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Benefícios previdenciários por incapacidade e o princípio da congruência no Direito Processual Civil brasileiro

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03/02/2011 às 08:04
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3 – DECISÃO JUDICIAL QUE CONCEDE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE DIVERSO DO PRETENDIDO

Depara-se, em muitos casos, com decisão judicial que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido pelo demandante.

Nesse caso, o magistrado, após a produção de prova técnica (para a aferição da incapacidade do autor), convence-se de que o benefício por incapacidade devido é diverso do pretendido pelo autor.

Busca-se saber, portanto, se a decisão judicial que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido pelo demandante extrapola os limites da pretensão das partes.

Os tribunais posicionam-se em sentidos diversos. O Tribunal Regional da 1.a região entende que a decisão que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido extrapola os limites do pedido, entretanto tal decisão é ultra petita e não extra petita [85].

Já o Tribunal Regional Federal da 3.a região entende que a decisão que concede auxílio-doença ao invés de aposentadoria por invalidez requerida pelo demandante, não extrapola os limites do pedido, e, por isso, não contém vício passível de anulação, pois entende que o auxílio-doença é considerado um minus em relação à aposentadoria por invalidez [86].

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua quinta turma, num primeiro momento, entendeu que a decisão que concedeu auxílio-doença ao invés de aposentadoria por invalidez pleiteada pelo demandante ultrapassou os limites do pedido inicial, ferindo o art. 460 do CPC, e, por isso, deve ser considerada ultra petita, passível de anulação [87]. Entretanto, num julgamento posterior, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, em sentido diametralmente oposto, entendeu que a decisão que concedeu auxílio-doença ao invés de aposentadoria por invalidez requerida não configura julgamento extra petita [88].

Entretanto, as decisões judiciais acima citadas tratam a questão da decisão que concede benefício por incapacidade diverso do pretendido de forma superficial.

Por isso, resta saber se a decisão judicial que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido pelo demandante extrapola os limites da pretensão das partes, com afronta ao princípio da congruência.

O demandante e seu advogado, ao pleitearem benefício por incapacidade na petição inicial, não têm conhecimentos técnicos específicos referentes à incapacidade, pois, como se viu a incapacidade é classificada de acordo com o seu grau, a sua duração e a relação com a atividade desenvolvida pelo segurado. O entendimento acima esposado é aplicável, também, ao magistrado, pois não tem conhecimentos técnicos específicos para averiguar as circunstâncias que norteiam a incapacidade do demandante, mas, por outro lado, tem o dever de dirimir o conflito, sendo, por isso, auxiliado por pessoa que possui o conhecimento técnico necessário para o deslinde dessa questão. Essa pessoa é denominada "perito". Nesse caso, o perito deve ter conhecimentos técnicos sobre medicina.

Caso, na produção da prova pericial, para se aferir a incapacidade do demandante, o experto conclua que a incapacidade, em decorrência do grau, duração e atividade exercida, gera direito a benefício diverso do pleiteado pelo demandante, o juiz, mesmo não estando adstrito ao laudo pericial juntado aos autos de acordo com o princípio da persuasão racional (livre apreciação motivada da prova), pode conceder benefício por incapacidade diverso do pleiteado, neste caso, a decisão proferida não conterá qualquer vício que possa maculá-la. Eis os fundamentos que embasam tal entendimento:

1 - Quanto aos fundamentos de fato, a pretensão do demandante tem como suporte fático a incapacidade para o trabalho ou para sua vida diária, sendo que o grau de incapacidade, a sua duração e a relação com a atividade desenvolvida são questões a serem resolvidas pelo perito, pois, como visto as partes e o próprio juiz não têm conhecimentos técnicos para responder a tais questionamentos. Por isso, mesmo que o demandante alegue, por exemplo, estar definitivamente incapacitado, fazendo jus à aposentadoria por invalidez, quem determinará a duração da suposta incapacidade, nesse caso, será o juiz, de acordo com o laudo pericial. Portanto, os fundamentos de fato cingem-se à alegação genérica de incapacidade para o exercício de atividade, ficando a cargo do perito e, posteriormente, ao juiz a tarefa de definir o grau de incapacidade, sua duração, sua relação com a atividade desenvolvida e a concessão do benefício por incapacidade devido, respectivamente. Não há que se falar em apreciação fundamento de fato diverso do suscitado pelo demandante.

