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O poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública

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01/02/2011 às 16:05
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crescente violência dos grandes centros urbanos, decorrente da criminalidade descomedida, ameaça a eficácia dos mecanismos de segurança pública executados pelos órgãos estatais, os quais foram destinados constitucionalmente pela preservação da lei e da ordem pública.

Diante desses fatídicos incidentes, que rotineiramente são noticiados pelos meios de publicidades, as autoridades estaduais têm buscado auxílio da União, mediante a cooperação das Forças Armadas.

Nesse desempenho, teve grande repercussão nacional o lamentável incidente no Estado do Rio de Janeiro, em junho de 2008, no Morro da Providência, quando da atuação do Exército Brasileiro na segurança das obras do "Cimento Social", que deu origem à Ação Civil Pública nº. 2008.51.01.009581-8 [22], perante a 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, impetrada pela Defensoria Pública da União. A situação aguçou ainda mais os debates a respeito da atuação das Forças Armadas no mister de controlar e reprimir a criminalidade e violência nos grandes centros urbanos.

A Constituição disciplina os estados de anormalidade e da garantia da lei e da ordem no mesmo título de organização, "TÍTULO V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", que está divido em três capítulos, "Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio", "Das Forças Armadas" e "Da Segurança Pública".

O artigo 142, in fini, da CRFB/88, ao prever a atuação das Forças Armadas, o faz no Capítulo II, distinto do que trata dos estados de anormalidade, Capítulo I, e da segurança pública, Capítulo III. O constituinte, ao assim disciplinar, positivou-a na disposição mediana, como equilíbrio entre o capítulo que disciplina os estados de defesa e de sítio e o que disciplina a segurança pública.

A legitimidade do poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública se depreende da hermenêutica dos dispositivos constitucionais e da legislação vigente. Buscando-se a mens legis [23], percebe-se que deve ser aplicado o princípio geral de direito de "quem pode o mais, pode o menos". Pois, a quem é permitido defender o Estado nas instabilidades externas, com mais propriedade, está legitimado para defesa da sociedade dos ataques civis.

No entanto, é preciso lembrar que o emprego das Forças Armadas só se legitima em situações excepcionais, tendo em vista que o próprio texto constitucional reserva aos órgãos de segurança pública, quais sejam, polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpos de bombeiros militares, a primazia da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Essa divisão de tarefas é forma de distribuir as funções entre os órgãos, na manutenção da ordem e dos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade.

O legislador editou a LC nº. 97/99 para disciplina das situações excepcionais, nas quais as Forças Armadas, subsidiarimante, são chamadas a colaborar com as forças policiais no restabelecimento da ordem e da paz social violada.

O reconhecimento formal de indisponibilidade, de inexistência ou de insuficiência de recursos de segurança por parte da autoridade respectiva é a consagração do princípio do pacto federativo pela LC nº. 97/99, pois preceitua a necessidade da deliberação entre os Entes Públicos no emprego das Forças Armadas no momento da crise social instalada. Portanto, não há ingerência da União, mas participação conjunta na operação de restaurar a paz pública, em perfeita solidariedade ao Ente Estatal no momento de insegurança.

Diante da situação, a Câmara dos Deputados já se mobilizou no sentido de ampliar a legitimidade das Forças Armadas, por meio da PEC 319/08, proposta pelo deputado Antonio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP. A PEC propõe a alteração do artigo 142, da CRFB/88, para conferir poder de polícia às Forças Armadas no exercício da segurança pública em qualquer área do território nacional.

O enfraquecimento da lei pela desordem social faz nascer o poder paralelo da impunidade, prestigiando indevidamente a criminalidade e, consequentemente, colocando em risco o Estado Democrático. Os noticiários revelam diariamente a falência nos setores de segurança pública, demonstrando que a falta de integração dos órgãos de polícia é uma realidade da sociedade brasileira, muitas vezes fruto da politicagem motivada por sentimentos eleitoreiros. Enquanto isso, preceitos fundamentais mínimos da dignidade da pessoa humana são violados, como o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança.

A segurança pública não é função por excelência das Forças Armadas, missão reservada às forças policiais, por força do artigo 144, da CRBF/88. Apesar do contexto social atual, as forças de segurança vêm cumprindo o seu papel na preservação dos direitos fundamentais do cidadão. Sabe-se que a crise na segurança pública decorre das mazelas instaladas nos setores de serviços públicos essenciais e, enquanto não se implantar uma política social séria, com a erradicação das desigualdades, dificilmente o Estado conseguirá contornar a situação de forma eficaz.

O Estado deve zelar pelas garantais individuais e coletivas do seu território, do seu povo, do seu regime político e do seu sistema constitucional, contra a violência das minorias inconformadas e o ataque das ideologias contrárias à ordem jurídica vigente.

