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Benefícios previdenciários por incapacidade e o princípio da congruência no Direito Processual Civil brasileiro

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03/02/2011 às 08:04
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2 - DA DECISÃO JUDICIAL NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Estado, ao assumir a responsabilidade de dirimir os conflitos entre os indivíduos, criou mecanismos aptos para tal desiderato. Para tanto, o Estado exerce tão importante mister, por meio do Poder Judiciário, órgão investido da função jurisdicional (função de dizer o direito). Entretanto, o Estado não pode dirimir os conflitos existentes, atuando de maneira arbitrária, causando instabilidade e insegurança, daí a necessidade de o juiz e as partes se subordinarem a um método de atuação, denominado processo [35].

Processo é a relação jurídica de direito público geradora de direitos e deveres entre as partes e o juiz, com a finalidade de obter a declaração ou a atuação da vontade concreta da lei, vinculando, dessa maneira, a esse provimento, em caráter definitivo, todos os sujeitos da relação processual [36].

Ademais, Processo não se confunde com procedimento. Processo é relação jurídica geradora de direitos e deveres entre os sujeitos processuais, por outro lado, procedimento é o modo como o processo se desenvolverá, é a sequência ordenada de atos desenvolvidos em juízo.

O processo tem a função de resolver a lide [37], dando oportunidade às partes manifestarem-se sobre todos os atos praticados no decorrer do procedimento. Entretanto, o processo não pode existir indefinidamente, pois, nesse caso, colocam-se em risco a paz social e a segurança jurídica, tão almejadas pela sociedade. Daí, o juiz tem o dever de solucionar a controvérsia posta ao seu crivo, apurando os fatos e aplicando o direito ao caso, num tempo razoável. Ademais, o juiz antes de decidir, resolvendo as questões colocadas sob análise, deve dar oportunidade para as partes manifestarem-se sobre os argumentos aportados e provas produzidas, com real possibilidade de influir no convencimento do julgador, sob pena, da decisão judicial proferida fora dos moldes acima colocados, ser considerada nula, por afrontar os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantidos constitucionalmente.

A decisão judicial, fruto do diálogo entre os sujeitos do processo (partes e juiz) e que resolve a questões relacionadas direta ou indiretamente com a lide, será analisada nos tópicos seguintes.

2.2 – CONCEITO

A Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (que instituiu o Código de Processo Civil), em seu art. 162, arrola os atos praticados pelo juiz no processo, são eles: sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

As sentenças são definidas no parágrafo 1º do art. 162 do CPC, in verbis: "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei".

A decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (art. 162, parágrafo 2º do CPC).

Por fim, são despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma (art. 162, parágrafo 3º, do CPC). Nas palavras de Ernane Fidélis dos Santos, "os despachos são provimentos do juiz, sem cunho de decisão propriamente dita. O despacho ordena o processo, dá-lhe andamento, sem solucionar nenhuma questão" [38].

Entretanto, os despachos, por não terem cunho decisório, não são considerados decisão judicial, pois visam, apenas, dar impulso ao procedimento, não resolvendo qualquer questão e, portanto não causando qualquer prejuízo às partes envolvidas.

Portanto, decisão judicial, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, é o ato pelo qual o juiz resolve uma questão, analisando ou não o mérito, extinguindo ou não o procedimento.

Interessante notar que o fator determinante para se considerar o ato praticado pelo juiz como decisão judicial, é a resolução ou não de uma questão. Nesse caso, o juiz, ao enfrentar uma questão, resolvendo-a, estará proferindo decisão judicial, caso contrário, estará praticando ato distinto como, por exemplo: despacho.

Portanto, torna-se imprescindível, para a presente pesquisa, a análise do conceito de questão.

Questão é a afirmação de uma das partes no processo, que foi contrariada pela parte contrária, dependente de decisão por parte do juiz. Egas Dirceu Moniz de Aragão define "questão" da seguinte maneira, in verbis: Os litigantes formulam no processo afirmações, que constituem "pontos" a examinar. Se uma dessas afirmações (ponto) é contrariada pelo antagonista de quem a formulou, surge a questão, que é, portanto, o "ponto controverso" [39].

Questão é, portanto, o ponto em que as partes se controvertem, dependendo, por isso, de decisão do juiz.

As questões são de duas ordens: questão incidente e questão principal [40].

A questão incidente é o antecedente-lógico da questão principal, pois o juiz deve resolvê-la antes de resolver o mérito da causa. Nesse caso, o juiz não decide sobre a questão incidente, apenas a resolve, abrindo caminho para se decidir sobre a pretensão deduzida em juízo pelo demandante. Ela (questão incidente) é objeto de conhecimento do juiz, mas não compõe o objeto de julgamento, por isso a questão incidente resolvida insere-se entre os fundamentos da decisão. O art. 458, inciso II, do CPC, que trata dos requisitos da sentença, corrobora esse entendimento [41].

Por outro lado, questão principal é a própria pretensão jurídica deduzida em juízo pelo demandante na sua petição inicial e controvertida pela parte contrária, sobre a qual, necessariamente, haverá decisão por parte do juiz. Diferentemente, da questão incidente, a questão principal é o pedido da parte, por isso, o juiz, além de conhecê-la, deverá decidir, podendo recair sobre tal questão a imutabilidade da coisa julgada material. Por isso, a questão principal insere-se no dispositivo da decisão, de acordo com o art. 458, inciso III, do CPC [42].

Ademais, não se deve confundir objeto litigioso do processo com objeto do processo. O objeto litigioso é a própria pretensão da parte deduzida em juízo, sobre o qual juiz proferirá decisão, ou seja, o objeto litigioso é sinônimo de questão principal. Nas palavras de José Rogério Cruz e Tucci, o objeto litigioso "identifica-se com a circunstância jurídica concreta deduzida em juízo in status assertionis, que aflora individualizada pela situação de fato contrária ao modelo traçado pelo direito material [43]".

Por outro lado, o objeto do processo, por ser mais amplo, abrange, além da questão principal (objeto litigioso), as questões incidentes. É o entendimento esposado por Sidney Sanches, in verbis:

Por aí se vê que o objeto do processo não é apenas o pedido do autor, ou sua pretensão processual, mas tudo aquilo que nele (processo) deva ser decidido pelo juiz. Não só o objeto do judicium, mas também da simples cognitio. Enfim, todas as questões de fato, ou de direito, relacionados ou não, com o mérito, com o início, o desenvolvimento e o fim do processo [44].

As decisões judiciais, ao resolverem as questões (incidentes ou principais), no direito brasileiro, podem extinguir o procedimento (é o caso de julgamento de improcedência da pretensão do autor que já não caiba mais recurso); não extinguem o procedimento (é o caso de deferimento ou indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela); podem resolver o mérito (julga procedente o pedido do demandante); não resolvem o mérito (falta de pressupostos processuais).

