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Tornozeleira eletrônica: considerações sobre a Lei nº 12.258/10

17/01/2011 às 15:22

Em 15 de junho de 2010 o Presidente da República sancionou a Lei 12.258, que altera pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal, prevendo, nesse último diploma, a possibilidade da utilização do sistema de monitoramento eletrônico de presos (tornzeleira eletrônica).

O sistema consiste da implantação no corpo do apenado de uma tornozeleira ou bracelete com dispositivo eletrônico que possibilita o monitoramento por satélite, via GPS (Global Position System), possibilitando identificar sua localização em qualquer lugar do planeta, caso ainda esteja com o equipamento instalado em seu corpo.

Sistemas como esse já são utilizados em vários países, inclusive já vinham sendo testados no Brasil por alguns estados da federação, como São Paulo e Minas Gerais. Mas somente agora o legislador ordinário colocou o Brasil no rol dos países que oficialmente adotarão o sistema.

Em que pese a intenção do legislador de aprimorar o funcionamento do Direito Penal, mormente no que toca à execução da pena privativa de liberdade, a reflexão sobre alguns pontos da mencionada iniciativa se faz necessária.

De início, não se pode olvidar que a inclusão de lei nova ao ordenamento jurídico de um país deve oferecer um benefício prático, visível e mensurável à sociedade. Sendo assim, vejamos.

Em sede de análise perfunctória sobre a novidade, cabe afirmar que um sistema de monitoramento de presos via satélite, oferece inúmeras vantagens a partir do momento em que se tem em vista garantir a segurança da sociedade, a efetiva aplicação da lei penal e redução da densidade demográfica carcerária, contudo, sem ferir direitos constitucionais individuais do cidadão, como, por exemplo, o da intimidade e o da dignidade da pessoa humana.

Analisando pelo prisma das garantias constitucionais, o sistema em questão deve ser usado com parcimônia, pois não se pode tratar o ser humano como um automóvel, no qual se instala sistema de monitoramento à distância via satélite que, se roubado, poderá ser achado no lugar em que se encontra, seja ele onde for. Não estamos tratando com objetos, mas sim com pessoas.

Vale frisar que o direcionamento correto da técnica poderá levar a um real benefício para a sociedade, bem como otimizar a persecutio criminis por parte do Estado-juiz.

A título de exemplo, um benefício prático da aplicação da nova técnica seria o monitoramento eletrônico de presos provisórios, por motivo de instrução criminal, na fase de formação da culpa, aguardando julgamento ou recurso. Por incrível que pareça, essa hipótese não foi contemplada pela novel lei.

Em prol da efetividade da lei penal e mesmo do garantismo penal, ao invés de abarrotar os presídios com pessoas que talvez nem sejam condenadas, no intuito de fazer valer o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, poder-se-ia deixá-los livres, mas monitorados. Procedimento que não violaria, pelos menos de forma tão ampla, o princípio da liberdade e presunção da inocência.

A lei em comento teve o intuito de modificar a redação de alguns artigos da legislação penal e incluir outros tantos. O estatuto alcançado não seria somente a Lei de Execução Penal, mas também no próprio Código Penal, quando do tratamento dispensado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime aberto, previsto no art. 36 e seus parágrafos.

A primeira observação que se faz é que andou bem a Presidência da República ao vetar o texto sugerido para substituir o § 1º do art. 36 do Código Penal. Isso porque a atual redação do referido parágrafo prevê que o apenado deverá cumprir sua pena em regime aberto "sem vigilância", levando-se em consideração sua autodisciplina e senso de responsabilidade.

A proposta do legislador, no PL 175/07, que deu origem à indigitada lei, foi de excluir a "não vigilância", retirando do condenado o direito de não ser vigiado. Isso seria um retrocesso legal, pois tal dispositivo retira direitos do apenado, agravando sua condição, dando ao Estado mais poderes sobre sua liberdade, já mitigada pela persecução penal. Dessa forma, abrir-se-ia precedentes para que o Estado vigiasse o apenado que cumpre pena em regime aberto, o que hoje não se admite.

Ora, se uma das intenções da implantação do regime aberto é desonerar, em parte, o Estado da vigilância sobre o preso, não haveria sentido em prever tal retrocesso.

