Capa da publicação Meio ambiente do trabalho de estatutários: competência da Justiça do Trabalho e ADI 3395
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ADI 3395 e a competência jurisdicional para causas envolvendo meio ambiente do trabalho de servidores estatutários

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09/01/2024 às 17:36
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas empreendidas neste trabalho evidenciaram que os fundamentos determinantes da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF estão centrados na matéria debatida na lide instaurada entre o servidor e a Administração Pública. Em se tratando de controvérsia envolvendo direitos relacionados ao estatuto que rege o vínculo funcional do servidor perante a Administração Pública, firma-se a incompetência da Justiça do Trabalho com base no julgamento da referida ADI.

Essa restrição, para o Supremo Tribunal Federal, justifica-se pela natureza preponderantemente administrativa – e não contratual – dos direitos e deveres preconizados no estatuto do servidor público. A indisponibilidade dos direitos e obrigações previstos na lei e a prerrogativa de alteração unilateral das condições de trabalho, pelo Estado, são características que, no entendimento do STF, respaldam a supressão da competência da Justiça do Trabalho, mais afeita à apreciação de causas de índole contratual privada.

O direito estatutário, base da supressão da competência da Justiça do Trabalho pelas razões de decidir da ADI 3.395/DF, consubstancia direitos e deveres funcionais que disciplinam a relação entre o Poder Público e o servidor no exercício das atribuições do cargo.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo o meio ambiente do trabalho, contudo, não decorre dos direitos e deveres inerentes ao cargo público ocupado pelo servidor. Ele está atrelado à condição de ser humano, independente da natureza jurídica da relação entre a pessoa do trabalhador e o tomador dos serviços. Trata-se de direito difuso que possui fundamento autônomo na Constituição Federal (art. 200, VIII, e 225) e almeja propósitos que alcançam qualquer pessoa: a proteção da dignidade humana, da vida e da saúde no local de trabalho. Não se qualifica como direito estatutário, portanto.

Entendimento oposto pode resultar em consequências incompatíveis com a Constituição Federal e com os tratados internacionais que regulam a matéria.

Se visto como estatutário, o direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável deixaria de ser inerente à condição humana para se tornar direito de servidor público, passando para a esfera de disponibilidade do Estado. Com isso, estaria nas mãos do Chefe do Poder Executivo local o poder de negar aos servidores o direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho pela mera inércia legislativa, bastando deixar de prever no estatuto as normas de saúde e segurança no trabalho, diante da sua competência privativa para a iniciativa das leis que versam sobre matéria estatutária dos seus servidores (art. 61, § 1º, II, “c”, da CF).

Há a transmudação de um direito que, conforme a Constituição Federal, ostenta natureza difusa, indisponível e ínsita à condição humana, titularizado por “todos”, para um direito disponível pelo Estado e inerente a uma categoria.17 Ocorre ainda a desequiparação entre os trabalhadores, em descompasso com a equidade prevista no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1992) e no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1999). A acepção do meio ambiente do trabalho seguro e saudável como direito estatutário encontra importantes obstáculos, portanto.

Afastada sua característica de direito estatutário, exsurge o entendimento de que as demandas voltadas ao cumprimento de obrigações relacionadas à saúde e segurança do trabalho no meio ambiente de trabalho ocupado por servidores estatutários estão fora do alcance da decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF.

Sendo impraticável a utilização da ADI 3.395/DF como fundamento para a negação da competência da Justiça do Trabalho para apreciar as causas versando sobre meio ambiente do trabalho, ante a ausência de pertinência destacada, percebe-se que a competência desse ramo jurisdicional sobrevive ao confronto com esse paradigma independentemente da Súmula 736, do Supremo Tribunal Federal.18

Conclui-se, então, dos estudos realizados, que inexiste fundamento extraído da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.395/DF para a exclusão da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas cujo objeto seja o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em locais nos quais servidores públicos estatutários desempenham suas atividades.

É inegável que existirão interpretações distintas que merecem ser igualmente consideradas, pois esta pesquisa não esgota as perspectivas de abordagem da matéria, tanto no que se refere à extensão argumentativa, quanto à profundidade dos argumentos expressamente debatidos.

Este trabalho representa apenas uma tentativa de contribuir para a identificação, com maior precisão e objetividade, do que está circunscrito à coisa julgada oriunda da ADI 3.395/DF para que seja possível identificar também o que está fora dessa demarcação e, de forma particularizada, qual a posição do direito ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável nesse espaço de discussão.

A preocupação em se atenuar a fluidez do conceito atribuído a regime estatutário e ao escopo da ADI 3.395/DF importa não apenas para o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também para outros direitos inerentes à condição humana. A falta de objetividade pode resultar na generalização de vários direitos humanos à condição de direitos “estatutários”, situação capaz de resultar na segregação dos ocupantes de cargos públicos dos demais seres humanos titulares dos mesmos direitos.

O que se anseia, consequentemente, é estimular a reflexão em torno de um tema que até hoje suscita controvérsias no Supremo Tribunal Federal e, no centro das discussões, gravitam o direito à vida, à saúde e à integridade física do servidor público estatutário no ambiente de trabalho.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Ednaldo Brito

Ednaldo Rodrigo Brito da Silva. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Procurador do Trabalho da 22ª Região. Membro Auxiliar da Assessoria Jurídica Trabalhista do Procurador-Geral da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Ednaldo. ADI 3395 e a competência jurisdicional para causas envolvendo meio ambiente do trabalho de servidores estatutários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7496, 9 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107976. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

O artigo foi publicado originalmente no livro "Codemat : 20 anos de atuação na defesa do meio ambiente do trabalho e na promoção da saúde do trabalhador e da trabalhadora" (B. C. C. Lima et al. ; Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023).

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