Portanto, as decisões judiciais (sentenças e decisões interlocutórias), por tudo o que ficou assentado, têm por finalidade resolver as questões que decorrem, direta ou indiretamente, da pretensão das partes deduzida em juízo, extinguindo ou não o procedimento, resolvendo ou não o mérito.

2.3 – PECULIARIDADES DAS DECISÕES JUDICIAIS NO DIREITO BRASILEIRO

No direito brasileiro, as decisões judiciais são subdivididas em: decisão interlocutória e sentença, em primeiro grau de jurisdição (art. 162, caput, do CPC). Nos tribunais ou turmas recursais o julgamento pelo órgão colegiado recebe a denominação de acórdão (art. 163, do CPC), ademais, denomina-se decisão monocrática aquela proferida pelo relator ou pelo Presidente ou Vice-Presidente do tribunal [45]. Por sua vez, a decisão monocrática pode ser interlocutória ou final. Haverá decisão monocrática interlocutória quando o pronunciamento não tiver aptidão para por fim ao procedimento naquela instância, exemplo: quando o relator deferir, em antecipação dos efeitos da tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (art. 527, inciso III do CPC). Por seu turno, haverá decisão monocrática final quando o pronunciamento tiver aptidão para, por fim ao procedimento naquela instância, exemplo: o relator do recurso agir em conformidade com o art. 557, caput, do CPC: "O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

Passam-se, por conseguinte, à análise da decisão interlocutória e da sentença, espécies de decisão judicial no direito processual brasileiro.

De acordo com o art. 162, parágrafo 2º do CPC (dispositivo não alterado pela lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005): "decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente".

Como visto, a questão incidente é o antecedente-lógico da questão principal, o juiz, ao resolver a questão incidente, passa a análise da questão principal. Ademais, a questão incidente, depois de resolvida, passa a integrar a fundamentação da sentença e, por isso mesmo, não transita em julgado, podendo se rediscutida em outro processo, com as mesmas partes, mas com objeto distinto.

O legislador, ao conceituar decisão interlocutória, considerou o seu conteúdo, por isso, decisão interlocutória, de acordo com o art. 162, parágrafo 2º, do CPC, é aquela que aprecia questão incidente. Entretanto, a decisão interlocutória não aprecia, apenas, questão incidente. Veja-se, por exemplo: o juiz ao deparar-se com pedido de antecipação de tutela, em que parcela do pedido se mostrar incontroversa no decorrer do processo (no caso em que o réu, em sua resposta, concordar com parte do pedido do autor) [46], o magistrado antecipará os efeitos da tutela, analisando parcela do mérito da causa, ou seja, nesse caso, o magistrado estará analisando a própria questão principal. Por isso, o magistrado, por meio de decisão interlocutória (pois a decisão foi proferida no curso do procedimento) analisou o próprio mérito da causa, ou seja, a própria questão principal, prosseguindo o procedimento para a análise da parcela do pedido que se tornou controversa com a resposta do réu.

O legislador, no art. 162, parágrafo 2º do CPC, disse menos do que queria, pois, de acordo com uma interpretação sistemática do CPC e com a disciplina dispensada aos recursos, conclui-se que as decisões interlocutórias apreciam tanto questões incidentes quanto questões principais, pois tais decisões não têm aptidão para encerrar uma fase do procedimento.

Sabe-se que da decisão interlocutória cabe recurso de agravo e da sentença recurso de apelação. Ora, se não se tratar de decisão interlocutória o ato judicial que aprecia parcela do pedido que se tornou incontroversa (questão principal) sem, no entanto, encerrar uma fase do procedimento, seria sentença, com cabimento de recurso de apelação? Mas, como admitir o cabimento de apelação nesse caso, porquanto os autos devem permanecer em primeiro grau para a solução da parcela do pedido que se tornou controversa, apelação por instrumento? Nesse caso, estar-se-ia afrontando o princípio da tipicidade dos recursos que determina que os recursos devam ser criados por lei e, no presente caso, a legislação não criou o recurso de apelação por instrumento. Portanto, o ato judicial que aprecia questão principal, sem, no entanto, encerrar uma fase do procedimento, é a decisão interlocutória.

Por isso, decisão interlocutória é o ato judicial que aprecia tanto questão incidente, quanto questão principal, sem, no entanto, encerrar uma fase do procedimento.

A sentença, de acordo com a antiga redação do parágrafo 1º do art. 162 do CPC, era conceituada como ato do juiz que põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

Com acerto, Marcus Vinícius Rios Gonçalves situou bem a problemática, in verbis:

A lei não levava em consideração o conteúdo do ato para conceituá-lo como sentença, mas sim sua finalidade, Não era relevante que o juiz tivesse apreciado o mérito, bastando que extinguisse o processo. Com isso, ficavam superadas as notórias dificuldades do CPC de 1939, que utilizava como critério o conteúdo do ato. Como este gerava frequentes divergências, eram comuns as dificuldades em relação ao recurso apropriado [47].

Entretanto, o legislador ordinário, por meio da Lei nº 11.232/05, modificou o parágrafo 1º do art. 162, do CPC, para conceituar sentença da seguinte maneira: "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei".

Interessante notar que com a antiga redação do parágrafo 1º do art. 162, do CPC, para se conceituar sentença, adotava-se o critério finalístico, ou seja, decisão que punha termo ao processo, com ou sem julgamento de mérito, era considerada sentença. Em outros termos, para a redação antiga do parágrafo 1º do art. 162 do CPC, sentença punha fim ao processo, independentemente, de se analisar o mérito da causa.

Mas, com a mudança legislativa ocorrida por meio da lei 11.232/05, sentença passou, aparentemente, a ser definida pelo seu conteúdo. Sentença, então, é a decisão que implica em uma das situações previstas nos artigos 267 e 269, do CPC.

O art. 267, do CPC elenca, em seus incisos, as causas de extinção do processo, sem resolução de mérito [48]. Já o art. 269, modificado pela Lei 11.232/05, indica, em seus incisos, as causas que se resolverão o mérito, entretanto sem fazer menção à extinção do processo.

Antes da modificação acima citada, o art. 269 do CPC fazia menção ao julgamento de mérito com a consequente extinção do processo.

A modificação da redação do art. 269, caput, do CPC, teve por finalidade, em homenagem aos princípios da celeridade e economia processuais, deixar claro que não se extingue mais o processo, depois de proferida sentença que analisou o mérito, pois se passa imediatamente à fase executiva, dentro da mesma relação jurídica processual, fenômeno denominado pela doutrina de "sincretismo processual" [49]. Por isso, a sentença que julgar procedente o pedido do autor não mais extingue o procedimento, pois dá ensejo a imediata execução do julgado, dentro da mesma relação jurídica processual, independente da propositura de nova ação visando à satisfação do direito reconhecido na fase de conhecimento.

