Resumo: O presente artigo analisa a regulamentação do regime favorecido de IBS/CBS para aquisição de veículos por pessoas com deficiência (PCDs) no contexto da Reforma Tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2025. A metodologia utilizada foi a revisão da bibliografia, análise, interpretação e crítica da legislação e jurisprudência relativas ao tema, e estrutura-se a partir da teoria da igualdade tributária, da vedação ao retrocesso e da função extrafiscal dos tributos como instrumento de inclusão social. O estudo parte da compreensão do modelo biopsicossocial de deficiência, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e demonstra como a regulamentação vigente se distancia desse paradigma ao restringir indevidamente o conceito de deficiência, impor critérios arbitrários e promover tratamento discriminatório. Além disso, revela-se que a limitação da desoneração a valores parciais da operação, a comparação com outros regimes favorecidos mais abrangentes e a exclusão de deficiências “não visíveis” configuram violações à igualdade, à proteção eficiente e à proibição de retrocesso. Conclui-se pela inconstitucionalidade parcial da LC nº 214/2025 nesse ponto, e pela necessidade de atuação do Poder Judiciário para garantir a força normativa da Constituição e a efetividade dos direitos das PCDs.
Palavras-chave: Reforma tributária; Pessoa com deficiência; Igualdade tributária; Retrocesso social; Ação afirmativa.
INTRODUÇÃO
A Reforma Tributária é a alteração da tributação brasileira sobre o consumo empreendida pela Emenda Constitucional n. 132/23 e já regulamentada em seus aspectos fundamentais pela LC n. 214/25, que conta com entusiastas ardorosos, mas também com críticos de mesma envergadura, o que é salutar, já que o debate é preferível à unanimidade como caminho que verdadeiramente conduz a soluções robustas e consensos qualificados.
A alteração normativa foi extensa e profunda, e um ponto precisa ser destacado: a Reforma não é algo pronto e acabado com a aprovação dos textos normativos. Estará sempre em evolução e debate, porque o Direito não é texto, mas uma prática interpretativa na qual valores, princípios, ética e sociedade participam. Nesse sentido, toda produção legislativa realizada pende de construção de sentido em sua aplicação prática e ainda precisará passar pelo crivo do Poder Judiciário, que não hesitará na tutela de direitos fundamentais, de outras cláusulas pétreas e da supremacia da Constituição, mesmo que isso cause modificações significativas no regime jurídico aprovado pelo legislador. Além disso, nada impede que o próprio legislador altere a solução adotada, quando entender que não foi a melhor. Portanto, a Reforma permanece em construção em uma sociedade democrática e aberta de intérpretes da Constituição.
O ponto que nos propomos a debater é a tributação da pessoa com deficiência – PCD na aquisição de veículo automotor, que atualmente é desonerada como medida de inclusão do grupo vulnerável, mas cujo alcance é nitidamente reduzido pela Reforma sob o argumento de correção de distorções. O tema é relevantíssimo, seja pela perspectiva subjetiva dos integrantes do grupo destinatário da política tributária e do cumprimento de compromissos internacionais pelo Brasil, como também por envolver a perspectiva teórica dos direitos fundamentais, sua intersecção com a igualdade tributária e o papel da tributação no Brasil.
Nosso objetivo é aferir se, no contexto da Reforma Tributária, houveram retrocessos na promoção dos direitos da PCD ou apenas alterações para maior eficácia da política pública e correção de distorções, bem como fazer um estudo teórico da igualdade tributária e utilização da tributação para promoção de políticas de inclusão e proteção de direitos fundamentais. Com base nisso, analisaremos a compatibilidade da Ec 132/2023 e LC 214/25 com a Constituição.
A metodologia utilizada foi a revisão da bibliografia, análise, interpretação e crítica da legislação e jurisprudência relativas ao tema. Adota-se um caráter crítico e argumentativo em detrimento de um discurso meramente descritivo e informativo, de maneira que trabalharemos com a construção de argumentos e a análise das críticas que lhe possam ser opostas, ao invés de catalogação de decisões e citações.
Não temos a pretensão de esgotar o tema, mas apenas de lançar luzes sobre esse assunto sensível para um grupo vulnerável, geralmente invisível para o Poder Público, e que seguramente fazem jus à política pública. Cientes de nossas limitações, segue nossa humilde contribuição.