Outra observação que deve ser feita versa sobre a proposta, no projeto de lei, de se incluir no art. 66, V, da LEP, a alínea "i", que concederia ao juiz da execução a competência para determinar o uso do monitoramento eletrônico pelo preso quando julgasse necessário. O referido inciso foi vetado pelo Presidente da República, assim como foi vetada, também, a inclusão, na esfera de competência do juiz da execução, a possibilidade de se incluir o monitoramento eletrônico no rol das condições exigidas para o cumprimento de pena em regime aberto, previstas no art. 115 da LEP.

O art. 66 da LEP trata da competência do juiz da execução, muito ampla, diga-se de passagem. Essa afirmação pode ser aferida pela porção do mencionado dispositivo transcrita abaixo:

Art. 66. Compete ao juiz da execução:

I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

II – declarar extinta a punibilidade;

III – decidir sobre:

a) soma ou unificação de penas;

b) progressão ou regressão nos regimes;

c) detração e remição da pena;

d) suspensão condicional da pena;

e) livramento condicional;

f) incidentes da execução;

IV – autorizar saídas temporárias;

V – determinar:

a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;

b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade;

c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;

d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança;

e) a revogação da medida de segurança;

f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;

g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;

h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1o do artigo 86 desta Lei;

Nessa ordem de idéias, parece incoerente não conceder ao juiz o poder para aplicar a moderna medida em casos que achar convenientes, como os que citamos alhures a título de exemplo.

Se o juiz detém os poderes arrolados no artigo supra, porque não pode, então, o magistrado da execução decidir sobre o uso do monitoramento eletrônico quando achar conveniente? É de se convir que isso retira do juiz da execução a liberdade de julgar a situação conforme sua mais íntima convicção.

Da mesma forma, indaga-se porque o juiz da execução não poderá impor, como condição para concessão de regime aberto, o uso do monitoramento eletrônico, se a iniciativa é benéfica e pode até mesmo substituir as demais condições previstas em lei (art. 115, LEP).

A nova Lei 12.258/10 trouxe a inclusão do parágrafo único do art. 122 da LEP, prevendo que a ausência de vigilância direta nas saídas temporárias permitidas ao condenado que cumpre pena em regime semiaberto não impede o uso do sistema de monitoramento eletrônico. Nesse ponto vemos, mais uma vez, o retrocesso da lei em prejuízo do apenado, pois o que antes era sem vigilância, passa a prever a possibilidade da ingerência do Estado na vida da pessoa que adquiriu um direito.

Foi vetada, também, a proposta que permitiria ao juiz da execução impor ao condenado a utilização de equipamento de monitoração eletrônica, como uma das obrigações a que se subordinam o apenado beneficiado com o livramento condicional, condições estas previstas no § 2º do art. 132 da LEP. Essa foi outra atitude contraproducente do Presidente da República, pois o livramento condicional poderia ser concedido a mais presos do que o é hoje, dada a eficácia do sistema de localização do condenado, o que desafogaria sobremaneira o sistema prisional brasileiro.

A nova lei incluiu na LEP a Seção VI, que trata da Monitoração Eletrônica, incluída no Capítulo I, do Título V do referido diploma legal. O PL 175/07, por sua vez previa a inclusão do art. 146-A, que tinha a seguinte redação:

Art. 146-A. O juiz pode determinar a vigilância indireta para a fiscalização das decisões judiciais, desde que haja disponibilidade de meios.

Parágrafo único. A vigilância indireta de que trata o caputdeste artigo será realizada por meio da afixação ao corpo do apenado de dispositivo não ostensivo de monitoração eletrônica que, a distância, indique o horário e a localização do usuário, além de outras informações úteis à fiscalização judicial.

Infelizmente o texto foi vetado. Dessa forma, além de mais uma vez, não conceder ao magistrado poder de decisão sobre o objeto da lei, vê-se escorrer pelo ralo do poder de veto presidencial a definição do que seria a vigilância indireta, contida no parágrafo único do artigo proposto. O que pode dar margem a interpretações dúbias, no futuro, do que vem a ser a vigilância indireta mencionada na LEP.

Na senda da delimitação dos poderes do juiz da execução na LEP, a nova lei trouxe a proposta do art. 146-B, que limita os casos em que o juiz da execução poderá aplicar o monitoramento eletrônico. Assim sendo, o juiz somente poderá aplicar o novo sistema quando autorizar a saída temporária no regime semiaberto e quando determinar a prisão domiciliar.