Não é outro o entendimento de Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira, in verbis:

O objetivo da alteração do texto foi ressaltar que a sentença não mais extingue o processo, tendo em vista que toda sentença de prestação (sentença que reconhece a existência de um direito a uma conduta material consistente num fazer, não-fazer, na entrega de coisa ou pagamento de quantia) agora dá ensejo à execução imediata, sem necessidade de instauração de um outro processo (de execução) com esse objetivo. É por isso que também foi alterado o art. 463 do CPC, para retirar a menção que se fazia ao "encerramento da atividade jurisdicional" com a prolação da sentença. De fato, proferida a sentença, o juiz não mais encerra a sua atividade jurisdicional, pois deverá continuar a atuar, só que agora na fase executiva [50].

Entretanto, a mudança legislativa que ocorreu, por intermédio da Lei 11.232/05, induziu alguns doutrinadores a conceituarem sentença pelo seu conteúdo. Posiciona-se nesse sentido Marcus Vinícius Rios Gonçalves, in verbis:

A sentença volta a ser conceituada pelo conteúdo, e não pela aptidão de encerrar o processo em primeiro grau. Sempre que o juiz examinar algum dos pedidos formulados na inicial, ele sentenciará, ainda que o processo prossiga em relação aos demais [51].

Ora, se toda decisão judicial que implicasse uma das situações mencionadas pelos arts. 267 e 269, do CPC fosse sentença, da decisão que examinasse parcela do pedido que se tornasse incontroversa, seguindo-se o processo até o final para a solução da parcela do pedido que se tornou controversa ou que excluísse litisconsorte por ilegitimidade ad causam, caberia qual recurso: apelação ou agravo?

Marcus Vinícius Rios Gonçalves, adepto da corrente que entende ser a sentença conceituada pelo seu conteúdo, tenta solucionar a presente questão, in verbis:

O que traz perplexidade é que o recurso cabível continua sendo a apelação. Se o juiz julgar um dos pedidos, a parte inconformada teria que apelar, mas os autos não poderiam subir, pois o processo deve prosseguir em primeiro grau, para o exame dos demais. Para que não haja problemas processuais insolúveis, melhor que se considere cabível a apelação apenas contra sentença que efetivamente ponha fim ao processo em primeiro grau de jurisdição; contra as que não o façam, isto é, que julguem um dos pedidos sem encerrar o processo, continuará cabível o agravo [52].

Entretanto, para a correta interpretação de um determinado instituto jurídico, deve-se ter em conta o sistema em que tal instituto esteja inserido. No presente caso, as decisões judiciais são estruturadas de acordo com o sistema recursal, pois da sentença caberá apelação (art. 513 do CPC) e da decisão interlocutória caberá agravo (art. 522 do CPC).

Por isso, as conclusões do autor acima citadas são equivocadas, porquanto é inimaginável reconhecer que da sentença caberia recurso de agravo. O texto do art. 513 do CPC é claro ao afirmar que da sentença caberá apelação.

Ademais, de acordo com o princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais, cada decisão deve ser atacada por um único recurso. E, no presente caso, da sentença proferida nos autos, caberão duas espécies de recurso, dependendo do momento em que for proferida. Caso proferida no decorrer do procedimento caberá agravo, entretanto, se proferida ao final da fase de conhecimento, caberá recurso de apelação. Situação insustentável face ao sistema processual civil brasileiro, como visto.

Portanto, nesse caso, sentença é toda decisão judicial que encerra uma fase do procedimento, independentemente do seu conteúdo.

O art. 267, do CPC arrola as causas em que o juiz não analisa a pretensão do demandante. Entretanto, deve-se fazer distinção entre a decisão que extingue o processo da que não extingue o processo. Nesta, o juiz acolhendo o argumento da falta de pressuposto processual ou condição de ação, profere decisão, mas, ao contrário da redação do art. 267, caput, do CPC, não extingue o processo, por exemplo: exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, nesse caso, o processo seguirá com relação ao litisconsorte não excluído. Por outro lado, acolhendo o argumento da falta de pressuposto processual ou condição da ação, profere decisão com aptidão para extinguir o processo, por exemplo: quando o juiz acolher alegação de coisa julgada, pois, nesse caso, o processo, caso não interposto recurso no prazo legal, será extinto sem julgamento de mérito.

No primeiro caso, a exclusão do litisconsorte por ilegitimidade ad causam dar-se-á por meio de decisão interlocutória, pois a decisão judicial, nesse caso, não tem o condão de extinguir o processo. Por outro lado, a decisão que acolhe a alegação de coisa julgada, com aptidão de extinguir o processo sem resolução de mérito, é considerada sentença.

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Portanto, nesse caso, somente será sentença a decisão judicial que tiver aptidão para extinguir o processo sem resolução do mérito. Caso a decisão não tiver aptidão de encerrar o processo, tal ato será considerado decisão interlocutória.

Por isso, diferentemente do que preceitua o parágrafo 1º do art. 162 do CPC, modificado pela Lei 11.232/05, nem todo o ato do juiz que implica uma das causas elencadas pelo art. 267 do CPC pode ser considerado sentença, pois caso a decisão não tenha aptidão para extinguir o processo será considerada decisão interlocutória.

Nesse caso, sentença é toda decisão judicial que, acolhendo uma das causas elencadas pelo art. 267 do CPC, tem aptidão para extinguir o processo, sem a análise do mérito.

Firmadas essas premissas, a sentença pode ser conceituada, de acordo com a nova sistemática, como a decisão judicial que, analisando ou não o pedido do demandante, em conformidade com os arts. 267 e 269 do CPC, encerra uma fase do procedimento com a análise do mérito, ou extingue a própria relação jurídica processual sem resolução de mérito, em primeiro grau de jurisdição.

2.4 – ELEMENTOS DA DECISÃO JUDICIAL

2.4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Analisar-se-á a decisão judicial sob dois aspectos: o material e o formal.

O aspecto material diz respeito ao ato de inteligência praticado pelo magistrado, também denominado estrutura lógica. Por seu turno, o aspecto formal relaciona-se com as partes que compõem a decisão judicial.

Passa-se à análise do aspecto material da decisão judicial.

Teori Albino Zavascki preceitua que:

(...) o fenômeno da atuação das normas no plano social comporta três momentos bem distintos: primeiro, o da formulação abstrata dos preceitos normativos; segundo, o da definição da norma para o caso concreto; e terceiro, o da execução da norma individualizada [53].

A formulação abstrata da norma é monopólio do Estado-legislador. A definição da norma ao caso concreto e sua consequente execução podem dar-se de forma voluntária ou coercitiva. Caso as partes envolvidas não se entendam quanto à norma a ser aplicada para aquele caso concreto, ou com respeito à própria execução da norma individualizada, o Estado é chamado a intervir, por meio da função jurisdicional [54].

A decisão judicial é o instrumento pelo qual o Estado, na sua função jurisdicional, tem à disposição, para declarar a norma individualizada.