1. JUSTIÇA E IGUALDADE NA REFORMA TRIBUTÁRIA
A Reforma Tributária foi realizada em razão de distorções e disfunções propiciadas ou geradas pelo sistema anterior de tributação sobre o consumo, tanto em aspectos ligados ao ambiente econômico, de praticabilidade fiscal, de convívio federativo e mesmo de injustiças. O modelo era exageradamente complexo, promovia alta litigiosidade, trazia prejuízos concorrências e de eficiência econômica, gerava altos custos de conformidade, guerra fiscal etc. É consenso que o sistema anterior não era bom. Que algo precisava ser feito.
Podemos identificar os pilares que sustentam a ideia por traz do novo modelo de tributação nos princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação, da defesa do meio ambiente e da atenuação dos efeitos regressivos, que a Ec n. 132/23, que deixou expresso no art. 145, § 3º e 4º, CF/88, além da neutralidade prevista pelo art. 156-A, § 1º. Por mais que já pudessem ser extraídos do ordenamento, sua inclusão no texto constitucional deixa claro os valores que guiaram o legislador. Toda Reforma sofre o influxo desses princípios, seja o regime constitucional, legal ou infralegal, na aplicação fiscal ou no controle jurisdicional, tanto para fins de interpretação quando para controle de constitucionalidade.
Além da substituição dos principais tributos sobre o consumo (PIS/COFINS, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS/CBS, com profunda perda de competência tributária dos entes federativos subnacionais, observamos mudanças substanciais dos regimes atualmente existentes, como não cumulatividade ampla, tributação no destino, cálculo “por fora”, a exigência de uniformidade de alíquotas e de tributação de uma base econômica amplíssima, que não deixa de fora parte do fenômeno econômico do consumo.
Como expusemos em outra oportunidade, a diretriz para o novo modelo é que ele siga um padrão onde todas operações realizadas por todos contribuintes sejam tributadas de maneira igual, pela mesma alíquota e sem a concessão de benefícios fiscais, regime diferenciados ou favorecidos. Os princípios ou regras da essencialidade e seletividade, em princípio, foram substituídos pela neutralidade. Com isso, o sistema se tornaria simples, neutro, fácil, claro e com baixa litigiosidade (Timóteo Júnior, 2025, p. 683).
No entanto, mesmo que o “design” dos novos tributos se oriente à unicidade e uniformidade, tal regra não é absoluta. Os incs. VI e X, do § 1º do art. 156-A, CF, ao mesmo tempo que obstam alíquotas diferentes ou benefícios financeiros ou fiscais, ressalvam as hipóteses constitucionalmente previstas, abrindo espaço para tributação diferente ou mesmo para ausência de tributação em determinados casos. Os regimes específicos, diferenciados ou favorecidos são disciplinados por lei complementar nacional, não havendo espaço para os entes subnacionais instituírem ou previrem seus termos. Merece registro a possibilidade de que a alíquota fixada por um Estado ou Município seja diferente de outro, embora precise ser única para todas operações que destinem bens e serviços ao seu território, sendo essa a autonomia que restou para os entes subnacionais.
A tributação diferenciada se sustenta em fundamentos diversos. Com razão adverte Nunes (2025, 284), apesar da Ec n. 132/23 não se referir expressamente à seletividade em função da essencialidade, ainda a adota como critério para estabelecimento de uma série de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos. Também poderá ser prevista em razão de particularidades de determinado setor que não se ajusta ao regime geral do IBS/CBS (ex. serviços financeiros e combustíveis). Não podemos esquecer que a tributação diferente também visa objetivos extrafiscais, que não se tornaram exclusividade do Imposto Seletivo, basta verificar que o § 11 do art. 9º da Ec. 132/23 prevê que a avaliação quinquenal dos regimes diferenciados deverá examinar os impactos da legislação na promoção da igualdade entre homens e mulheres. Para o que nos interessa mais especificamente, temos a promoção da inclusão da pessoa com deficiência, autorizada pelo art. 9º, § 3º, II, “a”, e objeto desse estudo.
A ressalva de algumas situações que se desviam da uniformidade e unicidade do IBS/CBS é positiva. A capacidade contributiva do contribuinte de fato deve ser considerada e a regulamentação legal do cashback pela LC 214/25, que poderia ser uma solução, foi bastante limitada, se restringindo ao responsável por unidade familiar que possuir renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo nacional, o que demonstra a pertinência e a necessidade dos regimes diferenciados, sem os quais a regressividade dos novos tributos seriam ainda maior que a dos anteriores. Contudo, o número excessivo de exceções merece críticas e, com maior razão, o modo como foram regulamentadas em lei complementar. Os regimes específicos e diferenciados merecem uma análise detida e as hipóteses ou do modo como foram regulamentados pela lei complementar podem encontrar obstáculo constitucional.