Ademais, não se pode alegar prejuízo à defesa, pois o demandado defende-se dos fatos suscitados pelo demandante (no caso, a incapacidade). Por isso, o grau da incapacidade, a sua duração e a relação com a atividade desenvolvida são circunstâncias que devem ser resolvidas, como se viu, por pessoa com conhecimentos técnicos específicos, com possibilidade às partes de manifestarem-se sobre o laudo pericial, inclusive com possibilidade de apresentação de parecer crítico ao laudo pericial emitido por assistente técnico custeado por elas, tudo conforme os princípios da ampla defesa e do contraditório.

2 - Com relação à providência jurisdicional pretendida (pedido imediato), não há que se falar em decisão que extrapola os limites do pedido, porquanto a decisão judicial proferida determinará que o demandado conceda o benefício por incapacidade (tutela mandamental), independentemente da espécie de benefício pleiteado pelo demandante. Portanto, a providência jurisdicional requerida será a tutela mandamental [89], pois o réu será compelido a implantar o benefício por incapacidade devido, podendo, para tanto, o magistrado utilizar-se de medidas aptas como forma de coagir o demandado a cumprir a obrigação de fazer, como, por exemplo: a fixação de multa diária para o caso de descumprimento da obrigação. Portanto, a providência jurisdicional independe do benefício por incapacidade pleiteado (seja ele, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), pois, no caso, a tutela mandamental é a mais apta para compelir o demandando a implantar o benefício por incapacidade, seja ele qual for.

3 - Por outro lado, é irrelevante que o demandante defina, na petição inicial, a espécie de benefício por incapacidade que, supostamente, lhe é devido (pedido mediato). A definição, na petição inicial, não induz à conclusão de que o magistrado deverá se adstringir ao benefício por incapacidade especificado pelo autor. O ato de subsumir os fatos jurídicos ao direito é privativo do juiz, ato de inteligência seu. No caso em epígrafe, a definição do benefício previdenciário devido, após a definição da incapacidade, é simples questão de subsunção dos fatos ao direito. Subsumem-se os fatos (incapacidade comprovada pelo laudo pericial, seu grau, sua duração e relação à atividade desenvolvida) ao direito aplicável (benefícios por incapacidade dentre os disciplinados pela Lei 8.213/91 – aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente). Nesse caso, o que se pleiteia é o pagamento de um seguro face à contingência social incapacidade que será, por seu turno, aferida por pessoa que tenha conhecimentos técnicos específicos. Deixando para a decisão judicial determinar a espécie de benefício previdenciário por incapacidade devido. Por isso, não houve, no presente caso, concessão de objeto diverso do pretendido, porquanto o juiz, ao conceder o benefício previdenciário por incapacidade, apenas subsumiu os fatos alegados, discutidos e provados nos autos, ao direito aplicável.

Portanto, conclui-se que a decisão que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido pelo demandante não ultrapassa os limites da pretensão das partes. Pois, como visto a decisão judicial, nesses termos, proferida, analisa o mesmo pedido imediato: prestação jurisdicional consistente numa obrigação de fazer que deve ser prestada pelo Instituto Nacional do Seguro Social; analisa mesmo pedido mediato: pagamento de seguro em face da contingência social incapacidade; e mesmo fundamento de fato: a incapacidade para exercer atividades laborativas ou para a vida diária. Pois, o demandando defende-se dos fatos alegados pela parte contrária, no presente caso, os fatos estão bem delimitados: incapacidade para exercer atividades laborativas ou para a vida diária. Nesse caso, o juiz, ao conceder benefício previdenciário diverso do pretendido, após a produção da prova pericial que fixa o grau de incapacidade, sua duração e a relação à atividade desenvolvida, não estará proferindo decisão que vá além, que conceda coisa diversa ou fique aquém da pretensão das partes. Por conseguinte, da decisão proferida nesses termos, não se vislumbra qualquer prejuízo para a defesa, por isso ela (decisão) não afronta os princípios da ampla defesa e do contraditório. Por isso, não há ofensa ao princípio da congruência.


CONCLUSÕES

É possível firmar, no presente trabalho, as seguintes premissas:

Os direitos fundamentais são os resultados dos embates travados entre classe dominada e classe dominante (representada pelo Estado), em que a segunda outorga a primeira, certos direitos que garantem uma vida mais digna. Os direitos fundamentais são classificados pela doutrina em gerações. A primeira geração de direitos é denominada de "direitos de liberdade", em que os indivíduos são protegidos contra as investidas do Estado. Por outro lado, os direitos fundamentais de segunda (denominados de direitos à igualdade) e terceira gerações (denominados de direitos de solidariedade e fraternidade) dependem, para sua concretização, de atuação efetiva do Estado, por meio de políticas públicas, são eles: os direitos sociais, econômicos, direitos da coletividade, direito à paz, direito ao desenvolvimento, direito à propriedade do patrimônio comum da humanidade, direito à comunicação etc.