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira entendem, por isso, que a sentença

(...) é um ato jurídico que contém uma norma individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material [55].

Por ser a sentença (decisão judicial em geral) um ato de inteligência, o magistrado deve seguir um caminho, antes de encontrar a norma individualizada que disciplinará a relação jurídica controvertida. Primeiramente, o juiz deve analisar os fatos alegados pelas partes (neste caso, o magistrado deve valorar as alegações de acordo com as provas que foram produzidas em contraditório), depois, deve encontrar a norma jurídica abstrata aplicável aos fatos alegados e provados e, por fim, subsumir os fatos alegados e provados à norma jurídica abstrata, com o escopo de disciplinar a relação jurídica deduzida em juízo. Arruda Alvim denomina tal fenômeno de "estrutura lógica da sentença" (decisão judicial em geral), in verbis:

A sentença assenta-se em fato ou fatos, dando aos mesmos uma significação no universo jurídico, com base em valores contidos na lei. Assim, temos, fundamentalmente, de uma perspectiva lógico-formal, na sentença, a sequência silogística da norma, do fato e da conclusão decorrente da subsunção do fato à norma (primária) e da sucessiva aplicação da norma (secundária) ao fato. Por isso, se diz que o processo judicial tem estrutura lógica. É exatamente neste instante em que é proferida a sentença que tal atividade lógica assume o momento fundamental de sua aplicação, no campo do processo [56].

Entretanto, não basta que o juiz, simplesmente, subsuma os fatos alegados e provados à lei aplicável, pois toda norma jurídica deve estar em conformidade com a CF, nesse caso, fala-se em supremacia da Constituição sobre a legislação infraconstitucional. De acordo com o postulado de direito constitucional, a supremacia da Constituição decorre do fato de as Constituições organizarem os poderes do Estado, inclusive o Poder legislativo que compete promulgar as leis que disciplinarão as relações jurídicas dos indivíduos e do próprio Estado e, ademais, consagram, também, os direitos e garantias fundamentais do homem. Portanto, a legislação infraconstitucional deve estar conforme a Constituição, caso contrário, o juiz, no caso concreto, poderá afastar a aplicabilidade da lei por inconstitucionalidade decorrente da falta de simetria entre esta e a Constituição, por meio do controle difuso de constitucionalidade.

Em suma,o juiz deve fazer o controle de constitucionalidade das leis, antes de aplicá-las ao caso concreto, além da observância da regra da proporcionalidade em caso de conflito entre direitos fundamentais. Eis a lição de Luiz Guilherme Marinoni, que corrobora esse entendimento, in verbis:

Se nas teorias clássicas o juiz declara a lei ou criava a norma individual a partir da norma geral, agora ele constrói a norma jurídica a partir da interpretação de acordo com a Constituição, do controle de constitucionalidade e da adoção da regra do balanceamento (ou da regra da proporcionalidade em sentido estrito) dos direitos fundamentais no caso concreto [57].

Portanto, de acordo com as premissas firmadas neste tópico, é mais conveniente falar em subsunção dos fatos ao direito, pois "direito"tem conotação mais ampla, não ficando restrito ao conceito de lei, abrangendo, por conseguinte,todo o sistema jurídico vigente em um determinado lugar, num determinado período histórico.

Passa-se agora à análise do aspecto formal da decisão judicial no direito brasileiro.

O art. 458 do CPC preceitua que a "sentença" é composta por três partes. Entretanto, apesar de referir-se somente à sentença, aplica-se o dispositivo ora em comento a toda e qualquer decisão judicial.

Art. 458. São requisitos [58] essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

Portanto, a decisão judicial compõe-se de, em regra, relatório, fundamentação ou motivação e dispositivo.

2.4.2 – RELATÓRIO

O primeiro elemento da decisão judicial éo relatório onde o juiz descreve, de modo resumido, o que se passou no procedimento. O relatório é exigido nas sentenças e nos acórdãos, pois, de acordo com o art. 165 do CPC, é dispensado nas decisões interlocutórias. Ademais, o art. 38 da Lei federal nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 (que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) dispensou o relatório nas sentenças proferidas naquele procedimento [59].

O relatório conterá os nomes das partes, o resumo da pretensão do autor e seus fundamentos, a defesa do réu, além das principais ocorrências havidas no processo. O juiz deve demonstrar, por meio do relatório, que, ao decidir, teve conhecimento de todas as alegações das partes do processo. Nas palavras de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, o relatório é consectário da garantia do devido processo legal [60].

A falta de relatório, nos casos em que este é exigido, acarreta a nulidade da decisão judicial.

2.4.3 - FUNDAMENTAÇÃO

É de conhecimento geral que a natureza humana é limitada e, portanto, não se pode buscar, por meio de qualquer ato humano, em especial, por meio da decisão judicial, a verdade material ou absoluta. Busca-se, por consequência, a verdade que seja a mais próxima da verdade material, verdadeiro juízo de verossimilhança (semelhança da verdade). Eis o entendimento de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

A tendência atual inclina-se, decididamente, no sentido de libertar o juiz das cadeias formalísticas, tanto na avaliação da prova quanto na investigação dos fatos da causa, facilitando, a formação de sua convicção com a verdade possível, própria da condição humana, que ganha no domínio processual a dimensão de pura verossimilhança [61].

Daí vislumbra-se a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, pois, por meio da motivação, as partes envolvidas, que sofrerão os seus efeitos, poderão, caso não se conformarem, recorrer às instâncias superiores. Nesses casos, a fundamentação terá função endoprocessual. Esse entendimento é esposado por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, in verbis:

(...) fala-se numa função endoprocessual segundo a qual a fundamentação permite que as partes, conhecendo as razões que formaram o conhecimento do magistrado, possam saber se foi feita uma análise apurada da causa, a fim de controlar a decisão pro meio dos recursos cabíveis, bem como para que os juízes de hierarquia superior tenham subsídios para reformar ou manter as decisões [62].

Além da função endoprocessual acima descrita, a fundamentação exerce função exoprocessual. A função exoprocessual refere-se, essencialmente, ao controle difuso da decisão judicial feito pelo povo, de acordo com o sistema democrático adotado pela CF. Vejam-se as lições de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

Fala-se ainda numa função exoprocessual ou extraprocessual, pela qual a fundamentação viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo nome a sentença é pronunciada. Não se pode esquecer que o magistrado exerce parcela do poder que lhe é a atribuído (o poder jurisdicional), mas que pertence, por força do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, ao povo [63].

Por isso, a CF, em seu art. 93, IX, determina a fundamentação de qualquer decisão judicial, cominando pena de nulidade para o caso de descumprimento de tal preceito. O art. 93, inciso IX da CF tem natureza jurídica de direito fundamental. Não é somente a falta de fundamentação que acarreta a nulidade, equipara-se à falta de fundamentação a motivação deficiente, vaga etc.

