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O seguro obrigatório de circulação automóvel nos sistemas jurídicos português e brasileiro

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3. A perspectiva do Direito Brasileiro

O Decreto-lei nº 73/66, art. 20, al. l) estabeleceu um seguro obrigatório para os proprietários de veículos automotores em caso de acidente, o Seguro DPVAT – Lei nº 6194, de 19 de Dezembro de 1974, atualizado pela Lei 8441, de 13 de Julho de 1992, que indeniza vítimas de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre ou por carga transportada no mesmo, independentemente de o veículo se encontrar em movimento.

3.1. Principais características do seguro DPVAT

De acordo com o artigo 757 do Código Civil de 2002, no contrato de seguro, o segurador, entidade legalmente autorizada, se obriga a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados, mediante o pagamento do prêmio.

O contrato de seguro é considerado um contrato bilateral, uma vez que prevê obrigações contratuais para ambas as partes. Também é considerado oneroso pelo fato de que ambos os contraentes obtêm algum proveito. Com a ocorrência do sinistro, o segurado é beneficiado com a garantia dada pelo contrato de seguro e o segurador recebe o prêmio. Quando o sinistro não ocorre, ainda assim não há descaracterização da onerosidade, eis que o segurado continua sendo contemplado pela proteção patrimonial.

Este tipo de contrato também pode ser considerado aleatório. Segundo Caio Mário, "são aleatórios os contratos em que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de estimativa prévia, inexistindo equivalência com a da outra parte. Além disto, ficam dependentes de um acontecimento incerto" [10].

Assim, a obrigação de uma das partes (seguradoras) fica na dependência de um acontecimento futuro e incerto. A outra parte (segurados), ficam obrigados ao pagamento do prêmio do seguro, correspondente a uma prestação periódica, não se observando, em relação a este contraente, a álea caracterizadora dessa espécie contratual.

Ademais, esse tipo de contrato pode ainda ser classificado como um contrato de adesão, uma vez que as partes não discutem as suas cláusulas, como normalmente acontece nos contratos tradicionais. Aqui, as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, às quais o outro simplesmente adere no momento da celebração. Pode-se afirmar que há uma preponderância da vontade de uma das partes em relação à outra.

3.2. Âmbito de garantia do seguro DPVAT

Este seguro garante os danos sofridos pelos motoristas, passageiros e pedestres, vítimas de acidentes causados por veículos automotores que circulam na via terrestre, ou por carga transportada nos mesmos, não sendo necessário, neste caso, que o veículo esteja em movimento:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VEÍCULOS DE VIA TERRESTRE (DPVAT). EXPLOSÃO. CARGA INFLAMÁVEL. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA NORMA. LEI Nº 6.194/76.

I - A cobertura do seguro obrigatório prevê como hipótese de incidência o acidente causador de danos pessoais graves, havido como veículo ou com a carga transportada.

II - O acidente que dá ensejo ao pagamento do seguro não tem, necessariamente, causa no trânsito, mas no dano pessoal provocado também pela carga transportada, ainda que o veículo não se encontre em movimento, nem tampouco seja atingido por outro. Não é o acidente de trânsito, mas o acidente com o veículo, ou com a carga, o fato gerador da obrigação de indenizar em razão das regras do denominado seguro obrigatório. [11]

Não estão cobertos pelo DPVAT os danos causados por embarcações, bicicletas, trens e aeronaves. Ademais, este seguro destina-se apenas a danos pessoais (morte, invalidez permanente [12] e despesas hospitalares), não estabelecendo qualquer cobertura para os danos materiais decorrentes de colisão, roubo ou furto de veículos.

Trata-se de um seguro de dano [13], pelo que cobre os prejuízos causados à vítima, mas não a responsabilidade do condutor.

Também não garante os acidentes ocorridos fora do território nacional e com veículos estrangeiros em circulação no Brasil, os quais estão sujeitos a contratação de um seguro específico para este fim, o denominado Seguro Carta Verde. Este seguro é obrigatório para automóveis matriculados no país de origem em viagem internacional, no âmbito do Mercosul, cuja cobertura envolve os danos pessoais e materiais causados a terceiros não transportados pelo veículo segurado. [14]

3.3. O modo de funcionamento do seguro DPVAT

Basta a simples prova do dano para que a vítima ou os seus sucessores tenham direito à indenização. A prova da existência de culpa ou de dolo do lesante, de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, bem como de força maior ou caso fortuito, é irrelevante por conta da teoria do risco integral, segundo a qual o dever de indenizar se justifica tão somente pela presença do dano, ainda que presentes alguma das causas de exclusão do nexo de causalidade. Essa teoria foi adotada pelo direito brasileiro apenas em casos excepcionais, como o do seguro obrigatório.

