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A aplicação do princípio da "actio nata" aos casos de dissolução irregular da sociedade limitada no curso da execução fiscal

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E, finalmente, à Razão de existir de todas as coisas, inclusive da minha vida, ao Rei que soberanamente, desde os tempos eternos, escolheu-me, ao Senhor que graciosamente me amou ao ponto de entregar a sua própria vida por mim e ao Irresistível Espírito que tirou a venda dos meus olhos e transformou o meu coração, tudo isso para me dar a vida eterna. A Ele a honra, a glória, o poder e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém.

Soli Deo Gloria


RESUMO

A utilização de ardis processuais por devedores contumazes para se safar do pagamento de tributos tem se tornado cada vez mais comum. Com o objetivo de tentar minimizar esta situação, procedeu-se à realização deste estudo, que objetiva verificar a possibilidade de aplicação do princípio da actio nata à execução fiscal, no caso de redirecionamento para o administrador, na hipótese de dissolução irregular da sociedade limitada no curso do processo, após a sua citação. O método utilizado, no presente estudo, foi o dedutivo. Após a análise do histórico e da natureza das sociedades limitadas, percebeu-se que a única maneira de alcançar o patrimônio dos sócios é através da aplicação do art. 135, III, do CTN. Desta forma, apenas o administrador que tiver agido com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, poderá ser responsabilizado. Foi observado, a partir da jurisprudência consolidada, que a dissolução irregular da empresa é condição suficiente ao chamamento do sócio-gerente. Outra conclusão tirada da pesquisa foi a de que a responsabilidade do administrador é do tipo solidária imperfeita. Assim, as responsabilidades do sócio e da empresa surgem em momentos distintos. Tal fato autoriza reconhecer a aplicação do princípio da actio nata aos casos em que a dissolução irregular é reconhecida durante o curso do processo. Tal fato deverá ser o marco inicial da contagem do lapso prescricional. O mencionado entendimento já encontra guarida em vários tribunais, inclusive no STJ que, recentemente, proferiu decisão contrária ao seu entendimento consolidado.

Palavras-chave: 1. Sociedades limitadas; 2. Administrador; 3. Actio nata.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem o objetivo de verificar a possibilidade de aplicação do princípio da actio nata ao processo de execução fiscal, no caso de redirecionamento para o sócio-administrador quando o motivo da responsabilização for a dissolução irregular da sociedade por quotas de responsabilidade limitada no curso do processo, após a citação da empresa. Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizamos o método dedutivo.

A maioria dos Tribunais brasileiros, na esteira do entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, tem aplicado a tese de que o termo inicial para contagem do prazo da prescrição intercorrente, em relação aos sócios-gerentes, começa a partir da citação da empresa.

O problema é que esse posicionamento tem sido aplicado de maneira objetiva. Não estão sendo observadas as peculiaridades do caso concreto, mui especialmente quando a dissolução tem acontecido no curso da execução, após a citação da sociedade empresária.

Tal procedimento tem aberto as portas a todo tipo de ardil processual. Com o propósito de fraudar a execução, muitos "sonegadores profissionais" têm se aproveitado desta situação para prolongar o processo e requerer, em seguida, o reconhecimento da prescrição intercorrente. Dentre as atitudes astuciosas propostas, encontram-se a indicação de bens que não existem em comarcas distantes, o oferecimento de imóveis que já foram vendidos a terceiros através do conhecido "contrato de gaveta" etc.

Provavelmente, a solução para o problema suscitado seja a aplicação do princípio da actio nata ao caso. Como veremos com maiores detalhes, o princípio em tela preconiza que o lapso prescricional deve ter como termo a quo o nascimento da ação que se dá com a violação ao um direito.

Assim, para concluirmos se o referido princípio é aplicável ou não à situação sob análise, é mister a realização de um estudo mais aprofundado sobre várias questões.

Primeiro: até que ponto os sócios da sociedade por quota de responsabilidade limitada respondem pelos débitos da empresa? Para respondermos a tal questionamento, temos que analisar qual é natureza jurídica das sociedades limitadas, pois essa informação repercutirá no exame do art. 134 do CTN. Além disso, temos investigar a legislação e a jurisprudência para descobrirmos quais são os contornos da responsabilidade dos sócios nesta modalidade societária.