Entretanto, o art. 165 do CPC admite fundamentação das decisões interlocutórias de forma concisa.

O art. 458, inciso II do CPC, determina que nos fundamentos, o juiz analise as questões de fato e direito.

Primeiramente, o magistrado analisará as questões processuais, tais como: condições da ação, pressupostos processuais etc. Caso o processo esteja regularmente constituído, as partes sejam legítimas, haja interesse de agir, o pedido seja juridicamente possível, o magistrado passará a analisar os fundamentos da demanda e da defesa; caso contrário, o juiz deverá proferir sentença que ponha fim à relação jurídica processual sem a análise do mérito.

Para a análise dos fundamentos da demanda e da defesa, o magistrado deverá imiscuir-se nas provas carreadas aos autos do processo pelas partes ou de ofício pelo próprio julgador [64].

Nesse caso, o juiz deve analisar todos os fundamentos da demanda e da defesa, sob pena de nulidade da decisão. De acordo com a função endoprocessual da fundamentação, visto acima, as partes podem, ao ter conhecimento dos motivos que levaram o magistrado a julgar desta ou daquela forma, recorrer às instâncias superiores, por isso, o magistrado analisará todas as provas produzidas, além de indicar por que as alegações da parte derrotada não foram suficientes para lhe formar o convencimento a seu favor [65].

Entretanto, não é necessário que o juiz, toda vez, aprecie todos os fundamentos da demanda e da defesa suscitados. É o caso, por exemplo, de o pedido do autor basear-se em dois fundamentos distintos; caso o juiz acolha um dos fundamentos e julgue procedente o pedido, não precisará analisar o outro fundamento, mas somente poderá julgar improcedente o pedido caso aprecie e repila os dois fundamentos alegados [66]. Aplicam-se tais lições aos fundamentos suscitados pela defesa.

Cumpre salientar que as questões analisadas na motivação da sentença ou acórdão não transitam em julgado, podendo ser rediscutidas em outro processo, com as mesmas partes, mas com objeto distinto. É o que preceitua o art. 469 do CPC, in verbis:

Art. 469. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

Por fim, a decisão judicial não fundamentada ou com fundamentação deficiente será passível de anulação, por conter vício de forma insanável (error in procedendo).

2.4.4 – DO DISPOSITIVO

A parte dispositiva da decisão judicial é ondeo juiz, após a fundamentação, analisará o objeto do processo (questões incidental ou principal). O dispositivo é, por seu turno, o terceiro elemento da decisão judicial, onde o magistrado poderá resolver, em caráter definitivo, a pretensão formulada pelo demandante. Nesse caso, não cabendo mais de recurso, a parte dispositiva ficará acobertada pela coisa julgada nos limites das questões decididas (art. 468, do CPC).

De acordo com Marcus Vinícius Rios Gonçalves, referindo-se especificamente sobre a sentença, o dispositivo:

(...) é a parte final da sentença, em que o juiz responde ao pedido formulado pelo autor, acolhendo-o ou rejeitando-o. Quando a sentença é meramente terminativa, o magistrado põe fim ao processo sem apreciar o mérito, isto é, sem analisar o pedido do autor, seja porque o processo não cumpriu os requisitos indispensáveis para seu desenvolvimento regular, seja por que faltava uma das condições para o exercício do direito de ação [67].

Ou seja, no dispositivo da sentença ou do acórdão pode o juiz tanto acolher ou rejeitar o pedido formulado pelo autor, como pode emitir provimento meramente terminativo, deixando o objeto litigioso intocado, extinguindo, por consequência, o processo, sem resolução do mérito. No primeiro caso, recairá sobre a parte dispositiva, caso não caiba mais recurso, a imutabilidade da coisa julgada; já no segundo caso, a questão poderá ser apreciada noutro processo.

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, "no dispositivo, o juiz poderá, conforme o caso: anular o processo, declarar sua extinção, julgar o autor carecedor da ação (ilegitimidade ad causam), ou julgar o pedido procedente ou improcedente" [68].

Há, ainda, as decisões interlocutórias que, na sua parte dispositiva, o magistrado analisará tanto questão incidente como a questão principal, como visto. No primeiro caso, não há que se falar em coisa julgada, pois a questão poderá ser rediscutida em outro processo; já no segundo, o dispositivo fica acobertado pela coisa julgada, em caso de não interposição do recurso cabível.

O ato praticado pelo juiz sem a parte dispositiva, ao contrário do relatório e da fundamentação, é uma não decisão (decisão inexistente), pois não há, no caso, preceito emanado pelo Estado, regulando a relação jurídica entre as partes. Nesse caso, o objeto litigioso poderá ser discutido em outro processo, independentemente de interposição de recurso. Portanto, há denegação de justiça, pois o magistrado deixou de apreciar a pretensão formulada pela parte.

2.5 – DAS DECISÕES ULTRA PETITA, EXTRA PETITA E CITRA PETITA

2.5.1 – INTRODUÇÃO

O art. 2º do CPC determina que "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais". Do citado artigo decorre o principio da demanda que significa que a jurisdição só atuará em caso de provocação da parte interessada, ou seja, o magistrado não poderá agir de ofício. Humberto Theodoro Júnior assevera que o princípio:

(...) se inspira na exigência de imparcialidade do juiz, que restaria comprometida caso pudesse a autoridade judiciária agir por iniciativa própria na abertura do processo e na determinação daquilo que constituiria o objeto da prestação jurisdicional [69].

Como corolário do princípio da demanda (também denominado de princípio da inércia da jurisdição), o magistrado deverá decidir de acordo com o pedido formulado pelas partes. Em outros termos, a decisão judicial deverá corresponder, exatamente, àquilo que as partes formularam nos autos do processo. Está-se diante do princípio da congruência.

O CPC, arts. 128 e 460, reforça a ideia de que é defeso ao juiz proferir decisão em desconformidade com as pretensões das partes, em simetria com o princípio da congruência, in verbis: "Art. 128 O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Art. 460 É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado."

O princípio da congruência deita suas raízes na fase em que o individualismo reinava em todo mundo civilizado, pois, neste período, existia o postulado da mínima intervenção estatal que consistia, basicamente, na impossibilidade do Estado intervir nos assuntos que diziam respeito aos particulares. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, em breve síntese, informam a origem histórica do princípio ora em comento, in verbis:

Em que pese deitar suas raízes no Direito Romano, foi a partir do chamado Estado liberal que esse princípio ganhou maior ênfase, em função da supervalorização do princípio dispositivo, do qual é corolário. O individualismo então reinante se contrapunha à ideia de intervencionismo estatal, razão por que o juiz, como longa manus do Estado, costumava ser, por dever e ideologia, um sujeito inerte e passivo, a quem competia sempre aguardar a provocação da parte para praticar atos no processo [70].