De acordo com o art. 788 do CC, a indenização decorrente de acidentes de trânsito é paga, até o limite do valor fixado em lei, pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado, independentemente da comprovação de culpa, por ter tal seguro natureza social. O lesado, caso queira, também pode demandar diretamente contra o lesante, exigindo o ressarcimento integral pelos prejuízos sofridos, com base na culpa. Nada impede que a vítima comprove a culpa do lesante ou que este traga provas da ocorrência de algum dos casos de exclusão do nexo causal. Como já foi dito, a produção dessas provas não obsta à indenização da vítima pelo seguro DPVAT.

Cavalieri Filho explica como é realizada tal indenização:

Para facilitar e dinamizar o regime operacional desse seguro, a maior parte dos seguradores brasileiros firmou um convênio, mediante o qual passou-se a operar o seguro obrigatório em conjunto e solidariamente. Através de um sistema de pool ou consórcio, administrado pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, qualquer seguradora participante do convênio atende aos usuários e beneficiários do seguro obrigatório pago através do DVT: procede ao recebimento do prêmio, paga a indenização eventualmente devida, recuperando dos demais participantes do convênio a parte da indenização que, eventualmente, excedeu à sua cota. [15]

Para receber o benefício, a vítima deve procurar uma das seguradoras conveniadas com os documentos necessários, nos termos do art. 5º, § 1º, da Lei 6.194/74: no caso de morte, certidão de óbito, registro da ocorrência no órgão policial competente e a prova de qualidade de beneficiário; e no caso de danos pessoais, prova das despesas efetuadas pela vítima com o seu atendimento por hospital, ambulatório ou médicoassistente e registro da ocorrência no órgão policial competente.

Caso o veículo tenha sido roubado ou tenha sofrido perda total, convém que o proprietário informe o Detran, caso contrário continuará a receber a cobrança deste seguro.

Ademais, o DPVAT deve ser pago juntamente com a primeira parcela do IPVA, havendo a alternativa de pagá-lo também no momento do licenciamento do veículo. A Súmula 257 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que "a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização", o que revela o cunho eminentemente social do seguro obrigatório.

3.4. Hipóteses de direito de regresso

O art. 7º da Lei 6.194/74 estabelece que a indenização pelos danos causados às vítimas de trânsito por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um Consórcio constituído obrigatoriamente por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro DPVAT.

Nessas situações, o § 1° da mencionada norma prevê expressamente o direito de regresso daquele Consórcio contra o proprietário do veículo, a fim de reaver os valores que foram desembolsados, ficando o veículo como garantia da obrigação, ainda que vinculada a contrato de alienação fiduciária, reserva de domínio, leasing ou qualquer outro.

O art. 8º daquele diploma ainda determina que, nas situações de inadimplemento do seguro obrigatório, a sociedade seguradora que houver pago a indenização poderá, mediante ação própria, haver do responsável a importância efetivamente indenizada.

Eis o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito desta matéria:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO - DPVAT - DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA CONTRA O CAUSADOR DO ACIDENTE - SEGURO OBRIGATÓRIO VENCIDO E NÃO PAGO - INTELIGÊNCIA DO ART. 8º DA LEI 6194/74 - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Por expressa disposição legal (art. 8º da Lei n. 6.194/74), a companhia seguradora poderá haver regressivamente do proprietário do veículo os valores que desembolsar, relativos ao seguro obrigatório, caso esse, na época do acidente estivesse inadimplente com a obrigação. [16]

3.5. O seguro DPVAT e a socialização do risco

O seguro obrigatório foi imposto por lei com fins de socialização do risco, pelo que a indenização é devida, nos limites estabelecidos na lei, ainda quando o acidente de trânsito for provocado por veículo desconhecido ou não identificado e nas situações de veículos comprovadamente sem seguros – esta última hipótese foi incluída pela lei nº 8441/92, em alteração à lei nº 6194/74.

Cavalieri Filho sintetiza essa característica essencial do seguro DPVAT:

Os riscos acarretados pela circulação de veículos são tão grandes e tão extensos que o legislador, em boa hora, estabeleceu esse tipo de seguro para garantir uma indenização mínima às vítimas de acidentes de veículos, mesmo que não haja culpa do motorista atropelador. Pode-se dizer que, a partir da Lei 6.194/1974, esse seguro deixou de se caracterizar como seguro de responsabilidade civil do proprietário para se transformar num seguro social em que o segurado é indeterminado, só se tornando conhecido quando da ocorrência do sinistro, ou seja, quando assumir a posição de vítima de um acidente automobilístico. O proprietário do veículo, portanto, ao contrário do que ocorre no seguro de responsabilidade civil, não é o segurado, mas o estipulante do seguro em favor de terceiro. [17]

A existência do seguro obrigatório altera significativamente os efeitos de uma aplicação estrita das normas de responsabilidade civil. No âmbito dos acidentes de trânsito, a obrigatoriedade do seguro leva cada vez mais as vítimas da circulação terrestre a intentarem ações diretamente contra as companhias de seguro, no exercício de um direito próprio e não derivado.