Segundo: em face do caráter privilegiado do crédito fiscal, é cediço que no âmbito do direito tributário uma série de garantias é mitigada em favor da prevalência do interesse público sobre o privado. Assim, é imprescindível saber se os sócios continuam a responder da mesma maneira quando se trata de crédito fazendário.

Terceiro: o último elemento a ser considerado é o do instituto da prescrição. Qual a sua natureza? Qual o seu fundamento de validade? De acordo com o Código Civil, qual o seu marco inicial? A prescrição tributária obedece aos mesmos lineamentos?

Ao final, de posse dessas informações, estaremos em condições de afirmar se o princípio da actio nata é aplicável, ou não, ao caso trazido à baila.


1. SOCIEDADES LIMITADAS

1.1. Breve histórico das sociedades limitadas.

A Europa é o berço das sociedades por quota de responsabilidade limitada. As primeiras sociedades limitadas eram denominadas private companies e começaram a funcionar na Inglaterra. No entanto, o primeiro diploma legal a tratar da questão foi sancionado na Alemanha em 1892. O modelo alemão foi tão bem sucedido que, em pouco tempo, estava espalhado por toda a Europa.

A demanda por essa espécie de sociedade surgiu para minimizar os riscos decorrentes da atividade comercial em relação aos pequenos e médios empresários da época. A idéia é que, uma vez subscrito o capital social, os sócios estariam isentos de qualquer responsabilidade em relação ao passivo da empresa.

Em pouco tempo, o Brasil estaria incorporando ao seu ordenamento jurídico esse tipo societário. Em 10 de janeiro de 1919, mediante proposta do Deputado Joaquim Osório, foi promulgado o Decreto-Lei nº 3.708, que tratava do instituto das sociedades limitadas. Este texto legal teve vigência até a promulgação do Código Civil de 2002.

1.2. Natureza jurídica das sociedades limitadas.

Em seu conceito atual, no direto brasileiro, sociedade limitada é aquele "tipo social em que o capital é dividido em quotas iguais ou desiguais, e a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, respondendo todos solidariamente pela integralização do capital social" [01].

A sociedade limitada, de acordo com a jurisprudência, é sociedade de capital e não, de pessoas, não obstante constituir-se intuito personae, o que não autoriza a responsabilização dos seus sócios com fundamento no art. 134, VII, do CTN.

A seguir, trazemos a lume decisão emanada do Eg. Tribunal Regional da 4ª Região que ratifica o entendimento acima transcrito:

1. O inadimplemento de tributos, por si só, não caracteriza a hipótese do art. 135, III, do CTN. Caso contrário, o sócio-gerente sempre responderia pelas dívidas tributárias da empresa, já que a existência destas decorre sempre do não-pagamento de tributo.

2. Inaplicabilidade, in casu, do art. 134, VII, do CTN, uma vez que sociedade por cotas de responsabilidade limitada não é sociedade de pessoas (STJ; REsp nº 133.645/PR; DJ 04.05.98).

3. Agravo de instrumento improvido." (TRF4 – AG 29410 PR 2006.04.00.029410-1. Segunda Turma. Rel. Des. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA. 12/12/2006. In: Diário de Justiça, 10/01/2007, grifo nosso).

Não obstante, há entendimento destoante, no sentido de que as sociedades por quotas de responsabilidade limitada são híbridas. De acordo com essa linha, as limitadas apresentam características próprias das sociedades de pessoas bem como de capital. Apesar disso, mesmo para esta corrente, não é possível o redirecionamento do executivo para o sócio com fundamento no art. 134, VII, do CTN. Neste sentido, o acórdão que se segue:

Recebo o agravo no efeito tão-só devolutivo. Rezam os arts. 1.016, 1.052 e 1.053, do CC/02, que na sociedade limitada a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, rege-se aquela pelas normas da sociedade simples nas omissões do disposto no Capítulo IV, que lhe é peculiar, e seus administradores respondem solidariamente, perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Por sua vez, os arts. 113, § 1º e 134, inc. VII, do CTN, aplicável à espécie por analogia, dispõem que nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação de pagar tributo ou penalidade pecuniária pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis os sócios, nos casos de liquidação de sociedade de pessoas. A sociedade limitada, empresária, distingue-se da sociedade simples por classificar-se como mista, e não de pessoas, como esta, ou de capital, como a sociedade anônima, visto nela estar em princípio equilibrado o "intuitu personae" com o intento capitalista. Assim, não lhe seria aplicável a hipótese de responsabilidade de terceiros capitulada no mencionado art. 134, inc. VII, do CTN. Porém, no caso vertente esse óbice seria afastado porque a sociedade executada estaria dedicada ao ramo de sorveteria, em que, manifestamente, o propósito pessoal prevalece sobre o capitalístico. O âmago da decisão recorrida reside no embasamento de que, sendo o caso de simples não recolhimento de preço público e multa fiscal, e não havendo nos autos comprovação do encerramento irregular da sociedade executada, mas apenas da inexistência de bens penhoráveis, o redirecionamento do feito não teria lugar. A autarquia exequente apresentou comprovação de baixa da empresa no cadastro da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em 31.12.94. A meu ver, o critério judicial deve ser mantido, ao menos em sede de juízo prelibatório. É que a baixa em cadastro tributário não faz presumir, necessariamente, a dissolução nem a consequente liquidação da sociedade. Acrescente-se que a dívida ativa exequenda teve origem em procedimentos administrativos fiscais inaugurados posteriormente, em 1996 e 1997. E mais: houve certidões de oficial de justiça de que a sorveteria fechara "logo após o término da última temporada de veraneio" (02.05.02) e a executada "não estar operando neste período do ano, já que inicia suas atividades somente no próximo veraneio, em meados do mês de novembro (11.07.06). Trata-se, evidentemente, de empresa de funcionamento sazonal, coincidente com os períodos de veraneio, razão por que inviabilizadas a citação e a penhora noutras épocas. Vista à agravada para responder. Intimem-se. (TRF4, AG 2008.04.00.014362-4, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 16/05/2008, grifo nosso)

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1.3. Os contornos da responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas.

A responsabilidade dos sócios está delimitada no art. 1.052 do Código Civil. Conforme o referido dispositivo legal, "na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social". Assim, o patrimônio dos sócios, de acordo com o CC/2002, só será alcançado se não houver a integralização do capital social da empresa. No mesmo norte, aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. INCIDENCIA SOBRE BENS PARTICULARES DE SOCIO DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA COM O CAPITAL INTEGRALIZADO. DESCABIMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(STF - RE 94869, Relator(a): Min. CUNHA PEIXOTO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/1981, DJ 02-10-1981 PP-09778 EMENT VOL-01228-02 PP-00638)

Os bens dos societários ainda poderão ser alcançados ante a aplicação da teoria da disregard of legal entity. Quando houver desvio de finalidade, ou confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (art. 50 do CC/02).

Não se poderia, pelo princípio da legalidade que rege o direito tributário, aplicar a teoria para imputar responsabilidade tributária aos sócios de uma sociedade. Tampouco se poderia valer da regra de desconsideração da personalidade jurídica presente no art. 50 do Código Civil para responsabilizar os sócios, pois o Código Civil é uma Lei Ordinária, enquanto que cabe à lei complementar dispor sobre essa matéria, atualmente legislada pelos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional [02].

A responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, em matéria tributária, encontra amparo legal no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.


2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS.

2.1. Responsabilidade dos sócios na forma do art. 135, III, do CTN.

Como já dissemos, só é possível a responsabilização do sócio de sociedade limitada nos termos do art. 135, III, do CTN, uma vez que o art. 134, VII, não se aplica à espécie.

O art. 135, III, assim dispõe:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[…]

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Ante o exposto, é mister a presença de alguns requisitos para a configuração de responsabilidade tributária por parte do sócio:

a)Atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos; e

b)O exercício da função de diretor, gerente ou representante de pessoas jurídicas de direito privado.

Não poderá ser redirecionada a execução, portanto, para o sócio que não ocupa a função de administração da sociedade e se não houver a comprovação do excesso de poderes no exercício da função.

A jurisprudência é farta no que diz respeito a esta questão, conforme se depreende da leitura dos excertos doravante transcritos:

Executivo fiscal. Somente os bens particulares do sócio, que exerça ou tenha exercido a gerência da sociedade, podem ser penhorados por dívidas destas, e, assim mesmo, quando tenha agido com excesso de poderes ou infração de lei ou do contrato social (RREE 76.538) 79.249, 80.249, 81.827, 83.357 e 85.463). RE não conhecido. (STF - RE 94697, Relator (a): Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 19/03/1982, DJ 30-04-1982 pp-04006 ement vol-01252-02 pp-00364 RTJ vol-00101-03 pp-01263, grifo nosso)

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – MERO INADIMPLEMENTO – IMPOSSIBILIDADE – ART. 13 DA LEI 8.620/93 – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – NÃO INDICAÇÃO DOS ARTIGOS VIOLADOS – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULA 284/STF.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei, de modo a ensejar a redirecionamento da execução para a pessoa dos sócios.

