Capa da publicação Abuso infantil: infiltração e cadeia de custódia digital
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Cadeia de custódia digital na investigação de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.

Aspectos probatórios e desafios da infiltração policial virtual

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A cadeia de custódia digital garante autenticidade da prova nos crimes sexuais online contra crianças, mas sua aplicação ainda enfrenta entraves técnicos. Como a infiltração virtual supera limites probatórios sem violar garantias?

Resumo: Este artigo analisa a aplicação da cadeia de custódia digital nas investigações de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes em ambiente virtual, com foco nos aspectos probatórios e nos desafios relacionados à infiltração policial online. Parte-se do reconhecimento de que a prova eletrônica possui natureza volátil e dinâmica, o que exige adaptações procedimentais para garantir sua integridade e autenticidade. O estudo aborda o papel da infiltração virtual, introduzida no ordenamento jurídico pela Lei nº 13.441/2017, como medida eficaz para a obtenção de provas em conformidade com a cadeia de custódia digital e com o devido processo legal. A partir da análise de experiências internacionais e da jurisprudência nacional, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, evidencia-se que a infiltração policial constitui instrumento legítimo e necessário ao enfrentamento da criminalidade sexual digital. Conclui-se que os principais entraves à sua efetividade no Brasil decorrem da ausência de programas padronizados de capacitação técnica, e não de limitações normativas.

Palavras-chave: Cadeia de custódia digital; infiltração policial virtual; prova eletrônica; crimes sexuais contra crianças e adolescentes; Lei nº 13.441/2017; investigação cibernética.


1. DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO AMBIENTE DIGITAL E A PROVA ELETRÔNICA

No interregno contemporâneo, observa-se um processo gradual de erosão das fronteiras simbólicas entre infância e vida adulta. A exposição precoce de crianças e adolescentes a conteúdos, comportamentos e padrões estéticos próprios do universo adulto tornou-se um fenômeno amplamente difundido, sobretudo a partir da popularização das redes sociais e da cultura digital1.

Com efeito, a adultização traz à baila uma preocupante inversão de valores, na qual a inocência infantil é substituída por uma artificial noção de maturidade, associada, no mais das vezes, à sexualização e ao consumo. Tal fenômeno, impulsionado por algoritmos, influenciadores e pela indústria cultural, contribui para o aumento da vulnerabilidade infantojuvenil em ambientes virtuais, abrindo espaço para práticas de aliciamento, exploração sexual e difusão de conteúdo ilícito2.

Na mesma linha, a amplitude dos crimes sexuais perpetrados contra crianças e adolescentes assume proporções globais, o que a consagra como uma das mais graves violações de direitos humanos da atualidade3.

À vista disso, estudos recentes revelam um panorama alarmante acerca da exploração sexual de crianças e adolescentes em ambientes virtuais. Estima-se que aproximadamente 302 milhões de crianças, o equivalente a uma em cada oito no mundo, tenham sido vítimas, em apenas um ano, de exposição, compartilhamento ou captação não consentida de imagens e vídeos de teor sexual4. Outrossim, cerca de 12,5% das crianças em todo o globo, o que corresponde a mais de 300 milhões de vítimas, relataram ter sofrido solicitações sexuais online, as quais envolviam pedidos de envio de conteúdo íntimo, conversas de cunho sexual ou tentativa de aliciamento digital5.

Em âmbito nacional, uma pesquisa coordenada pelo SaferNet Brasil apontou que, entre 1º de janeiro e 31 de julho de 2025, foram registradas 49.336 denúncias anônimas de abuso e exploração sexual infantil em ambientes digitais — o equivalente a 64% de todas as notificações de crimes cibernéticos no período6. Outro levantamento, divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, revela que 23% das crianças e adolescentes brasileiros afirmaram ter sofrido algum tipo de violência sexual online nos últimos anos, conforme dados referentes ao biênio 2022–2023. O estudo indica ainda que 76% das vítimas são meninas7. Esses números evidenciam a persistência de uma realidade alarmante, na qual o ciberespaço, ao mesmo tempo que amplia o acesso à informação e à convivência social, também se converte em um campo fértil para a prática de crimes contra a dignidade sexual infantojuvenil8.