O constituinte derivado e o legislador não possuem uma margem de conformação ilimitada, estando constrangidos por princípios, regras e valores constitucionais, inclusive presentes em cláusulas pétreas. Quando falamos em conformação de um sistema tributário democrático e republicado existem premissas que não podem ser desconsideradas. A igualdade sempre regerá a tributação, obstando tratamentos discriminatórios e determinando tratamentos nivelatórios ou paritários. Em outras palavras, o constituinte e o legislador encontram-se adstritos a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida da desigualdade, sob pena de inconstitucionalidade.
A grande questão consiste em saber quem são os iguais e quem são os desiguais, bem como a medida da desigualdade, porque a mera afirmação de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais não significa absolutamente nada. Como bem pontua Ávila (2025, p. 34), o Direito vive de diferenciações e funciona com base em generalizações. A apologia à igualdade não ajuda em sua realização, sendo necessários critérios intersubjetivamente controláveis que permitam a realização de valores. Desse modo, é preciso compreender a igualdade tributária para examinar qual liberdade o legislador possui na conformação do novo sistema de tributação sobre o consumo, permitindo verificar se existem inconstitucionalidades na Ec n. 132/23 e LC 214/25. Para aprofundar nessa análise, torna-se imperativo compreender as nuances da igualdade tributária e sua interface com a utilização da tributação como instrumento para consecução de finalidades distintas da mera arrecadação.
1.1. Igualdade tributária e promoção de finalidades extrafiscais
A justiça é a razão de ser do Direito, aquilo que lhe confere sentido, sem a qual ele se perverte por lhe faltar um referencial. Representa o objetivo ético a ser perseguido pelo sistema jurídico que vise o bem da própria comunidade (Jobim, 2025, p. 251). Seja na tributação ou em qualquer outro aspecto, ela envolve questões éticas que a tornam imprecisa. Mesmo assim, podemos afirmar, com segurança, que a justiça tem em seu núcleo central a igualdade. Sem igualdade, não há justiça
Quando nos propomos a examinar a igualdade em situações específicas, constatamos que não é algo simples de ser feito. As leis sempre diferenciam, sendo mesmo sua função diferenciar para atribuir direitos ou estabelecer regimes jurídicos (Mello, 2005). Daí porque “não se criticam as leis porque diferenciam, senão porque equiparam ou diferenciam indevidamente” (Velloso, 2010, p. 58). Se igualdade não é identidade, só existe onde há desigualdades, cuja consideração ou desconsideração é uma abstração necessária para respondermos: iguais ou desiguais em quê.
A igualdade se fundamenta em um juízo relacional entre dois ou mais sujeitos, que se insere dentro de uma estrutura lógica formal, na qual o critério de comparação se liga à finalidade normativa da regulação, que precisam ser analisados à luz de valores constitucionais e razões de justiça. Em outras palavras, o cerne da igualdade está na comparação de sujeitos, mas essa comparação sempre é feita segundo um critério e para uma finalidade, pois não se compara apenas para comparar, mas se compara para algo, com algum propósito. Por exemplo, para o fim de distribuir a carga tributária necessária ao custeio do Estado, utilizamos a capacidade contributiva como critério de comparação, separando aqueles que irão pagar determinado tributo daqueles que não pagarão.
Ávila (2025) aponta os seguintes elementos para igualdade: a) sujeitos; b) medida de comparação; c) elementos indicativo da medida de comparação; e d) finalidade da diferenciação, estabelecendo exigências específicas para cada um e para o modo da inter-relação entre eles.
A concepção de sujeitos deve ser a mais ampla possível, envolvendo entidades tangíveis ou intangíveis, estejam ou não já envolvidos em uma relação jurídico-tributária, envolvendo comparativos de quaisquer objetos. A medida de comparação dever ser efetivamente existente, isto é, objetivamente verificável empiricamente, e ser pertinente à finalidade, precisando ser a que melhor contribui para sua promoção. O elemento indicativo deve ser aquele que melhor conduza à medida de comparação (ex. idade é elemento indicativo da capacidade de discernimento, que é medida de comparação que pode servir à finalidade de promover a participação democrática mediante o voto). A finalidade deve ser constitucionalmente prescrita e não pode ser indiretamente excluída ou diferente da que já esteja determinada pela Constituição. Segundo essa perspectiva, só atende a igualdade a diferenciação que se basear em fundadas e conjugadas medidas de comparação atreladas a finalidades constitucionalmente postas.
Desse modo, podemos definir a igualdade como “a relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s) ou critério(s) de comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que serve(m) de instrumento para a realização de determinada finalidade” (Ávila, 2025, p. 47). Observe que não há um valor substancial nem uma diretriz axiológica, mas uma estrutura formal e “vazia”. O critério de comparação e a finalidade não estão presentes e, por esse motivo, não oferece nenhum guia de conduta.
