6. Atuação do INSS e da Procuradoria-Geral Federal
Este ponto merece iniciação por meio de uma citação de ordem sócio-política, que expressa uma preocupação com a inação do Estado, de uma maneira geral, no controle de danos ambientais gerais e em relação à efetivação da democracia. Assim, OLIVEIRA, SANTOS, PIRES e TIEPPO (2002) destacam que
(...) o controle dos riscos inerente à sociedade moderna, principalmente, o controle dos danos ambientais, só será possível com uma atuação efetiva das instituições sociais [acrescente-se: e estatais]. Neste caso, quebrar o ciclo de desestímulo, através das reestruturações propostas, ocasionará maior participação da sociedade civil, aperfeiçoando a democracia em nosso país. Entretanto, a manutenção dessa situação, em que os direitos mínimos não são respeitados, intensificará o sentimento de injustiça que trará graves problemas de legitimidade ao constituinte e do próprio regime democrático [17].
A preocupação dos autores citados é legítima e oportuna. Não obstante, o quadro atual já não mais se circunscreve a uma situação de inação.
O Governo Federal, no ano de 2008, editou um ato que, sem dúvida alguma, está na direção da temática aqui proposta, consciente ou inconscientemente. Cuida-se da Portaria Interministerial MPS/MS/MTE nº 152, de 13 de maio de 2008, que instituiu uma Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho, com o objetivo de avaliar e propor medidas para implementação, no País, da Convenção nº 187, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que trata da Estrutura de Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho (art. 1º). A essa Comissão compete (art. 2º):
I – revisar e ampliar a proposta da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador - PNSST, elaborada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial nº 1.253, de 13 de fevereiro de 2004, de forma a atender às Diretrizes da OIT e ao Plano de Ação Global em Saúde do Trabalhador, aprovado na 60ª Assembléia Mundial da Saúde ocorrida em 23 de maio de 2007;
II- propor o aperfeiçoamento do sistema nacional de segurança e saúde no trabalho por meio da definição de papeis e de mecanismos de interlocução permanente entre seus componentes; e
III - elaborar um Programa Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho, com definição de estratégias e planos de ação para sua implementação, monitoramento, avaliação e revisão periódica, no âmbito das competências do Trabalho, da Saúde e da Previdência Social.
A Comissão deve elaborar relatórios semestrais e submetê-los aos Ministros de Estado signatários (§ 8º, art. 3º).
Certamente, isso é um reflexo da preocupação com a saúde do trabalhador, de forma imediata, mas também com o patrimônio público. A presença do Ministro da Previdência Social é sintomática. Quando da assinatura dessa Portaria Interministerial, o
Ministro da Previdência informou que, em 2006, ocorreram no Brasil 503.890 acidentes do trabalho, que resultaram na morte de mais de 2,7 mil trabalhadores e a incapacitação permanente de 8,3 mil pessoas. Além do drama para os trabalhadores e seus familiares, ressaltou que acidentes e doenças do trabalho custam, por ano, R$ 10,7 bilhões aos cofres da Previdência Social, que paga auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadorias e outros benefícios. A área de saúde também tem um gasto significativo, com atendimento médico, internações e reabilitação [18]. Os prejuízos são alarmantes, em todos os sentidos.
Paralelamente a essa atuação, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, vem intensificando o ajuizamento de ações regressivas previdenciárias. Do ano de 1991 até hoje, foram ajuizadas 1000 (mil) demandas regressivas, buscando a satisfação ressarcitória de valores na ordem de 80 (oitenta) milhões de reais. Segundo informação extraída do sítio virtual "Procuradores da Cidadania", em acesso realizado na data de 23 de novembro de 2009, aferível através do link http://procuradoresdacidadania.blogspot.com/2009/10/agu-chega-milesima-acao-regressiva.html,
Apenas no ano de 2009, foram ajuizadas 398 ações. Esse número corresponde a 40% das ações ajuizadas desde 1991, ou seja, em 17 anos foram 602 ações. As áreas que apresentam maior índice de acidentes de trabalho são: 38% construção civil; 22% agroindústria; 8% energia elétrica; 7% metalurgia; 5% indústria calçadista; 5% mineração; 4% indústria moveleira; e 11% outros.