2. Mesmo em se tratando de débitos para com a Seguridade Social, a responsabilidade pessoal dos sócios só existe quando presentes as condições estabelecidas no art. 135, III, do CTN.

3. Hipótese em que o recorrente não apontou os dispositivos que entende violados. Incidência da Súm. 284/STF

4. Inexistindo prova de que houve dissolução irregular da empresa ou de que o representante da sociedade agiu com excesso de mandato ou infringiu lei ou o contrato social, não há que se direcionar para ele a execução.

5. Recurso especial de WIEST TUBOS E COMPONENTES LTDA E OUTROS não conhecido e recurso especial de VILMAR CURTO conhecido em parte e parcialmente provido.

(STJ - REsp 1019324/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 11/04/2008, grifo nosso).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART.545 DO CPC. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. ART. 135 DO CTN. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÉBITOS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL. LEI 8.620/93, ART. 13. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.

1. Inexiste ofensa do art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, mercê de o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão (Precedentes: REsp 396.699/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 15.04.2002; AgRg no AG 420.383/PR, Rel. Min.

José Delgado, DJ 29.04.2002; Resp 385.173/MG, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 29.04.2002).

2. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

[…]

(STJ - AgRg no Ag 728.540/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2006, DJ 26/10/2006 p. 228, grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO. NÃO DEMONSTRADA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS. AGRAVO PROVIDO. 1. No caso dos autos, não há nenhum elemento de prova a indicar que o sócio contra quem foi requerido o redirecionamento tenha agido com infração à lei, ao contrato social ou estatutos, ou excesso de poderes, não sendo possível, dessarte, o redirecionamento da execução com base na mera alegação de inadimplemento da obrigação tributária. 2. Conforme informação prestada na inicial, a empresa continua a desenvolver suas atividades, devendo ser tratada de forma diversa de empresa que se dissolve irregularmente. 3. Agravo provido. (TRF4, AG 2009.04.00.001853-6, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 01/04/2009, grifo nosso).

2.2. Natureza da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN.

Como observamos no item anterior, o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, autoriza o redirecionamento da execução fiscal para que seja chamado ao processo o sócio-administrador.

No entanto, perguntamos: qual a natureza jurídica da responsabilidade do sócio-administrador, neste caso? A resposta a essa pergunta será imprescindível para a conclusão do presente estudo.

Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, em seu brilhante artigo sobre a responsabilidade tributária dos administradores [03], definiu a responsabilidade do sócio-gerente como solidária imperfeita.

Responsabilidade solidária imperfeita ocorre quando há pluralidade de obrigações e unidade de execução, diferente da solidariedade perfeita, na qual há unidade de obrigação e pluralidade de sujeitos.

Em primeiro lugar, a responsabilidade do gerente pode ser classificada como solidária imperfeita porque subsiste ao lado da responsabilidade da empresa. Ao passo que a empresa responde pela obrigação tributária decorrente da prática de ato lícito previsto na legislação tributária, o administrador responde pela prática de ato ilícito consistente na infração à lei.

As referidas obrigações nascem em momentos distintos, têm natureza distinta uma da outra e podem ser declaradas pela autoridade competente em momentos distintos; nesse sentido, são autônomas [04](grifos nossos).

Em segundo lugar, a responsabilidade é solidária imperfeita porque as duas obrigações podem ser cobradas através de um único executivo fiscal. A jurisprudência é pacífica no sentido de que, se o nome do administrador constar da certidão da dívida ativa, é possível a sua citação e o desenrolar do processo em relação aos seus bens. Neste mesmo norte, cito os seguintes julgados:

EXECUÇÃO FISCAL – CO-RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS INDICADOS NA CDA – PROVA DA QUALIDADE DE SÓCIOS-GERENTES, DIRETORES OU ADMINISTRADORES PELO EXEQÜENTE – DESNECESSIDADE – PRESUNÇÃO DE CERTEZA DA CDA FORMULADA COM BASE NOS DADOS CONSTANTES DO ATO CONSTITUTIVO DA EMPRESA.