O direito à seguridade social, direitos fundamentais de segunda geração, é subdividido, de acordo com a CF de 1988, em direito à saúde, à assistência social e à previdência social.

O direito à saúde, como característica fundamental a universalidade do atendimento, tem por finalidades a redução do risco de doença, por meio de medidas preventivas, o tratamento das doenças, por meio de medidas curativas, para o tratamento das sequelas deixadas pela doença, por meio de medidas reabilitatórias.

O direito à assistência social compreende uma série de medidas tendentes à proteção dos hipossuficientes que não sejam integrados no regime de previdência social, por meio de serviços sociais e prestações pecuniárias.

A previdência social, de caráter contributivo, tem por escopo proteger seus segurados e dependentes de contingências sociais que impedem ou diminuam a capacidade de prover a própria subsistência.

Contingência ou risco social pode ser conceituado como todo evento, previsível ou imprevisível, protegido pelo sistema previdenciário, que impossibilite ou diminua a capacidade do segurado ou de seus dependentes em auferir renda para manutenção da própria subsistência.

Risco social, por excelência, a incapacidade é conceituada como a inaptidão do segurado para o exercício de atividade laborativa que lhe garanta a subsistência ou para sua vida diária, em decorrência de doença ou lesão agregado a fatores sócio-culturais do segurado, tais como: o grau de escolaridade, a idade etc.

A incapacidade pode ser classificada de acordo com seu grau, duração e relação com a atividade desenvolvida.

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Os benefícios previdenciários decorrentes da incapacidade, no direito brasileiro, são: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.

A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, após período carência de doze meses ou independente de carência (nos casos de acidente de trabalho e equiparados), pago no percentual de cem por cento do salário-de-benefício, esteja total e definitivamente incapacitado para exercer atividades laborativas ou para a vida diária.

O auxílio-doença é devido ao segurado que, após período de carência de doze meses ou independente de carência (nos casos de acidente de trabalho e equiparados), pago no percentual de noventa e um por cento do salário-de-benefício, esteja temporariamente incapacitado para exercer atividades laborativas ou para a vida diária.

O auxílio-acidente é devido ao segurado que, após consolidação das lesões, decorrentes de acidente de qualquer natureza, impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. O benefício é pago no percentual de cinquenta por cento do salário-de-benefício.

Por outro lado, as decisões judiciais, no direito brasileiro, têm por finalidade resolver as questões que decorrem, direta ou indiretamente, da pretensão do autor deduzida em juízo e contrariada ou não pelo réu, extinguindo ou não o procedimento, resolvendo ou não o mérito.

São espécies de decisões judiciais, no ordenamento jurídico brasileiro: a decisão interlocutória e a sentença.

As decisões interlocutórias são aquelas que, analisando tanto questões incidentes como questões principais, não encerram fase do procedimento.

Por outro lado, a sentença pode ser conceituada como a decisão judicial que, analisando ou não o pedido do autor, em conformidade com os arts. 267 e 269 do CPC, encerra uma fase do procedimento com a análise do mérito, ou extingue a própria relação jurídica processual sem resolução de mérito.

O art. 458 do CPC elenca os elementos da decisão judicial que são: relatório, fundamentação ou motivação e dispositivo.

O relatório é onde o juiz descreve, de modo resumido, o que de mais importante ocorreu no procedimento. É obrigatório nas sentenças e acórdãos, porém, dispensável nas decisões interlocutórias e nas sentenças proferidas sob o rito dos juizados especiais cíveis. A falta de relatório, onde este é obrigatório, gera nulidade da decisão judicial.

A fundamentação é onde o magistrado analisará todos os fundamentos da demanda e da defesa, antes, entretanto, o juiz deve analisar as questões processuais, tais como: os pressupostos processuais e as condições da ação. As questões analisadas na fundamentação não transitam em julgado, podendo ser rediscutidas em outro processo, com as mesmas partes, mesma causa de pedir, mas com objeto distinto. A falta de fundamentação ou a fundamentação deficiente terá, por consequência, a nulidade da decisão, de acordo com o art. 93, inciso IX da CF.