Se os números ainda não são satisfatórios, considerando o custo representado por cifras astronômicas com benefícios acidentários, é possível vislumbrar que num futuro próximo o patrimônio público estará recomposto e, além disso, como essas medidas judiciais têm caráter também educativo, as próprias empresas iniciarão um processo de melhoria no ambiente de trabalho, seja para a proteção da saúde do trabalhador, seja com vistas à diminuição dos gastos com demandas indenizatórias propostas pelo INSS. Some-se a isso, também, a evolução da atuação preventiva pelos órgãos estatais e não estatais, que não escapa da intenção primordialmente pedagógica.
7. Conclusão
A promoção de um meio ambiente do trabalho com qualidade alcança dois objetivos básicos: (1) a proteção à incolumidade física e mental do trabalhador, quer encarado individualmente, quer coletivamente ou, ainda, sob o aspecto difuso, e (2) a proteção do patrimônio público. Essa atuação pode ocorrer de forma preventiva, nos âmbitos judicial ou extrajudicial, hipótese em que vários atores estatais ou não estatais envidarão esforços para qualificar o ambiente de trabalho a fim de evitar acidentes, ou por meio de ações judiciais, com pedido de tutela inibitória ou de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público, de forma a recompô-lo.
Essas medidas, uma vez efetivadas com sucesso, retratarão um enorme avanço social, pois darão concretude a um dos fundamentos mais caros aos Estados Democráticos de Direito: a cidadania.
REFERÊNCIAS
1. Livros
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Conceito e legitimação para agir. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
OLIVEIRA, Márcia Gomes de. PIRES, Marcelle Dias. SANTOS, Fábio Roberto de Oliveira. TIEPPO, Thiago Raoni M. in Tutela ambiental e sociedade de risco. MADEIRA FILHO, Wilson (Org.). Direito e justiça ambiental. Niterói: PPGSD/UFF, 2002.
SANTOS JR., Humberto Adami e LOURES, Flávia Tavares Rocha. In O papel fundamental do advogado na aplicação da Justiça Ambiental e no combate ao Racismo Ambiental. MADEIRA FILHO, Wilson (Org.). Direito e Justiça Ambiental. Niterói: PPGSD/UFF, 2002.
SOUZA NETO, Nilson Soares de. Os conceitos de Natureza e Homem na nova ordem jurídica ambiental. Resenha crítica que consta da obra coletiva Direito e Justiça Ambiental, org. por Wilson Madeira Filho. Niterói: PPGSD/UFF, 2002.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Reforma da previdência: caminhos e descaminhos da proteção previdenciária dos servidores. In TAVARES, Marcelo Leonardo (Coord.). A reforma da previdência social. Temas polêmicos e aspectos controvertidos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
_____. Direito Previdenciário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
2. Legislação
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº. 8.029, de 12 de abril de 1990. Dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração Pública Federal, e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
BRASIL. Portaria Interministerial MPS/MS/MTE nº 152, de 13 de maio de 2008. Institui a Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho, com o objetivo de avaliar e propor medidas para implementação, no País, da Convenção nº 187, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que trata da Estrutura de Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho.
3. Sítios virtuais da world wide web
BRASIL. Advocacia-Geral da União: www.agu.gov.br.
BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social: www.inss.gov.br.
BRASIL. Google: www.google.com.br.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego: www.mte.gov.br.
BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil: www.planalto.gov.br.
BRASIL. Procuradores da Cidadania: www.procuradoresdacidadania.com.br.
Notas
- "De notar que o status positivus libertatis envolve a segurança jurídica e, no que concerne aos direitos fundamentais, a seguridade social. Esta última pode compor, também, na sua região periférica, o status positivus socialis, vinculando-se a considerações de justiça" (TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 241 e 242).