A falta de correspondência entre a pretensão das partes e a decisão judicial viola os princípios da ampla defesa, contraditório e dispositivo. Marcus Vinícius Rios Gonçalves adota idêntico posicionamento ao asseverar que, "a ausência de estrita correspondência entre a decisão e o pedido, com seus fundamentos, ofende o princípio da ampla defesa, do contraditório e o dispositivo" [71].

Com referência ao princípio do contraditório, vejam-se os ensinamentos de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira:

O princípio da congruência é, também, uma consequência do contraditório: a parte tem o direito de manifestar-se sobre tudo o que possa interferir no conteúdo da decisão; assim, o magistrado deve ater-se ao que foi demandado exatamente porque, em relação a isso, as partes puderam manifestar-se [72].

Portanto, a falta de congruência entre a demanda e a decisão judicial ocorrerá, em síntese, quando não houver correspondência entre o que foi alegado e discutido pelas partes no processo e o que foi apreciado pelo magistrado no momento de decidir. Pois, em conformidade com o princípio democrático, para que a decisão judicial seja legítima, as partes devem participar da construção dos provimentos judiciais.

2.5.2 – DECISÃO ULTRA PETITA

Como visto no tópico anterior, de acordo com o princípio da congruência, corolário do princípio da demanda, a decisão judicial deve manter correspondência com a pretensão das partes. Entretanto, em não raros casos, o juiz, ao decidir, extrapola os limites do pedido ou da fundamentação suscitada, causando prejuízo às partes.

Dessa forma, o magistrado, ao analisar o pedido e a fundamentação de fato suscitada pelas partes, pode conceder mais que o pedido, além do pedido ou menos que o pedido. Nesses casos, as decisões judiciais são denominadas, respectivamente, de ultra petita, extra petita e citra petita.

A decisão é ultra petita quando o juiz concede mais que o pleiteado pelo demandante, ou quando, além de apreciar fundamento de fato alegado, aprecia outro fundamento não suscitado pelas partes.

Para Marcus Vinícius Rios Gonçalves, a sentença (decisão) é ultra petita quando "o juiz aprecia o pedido e os fundamentos apresentados, mas concede quantidade superior à postulada" [73].

Nesse caso, o magistrado, além de conceder o que fora pleiteado pelo demandante, concede algo mais, um plus. Ou seja, o juiz concede o que foi pedido pela parte, de acordo com o princípio da congruência, mas concede, também, o que não foi pleiteado, por exemplo: o autor pleiteia indenização por danos materiais no importe de cem mil reais e o juiz concede, na sentença, a título de indenização, o montante de cento e cinquenta mil reais.

A decisão ultra petita relaciona-se tanto ao pedido imediato quanto ao pedido mediato.

Para Moacir Amaral Santos, "o pedido imediato consiste na providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva, cautelar ou preventiva", por outro lado, "o pedido mediato é a utilidade que se quer alcançar pela sentença, ou providência jurisdicional, isto é, o bem material ou imaterial pretendido" [74].

O pedido imediato é a própria providência jurisdicional pretendida pelo demandante. No ordenamento jurídico brasileiro, as providências jurisdicionais possíveis são: as decisões declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas "lato sensu". A decisão ultra petita exurge do pedido imediato quando, por exemplo: a parte pede a declaração de um direito, e o juiz, além de declarar, condena [75]. Nesse caso, a decisão é ultra petita, porque o juiz concedeu além da tutela pretendida pelo autor, em detrimento da parte ré.

Já o pedido mediato é o próprio bem da vida disputado pelas partes, seja ele material (automóvel) ou imaterial (crédito). Por seu turno, a decisão ultra petita exsurge do pedido mediato quando, por exemplo: o demandante pede indenização por danos materiais no importe de cem mil reais, e o magistrado concede, a título de indenização, a importância de cento e vinte mil reais, conforme visto acima, em detrimento da parte contrária.

Entretanto, não se considera decisão ultra petita aquela que aprecia pedidos denominados "implícitos" [76]. Nesse caso, o juiz, ao apreciar o pedido implícito, não estará proferindo decisão ultra petita, pois o dever de analisá-lo decorre diretamente da lei, independendo da vontade do demandante. Portanto, o pedido implícito é exceção ao princípio da demanda. Cite-se, como exemplo, o seguinte caso: o juiz, ao condenar o réu ao pagamento de uma dívida qualquer, condena, também, por força de lei, ao pagamento dos juros legais [77].

Além do mais, a decisão é ultra petita quanto o magistrado analisa, além da fundamentação de fato alegada pelas partes, fundamentação de fato não suscitada pelas partes e não cognoscível de ofício.

Os fundamentos de fato compõem a causa de pedir [78].

Os fatos ao darem suporte às pretensões podem, por um lado, constituir o direito do demandante ou, por outro, podem impedir, extinguir ou modificar esse mesmo direito. Ou seja, dos fundamentos de fato o juiz extrairá a consequência jurídica determinada pela norma aplicável ao caso concreto. Por isso, os fatos devem ser alegados e provados pelas partes. Caso o juiz, ao decidir, considere, além dos fatos alegados e provados, fatos outros provados nos autos, mas não suscitados pelas partes e não cognoscível de ofício, a decisão, assim proferida, é considerada ultra petita. Porquanto, se ao decidir, o juiz considera fatos, apesar de provados, não alegados pelas partes e não cognoscível de ofício, o magistrado estará ofendendo os princípios do contraditório e da ampla defesa.

A afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa é patente, pois o magistrado, ao decidir de determinada forma, apreciando fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes, ou cognoscível de ofício, não deu oportunidade para que elas (partes) se manifestassem sobre tais fatos, com possibilidade de influenciar o convencimento do julgador.

Portanto, não bastam que os fatos estejam provados não autos, é necessário que os mesmos tenham sido alegados pelas partes ou que sejam cognoscíveis de ofício.

Com relação aos fatos que podem ser cognoscíveis de ofício pelo magistrado, cite-se, por exemplo: o art. 462 do CPC preceitua que "se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença". Nesse caso, se o magistrado tomar conhecimento de algum fato que implique em modificação do julgamento da lide, deverá levá-lo em consideração, independentemente da alegação das partes, isso sem constituir decisão ultra petita, pois o dever de conhecê-los decorre diretamente da lei, desde que os fatos estejam devidamente provados nos autos.

A decisão ultra petita contém vício de forma (error in procedendo) podendo ser anulada na parte que exceder a pretensão das partes.

Marcus Vinícius Rios Gonçalves corrobora esse entendimento:

Se houver apelação da sentença ultra petita, basta ao tribunal que a reduza aos limites do pedido. Depois do trânsito em julgado, caberá ação rescisória, que não rescindirá integralmente a sentença, mas afastará aquilo que ultrapassar os limites do pedido. [79]

Nesse caso, basta que o tribunal, tanto em grau recursal como em ação rescisória, anule a parte que excedeu a pretensão demandante. Desnecessária, portanto, a anulação de toda a decisão, pois parte do pedido não contém vício gerador da nulidade.