Consigne-se, ademais, que os infratores que perpetram crimes sexuais contra crianças e adolescentes no ambiente digital adotam, em grande parte dos casos, estratégias de aliciamento que visam primeiro atrair a vítima para o espaço virtual e, em seguida, manipular sua confiança. Essa dinâmica, conhecida como grooming, envolve a criação de vínculo mediante elogios, identificação de interesses comuns ou incentivo material (como brindes ou pontuações em jogos), para depois introduzir conversas de cunho sexual ou solicitar envio de imagens/áudios íntimos9.

Nessa toada, uma vez estabelecido o contato e rompida a barreira de confiança, o criminoso passa a explorar vulnerabilidades — como insegurança, solidão ou desejo de aceitação — para avançar à fase de coação, chantagem ou produção de material pornográfico infantil10. Ademais, parte significativa dessas estratégias se vale de perfis falsos em redes sociais, plataformas de jogo ou fóruns digitais, o que dificulta a identificação do autor e amplia o alcance da vítima11.

Ad exemplum, o recente caso do influenciador digital conhecido como Capitão Hunter evidencia, de maneira ululante, o modus operandi dos autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes em ambientes virtuais. Com mais de um milhão de seguidores e conteúdo direcionado ao público infantojuvenil, o indivíduo utilizava plataformas digitais populares — como redes sociais e aplicativos de jogos — para estabelecer, segundo apurado, contato com as vítimas, conquistava sua confiança por meio de elogios, promessas de brindes e ofertas de itens virtuais relacionados à franquia “Pokémon”, como cards colecionáveis, acessórios e recompensas em jogos eletrônicos populares entre o público infantojuvenil12. As investigações indicam que, após consolidar o vínculo, o acusado passou a solicitar conteúdos íntimos e a compartilhar imagens de teor sexual, reprodução fiel do ciclo do grooming: atração, manipulação e posterior exploração13.

Nesse sentido, a Convenção de Budapeste sobre o Cibercrime, adotada pelo Conselho da Europa em 2001 e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 11.491/2023, constitui o principal tratado internacional voltado ao enfrentamento dos delitos cometidos por meio de sistemas informáticos.

Com efeito, o artigo 9 da Convenção mencionada alhures dedica-se à repressão da pornografia infantil em meios digitais, determina que cada Estado signatário adote medidas legislativas para criminalizar condutas como produzir, oferecer, distribuir, transmitir, adquirir ou possuir material pornográfico infantil por meio de sistemas computacionais. O dispositivo ainda define “pornografia infantil” como qualquer representação visual que retrate menores — reais ou aparentes — em condutas sexuais explícitas, bem como imagens realísticas com o mesmo teor. Ademais, estabelece como “menor” toda pessoa com menos de dezoito anos, admite, contudo, que os Estados fixem limite etário não inferior a dezesseis anos14.

Por seu turno, a Seção 2 do instrumento internacional delineia um conjunto de instrumentos normativos voltados à persecução penal dos crimes cibernéticos, com escopo de assegurar a efetividade das investigações no ambiente digital. O texto contempla medidas como a preservação expedita de dados armazenados (arts. 16. e 17), a ordem de exibição de informações cadastrais (art. 18), a busca e apreensão de dados de computador (art. 19) e a obtenção em tempo real de dados de tráfego e de conteúdo (arts. 20. e 21)15.

Para além de reconhecer a necessidade de punição rigorosa dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, o tratado buscou instituir um sistema estruturado de preservação dos vestígios digitais relacionados a tais infrações.