A divergência Westen (1982) vs. Greenawalt (1983) traz esse problema à tona, e mostra que a igualdade não pode ser aplicada sem referência a outros valores. Ao acusar que a igualdade seria tautológica e sem qualquer significado autônomo, obscurecendo os verdadeiros critérios valorativos em jogo (justiça, dignidade, mérito etc. seria o que realmente importa), Westen força uma postura de clareza lógica e teórica sobre igualdade, porém, sua conclusão parece excessiva. A igualdade efetivamente é formal, mas isso não significa que seja menos valiosa. Ela tem papel fundamental no combate a discriminações e na defesa de direitos fundamentais, revelando incoerências e constrangendo a tratar igualmente e a justificar diferenças com base em critérios racionais. Além disso, em algumas situações, ela tem uma finalidade substancial autônoma consistente na realização de um estado de igualdade relativamente a algum direito (Ávila, 2025, p. 160).
A postura que reconhece o caráter formal e relacional da igualdade está correta. Valores substanciais precisam ser aportados em sua estrutura para que tenha critérios e finalidades. Consequentemente, as conclusões que ela permite dependem da finalidade eleita, o que a torna uma limitação débil que exige apenas a adequação dos meios ao fim, já que as relações de igualdade ou desigualdade ficariam ao talante do legislador, que poderia manuseá-las livremente através da escolha do fim respaldado em uma Constituição prolixa e vaga como a brasileira.
Nesse cenário, Velloso (2010) propõe que se agreguem elementos que confiram conteúdo material à igualdade, de modo a vincular o legislador. Para tanto, teve que partir da premissa de que a igualdade tributária seria autônoma em relação à igualdade geral, podendo, inclusive, levar a exigências contrapostas, o que lhe permitiu limitar os fins que conferem conteúdo à igualdade especificamente aos fins de justiça tributária. Nessa ótica, igualdade e justiça estão inter-relacionadas, eis que a igualdade é o elemento nuclear da justiça e deve ser concretizada à luz desta; a imposição de uma igualdade de tratamento desvinculada da noção de justiça poderia levar a tratamentos iguais que são injustos.
Esses fins de justiça tributária são aqueles ligados aos fins internos do Direito Tributário que se relacionem à justa divisão da carga tributária, ou seja, quando não se atribui à divisão outro fim que não o de custeá-los. Estão excluídos os fins meramente arrecadatórios, os fins de utilidade pública ou de justiça extrafiscal, a exemplo da justiça social. Por exemplo, o grau de afetação ao meio ambiente jamais poderia ser utilizado, pois é completamente alheio à justiça na repartição da carga tributária. Trata-se de critério adequado para realizar fins extrafiscais, externos ao Direito Tributário (ex. proteção ao meio ambiente), mas não é apto para realização do fim interno do Direito Tributário (a justa repartição da carga tributária). Da mesma forma, uma progressividade redistributiva visa à justiça social e não a justiça tributária, que não se relaciona à igualdade de oportunidades nem mira a isonomia fática.
Em última análise, a igualdade tributária poderia se concretizar à luz das teorias do benefício, da equivalência, do interesse, do sacrifício ou da capacidade contributiva, que seguem uma perspectiva de justiça distributiva ou comutativa. O autor conclui que a capacidade contributiva deve orientar a tributação nos tributos destinados a custear atuações estatais indivisíveis ou obras públicas em geral, cuja hipótese de incidência não é vinculada a uma atividade estatal específica, enquanto a equivalência/benefício guia os tributos relacionados a serviços estatais específicos e divisíveis – taxas ou obras públicas que impliquem valorização imobiliária (contribuições de melhoria). Disso resulta as diversas projeções da igualdade tributária, como a generalidade, universalidade, uniformidade, igualdade horizontal e igualdade vertical etc.
No modelo proposto, os desvios desses critérios são vistos como intervenções na igualdade. Nessa lógica, a igualdade é relativa e pode conflitar com outros princípios, resultando em restrições (válidas) ou violações (inválidas), conforme juízo de proporcionalidade. Portanto, isenções com base na capacidade contributiva realizam a igualdade tributária, mas isenções onerosas que visam a promoção de determinado objetivo social são intervenções que, para serem válidas, precisam superar o exame da proporcionalidade no conflito entre igualdade tributária e o princípio que as fundamentam.
