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O poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública

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01/02/2011 às 16:05
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5. FORÇAS ARMADAS

As Forças Armadas são instituições permanentes e regulares, pautadas na hierarquia e na disciplina, constituídas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica, sob a autoridade do Presidente da República. Sua missão institucional é defender a Pátria e garantir o Estado Democrático de Direito, representado pelo povo e para o povo, mediante os poderes constituídos. No entanto, em situações anômalas, poderá ser chamado para garantia da lei e da ordem.

Esse preceito é de ordem constitucional e está estabelecido no caput, do artigo 142, da Lei Maior:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

O professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho [15] conceitua as Forças Armadas como um corpo especial da Administração Pública, oposto ao setor civil por sua militarização, pelo enquadramento hierárquico de seus membros em unidades armadas e preparadas para o combate.

As Forças Armadas garantem o desenvolvimento das atividades estatais contra as investidas de outros países, cabendo à Marinha de Guerra resguardar o espaço marítimo, à Aeronáutica zelar pela extensão aérea e ao Exército Brasileiro cuidar da dimensão terrestre.

As Forças Armadas têm como finalidade precípua a garantia da segurança Externa do Estado, e da garantia dos poderes constitucionais, aí compreendidos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, razão por que detêm a concentração do poderio bélico. Somente em situações extremas é que atuarão na segurança da lei e da ordem interna.

A Carta Maior estabelece no parágrafo 1º, do seu artigo 142, que ficará a cargo de lei complementar a disciplina das normas gerais adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

Nesse sentido, foi editada a Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004, que disciplina o emprego das tropas federais nas operações de garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, como medida excepcional.

A LC nº. 97/99 normatiza os requisitos e condições de atuação das Forças Armadas, cuja decisão de iniciar a execução das medidas consideradas necessárias à defesa da lei e da ordem é de competência e responsabilidade do Presidente da República. Estes preceitos se depreendem da leitura do artigo 15, da LC nº. 97/99:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: [...]

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins. [grifo nosso]

O Chefe da República baixará as diretrizes mediante mensagem de ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas, traçando as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantida da lei e da ordem. A atuação das forças federais não será um evento autônomo, mas incidente ao contexto do caso concreto, em colaboração aos órgãos de segurança pública. A área de atuação será previamente estabelecida e por tempo limitado à necessidade do restabelecimento do controle da ordem pública.

Cabe ao Presidente da República, na qualidade da autoridade hierárquica suprema, a responsabilidade pela decisão de empregar as tropas no combate da violência civil, mesmo nas hipóteses de atenção a pedido expresso de quaisquer dos Poderes Constituídos, seja do presidente do Supremo Tribunal Federal ou dos presidentes das casas do Congresso Nacional.

O reconhecimento da inoperabilidade dos órgãos da polícia pública não se deduz, mesmo que evidente. Trata-se de ato formal de reconhecimento pelo respectivo ente público, que deverá declarar expressamente a indisponibilidade, a inexistência ou a insuficiência no desempenho regular de sua missão constitucional de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, requisito fundamental à atuação das Forças Armadas.

O controle operacional dos órgãos de segurança pública será transferido ao Presidente da República, que constituirá um centro de coordenação das operações necessárias à execução da garantia da lei e da ordem pública, composto por representantes dos demais órgãos públicos.

No artigo 16, da LC nº. 97/99, o legislador determina que a missão das Forças Armadas seja de natureza subsidiária, na qualidade de colaboradoras do desenvolvimento nacional e da defesa civil.