Por sua natureza volátil, faz-se necessária a adoção de procedimentos adequados para a preservação de vestígios digitais. Essa volatilidade reside no fato de que os dados podem ser facilmente apagados, alterados ou deslocados para outro meio ou jurisdição, muitas vezes de modo quase instantâneo, o que exige uma intervenção célere e tecnicamente qualificada desde o momento da aquisição até o seu armazenamento seguro16.

A prova eletrônica, em razão da sua transitoriedade e das ferramentas que a protegem ou a ocultam, complica sobremaneira a persecução dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes: sem acesso imediato e procedimentos forenses especializados, torna-se inviável conservar o estado original dos arquivos, metadados e registros de conexão necessários para vincular autoria e materialidade delitiva os fatos17.

A dificuldade se agrava diante da rapidez com que o conteúdo digital pode ser compartilhado, modificado ou apagado, sobretudo em plataformas que utilizam criptografia de ponta a ponta ou servidores localizados em outros países, o que impõe barreiras jurídicas e técnicas à investigação18.

De igual modo, a investigação desses delitos enfrenta entraves significativos em razão da atuação de grupos organizados em ambientes virtuais restritos — como fóruns, servidores privados e redes anônimas, como a deep web e dark web — nos quais agentes trocam e armazenam material de pornografia infantil entre si. Ademais, a própria efemeridade desses ambientes, somada à possibilidade de eliminação automática de mensagens e arquivos, compromete a preservação de vestígios digitais e a obtenção de provas forenses válidas19.

Diante desse quadro, em que a complexidade tecnológica e a fugacidade das evidências digitais impõem severos desafios à persecução penal, impende analisar os instrumentos investigativos disponíveis e a forma como se articulam com a cadeia de custódia digital.


2. DA CADEIA DE CUSTÓDIA DIGITAL E A INFILTRAÇÃO POLICIAL VIRTUAL

Renato Brasileiro de Lima ensina que a cadeia de custódia consiste, em termos gerais, em um mecanismo garantidor da autenticidade das evidências coletadas e examinadas, o qual confirma sua correspondência com o caso investigado e afasta qualquer possibilidade de adulteração20.

O doutrinador destaca, ainda, que esse procedimento constitui a documentação formal destinada a manter o registro cronológico da evidência, a fim de evitar interferências internas ou externas capazes de comprometer o resultado da atividade probatória. Tal mecanismo assegura o rastreamento da prova desde o local do crime até sua apresentação em juízo, fundamenta-se no princípio da autenticidade da prova — postulado segundo o qual o vestígio relacionado à infração penal, encontrado no local do crime, deve ser o mesmo que o magistrado utiliza para formar seu convencimento. Daí decorre a necessidade de rigor na formação e preservação dos elementos probatórios no âmbito do processo penal, a fim de garantir a confiabilidade e a legitimidade da persecução penal21.

Com efeito, a cadeia de custódia, disciplinada pela Portaria n. 82/2014 da SENASP e pelo art. 158-B do Código de Processo Penal, constitui um conjunto de etapas indispensáveis à rastreabilidade e integridade dos vestígios obtidos durante a persecução penal. Divide-se em duas macrofases — externa e interna — que englobam desde a preservação inicial do local do crime até a entrega do laudo pericial à autoridade requisitante. Na fase externa, compreendem-se as etapas de reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte e recebimento do vestígio, o que assegura que este seja identificado, preservado e encaminhado ao órgão pericial. Já a fase interna envolve o processamento, armazenamento e descarte, abrange o exame pericial propriamente dito, a guarda do material para contraperícia e, por fim, a sua destinação conforme a legislação aplicável22.

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Nada obstante, a cadeia de custódia tenha sido desenvolvida com eficácia para vestígios físicos, sua aplicabilidade aos crimes digitais revela significativas fragilidades. A natureza imaterial e altamente dinâmica dos dados eletrônicos contrapõe-se aos procedimentos tradicionais de reconhecimento, isolamento, fixação e transporte previstos para vestígios físicos23.

Por seu turno, Paulo Vitor Braga do Nascimento obtempera que a ausência de padronização na aquisição, no arquivamento digital e no armazenamento de evidências telemáticas compromete a integridade e a rastreabilidade das provas24.

