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A impugnação do executado e a efetividade do novo cumprimento de sentença

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25/11/2007 às 00:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que foi exposto neste trabalho, pode-se concluir que as recentes modificações operadas na legislação processual civil não são fruto do acaso, nem obra das circunstâncias; elas se inserem dentro de um contexto maior, no qual a efetivação dos direitos é a pedra de torque a mover o conjunto de forças políticas no sentido de tornar o processo um instrumento capaz de assegurar a todos os indivíduos o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Neste diapasão, legislando em perfeita sintonia com os novos rumos da ciência processual e imbuído do propósito de assegurar o princípio da razoável duração do processo, o legislador processual aprovou um conjunto de leis visando ao aperfeiçoamento dos procedimentos previstos no CPC em vigor, tornando-os mais céleres e condizentes com as necessidades dos novos tempos, destacando-se a nova roupagem dada ao cumprimento de títulos executivos judiciais que deixando transparecer a idéia de que se está vivendo sob a égide de uma nova era: a da efetivação dos direitos.

Novo Cumprimento de Sentença

No direito revogado, após obter ganho de causa na ação de conhecimento, levada a efeito sob o rito da cognição plena e exauriente, impunha-se ao autor o pesado ônus de percorrer uma segunda via crucis, denominada execução de sentença, para só então alcançar o bem jurídico pretendido.

Vigorava, até então, uma concepção procedimental que se contentava com a entrega ao autor apenas da sentença, sem se preocupar com o bem da vida pretendido pelo demandante, ou seja, não havia uma atenção direcionada à inibição do ato ilícito (tutela inibitória), nem à adequada recomposição do patrimônio material e/ou imaterial violado (tutela ressarcitória).

Corrigindo tal impropriedade, a Lei nº 11.232/05 transformou o processo autônomo de execução de títulos judiciais em mera fase do processo de conhecimento; em conseqüência, as sentenças condenatórias de obrigação de pagar quantia certa, exceto quanto aos feitos da fazenda pública e às prestações alimentares processadas de acordo com os arts. 732 a 735 do CPC, passaram a ter caráter de tutela executória lato sensu, sendo, doravante, executadas dentro da mesma relação jurídico-processual, independentemente de um processo autônomo, tornando o cumprimento dos títulos judiciais compatível com as necessidades dos jurisdicionados e, implicando, por conseguinte, em maior celeridade processual na medida em que: (a) transformou os processos de liquidação e de execução de sentença em simples fases da ação de conhecimento; (b) converteu a ação autônoma de embargos do devedor em mero incidente de impugnação; (c) simplificou substancialmente a comunicação dos atos processuais, dispondo sobre a realização das intimações, em regra, na pessoa do advogado constituído nos autos; (d) instituiu multa moratória de 10% para estimular o cumprimento voluntário da obrigação e (e) unificou a penhora e avaliação em um único ato.

Impugnação ao Cumprimento de Sentença

As alterações na forma de cumprimento da sentença, por corolário, ensejaram substanciais modificações no meio de defesa do réu executado, culminando na substituição da ação autônoma de embargos do devedor, pelo incidente de impugnação ao cumprimento de sentença.

Essa novel impugnação ao cumprimento de sentença tem natureza jurídica de incidente processual, semelhante às impugnações já previstas no processo civil, com os contornos traçados pelos novos artigos 475-L e 475-M do CPC, tratando-se de instrumento processual apto a assegurar o direito de defesa do executado, sem prejuízo da efetividade do cumprimento da sentença.

Entende-se possível o depósito de valor para fins de segurança do juízo, caso em que a multa prevista no art. 475-J do CPC só incidirá na parte controvertida da execução, e desde que rejeitada a impugnação.

Sustenta-se a possibilidade de rejeição liminar da impugnação nos casos de: (a) intempestividade ou preclusão temporal; (b) ilegitimidade de parte e ausência de interesse processual; (b) inadequação procedimental não conversível; (c) quando não seguro o juízo, pela penhora ou pelo depósito do valor exeqüendo; (d) quando fundada em matérias estranhas ao art. 475-L do CPC e (e) quando, em excesso de execução, o impugnante deixa de indicar o valor devido.