O professor José Afonso da Silva [16] (1999, p. 746) ensina que:

subsidiariamente e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal. Sua interferência na defesa da lei e da ordem depende, além do mais, de convocação dos legitimados representantes de qualquer dos poderes federais: Presidente da Mesa do Congresso Nacional, República da República ou Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ministro não é poder constitucional. Juiz de Direito não é poder constitucional. Juiz Federal não é poder constitucional. Deputado não é poder constitucional. Senador não é poder constitucional. São simples membros dos poderes e não os representam. Portanto, a atuação das Forças Armadas convocada por Juiz de direito ou por Juiz Federal, ou mesmo por algum Ministro do Superior tribunal de Justiça ou até mesmo do Ministro do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional e arbitrária, porque estas autoridades, por mais importantes que sejam, não representam qualquer dos poderes constitucionais federais. [grifo nosso]

Infere-se que o legislador, ao atribuir às Tropas a responsabilidade pela "garantia da lei e da ordem", retrata situações ímpares, evidenciadas pelo colapso no combate à criminalidade e diante do quadro de incapacidade ou de insuficiência operacional dos órgãos de segurança pública no restabelecimento da ordem.

A Marinha, a Aeronáutica e o Exército, cada qual no seu papel institucional, assumirão a função de colaboradores no restabelecimento da ordem, nos limites traçados pelo Presidente da República.

A Marinha do Brasil tem o dever subsidiário de controle e fiscalização do cumprimento das leis no mar e nas águas continentais, bem como oferecer apoios de logística, de inteligência, de comunicações e de instrução, conforme a necessidade do caso concreto.

A disciplina de atuação da Força Naval está prevista no artigo 17, da LC nº. 97/99:

Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:

[...]

IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas.

V– cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. [grifo nosso]

A Força Aérea Brasileira tem como missão subsidiária a cooperação nos delitos de grande repercussão nacional e internacional, oferecendo apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. Também, é responsável pelo controle do tráfego aéreo ilegal, no combate dos delitos de tráfico ilegal de drogas, armas, munições e passageiros, como determina o artigo 18, da LC nº. 97/99

Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares: (...)

VI – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;

VII – atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito. [grifo nosso]

No controle do tráfego aéreo, se destaca a Lei do Abate, que permite a derrubada das aeronaves que eventualmente invadir o espaço aéreo brasileiro. É a Lei nº. 9.614, de 05 de março de 1998, que alterou o enunciado do artigo 303, da Lei nº. 7.565, de 19 de dezembro de 1986:

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Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou de Polícia Federal, nos seguintes casos:

[...]

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou a autoridade por ele delegada.

O dispositivo enuncia o poder de polícia da Força Aérea Brasileira, no controle do espaço aéreo que, autorizada pelo Presidente da República, poderá abater a aeronave em voo irregular e que resiste às ordens de pouso no local indicado.

O Exército Brasileiro, na sua missão subsidiária, auxilia os órgãos de segurança pública com os apoios de logística, de inteligência, de comunicações e de instrução e, no exercício do seu poder de polícia, age nas faixas lindeiras, reprimindo os crimes transfronteiriços e ambientais, como determina o artigo 17-A, LC nº. 97/99:

Art. 17-A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

[...]

III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;

IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

a) patrulhamento;

b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

c) prisões em flagrante delito. [grifo nosso]

O poder de polícia conferido às Forças Armadas não é a regra nas questões de segurança pública, revelando-se estas em situações especiais juridicamente previstas na lei. No entanto, o dispositivo é alvo de cerrados debates, alguns sustentando a inconstitucionalidade do inciso IV, do artigo 17-A, incluído pela Lei Complementar nº. 117, de 2004, sob o argumento de que a prevenção e a repressão de crimes de faixa de fronteira, assim como os delitos ambientais, cabem exclusivamente à Polícia Federal, por determinação expressa da Constituição.

O professor João Rodrigues Arruda [17], ao tratar do assunto, leciona:

Mesmo sendo o Presidente da República a autoridade que detém o poder de policia federal no mais alto nível e também o comandante-em-chefe das Forças Armadas, não pode ele transferir as atribuições de uma para outras das instituições. Nem o Congresso Nacional pode fazê-lo. A barreira intransponível é a Constituição, que fixou as missões que cabem a cada uma delas. As Forças Armadas no artigo 142 e a Polícia Federal no artigo 144.