Esse cenário assume contornos ainda mais complexos quando envolve crimes sexuais contra a dignidade de crianças e adolescentes praticados no ambiente digital. Em tais casos, a volatilidade das interações virtuais e o caráter usualmente transnacional das plataformas utilizadas dificultam não apenas a coleta e preservação das provas, mas também a identificação dos autores e a delimitação do percurso probatório25.

Nessa linha, a figura do policial infiltrado assume papel de especial relevância no contexto da persecução penal de crimes cometidos em ambientes digitais. Sua atuação viabiliza a obtenção de dados em seu estado original e com mínima interferência externa26.

Consigne-se que essa operação policial encoberta contribui para a higidez da cadeia de custódia digital, uma vez que o agente, inserido de forma controlada no ambiente delitivo, pode identificar, capturar e documentar os elementos probatórios dentro de protocolos técnicos que asseguram sua autenticidade, integridade e rastreabilidade27.

Por conseguinte, a infiltração policial não apenas potencializa a eficiência investigativa, mas também reforça a confiabilidade jurídica das provas eletrônicas produzidas, ao mitigar os riscos de contaminação, manipulação ou ruptura da continuidade na custódia dos vestígios digitais28.

No que tange aos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes cometidos pela internet, a infiltração policial assume papel ainda mais relevante, tendo em vista a complexidade e o elevado grau de dissimulação que caracterizam tais práticas delitivas. Em ambientes virtuais a atuação do agente infiltrado revela-se um dos poucos meios eficazes de acesso a grupos e plataformas restritas onde se compartilham conteúdos ilícitos29.

Nessa toada, a infiltração digital revela-se uma medida apta a assegurar a efetividade da persecução penal, ao possibilitar a obtenção de provas autênticas, a proteção das vítimas e a identificação de redes criminosas transnacionais que exploram a vulnerabilidade infantojuvenil no ciberespaço30.

No Brasil, a Lei nº 13.441/2017, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao inserir o artigo 190-A, disciplinou a possibilidade de infiltração de agentes de polícia, mediante autorização judicial, com a finalidade de investigar delitos previstos nos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do referido diploma31.

Essa inovação legislativa representa um marco no enfrentamento à criminalidade sexual digital, ao reconhecer a necessidade de técnicas especiais de investigação compatíveis com a dinâmica dos delitos cometidos no ciberespaço. Ao permitir a atuação encoberta do agente, a norma busca garantir a proteção integral da criança e do adolescente — princípio basilar do ECA — com uma persecução penal mais eficiente e compatível com as exigências de efetividade e legitimidade do sistema de justiça criminal32.

Diante do exposto, impõe-se analisar os desafios para a aplicação efetiva e adequada da infiltração policial digital à luz da cadeia de custódia da prova eletrônica e das garantias processuais aplicáveis.


3. DOS DESAFIOS DA INFILTRAÇÃO POLICIAL E SEUS IMPACTOS NA CADEIA DE CUSTÓDIA

Calha destacar, ab initio, que, sem embargo a infiltração policial se revele uma medida de comprovada eficácia no enfrentamento dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes praticados em ambiente virtual, sua execução demanda dos agentes uma qualificação técnica diferenciada. Isso porque tais operações pressupõem não apenas o domínio das técnicas investigativas tradicionais, mas também conhecimentos específicos sobre tecnologias digitais, plataformas virtuais e ferramentas de segurança cibernética, assim como habilidade prática no manejo desses recursos. Em outras palavras, a efetividade da infiltração policial no ciberespaço está diretamente vinculada à capacitação tecnológica dos profissionais encarregados de sua implementação33.

Com efeito, é salutar mencionar experiências internacionais que evidenciam a necessidade de formação tecnológica específica para a atuação policial em ambientes virtuais. A INTERPOL Virtual Academy, ad exemplum, constitui uma plataforma de ensino online voltada aos agentes de países-membros, oferecendo cursos voltados ao cibercrime, tecnologias digitais e investigação online34.