É consabido que os representantes legais da empresa são apontados no respectivo contrato ou estatuto pelos próprios sócios da pessoa jurídica e, se a eles se deve a assunção da responsabilidade, é exigir-se em demasia que haja inversão do ônus probatório, pois, basta ao INSS indicar na CDA as pessoas físicas constantes do ato constitutivo da empresa, cabendo-lhes a demonstração de dirimentes ou excludentes das hipóteses previstas no artigo referenciado, especialmente do inciso III.

A certidão da dívida ativa, sabem-no todos, goza de presunção juris tantum de liqüidez e certeza. "A certeza diz com os sujeitos da relação jurídica (credor e devedor), bem como com a natureza do direito (direito de crédito) e o objeto devido (pecúnia)" (in Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 1999, p. 786), podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou de terceiro a que aproveite, nos termos do parágrafo único do artigo 204 do CTN, reproduzido no artigo 3º da Lei 6.830/80, e não deve o magistrado impor ao exeqüente gravame não contemplado pela legislação de regência.

No tocante à alínea c, tem-se que merece ser provido o recurso, pois a solução jurídica apontada no aresto paradigma está em nítido confronto com o entendimento exarado no v. acórdão recorrido.

Recurso especial provido.

(REsp 278.741/SC, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/03/2002, DJ 16/09/2002 p. 163, grifos nossos)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 135 DO CTN.

RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. EXECUÇÃO FUNDADA EM CDA QUE INDICA O NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. DISTINÇÃO.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento.

Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos.

(EREsp 702232/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 26/09/2005 p. 169, grifos nossos)

Dessa forma, se o STJ admite que, estando presumida a responsabilidade do sócio-gerente (mencionado na CDA), é possível que a execução seja ajuizada diretamente contra ele, está também admitindo que, nessa hipótese, a Fazenda Pública tem, desde o início, pretensão plenamente exigível contra esse administrador, pois não é possível impor a execução a alguém contra quem não se tem obrigação exigível. Ora, se a obrigação contra o responsável é desde já exigível, não dependendo de condição futura (como, p. ex., o esgotamento da busca do patrimônio da pessoa jurídica), é insustentável defender que essa responsabilidade seja subsidiária em sentido próprio. [05]

Isto posto, podemos chegar à conclusão de que a responsabilidade do sócio-gerente é solidária imperfeita.

Tendo dito isto, passemos à análise de uma das principais causas de redirecionamento em execuções fiscais.

2.3. Responsabilidade societária no caso de dissolução irregular da empresa.

Há muito tempo, inclusive no antigo TFR, a jurisprudência nacional se consolidou no sentido de que constitui infração da lei, com a consequente responsabilidade tributária do sócio, a dissolução irregular da empresa sem o pagamento das dívidas fiscais.

Aliás, bem antes, a doutrina nunca escapou dessa linha (cf. Pontes de Miranda, Tratado, vol. 49, Ed. Borsoi, 1972, pág. 423; FRAN MARTINS, Sociedades por Cotas de Responsabilidade no direito Estrangeiro e Brasileiro, Ed. Forense, vol. 2, pág. 772) [06].

Humberto Theodoro, em seu comentário à lei de execução fiscal, afirmou que:

Entre os casos de gestão autorizadora da aplicação do art. 135, III, do CTN, para permitir execução contra sócio-gerente, a jurisprudência atual arrola a dissolução ou extinção irregular da sociedade devedora [07].

Trazemos à colação alguns excertos, atuais, que comprovam que os Tribunais têm ratificado esse entendimento, praticamente, de forma unânime, in verbis:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. APONTADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. VÍCIO NÃO CONFIGURADO. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE, RESOLVENDO-SE EM EMBARGOS A MATÉRIA DE DEFESA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(STJ. AgRg no REsp 1048394/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 11/02/2009, grifos nossos)

PROCESSUAL CIVIL TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO.

OCORRÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE.

ACÓRDÃO RECORRIDO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA. CONFIGURAÇÃO DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS.

1. Conforme entendimento assentado nesta Corte, o redirecionamento da execução fiscal e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa apenas é cabível quando estiver demonstrado que ter o agido com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

2. Na espécie, o Tribunal a quo consignou (fls. 113v) a existência de certidão exarada pelo oficial de justiça na fl. 9v, atestando que a empresa não se encontrava mais no local, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução.