Atento aos acontecimentos, o legislador já se posiciona no sentido de ampliar o poder de polícia das Forças Armadas na tarefa de zelar pelo bem-estar social, conferindo-lhes atribuição precípua e não mais subsidiária, mediante a Proposta de Emenda à Constituição 319/08 [18], do deputado Antonio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP.

PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº, DE 2008

(Do Sr. Antonio Carlos Pannunzio e outros)

Acresce dispositivo relativo à garantia da integridade territorial nacional.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição da República, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º. O art. 142 da Constituição passa a vigorar acrescido do seguinte § 1º. A:

"§ 1º. A - No cumprimento das suas destinações constitucionais, é assegurado às Forças Armadas, o exercício do poder de polícia em qualquer área do território nacional, independentemente da posse, propriedade, finalidade ou qualquer gravame que sobre ela recaia."

Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. [grifo nosso]

A PEC nº. 319/08 aguarda o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

O deputado Antonio Carlos Pannunzio [19] defende a possibilidade das Forças Armadas exercerem o poder de polícia em toda a extensão territorial, observando que a paz social deriva da autoridade, enquanto Estado soberano. E, assim exemplifica:

Ela precisa ser afirmada como uma necessidade imperativa, sob pena de se admitir a formação de situações de anomia, justamente onde as condições naturais - como é o caso das fronteiras ao Norte - dificultam o acesso e a presença dos mecanismos tradicionais com os quais a autoridade do Estado é exercida.

No mesmo sentido, quando do incidente no Morro da Providência, no Estado do Rio de Janeiro, em junho de 2008, quando da atuação do Exército Brasileiro na segurança das obras do "Cimento Social", um projeto do governo federal, os deputados Raul Jungmann, do PPS-PE, e Jair Bolsonaro, do PP-RJ, defenderam a necessidade de previsão constitucional para conceder poder de polícia a militares do Exército, conforme noticiado por Camila Jungles [20]:

Morro da Providência

Os deputados Raul Jungmann (PPS-PE) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) defenderam no ano passado a regulamentação de artigo da Constituição que concede poder de polícia a militares do Exército.

Jungmann, Bolsonaro e os deputados Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e Hugo Leal (PSC-RJ) fizeram parte de grupo parlamentar que esteve no Rio de Janeiro em junho passado para apurar o envolvimento de 11 militares no assassinato de três jovens no Morro da Providência.

Relatório elaborado pelo grupo afirma que o Exército atuou como polícia durante as obras do projeto Cimento Social. Na época, o relator, deputado Antônio Carlos Biscaia, lembrou que o Exército deveria ter atuado apenas para dar segurança às obras.

Em conversa com os parlamentares, o general Luiz Cesário da Silveira, do Comando Militar do Leste, afirmou que a falta de poder de polícia dificultaria as ações do Exército em áreas urbanas e em comunidades faveladas.

Presidente da Comissão de Segurança Pública, o deputado Raul Jungmann decidiu, então, criar um grupo de trabalho para discutir a regulamentação da Constituição em relação à atuação do Exército na garantia da lei e da ordem.

Biscaia lembrou que, atualmente, a legislação exige solicitação expressa do governo do estado para o uso do Exército na segurança pública.

Percebe-se que os parlamentares já se movimentam no sentido de acabar com a discussão, para ampliar a legitimidade das Forças Armadas no seu munus [21] da garantia da lei e da ordem pública. No entanto, a sistemática constitucional e legal em vigor já permite o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais, de atuação subsidiária e transitória na segurança pública.

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Sobre a autora
Andréa Costa Corrêa

Advogada. Graduada pela Universidade Católica de Petrópolis. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Andréa Costa. O poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2771, 1 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18396. Acesso em: 25 abr. 2024.

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