A própria instituição ressalta que seus programas são destinados ao aprimoramento das policing capabilities, no enfrentamento de transnational crimes e no desenvolvimento de professional policing skills, o que demonstra uma preocupação com a capacitação técnica dos profissionais responsáveis por operações complexas, como a infiltração virtual. Essa iniciativa reforça que o êxito das investigações no ciberespaço está diretamente condicionado à habilidade dos agentes em compreender e manejar ferramentas tecnológicas avançadas35.

De modo semelhante, o Internet Crimes Against Children Task Force (ICAC) Program, desenvolvido nos Estados Unidos pelo Zero Abuse Project, oferece formação avançada para investigadores e promotores que atuam em crimes sexuais contra crianças e adolescentes facilitados por tecnologia. O programa aborda temas como cloud forensics, search warrants e emerging technologies, com escopo de instruir os profissionais para lidar com a natureza dinâmica das infrações digitais36.

No contexto brasileiro, não há, até o momento, um programa nacional padronizado voltado à capacitação de agentes para a infiltração virtual em investigações de crimes sexuais contra crianças e adolescentes praticados pela internet37. Nada obstante existam iniciativas pontuais de formação em crimes cibernéticos e preservação de provas digitais promovidas por órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Polícia Federal, tais cursos possuem caráter geral e não contemplam, de forma sistemática, o treinamento técnico-operacional necessário para a atuação encoberta em ambientes virtuais.

Nota-se que a persecução penal em delitos cometidos no ambiente virtual depende de competências técnicas especializadas, que possibilitam a coleta, preservação e análise adequada das provas digitais, a fim de assegurar a observância da cadeia de custódia e a legitimidade do processo investigativo.

De outro vértice, a atividade de infiltração não pode ocorrer ao arrepio da lei, tampouco da Constituição Federal. Sua aplicação há de respeitar as garantias dos investigados. Isto é, a adoção desse método investigativo, ainda que se mostre eficaz no combate à criminalidade, não deve implicar no sacrifício absoluto dos direitos e garantias individuais38.

Alguns prosélitos salientam que o princípio nemo tenetur se detegere mostrar-se-ia verdadeiro óbice à infiltração policial, vez que, na percepção dos defensores dessa tese, tratar-se-ia de um verdadeiro caso de flagrante preparado. Todavia, não parece ser esse o posicionamento endossado pela parcela majoritária da doutrina e da jurisprudência39.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os desdobramentos da Operação Darknet, reconheceu a licitude da prova obtida por meio da infiltração policial na deep web. In casu, a Polícia Federal criou e administrou uma página virtual que abrigava um fórum denominado “Forpedo”, destinado a discussões sobre a legalização da pedofilia e à troca de arquivos entre usuários, o que possibilitou a identificação de 98 (noventa e oito) indivíduos envolvidos na divulgação e armazenamento de material pornográfico infantil. A Corte, inclusive, rechaçou a tese defensiva de que teria havido incitação à prática delitiva40.

Não se pode olvidar, por fim, que, embora a infiltração policial constitua medida de caráter excepcional, a Constituição da República de 1988 impõe, em seu artigo 227, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças e dos adolescentes. Diante da magnitude do bem jurídico tutelado — a dignidade e a integridade de pessoas em desenvolvimento —, justifica-se, portanto, a adoção dessa medida excepcional. Ressalte-se, ademais, que este é o único momento em que a Carta Magna emprega o termo “absoluto”, o que evidencia a relevância e a primazia dessa proteção no ordenamento jurídico brasileiro41.

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Sobre o autor
João Carlos Ermelindo Bernardo

Aluno da graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDO, João Carlos Ermelindo. Cadeia de custódia digital na investigação de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.: Aspectos probatórios e desafios da infiltração policial virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8180, 23 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116112. Acesso em: 5 dez. 2025.

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