3. Uma vez registrada a existência da certidão que indica a dissolução irregular no acórdão recorrido, imperativo reconhecer o afastamento do óbice da Súmula 7 do STJ, porquanto a discussão (possibilidade de redirecionamento da execução fiscal em decorrência da dissolução irregular da sociedade) envolve questões eminentemente de direito.

4. É cabível a modificação de julgado impugnado por embargos de declaração quando verificada naquele a ocorrência dos vícios apontados no art. 535 do CPC.

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.

Recurso especial da Fazenda Nacional provido.

(EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1003035/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/02/2009, grifo nosso)

O entendimento jurisprudencial justifica-se ante o fato de que é dever do sócio-administrador, diante do encerramento, ou da inviabilidade das atividades empresa, seguir os passos definidos no art. 1.103 do Código Civil para promover-lhe a regular dissolução. De acordo com o referido dispositivo legal:

Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante:

I - averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade;

II - arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam;

III - proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo;

IV - ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas;

V - exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente;

VI - convocar assembléia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário;

VII - confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda;

VIII - finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais;

IX - averbar a ata da reunião ou da assembléia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.

Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula ‘em liquidação’ e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade.

O procedimento de dissolução da sociedade limitada pode ser dividido em 3 (três) etapas: dissolução em sentido estrito, liquidação e partilha. A fase de dissolução em sentido estrito, ou dissolução-ato, conclui-se com o registro do ato de dissolução (decisão judicial ou distrato assinado por todos os sócios) na Junta Comercial. Na segunda etapa, a de liquidação, são resolvidas as pendências obrigacionais da sociedade com o pagamento aos credores e o recebimento dos devedores. E, por fim, encerra-se o procedimento com a distribuição do valor remanescente do patrimônio da empresa para os sócios, na fase denominada partilha (COELHO, 2008).

A observância ao conjunto de atos legais tem por objetivo salvaguardar os interesses da Fazenda Pública. Na dissolução extrajudicial, o registro do ato de dissolução na Junta Comercial está subordinado ao cancelamento da inscrição da sociedade nos cadastros fiscais pertinentes. A medida impõe-se como forma de impedir o inadimplemento dos débitos tributários. Na dissolução judicial, os créditos fazendários ficam protegidos ante a habilitação do Fisco na fase de liquidação.

Destarte, não havendo estrito cumprimento do procedimento definido no mencionado comando legal, é imperioso reconhecer a ocorrência de dissolução irregular da sociedade, pois se trata de evidente infração à lei (art. 135, III, CTN).

O Eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há pouco tempo, proferiu decisão na qual este entendimento é referendado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO, REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA EXECUTADA. AUSENCIA DE INDÍCIOS. 1. É possível a responsabilização do sócio administrador no caso de dissolução irregular da empresa, consoante precedentes do STJ e desta Corte. Isto porque é seu dever, diante da paralisação definitiva das atividades da pessoa jurídica, promover-lhe a regular liquidação, realizando o ativo, pagando o passivo e rateando o remanescente entre os sócios ou os acionistas (art. 1.103 do Novo Código Civil e arts. 344 e 345 do Código Comercial, revogado nessa parte pelo Novo Código Civil). Não cumprido tal mister, nasce a presunção de apropriação indevida dos bens da sociedade. 2. No caso dos autos, o único indício de que a empresa encerrou suas atividades sem as formalidades legais é o cadastro do SINTEGRA, no entanto, a Segunda Turma desta Corte já pacificou o entendimento de que a certidão do SINTEGRA não constitui documento hábil a justificar o redirecionamento do feito. 3. Agravo desprovido. (TRF4, AG 2009.04.00.005341-0, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 01/04/2009) (destaquei).

Passemos, agora, à análise do cerne da questão abordada no presente trabalho.

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Sobre o autor
Davy Jones Pessoa Almeida de Menezes

Servidor Público Federal, ocupando, atualmente, a função de Oficial de Gabinete do Juiz Substituto da 10ª Vara da Justiça Federal da Paraíba, graduado pela Universidade Estadual da Paraíba em Direito e com Especialização em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Davy Jones Pessoa Almeida. A aplicação do princípio da "actio nata" aos casos de dissolução irregular da sociedade limitada no curso da execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2760, 21 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18315. Acesso em: 22 nov. 2024.

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