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O seguro obrigatório, no Brasil, consiste num seguro direto de proteção desses sujeitos, assumido por todos os participantes no trânsito, correspondendo a um fundo coletivo de reparação a ser financiado por contribuições dos criadores dos riscos, isto é, dos proprietários de veículos.

De acordo com a doutrina e jurisprudência, mesmo que a vítima tenha recebido indenização por força do seguro obrigatório, também pode ajuizar ação contra o agente causador do dano, uma vez que a responsabilidade individual aquiliana do condutor não está excluída, desde que provada a sua culpa. Não podemos esquecer que o seguro obrigatório é um seguro de dano, pelo que cobre os prejuízos causados à vítima, mas não a responsabilidade do motorista. [18]


4. Conclusão

O presente artigo buscou analisar os seguros obrigatórios de circulação automóvel previstos nos sistemas jurídicos português e brasileiro. Para tanto, fez-se breves considerações acerca da sua importância para a sociedade moderna, nomeadamente quando se verifica a circulação cada vez maior de um número considerável de veículos, bem como da sua relevância para a denominada socialização do risco, na medida em que a responsabilidade é coletivizada, isto é, suportada por grupos de pessoas organizadas no âmbito das companhias de seguro.

Em seguida, foram abordadas as principais características desse seguro, como a obrigatoriedade, onerosidade e aleatoriedade, presentes quer no seguro obrigatório previsto no direito português, quer no seguro DPVAT.

Quanto ao âmbito de cobertura, as diferenças entre ambos os regimes já é mais visível. Em Portugal, o seguro obrigatório não cobre os danos materiais e corporais sofridos pelo condutor, bem como os danos materiais sofridos pelos sujeitos citados no art. 14.º do DL 291/2007. No Brasil, o seguro DPVAT cobre apenas os danos corporais causados aos lesados, incluindo os motoristas, passageiros e pedestres, desde que tenham sido vítimas da circulação automóvel ou de carga transportada no veículo.

O direito português estabelece uma série de causas de exercício do direito de regresso das seguradoras, constantes no art. 27.º do supracitado diploma. O seguro DPVAT, por sua vez, decorre de um convênio firmado por grande parte das companhias de seguro brasileiras, mediante o qual passou-se a operar o seguro obrigatório em conjunto e solidariamente. Trata-se de um seguro de dano, pelo que cobre os prejuízos causados à vítima, mas não a responsabilidade do condutor. Dessa forma, não há que se falar em direito de regresso. Este direito apenas será aplicável quando o condutor não possuir o seguro obrigatório ou estiver inadimplente.

Ademais, este seguro foi imposto por lei com fins de socialização do risco, pelo que a indenização é devida, nos limites estabelecidos na lei, ainda quando o acidente de trânsito for provocado por veículo desconhecido ou não identificado e nas situações de veículos comprovadamente sem seguros. No direito português, todavia, essa garantia não compete às seguradoras, mas a um organismo de indenização denominado de Fundo de Garantia Automóvel.

O FGA atua de modo a garantir a proteção das vítimas de trânsito nos casos em que as seguradoras não podem intervir. Este organismo cobre os danos corporais causados por responsável desconhecido ou, quando conhecido, não possuidor de seguro válido e eficaz, bem como nas hipóteses de insolvência da seguradora. Ainda estão cobertos pelo fundo os danos materiais provocados por agente conhecido, mas não possuidor de seguro válido e eficaz.

Em decorrência da transposição da Directiva 2005/14/CE, o FGA também garante os danos materiais sofridos pelas vítimas quando, sendo o responsável desconhecido, deva satisfazer uma indenização por danos corporais significativos. Outra situação abrangida pela cobertura do FGA, proveniente da inovação do legislador português, consiste no facto de o veículo causador do dano ter sido abandonado no local do acidente, não possuindo seguro válido e eficaz. Neste último caso, é necessário que a polícia tenha efetuado o respectivo auto de notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente.

Posteriormente, analisou-se o modo de funcionamento do seguro DPVAT. Verificou-se que o mesmo é pago, até o limite do valor fixado em lei, pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado, independentemente da comprovação de culpa, por ter tal seguro natureza social.

É suficiente para o seu ressarcimento que a vítima, ao dirigir-se a uma das seguradoras conveniadas, leve os documentos necessários, constantes no art. 5º, § 1º, da Lei 6.194/74. Basta a simples prova do dano para que ela ou os seus sucessores tenham direito à indenização. Nesse caso, a prova da existência de alguma excludente de responsabilidade civil é irrelevante.

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Sobre a autora
Mariana Sena Vieira Paupério Pereira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Advogada. Mestre em Direito na área de especialização jurídico-privatística pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. O seguro obrigatório de circulação automóvel nos sistemas jurídicos português e brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2741, 2 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18165. Acesso em: 19 dez. 2024.

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