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Nesse contexto, o emprego das Forças Armadas na solução dos conflitos locais não deve servir como medida paliativa à omissão do Estado, como fundo de campanha em resposta ao clamor da sociedade votante. No entanto, verificada as situações de excepcionalidade da medida, a mensagem do ordenamento jurídico em vigor é pela legitimidade do poder de polícia das Forças Armadas, seja na sua atribuição constitucional principal pela defesa externa, sejam nas missões constitucionais de cooperação aos demais órgãos de segurança, na garantia dos Poderes constituídos e na garantia da lei e da ordem pública.

Por conseguinte, conclui-se que em situações extremas há necessidade de se fortalecer as instituições democráticas, valendo-se, se necessário, do auxílio das Forças Armadas, sem que isso configure ofensa à Carta Republicana. Pois, a segurança pública é garantia do Estado Democrático de Direito, corolário das liberdades e integridades sociais.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei Complementar n.º 117, de 2 de setembro de 2004. Altera a Lei Complementar nº 9, de 9 de junho de 1999 que dispõe sobre as normas gerais para organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para estabelecer novas atribuições subsidiárias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 set. 2004.

BRASIL. Lei Complementar n.º 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas gerais para organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jun. 1999.

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Tribunal Regional Federal (2ª Região). Exército deverá permanecer apenas na rua em que estão sendo realizadas obras do projeto "Cimento Social". Notícias, 20 jun 2008. Disponível em: <http://www2.trf2.gov.br/noticias/materia.aspx?id=2487>. Acesso em 14 abr 2009.


Notas

  1. CATANHÊDE, Eliane. A Constituição não prevê o uso militar na garantia da lei e da ordem, a não ser que o governo do Rio se declare incapaz. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 jan. 2007. Disponível em: <http://nicufpe.zip.net/arch2007-01-07_2007-01-13.html#2007_01-08_11_27_40-5290638-0>. Acesso em: 09 de abr. 2009.
  2. ROESLER, Átila Da Rold. Novas considerações sobre o poder de polícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10112>. Acesso em: 08 abr. 2009.
  3. Do grego, polis.
  4. Manual Básico da Escola Superior de Guerra. - Rio de Janeiro: A Escola, 2006, p. 18.
  5. Cabe observar que, em situações peculiares, o poder de polícia pode ser vinculado, como acontece na concessão de licença ou autorização para o exercício de certas atividades. Neste caso, se preenchidos os requisitos legais, o administrado tem o direito de exigir que a Administração Pública pratique o ato.
  6. v. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. [grifo nosso]
  7. BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. São Paulo: Renovar, 2005. t. 3, p. 367.
  8. GARCIA, Emerson. As forças armadas e a garantia da lei e da ordem. Revista jurídica, Brasília, vol. 10, n. 92, Out/2008 a Jan/2009, p. 6. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/Artigos/PDF/EmersonGarcia_Rev92.pdf>. Acesso em 08 de abr. de 2009.
  9. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23ª ed. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2003, p. 988.
  10. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Ed. Malheiros. 2008, p. 620.
  11. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. Tese de concursos. São Paulo, 1964, p. 121.
  12. BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição Brasileira de 1988: o estado a que chegamos. Migalhas, São Paulo, 27 nov. 2008. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mig_imprimir_sem_imagem.aspx?cod=74424>. Acesso em 28 nov. 2008.
  13. NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito Administrativo da Segurança Pública. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 81.
  14. LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 57-58.
  15. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 235.
  16. SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 746.
  17. ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas. 1. ed. Rio de janeiro: Mauad X, 2007, p. 104.
  18. PANNUNZIO, Antonio Carlos. Proposta de Emenda à Constituição nº. 319, de 2008. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=627323>. Acesso em 10 abr. 2009.
  19. JUNGLES, Camila. PEC assegura poder de polícia às Forças Armadas. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=43506>. Acesso em 10 abr. 2009.
  20. Idem.
  21. Palavra latina, que significa encargo.
  22. Tribunal Regional Federal (2ª Região). Exército deverá permanecer apenas na rua em que estão sendo realizadas obras do projeto "Cimento Social". Notícias, 20 jun 2008. Disponível em: <http://www2.trf2.gov.br/noticias/materia.aspx?id=2487>. Acesso em 14 abr 2009..
  23. Palavra latina, que significa espírito da lei, intenção da lei.
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Sobre a autora
Andréa Costa Corrêa

Advogada. Graduada pela Universidade Católica de Petrópolis. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Andréa Costa. O poder de polícia das Forças Armadas no exercício da segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2771, 1 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18396. Acesso em: 22 nov. 2024.

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