- "Analisando a tradicional organização do seguro social público no Brasil, conclui-se que a configuração básica do Regime Geral de Previdência Social é dotada das condições mínimas de preservação da dignidade humana como valor. Sendo assim, seria esse sistema dotado de fundamentalidade, cabendo ao Estado garanti-lo sob pena de romper o próprio pacto social proposto na Constituição, desfigurando-a. essa, portanto, é a previdência fundamental. É o limite mínimo de proteção securitária pública" (TAVARES, Marcelo Leonardo. Reforma da previdência: caminhos e descaminhos da proteção previdenciária dos servidores. In TAVARES, Marcelo Leonardo (Coord.). A reforma da previdência social. Temas polêmicos e aspectos controvertidos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 117).
- Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
- "A palavra que melhor traduz o conceito de natureza que emerge do conjunto das leis que regem o direito ambiental é a vida. De acordo com o art. 3º da Lei nº 6.938/81, o meio ambiente permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Em nome da vida, a questão ambiental adquire dimensão global, seduzindo defensores alistados numa pluralidade de espaços sociais e geográficos" (SOUZA NETO, Nilson Soares de. Os conceitos de Natureza e Homem na nova ordem jurídica ambiental. Resenha crítica que consta da obra coletiva Direito e Justiça Ambiental, org. por Wilson Madeira Filho. Niterói: PPGSD/UFF, 2002).
- FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003).
- A limitação a este especifico ambiente é proposital, pois os demais não interessam ao presente estudo.
- Ibidem.
- A expressão força-tarefa traduz uma atuação conjunta entre vários agentes públicos – e, não raro, com a colaboração de particulares – com o objetivo de alcançar uma finalidade pública e social que dificilmente seria efetivada com sucesso com a ação isolada de um ou outro. É comumente utilizada para realização de trabalhos de investigação policial, quando órgãos da Polícia Judiciária, Ministério Público, agentes fiscais, entre outros, aditam suas forças para estancar fraudes tributárias de grande porte. A referência ora feita, portanto, tem pertinência, uma vez que a intenção final é a proteção social, de maneira geral, e a incolumidade do patrimônio público.
- A respeito do conceito de interesse público primário e secundário, sempre é bom relembrar as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que difunde a lição de Alessi no Brasil: "Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001).
- No sítio virtual www.mte.gov.br é possível identificar as atribuições do Ministério do Trabalho no que diz respeito à inspeção do ambiente de trabalho.
- SANTOS JR., Humberto Adami e LOURES, Flávia Tavares Rocha. In O papel fundamental do advogado na aplicação da Justiça Ambiental e no combate ao Racismo Ambiental. MADEIRA FILHO, Wilson (Org.). Direito e Justiça Ambiental. Niterói: PPGSD/UFF, 2002.
- Vale mencionar, para não pecar por omissão, que também às associações, desde que atendam aos requisitos estabelecidos no art. 5º, V, da LACP, é destinado legitimação para propor ações civis públicas no interesse de seus associados.
- Sobre a tutela inibitória, é obrigatória a leitura de MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
- Apesar de o art. 17 da L. 8.029/90 dizer que É o Poder Executivo autorizado a instituir o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, como autarquia federal, mediante fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social - IAPAS, com o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, observado o disposto nos §§ 2° e 4° do art. 2° desta lei, na verdade, dita lei criou a autarquia, visto que a Constituição de 1988 reza, no inciso XIX do art. 37, que somente por lei específica [antes da EC nº 19/98, exigia-se apenas lei] poderá ser criada autarquia (...).
- TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
- MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Conceito e legitimação para agir. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
- OLIVEIRA, Márcia Gomes de. PIRES, Marcelle Dias. SANTOS, Fábio Roberto de Oliveira. TIEPPO, Thiago Raoni M. in Tutela ambiental e sociedade de risco. MADEIRA FILHO, Wilson (Org.). Direito e justiça ambiental. Niterói: PPGSD/UFF, 2002.
- Informações divulgadas no sítio virtual do INSS (www.inss.gov.br) na data de 13/05/2008, sob o título "Saúde e Segurança: Ministros querem reduzir acidentes de trabalho".