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No alicerce dos precedentes: fundamentos jurídico-formais do sistema

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Conclusão

A análise dos fundamentos jurídico-formais do sistema de precedentes permite afirmar que sua consolidação no ordenamento brasileiro repousa sobre bases normativas consistentes e teoricamente justificáveis. O precedente vinculante, longe de constituir mera inovação legislativa, emerge como resultado de um processo de racionalização interna do sistema jurídico, que busca assegurar coerência, estabilidade e integridade às decisões judiciais.

As razões jurídicas e dogmáticas aqui apresentadas demonstram que a vinculação aos precedentes possui respaldo na própria estrutura normativa do direito — expressa em dispositivos como o art. 927. do Código de Processo Civil e nas disposições constitucionais sobre o controle de constitucionalidade — e encontra complemento na hierarquia jurisdicional, compreendida não como imposição autoritária, mas como elemento organizador e racional da função judicial.

Embora se reconheçam as objeções teóricas à hierarquia como justificativa exclusiva da vinculação, a conjugação entre previsão legal, coerência sistemática e necessidade institucional confere ao sistema de precedentes uma legitimidade formal suficiente para justificar sua adoção e aplicação obrigatória. Essa estrutura jurídico-formal constitui, portanto, o fundamento racional e positivo que permite à jurisprudência desempenhar papel normativo sem romper a separação dos poderes nem a autonomia interpretativa do juiz.

Conclui-se, assim, que os fundamentos jurídico-formais do sistema de precedentes oferecem base sólida e justificável para sua implementação, consolidando-o como instrumento indispensável à previsibilidade, à segurança jurídica e à integridade do direito brasileiro. A força dos precedentes, neste contexto, não deriva apenas da prática judicial, mas do próprio firmamento normativo que os legitima e sustenta como parte essencial da estrutura do Estado de Direito.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. “atendendo a que para se dar uma definição correcta de um sujeito há que proceder a partir da indicação do género e das diferenças específicas”. [Tópicos, Livro VI, 141b]

  2. “Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por concomitância), quando julgamos reconhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e que não é possível ser de outro modo”. [Analíticos Posteriores, 71b]

  3. “A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for present action. Not all past events are precedents. Much of what we did in the past quickly fades into insignificance (or is best forgotten) and does not guide future action at all. Understanding precedent therefore requires an explanation of how

    past events and present actions come to be seen as connected. We often see a connection between past events and present actions, and regard the former as providing guidance for the latter, when they are alike: if, in doing Y, we are repeating our performance of X, we may as well look back to X for guidance when doing Y” (DUXBURY, 2008, pg.1)

  4. “las determinaciones individuales de una sentencia dictada com anterioridade t-1, efectivamente publicadas, y que tratan de los mismos, o similares, (tipo de) hechos y cuestiones que se deben resolver em esta ocasión t” (CHIASSONI, 2015, pg. 25).

  5. “For this reason, the third and fundamental concept of precedent is the one which identifies sensu stricto asjudicial precedent the legal criteria, principle or ground supporting a previoius judicial decision which is used as a source for future decision making. In other words what is actuallu binding in a legal decision is the holding or ratio decidendi, i.e. the legal principles and grounds that hold the support the decision, as oposed to obter dictum, which does not necessarily have to be adhered to”. (GASCÓN, 2012, pg.35)

  6. Não há contradição, aqui se faz necessário “soltar a mão” de Mitidiero e Marinoni, porque não seguem os critérios que estabeleceram rigorosamente. Com a devida vênia, mas não há porque excluir os Incidentes de Assunção de Competência e de Demandas Repetitivas da categoria “precedente”. O único critério que a isto se poderia prestar é que pretensamente eles não atenderiam à “busca por integridade/unidade e sentido no Direito”, coisa que parece, no mínimo, disputável: o próprio ato de resolver ou antecipar um número grande de litígios acerca de determinada matéria, além de afixar tese única, de obediência obrigatória, sabendo-se que estas resoluções sempre terão em mente o melhor direito, parece, ao menos em algum nível, já promotoras da unidade e sentido do Direito. Como eles mesmos admitem, estão cumpridos os demais requisitos: “Ademais, como o Código de 2015 empresta em determinadas situações força vinculante à jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, notadamente quando formada a partir dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, a identificação da parte vinculante dessas decisões para os desembargadores e juízes a elas vinculados deve obedecer igualmente aos parâmetros existentes para extração da ratio decidendi dos precedentes das Cortes Supremas. O mesmo vale obviamente para a noção de obiter dictum.” (Marinoni, 2020, pg. 798).

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  7. “Sin embargo, “estructura” también es uma palabra escurridiza. La estrutura de um objeto puede ser, a su vez: a) la parte de um objeto, sin la qual este simplesmente no podría mantenerse (sobrevivir, subsistir, existir)” (CHIASSONI, 2015, pg. 25).