A respeito das duas únicas hipóteses em que o juiz poderá definir a fiscalização por meio de monitoramento eletrônico, quanto à primeira, entende-se que quando a lei prevê que o juiz poderá autorizar a monitoração eletrônica nas saídas temporárias no regime semiaberto, ficam prejudicados os presos em regime fechado que receberem autorização de saída temporária. Mesmo que tal hipótese se mostre remota, já existem decisões nesse sentido, assim como a que colacionamos abaixo:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. APENADO EM REGIME FECHADO. CONCESSÃO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. BENEFÍCIO USUFRUÍDO. DECISÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO POSTERIOR. DECISÃO VÁLIDA E EFICAZ. 1. O Juízo da Execução Criminal concedeu saídas temporárias para o ora recorrido, que encontrava-se cumprindo pena em regime fechado, muito embora o art. 122 da Lei n.º 7.210/84, disponha ser possível a concessão de tal benefício somente aos condenados que cumpram pena em regime semi-aberto. O agravo em execução do Ministério Público, visando atacar tal decisão, somente foi interposto após o gozo do benefício. 2. Não obstante o reconhecimento da ilegalidade da decisão, verifica-se que tanto o Estabelecimento Prisional como o sentenciado cumpriram decisão judicial que, naquele momento, diante da ausência de efeito suspensivo, era válida e eficaz. 3. O sentenciado, portanto, agiu de acordo com os princípios da legalidade, boa-fé e segurança jurídica, afigurando-se inaceitável um suposto acréscimo de sua pena pelos dias de saída temporária. 4. Recurso especial desprovido. REsp 686636/SC – Min. Laurita Vaz – 5ª Turma STJ – 14/06/2007.

PENAL. PROCESSUAL. ROUBO. RECEPTAÇÃO. REGIME CARCERARIO. PROGRESSÃO. "HABEAS CORPUS". RECURSO. 1. O SENTENCIADO QUE TIVER CUMPRIDO 1/6 (UM SEXTO) DA PENA EM REGIME FECHADO PODERA PEDIR SAIDA TEMPORARIA, DISPENSADA A EXIGENCIA DE MAIS 1/6 (UM SEXTO) NO REGIME SEMI-ABERTO. 2. CABE AO JUIZO DAS EXECUÇÕES APRECIAR E DECIDIR, FUNDAMENTADAMENTE O PEDIDO. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. RHC 1720/RJ – Min. Edson Vidigal – 5ª Turma STJ – 11/03/1992.

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Quanto à segunda hipótese de uso de monitoramento eletrônico, a medida é louvável, pois significaria maior segurança e garantia ao Estado da efetividade da prisão domiciliar, podendo estendê-la a outros detentos. É o caso do que aconteceu em Porto Alegre/RS, quando a justiça colocou presos que cumpriam pena no regime aberto em prisão domiciliar, conforme matéria veiculada no sítio do jornal Estado de São Paulo em 08/12/2010;

Os 612 presos do regime aberto do Rio Grande do Sul estão sendo colocados progressivamente em prisão domiciliar desde que cumpridos uma série de requisitos, anunciaram os magistrados da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre. [...] As medidas têm validade até que existam casas adequadas para o cumprimento da pena em regime aberto, segundo o Tribunal de Justiça (TJ).

Os presos atingidos são pessoas que já estão convivendo com a sociedade, apenas pernoitando no albergue, e foram condenados por crimes de menor periculosidade ou progrediram de regime, sendo constatado bom comportamento. De acordo com o comunicado emitido ontem, entre os detentos há alguns passíveis de recuperação, sendo desvantajoso mantê-los com presos mais perigosos, uma vez que as casas prisionais têm se convertido em escolas do crime. (Jornal Estado de São Paulo, 2010)

Ademais, restou prejudicada, na redação original do mesmo art. 146-B, a proposta que incluía o uso do sistema de monitoramento eletrônico no cumprimento da pena restritiva de liberdade nos regimes aberto ou semiaberto ou na concessão de progressão para tais regimes. Também não poderá ser aplicado o novo método no caso de pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares, nem nos casos de concessão de livramento condicional ou de suspensão condicional da pena. Propostas estas que integravam o texto do PL 175/07.

Um outro grande avanço que poderia ter sido registrado consistia na proposta de o preso em regime aberto não precisar voltar ao estabelecimento prisional durante a noite e nos dias de folga, caso fosse incluído no monitoramento eletrônico, mas a proposta também não vingou.