Por outro lado, a decisão que, além de analisar os fundamentos de fato suscitados pelas partes, analisa outro fundamento de fato não alegado por quaisquer delas e que não seja cognoscível de ofício pelo juiz, poderá ser anulada, caso se demonstre efetivo prejuízo às partes. Entende-se por efetivo prejuízo no caso de se considerar fundamento de fato não suscitado pelas partes e não cognoscível de ofício, desde que esse fundamento seja o alicerce da decisão judicial, caso contrário, não haverá qualquer prejuízo, pois a decisão poderá ser sustentada por fundamento de fato alegado pelas partes ou cognoscível de ofício.

Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira trazem à baila exemplos para aclarar a situação:

(...) se o fundamento invocado pelo autor, e considerado na motivação da decisão, era, por si só suficiente para que o magistrado alcançasse a conclusão estabelecida no dispositivo, não precisará ser anulada a decisão, ainda que leve em conta também um outro fato essencial para alicerçar aquela mesma conclusão. No entanto, se o magistrado analisa os fundamentos de fato trazidos pelas partes (autora e ré), mas, para rejeitar o pedido do demandante, leva em consideração fato essencial novo, não invocado pelo réu, nem cognoscível de ofício, aí haverá decisão ultra petita por ofensa aos limites objetivos dos fundamentos de fato postos no processo, passível, pois, de anulação em sede recursal [80].

Nesse caso, aplica-se a seguinte regra: se fundamento não invocado pelas partes e não cognoscível de ofício seja o único a sustentar a decisão judicial, esta deve ser anulada, em decorrência do prejuízo que causou às partes, pois sobre o fundamento de fato considerado essencial na decisão judicial não houve manifestação da parte prejudicada. Entretanto, caso a decisão judicial possa, por si só, ser sustentada por fundamento de fato suscitado pelas partes, mesmo que seja considerado na decisão, também, fundamento de fato não alegado pelas partes e não cognoscível de ofício, a decisão judicial não causou prejuízo às partes e, por consequência, não poderá ser anulada, em respeito ao princípio do aproveitamento dos atos processuais [81].

A decisão ultra petita que analisou fundamento de fato diverso do suscitado e causou prejuízos às partes, poderá ser anulada em grau de recurso ou, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória, no prazo de dois anos.

2.5.3 – DECISÃO EXTRA PETITA

A decisão é extra petita quando o juiz, ao invés de analisar pedido formulado pela parte, analisa outro pedido não pleiteado pelas partes, ou, deixa de apreciar fundamento de fato suscitado, para apreciar fundamento de fato não alegado por qualquer das partes e não cognoscível de ofício.

Em outros termos, na decisão extra petita o juiz concede coisa diversa da pretendida ou, sem apreciar fundamento de fato alegado pelas partes, analisa outro fundamento não suscitado por qualquer das partes.

Distingue-se a decisão extra petita da ultra petita, pois nesta o magistrado, além de apreciar pedido não requerido ou fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes, aprecia, também, pedido pleiteado ou fundamento de fato alegado pelas partes. Ao passo que na decisão extra petita, o juiz não apreciando o pedido formulado pelo demandante ou fundamento de fato suscitado pelas partes, analisa outro pedido ou fundamento de fato não suscitado pelas partes. Na decisão ultra petita o juiz vai além da pretensão, já na decisão extra petita o magistrado decide fora do pleiteado pelas partes.

A decisão é extra petita, quanto ao pedido imediato, quando o magistrado conceder providência jurisdicional diversa da requerida pelo demandante, por exemplo: quando o demandante requer provimento mandamental, entretanto o magistrado concede tutela condenatória. Nesse caso o juiz concede providência diversa da pretendida, enquanto que na decisão ultra petita o juiz concede, como visto, além da pretensão da parte.

Entretanto, o art. 461 do CPC autoriza ao juiz determinar a medida que seja mais adequada para o caso concreto, independentemente de requerimento da parte. De ofício, o magistrado pode conceder tutela diversa da pretendida, não se caracterizando, nesse caso, decisão extra petita. Por isso, o magistrado pode, por exemplo, conceder tutela inibitória no lugar da tutela de remoção do ilícito requerida, ou conceder tutela de remoção do ilícito no lugar da tutela inibitória pleiteada. Portanto, no presente caso, o juiz está autorizado por lei a conceder tutela diversa da pretendida pelo demandante em seu pedido imediato, desde que a medida adotada seja mais adequada ao caso concreto [82].

Considera-se, ainda, extra petita, quanto ao pedido mediato, a decisão judicial que concede o bem da vida diverso do pretendido pelo demandante, por exemplo: o demandante requer o pagamento de determinada quantia em dinheiro e o magistrado, sem analisar o pedido formulado, concede um automóvel. O magistrado, na decisão extra petita, concede objeto diverso do pretendido, enquanto que na decisão ultra petita o juiz concede quantidade superior à pleiteada. No primeiro caso, o juiz concede objeto de outra espécie, enquanto que na decisão ultra petita, o magistrado concede o objeto pleiteado, mas em quantidade superior à pretendida.

Entretanto, o art. 288, parágrafo único, do CPC autoriza ao juiz, desde que a escolha couber ao devedor, determinar que a obrigação seja cumprida de modo diverso do pretendido pelo demandante. Nesse caso, desde que por lei ou contrato a escolha couber ao devedor e a obrigação puder se cumprida por mais de uma maneira, o juiz assegurar-lhe-á ao devedor o direito de escolha, independentemente de pedido alternativo formulado pelo demandante. Nesse caso, a decisão judicial não será extra petita, pois o direito de escolha outorgado ao devedor é proveniente de lei ou de contrato.

A decisão é extra petita quando o magistrado, não apreciando os fundamentos de fato suscitados pelas partes, analisa outro fundamento não alegado por qualquer delas e não cognoscível de ofício, por exemplo: o demandante requer a anulação de contrato, sob fundamento da coação, entretanto, o magistrado julga procedente o pedido, mas com a análise de fundamento diverso, não suscitado pelo demandante. A decisão extra petita não se confunde com a ultra petita, porquanto naquela, o magistrado desconsiderando os fundamentos de fato suscitados pelas partes, julga, sob fundamento de fato diverso, não alegado pelas partes e não cognoscível de ofício; enquanto que na decisão ultra petita o juiz julga, considerando os fundamentos de fato alegados pelas partes, além de considerar outro fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes e não cognoscível de ofício.

Entretanto, não será considerada decisão extra petita quanto o juiz, sem considerar os fundamentos alegados pelas partes, apreciar outro fundamento não suscitado pelas partes, mas que seja cognoscível de ofício, por exemplo: mesmo não alegada por qualquer das partes, o magistrado poderá conhecer de ofício a prescrição ou decadência. Antes de ser declarada a prescrição ou a decadência, o juiz deve dar oportunidade para que as partes se manifestem sobre tal fundamento, sob pena de afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório. No entanto, o fundamento de fato cognoscível de ofício só será considerado na decisão se estiver devidamente provado nos autos.