    Embora Chiassoni provavelmente não se veria feliz ao ser citado ao lado de um filósofo continental, aquilo sem o qual um objeto deixa de ser o que é, seria sua “essência”, em termos aristotélicos. E uma vez que se definiu “Precedente”, espera-se ter expressado um “quê” de essencial dele (ou quiditativo).

  8. Ratio decidendi (concepto mixto) = Df. Uma norma general (regla, principio, criterio) que se encuentra expressamente em um enunciado del texto de precedente-sentencia, o implícita en este, es la ratio decidendi de um caso em relación com certa cuestión por decidir, si, y solo si, (a) es la premissa normativa general del modus ponens, a partir de la qual, junto com otras premisas, se puede derivar el mandato judicial o decisium; (b) el juez que resolvió el caso há querido que la ratio sea (b1) la prescripción jurídica fundamental para la decisión correcta del caso, y (b2) revestida de valor vinculante para decisiones futuras.” (CHIASSONI, 2015, pg. 41)

  9. WITTGENSTEIN, Ludwig “[...] Philosophy is a battle against the bewitchment of our intelligence by means of language.” Philosophical Investigations (1953) pt. 1, sect. 109

    WITTGENSTEIN, Ludwig “[...] A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento de nosso intelecto pelos meios de nossa linguagem.” Investigações Filosóficas (1953) pt. 1, seção 109 – tradução livre.

  10. “O ponto central da Lei de Hume seria proibir que derivássemos enunciados de “dever-ser” de enunciados de “ser”. Ou seja, Hume estaria dizendo que, quando fazemos enunciados sobre fatos, as decorrências desses enunciados devem se manter apenas nos fatos. Quando fazemos enunciados sobre “dever-ser”, as decorrências desses enunciados devem se manter apenas na esfera dos “dever-ser”. Cada espécie de enunciado deveria permanecer em seu plano. Se um enunciado invadir o plano do outro, estaremos violando a Lei de Hume – falando de algo “inconcebível”. (OLIVEIRA e CARDOSO, 2017, pg. 149)

  11. Entende-se que a interpretação é caridosa, seguindo-se a leitura que Mário Soares de Alencar faz: “Outro fundamento formal utilizado por alguns doutrinadores para a justificação do respeito aos precedentes judiciais no direito brasileiro é a obediência hierárquica. Partem os defensores desse ponto de vista da observação de que o Poder Judiciário apresenta uma estrutura hierarquizada, com órgãos de primeiro e segundo graus, em nível estadual ou regional, correspondentes aos juízes (de Direito, Federais, do Trabalho, etc) e respectivos tribunais (TJ, TRF, TRT, etc), além dos órgãos de superposição, ou seja, os tribunais superiores (STJ, TST, TSE) e o Supremo Tribunal Federal. O caráter nacional e hierárquico do Judiciário brasileiro, estratificado em níveis de jurisdição superpostas, com atribuição competência revisional às instâncias superiores, justificaria a observância aos precedentes judiciais. Ou seja, o poder do órgão jurisdicional superior de reformar o entendimento dos juízos inferiores seria o fundamento para que se observassem os precedentes das instâncias mais elevadas. Dessa forma, como observa Willian Pugliese, para saber quais os precedentes a serem seguidos, bastaria “seguir a ordem recursal no caminho inverso”. (ALENCAR, 2018, pg. 68)


On the basis of precedents: formal legal foundations of the system

Abstract: This paper examines the formal legal foundations of the binding precedent system in the Brazilian legal system, investigating its normative, hierarchical, and conceptual bases in light of contemporary procedural theory. Through a bibliographical review and theoretical-dogmatic analysis, the study addresses the conceptual structure of precedents, their types, levels of effectiveness, and formal justifications, highlighting the role of law and hierarchy in establishing their authority. Based on discussions with authors such as Marinoni, Mitidiero, Chiassoni, and Alencar, it is argued that the precedent system has a solid foundation in both dogmatic and normative structures, representing an instrument of coherence, stability, and integrity of the jurisdiction. It is concluded that the formal legal foundations provide a sufficient and rational basis for the consolidation of a binding precedent model consistent with the civil law tradition and appropriate to Brazilian constitutional rationality.

Key words : Precedents. Legal foundations. Hierarchy. Binding. Normative system.

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Sobre o autor
Nícolas Alonso Tenório Wengrat

Graduado (2022) pelo Centro Universitário Toledo, pós-graduando pela ESA, ex-advogado, servidor público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WENGRAT, Nícolas Alonso Tenório. No alicerce dos precedentes: fundamentos jurídico-formais do sistema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8179, 22 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116084. Acesso em: 5 dez. 2025.

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