1. Contextualização normativa: o que mudou na legislação?
A transação tributária federal, autorizada pela Lei nº 13.988/2020 e ampliada pela Lei nº 14.375/2022, tornou-se uma importante ferramenta de solução consensual de conflitos entre contribuintes e a administração tributária.
Contudo, com a edição da Instrução Normativa RFB nº 2.191, de 1º de julho de 2025, a Receita Federal reformulou profundamente o procedimento da transação no contencioso administrativo fiscal, tornando-o mais técnico, criterioso e detalhado — sinalizando uma guinada institucional em direção à governança, rastreabilidade e análise de risco tributário.
Essa nova normativa substitui a IN RFB nº 2.066/2022 e passa a regular exclusivamente:
A transação por proposta individual ou por adesão de créditos em discussão administrativa (ou seja, em curso no âmbito da RFB e do CARF);
A classificação de risco e recuperabilidade dos créditos tributários, agora com critérios mais objetivos e técnicos.
2. Principais pilares da nova regulamentação
A nova Instrução Normativa apresenta avanços significativos, mas também impõe desafios importantes:
2.1. Formalização mais complexa e pré-requisitos mais rígidos
A proposta de transação agora exige que o contribuinte:
Esteja regularmente representado no processo digital do e-CAC;
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Anexe extensa documentação contábil e financeira, comprovando capacidade de pagamento ou dificuldades econômicas, inclusive:
Balanços e DREs auditadas (quando aplicável);
Comprovação de prejuízo fiscal ou base negativa da CSLL;
Declaração de vinculação a grupo econômico, se for o caso;
Justifique expressamente o enquadramento nos parâmetros de risco ou irrecuperabilidade exigidos pela norma.
Ou seja, o contribuinte que desejar se beneficiar da transação precisará realizar auditoria prévia interna, sob pena de indeferimento sumário da proposta.
2.2. Análise de recuperabilidade objetiva
A nova norma reafirma os critérios da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1/2023, ao classificar os débitos com base em:
Grau de recuperabilidade do crédito (A a D);
Capacidade de pagamento presumida;
Potencial êxito da cobrança judicial ou administrativa.
Essa classificação impacta diretamente nos percentuais de desconto, quantidade de parcelas e exigência de entrada na transação. Contribuintes com maior capacidade contributiva, por exemplo, não poderão acessar os percentuais máximos de redução.
2.3. Transação não automática nem simplificada
Diferente de programas antigos como REFIS, a transação não se dá por mera opção ou adesão simplificada. Exige:
Análise casuística individualizada;
Revisão da situação fiscal;
Confissão irretratável do débito tributário (com efeitos de interrupção da prescrição e início de exigibilidade da dívida não quitada).
3. Consequências práticas e riscos jurídicos
A nova regulação representa um avanço institucional — mas que exige atenção redobrada dos contribuintes e consultores. Entre os principais efeitos:
A confissão da dívida na transação gera interrupção da prescrição, podendo reativar créditos que estariam próximos da decadência;
A exclusão da transação, por descumprimento de cláusulas, restaura automaticamente a cobrança integral da dívida, com seus encargos;
Empresas que aderirem sem plena compreensão jurídica e contábil correm o risco de perder créditos, confessar débitos indevidos ou abrir mão de defesas válidas.
4. Prazos e vigência
O edital de adesão divulgado pela Receita Federal estabelece que a janela para adesão à nova transação estará aberta de 7 de julho a 31 de outubro de 2025. A formalização ocorre somente após o pagamento da primeira parcela, gerada via e‑CAC.
O modelo eletrônico exige que todos os documentos sejam enviados previamente à análise da Receita Federal — e o aceite da proposta é discricionário, ou seja, a administração pode recusar a transação caso entenda que os requisitos não foram atendidos.
5. Conclusão: um novo capítulo da governança tributária
A Instrução Normativa RFB nº 2.191/2025 inaugura um novo ciclo da transação tributária: mais técnica, mais rigorosa e mais orientada por parâmetros de risco. Isso representa um ganho para a gestão fiscal da União, mas também um desafio jurídico-operacional aos contribuintes.
O cenário atual exige das empresas:
Diagnóstico fiscal aprofundado;
Simulação dos impactos econômicos da transação;
Assessoria jurídica especializada para interpretar riscos e obrigações.
Não se trata mais de um “parcelamento com desconto”, mas sim de um instrumento de política fiscal complexa, que exige maturidade jurídica e responsabilidade estratégica.
Transacionar, sim — mas com técnica, prudência e visão de longo prazo.