Em primeiro lugar, é preciso verificar se o fim extrafiscal perseguido é constitucionalmente admitido e se os meios utilizados também o são, à luz da Constituição. Após, determina-se o âmbito de proteção da igualdade e faz-se a avaliação da intervenção, segundo o esquema âmbito de proteção-intervenção-justificação. Na adequação, consideramos que o legislador não pode afetar a igualdade através de medida inadequada a alcançar o fim proposto. Na necessidade, sempre que existam medidas alternativas igualmente adequadas, o legislador não pode utilizar aquela que implique maiores restrições à igualdade. Com relação à proporcionalidade strictu sensu, quanto mais intensa for a afetação da igualdade tributária, tanto maior dever ser a importância do princípio contraposto no caso concreto; restrições intensas a direitos fundamentais somente são aceitas quando a realização do princípio contraposto for extremamente importante.
Outro caminho passa por não fazer essa distinção metodológica, colocando todo espectro de valores, por mais diversos que sejam, na conformação da igualdade tributária. Schouei (2025, p. 269) expõe que “ao lado de valores próprios da tributação, que levam à diferenciação de contribuintes acima proposta (baseada na justificação da própria espécie tributária), outros valores concorrem no ordenamento tributário”, concluindo que “o Princípio da Capacidade Contributiva serve como um dos vários critérios que, simultaneamente, atuarão sobre o mundo fático, a fim de identificarem-se situações equivalentes”. Rabelo Neto (2011) se alinha a essa concepção ao identificar o sistema tributário justo como aquele que observa os princípios e valores constitucionais que levam ao intervencionismo do Estado e ao abandono da tese de que os tributos devem ser neutros, de modo que a utilização dos tributos com finalidades extrafiscais decorreria das finalidades atribuídas pelo moderno constitucionalismo aos tributos. Trata-se de uma perspectiva que confere à tributação um perfil de sistema aberto de valores, que permite que lhe sejam atribuídas as mais variadas finalidades, que acabarão por justificar a eleição de critérios de comparação dos mais diversos.
1.2. Síntese e posicionamento sobre a igualdade tributária
Ao que parece, as críticas de Westen (1982) fazem sentido e a tentativa de conferir conteúdo material à igualdade, como proposto por Velloso (2010), ao separar a igualdade tributária da igualdade geral e vincular seus fins à justa divisão da carga tributária, embora metodologicamente válida, evidencia a necessidade de uma “escolha de fins” para dotá-la de sentido. Em outras palavras, a substância da igualdade é, em última instância, definida pelos valores e propósitos que lhe são atribuídos, o que não quer dizer que tenha importância menor, pois as exigências que ela faz acerca dos elementos e suas relações no bojo do raciocínio comparativo é algo significativo. Além disso, como adverte Ávila (2025, p. 160), o simples fato de uma pessoa ter sido tratada de um certo modo já é uma razão suficiente para tratar da mesma forma outra que esteja na mesma situação, da maneira que sempre será o tratamento diferente que deverá ser justificado e não a necessidade de tratamento paritário.
Observamos que a igualdade pode ser concebida de modo unitário e com feição absoluta ou como igualdades específicas de feição relativa, o que dependerá dos fins que se pretenda atribuir como intrínsecos à tributação. Um Direito Tributário impregnado de diferentes valores expande a noção de justiça tributária, incluindo nela a justiça social e inviabilizando a separação entre igualdade geral de tributária.
Há certa convergência de que diferenciações tributárias são possíveis. A metodologia para abordá-las, porém, diverge: enquanto uma perspectiva as vê como intervenções na igualdade tributária que exigem ponderação via proporcionalidade (refletindo a teoria externa dos direitos fundamentais), outra entende que tais valores já moldam o próprio conceito de igualdade, que, portanto, não seria passível de conflito ou ponderação, sendo tomada em termos absolutos (alinhando-se à teoria interna).
O modelo que concebe a igualdade tributária autônoma passível de restrições ou violações, e que submete tais desvios a um rigoroso juízo de proporcionalidade, parece oferecer um arcabouço analítico mais robusto e transparente, além de ser mais exigente com as justificações legislativas, que não podem apenas apontar uma finalidade com algum amparo constitucional. Ao fim e ao cabo, confere um maior peso à capacidade contributiva, equivalência ou benefício, a depender do tributo, cuja adoção se liga a aspectos éticos ligados à justiça que, por envolver julgamentos baseados em valores, por sua natureza, não podem ser definitivamente resolvidos (Jobim, 2025, p. 213). De um modo geral, esses critérios são aceitos como adequados para uma tributação justa.
Assentada essas conclusões, é preciso analisar o fundamento e a validade da tributação com o instrumento de promoção da inclusão da pessoa com deficiência.