O art. 146-C da LEP, incluído pela nova lei, dispõe sobre os cuidados e as obrigações do apenado com o mecanismo de monitoração. Foi vetado, nesse artigo, o inciso que previa que o apenado deveria avisar à entidade responsável pela monitoração eletrônica sobre eventuais falhas no equipamento. Veto acertado, pois somente a empresa responsável poderia detectar tais falhas, na medida da ocorrência de oscilação ou interrupção do sinal emitido via satélite.

Cainhando pela análise da lei, mais uma vez o contrasenso se instala quando o parágrafo único do art. 146-C prevê que o juiz decidirá sobre a revogação dos benefícios concedidos se o apenado violar os deveres a ele impostos em virtude da aplicação da monitoração eletrônica. Pergunta-se: se o juiz pode decidir pela perda ou não de direitos no correr da execução, tendo como objeto a monitoração eletrônica, porque não pode o mesmo julgador ter poderes para conceder outras benesses relativas à vigilância indireta que o sistema propõe?

O art. 3º da nova lei prevê que o poder executivo regulamentará a monitoração eletrônica. Por ser matéria afeta ao Direito Penal, mais especificamente à execução penal, não deveria ser o judiciário o Poder competente para regular a implementação do novo sistema?

Por fim, dois pontos relevantes saltam aos olhos. Primeiro: alguém que se veja andando por aí com uma pulseira ou uma tornozeleira, que revelam ser os grilhões eletrônicos que o prendem, será vítima certa do preconceito e da discriminação de uma sociedade amedrontada pela criminalidade. O que fere de morte o princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo: vivemos na chamada era da tecnologia, em que não há limite para os hackers, que invadem bancos com inespugnáveis sistemas de software. Por ser um sistema que funciona usando elementos eletrônicos e sinais de freqüência, quem garante que esse novo modelo não será também corrompido pelos experts em informática e eletrônica? A essa segunda, pergunta somente o tempo poderá apresentar resposta.

Dada a natureza conflituosa do ser humano, manter a paz social nunca foi e nem será tarefa das mais fáceis. Mais uma vez a iniciativa do legislador ordinário no sentido de dar efetividade à manutenção de uma sociedade livre da criminalidade esbarra em alguns problemas. O mais emblemático deles é o do conflito de princípios.

Tem-se de um lado a iniciativa de desafogar o sistema prisional, mas impondo ao preso o uso de uma marca indelével (a tornozeleira), que carregará consigo por onde for, correndo sério risco de ser discriminado pela sociedade. Por outro lado, não se pode manter na prisão (escola do crime) pessoas que cometeram erros sociais sem tanta gravidade, mas que, por uma medida de justiça, não podem ficar sem sanção. Esse é o grande paradoxo.

Não se deve deixar de punir, mas deve-se punir com razoabilidade e proporcionalidade. Nesse passo, entendemos que o uso da tornozeleira é medida salutar, mesmo tendo sua aplicação mitigada pela lei, pois o que deve ser levado em conta é o benefício gerado, tanto ao preso quanto à sociedade.

Quanto à sociedade, ela se beneficia, pois os crimes não deixam de ser punidos e a paz social se torna mais tangível, pois o uso do monitoramento eletrônico impõe uma certa limitação aos ânimos daqueles (apenados) que pensam em uma recaída.

Quanto ao preso, se por um lado pode ser discriminado, por outro se beneficia por não ter que conviver com criminosos de alta periculosidade, colocando sua vida em risco ou aprendendo como ser bandido. Infelizmente, o período que tiver que passar com o equipamento até a extinção da punibilidade é preço justo a se pagar pelo desvio da conduta social.


Referências Bibliográficas

SPIGLIATTI, Solange. Justiça do RS coloca detentos em prisão domiciliar. São Paulo, 2010. Disponível em: www.estadao.com.br

.com.br/noticias/geral,justica-do-rs-coloca-detentos-em-prisao

-domiciliar,651227,0.htm. Acesso em 10/12/2010.

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Sobre o autor
Sandro de Oliveira Sousa

Acadêmico do Curso de Direito na FACED, em Divinópolis/MG, membro do Núvleo de Pesquisa em Direito da FACED.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Sandro Oliveira. Tornozeleira eletrônica: considerações sobre a Lei nº 12.258/10. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2756, 17 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18285. Acesso em: 5 dez. 2024.

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