejeitada, a multa moratóri teria total incidência; do contrário, o acolhimento da impugnação ensejaria, por conseqüência lógica, a impossibilidade de sua incidência.

Exemplificando, considere-se uma execução de quinze mil reais na qual o executado questiona apenas cinco mil. Sobre os dez mil reais incontroversos não incide a multa, porque o depósito aqui tem natureza de pagamento imediato parcial; já sobre os cinco mil reais, a incidência da multa vai depender do acolhimento ou não da impugnação, sendo impensável supor a aplicação daquela à parte indevida da execução.

2.5DA COMPETÊNCIA EXECUTIVA

A competência para a execução da sentença cível em 1º grau de jurisdição e, por conseguinte, para conhecer e julgar a impugnação que lhe corresponde, encontra-se disciplinada no art. 475-P, inciso II, do CPC, que assim dispõe in verbis:

"Art. 475-P. O cumprimento de sentença efetuar-se-á perante:

......................................................................................................

II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição;

...........................................................................................................

Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem"

A norma do parágrafo único do art. 475-P do CPC constitui franca exceção à regra da perpetuatio jurisdictionis (art. 87 do CPC), justificada no interesse maior da jurisdição: a efetivação dos direitos proclamados em juízo. Por ela, faculta-se ao credor ingressar com a execução: (a) no juízo cível onde originalmente se processou a causa; (b) no juízo do local onde se encontram os bens sujeitos à expropriação ou (c) no foro do atual domicílio do executado, caso em que o juiz da execução deverá solicitar, ao juiz da causa, o envio dos respectivos autos.

Todavia, tratando-se de execução provisória, quando os autos, via de regra, se encontram na instância ad quem, pode o juiz da execução valer-se de cópias de peças do processo, as quais devem ser desde logo providenciadas pela parte exeqüente, nos precisos termos do § 3º do art. 475-O, do CPC.

Em conseqüência do deslocamento da competência para o cumprimento da sentença, haverá modificação de competência para o processo e julgamento da impugnação respectiva, devendo o executado reportar-se ao juízo no qual se processa o cumprimento de sentença, ainda que tenha de se deslocar para foro diverso do seu domicílio, posto nele se encontrarem os bens sujeitos a expropriação.

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Sobre o autor
Manuel Maria Antunes de Melo

juiz de Direito titular da 3ª Vara Cível de Campina Grande (PB), membro da 2ª Turma Recursal Mista, professor da UNESC Faculdades, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Univesidade Potiguar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Manuel Maria Antunes. A impugnação do executado e a efetividade do novo cumprimento de sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1607, 25 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10688. Acesso em: 24 abr. 2024.

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