Quanto ao âmbito de discussão da impugnação, compreende-se que a cognição gerada por aquela não é plena, posto que restrita às matérias elencadas no art. 475-L do CPC, as quais não admitem interpretação extensiva, sendo lícito ao impugnante alegar: (a) falta ou nulidade de citação não supridas (b) inexigibilidade do título pelos mais variados motivos, tais como: (b1) iliqüidez da sentença; (b2) pendência de recurso apelatório com efeito suspensivo; (b3) não verificação da condição ou ocorrência do termo; (b4) coisa julgada inconstitucional; (c) penhora incorreta ou avaliação errônea; (d) ilegitimidade das partes; (e) excesso de execução e (f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extinta da obrigação.

Na ausência de procedimento específico, a impugnação deve ser processada pelo o rito dos embargos à execução, previsto no art. 740 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.382/06, ex vi do art. 475-R do mesmo Código.

O recebimento da impugnação não tem, em regra, o efeito o suspensivo, como se dava nos embargos do devedor, somente podendo o juiz concedê-lo se presentes os requisitos de: (a) relevância jurídica da fundamentação e (b) risco de grave dano, de difícil e incerta reparação, residindo, neste ponto, uma das mais importantes inovações, posto que a impugnação não impedirá, em regra, o prosseguimento dos atos executórios.

A deliberação judicial que resolve a impugnação tem natureza jurídica híbrida: se extingue a execução, caracteriza-se como sentença, mas se rejeita a impugnação ou dar-lhe provimento parcial, encerra decisão interlocutória. No primeiro caso, o recurso cabível será a apelação cível, ao passo que no segundo a decisão será atacável via agravo de instrumento, nos termos do art. 475-M, § 3º, do CPC.

De acordo com a regra do art. 467 do CPC, entende-se que as sentenças que julgam o mérito da impugnação, decidindo pela desconstituição do título executivo judicial, fazem coisa julgada material ou preclusão máxima. Já no que diz respeito às decisões interlocutórias, uma vez "transitadas em julgado", tornam-se insusceptíveis de rediscussão apenas no âmbito da mesma relação jurídica processual em que foram proferidas, operando-se o fenômeno da preclusão (temporal, lógica ou consumativa), a teor do art. 473 do CPC.

Do exposto, vê-se que as modificações não operaram apenas no campo da terminologia jurídica, posto haverem modificado, substancialmente, o meio de defesa do executado em juízo, escoimando da execução de sentença uma concepção que, excessivamente comprometida o direito de defesa, tornava a execução um procedimento a um só tempo moroso e ineficiente.

Neste diapasão, pode-se concluir que a simplificação do meio de defesa do executado contribuirá para a efetividade do cumprimento de sentença, em vários aspectos, em decorrência da: (a) celeridade inerente ao rito incidental da impugnação, escoimado dos vícios e delongas próprios do procedimento ordinário que se dava aos embargos; (b) eliminação do efeito suspensivo, possibilitando o prosseguimento dos atos executórios; (c) obrigatoriedade de indicação, em excesso de execução, do valor incontroverso, obstando impugnações de cunho meramente protelatório; (d) previsão do recurso de agravo para as decisões interlocutórias, dinamizando o rito procedimental; (e) possibilidade de prestação de caução pelo exeqüente, para prosseguimento da execução, a despeito do efeito suspensivo excepcionalmente deferido pelo juiz.

Assim, compatibilizando o direito de defesa do executado com a necessidade de se concretizar, no mundo dos fatos, o direito material declarado no título executivo judicial, o legislador deu um significativo passo à frente, tornando o cumprimento de sentença a um só tempo célere e eficaz.


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Notas

01 publicada no Diário Oficial da União de 23.12.2000

02 (compostos pelos arts. 475-A a 475-R)

03 Também alterado pela Lei nº 11.382/06

04 Contra a fazenda pública e de prestação alimentícia, esta referente às três últimas parcelas

05 citação, por exemplo

06 STJ – REsp. 36.265-MG, 3ª Turma, rel. Min. Cláudio Santos, j. 29.03.1994, DJ 16.5.94, p. 11.760

07 Refere-se às pessoas jurídicas, às pessoas formais e aos incapazes

08 Dispõe sobre a intimação pessoal do devedor para a hasta pública

09 E, dependendo do caso, também a parte controvertida

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Sobre o autor
Manuel Maria Antunes de Melo

juiz de Direito titular da 3ª Vara Cível de Campina Grande (PB), membro da 2ª Turma Recursal Mista, professor da UNESC Faculdades, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Univesidade Potiguar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Manuel Maria Antunes. A impugnação do executado e a efetividade do novo cumprimento de sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1607, 25 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10688. Acesso em: 25 abr. 2024.

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