A decisão extra petita, por analisar pedido e fundamentos de fato diversos do pretendido, viola os princípios da ampla defesa e do contraditório, porquanto a parte prejudicada (autor ou réu) não teve oportunidade de se manifestar sobre o pedido ou fundamento novo e, por isso, não teve possibilidade de influir na decisão judicial proferida nesses termos. Pois, ao indivíduo é garantido o direito de construir o provimento judicial junto com o magistrado e a parte contrária, consequência do sistema democrático brasileiro.

Por isso, o juiz, ao proferir decisão além da pretensão das partes, comete error in procedendo. Portanto, a decisão proferida nesses termos é passível de anulação, em grau recursal, ou por meio de ação rescisória, após o trânsito em julgado, no prazo de dois anos.

2.5.4 – DECISÃO CITRA PETITA

É citra petita a decisão que deixa de apreciar pedido formulado pela parte ou fundamento de fato suscitado por qualquer das partes.

Ou seja, na decisão citra petita o magistrado omite-se, deixando de examinar pedido formulado, ou fundamento de fato que tem aptidão para influenciar o julgamento da causa.

Entretanto, não se deve confundir decisão citra petita com decisão que julga parcialmente procedente o pedido da parte. No primeiro caso, o magistrado não analisa o pedido da parte, incorrendo em omissão; já no segundo caso, o juiz analisa toda a pretensão formulada, mas se convence que a parte tem direito somente a parcela do que foi pleiteado, por exemplo: demandante requer o pagamento de mil reais e o juiz condena o réu ao pagamento de quinhentos reais.

A omissão pode ocorrer tanto em relação ao pedido quanto à fundamentação de fato suscitada pelas partes, porém, alerta Nilo Ferreira Pinto Júnior, que só será considerada citra petita a decisão que tiver de apreciar duas ou mais pretensões [83]. Nesse caso, o juiz, ao deparar-se com dois ou mais pedidos, ou com dois ou mais fundamentos de fato, deixa de apreciar um ou alguns deles.

Nesse caso, está-se diante de uma decisão formalmente una, mas materialmente dúplice, pois aprecia mais de um pedido com causas de pedir distintas. Nesse sentido Teresa Arruda Alvim Wambier, in verbis:

(...) a sentença que apreciou mais de um pedido, seja caso de cumulação, de reconvenção, de oposição etc., é formalmente uma, mas materialmente dúplice e cindível. Portanto, se se decidiu ‘um’ dos pedidos, e se ‘não se considerou o outro’ (ou os outros), parece que estaremos, na verdade, em face de duas sentenças: uma delas não eivada do vício e a outra inexistente, fática e juridicamente [84].

Em decorrência da possibilidade de cisão, a decisão judicial, que deixou de apreciar um dos pedidos, é válida com relação aos pedidos apreciados e, por consequência, inexistente com respeito ao pedido não julgado. Nesse caso, quanto ao pedido não apreciado pelo magistrado, não é possível se falar em decisão, pois não houve solução, pelo órgão jurisdicional, das questões postas à sua apreciação.

Haverá omissão do magistrado, também, no caso em que não apreciar pedido que tenha o dever de conhecer de ofício. Nesse caso, como o dever de conhecer decorre da lei, independentemente da vontade das partes, se o magistrado não aprecia-lo, estará omitindo-se de forma ilegítima, cite-se, como exemplo: o dever do órgão jurisdicional de apreciar, além da dívida principal, os juros legais.

Situação mais complexa envolve a omissão do juiz referente aos fundamentos de fato suscitados pelas partes ou cognoscível de ofício. A questão ganha relevância quando as partes se utilizam dois ou mais fundamentos de fato para embasar demanda e defesa. Nesse caso, se todos os fundamentos de fato tiverem aptidão para influenciar o julgamento da causa, o magistrado, ao deixar de apreciar qualquer um deles, estará proferindo decisão citra petita. É o caso, por exemplo, de um pedido de separação fundado em duas causas de pedir: adultério e injúria grave, o juiz só poderá julgar improcedente o pedido, caso aprecie e afaste os dois fundamentos suscitados. O entendimento acima esposado vale também para os fundamentos de fato alegados pela defesa.

O órgão jurisdicional deve apreciar determinados fundamentos de fato, independentemente de alegação das partes. Esse dever decorre diretamente da lei. Nesse caso, se o juiz ao julgar, não apreciar fundamento de fato que tinha o dever de conhecer de ofício, estará proferindo decisão citra petita. É o caso, por exemplo: do juiz, ao julgar a causa, após a propositura da ação, não apreciar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito que possa influir na solução da lide (art. 462, do CPC), desde que esteja comprovado nos autos, estará decidindo aquém da pretensão das partes.

Por tudo que foi exposto, é possível diferenciar a decisão citra petita das decisões ultra e extra petita já examinadas. Na decisão citra petita, o magistrado deixa de apreciar pedido ou fundamento de fato, enquanto que nas decisões ultra petita e extra petita, o juiz aprecia pedido ou fundamento de fato não alegado pelas partes ou cognoscível de ofício. No primeiro caso, o magistrado julga aquém da pretensão, há, por parte do órgão jurisdicional, denegação parcial de justiça. No segundo caso, decisões ultra e extra petita, o órgão jurisdicional vai além do pretendido, afrontando, por consequência, os princípios da ampla defesa e contraditório.

Da decisão citra petita é possível vislumbrar duas consequências, uma relacionada ao pedido e a outra referente aos fundamentos de fato. A decisão que não aprecia pedido formulado pela parte ou cognoscível de ofício é inexistente, pois, nesse caso, a pretensão da parte permanece intocada. Ou seja, quanto ao pedido não apreciado, o magistrado não praticou qualquer ato apto a resolver a questão, seja ela incidental ou principal. Portanto, o pedido não apreciado pode ser formulado numa nova ação, independentemente da interposição de recurso, ou propositura de ação rescisória.

Por outro lado, a decisão judicial que não aprecia fundamento de fato suscitado ou cognoscível de ofício que tenha aptidão para influir no julgamento da lide é nula. Nesse caso, o magistrado apreciou o pedido da parte, mas apreciou de maneira deficiente, pois não analisou fundamento de fato com aptidão para influir no julgamento da causa. A decisão judicial proferida nesses termos pode ser anulada pelo tribunal em grau recursal, ou por meio de ação rescisória, no prazo de dois anos, após o trânsito em julgado.

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Sobre o autor
João Paulo Chelotti

Advogado atuante em SP. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista UNIP. Pós-graduado lato sensu em direito processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUCMINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHELOTTI, João Paulo. Benefícios previdenciários por incapacidade e o princípio da congruência no Direito Processual Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2773, 3 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18409. Acesso em: 23 abr. 2024.

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