O dispositivo é onde o juiz analisará o pedido das partes, com possibilidade de transitar em julgado, desde que da decisão não caiba mais recurso (nos casos de sentenças, acórdãos e decisões interlocutórias que analisam parte da pretensão do demandante). Nas decisões interlocutórias, quando da análise de questão incidente, o dispositivo não ficará acobertado pela coisa julgada. A consequência para a falta de dispositivo é a inexistência da decisão judicial.

O princípio da demanda significa que a jurisdição somente atuará caso provocada pelo interessado. Corolário desse princípio, o princípio da congruência significa que o juiz deverá decidir a causa em conformidade com que foi proposta pelas partes.

A extrapolação do limites da demanda inquina a decisão judicial de vício passível de anulação. A decisão judicial, nesse caso, pode conceder mais que o pedido, além do pedido, ou menos que o pedido. Decisões ultra petita, extra petita e citra petita, respectivamente.

A decisão judicial é ultra petita quando o juiz concede mais que o pleiteado pelo demandante, ou quando, além de apreciar fundamento de fato alegado, aprecia outro fundamento não suscitado pelas partes.

A decisão ultra petita relaciona-se tanto com os pedidos imediato e mediato, quanto com os fundamentos de fato.

Pedido imediato é a providência jurisdicional requerida, por exemplo: tutelas condenatória, mandamental etc.

Pedido mediato é o bem da vida pleiteado, por exemplo: direito de crédito etc.

Fundamentos de fato ou, simplesmente fatos dão suporte às pretensões das partes. Podem ser constitutivos, modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do demandante. Dos fatos extrair-se-ão as consequências jurídicas pretendidas.

Deve-se fazer ressalva aos pedidos e fatos que são cognoscíveis de ofício pelo magistrado. Citem-se, como exemplos, o dever do juiz em apreciar, além do pagamento do principal, os juros legais, e, ainda, o dever do magistrado em apreciar fatos, de ofício, que, após a propositura da ação, possam influir no julgamento da lide, desde que provados nos autos.

A decisão ultra petita é passível de anulação na parte que exceder o pedido do demandante, em grau de recurso ou, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória, dentro do biênio legal. Em relação aos fundamentos de fato, caso o magistrado, além da apreciação de fundamento de fato suscitado pelas partes, aprecie fundamento de fato não alegado e não cognoscível de ofício, a decisão somente será anulada caso reste comprovado nos autos efetivo prejuízo às partes, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos processuais consagrado pelo CPC.

Considera-se decisão extra petita a que concede coisa diversa da pretendida ou, sem apreciar fundamento de fato alegado pelas partes, analisa outro fundamento não suscitado por qualquer das partes e não cognoscível de ofício.

A decisão extra petita surge tanto dos pedidos imediato e mediato, quanto dos fundamentos de fato. Entretanto, faz-se ressalva à possibilidade do juiz conceder, de ofício, providência jurisdicional diversa da pleiteada pelo demandante, ou analisar, de ofício, ao invés dos fundamentos de fato invocados pelas partes, fundamento de fato não alegado por qualquer delas, por exemplo: art. 461 do CPC e prescrição ou decadência, respectivamente.

A decisão extra petita é passível de anulação, em grau de recurso ou, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória, dentro do biênio legal.

A diferença existente entre decisão ultra petita e extra petita é que na primeira, o magistrado concede mais que o pretendido ou analisa, além dos fundamentos de fato suscitados pelas partes, fundamento não suscitado por qualquer delas, por outro lado, na decisão extra petita, o juiz concede coisa diversa da pretendida, ou, deixando de analisar fundamentos de fato alegados pelas partes, analisa fundamento de fato não invocado por qualquer delas.

A decisão citra petita é aquela que deixa de apreciar pedido da parte ou fundamento suscitado por quaisquer das partes.

Não se deve confundir decisão citra petita com decisão que julga parcialmente o pedido da parte. No primeiro caso, o magistrado não analisa o pedido da parte, incorrendo em omissão; no segundo caso, o juiz analisa todo o pedido da parte, mas se convence que o demandante tem direito somente a parcela do que foi pleiteado.

A decisão que não aprecia fundamento de fato relevante para o deslinde da causa é passível de anulação pelo tribunal, em grau de recurso ou, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória, dentro do biênio legal.

Por outro lado, a decisão que não aprecia pedido formulado pelo demandante é considerada inexistente, ou seja, uma não decisão, por isso, o pedido não apreciado pode ser formulado em outra ação, independentemente de interposição de recurso ou propositura de ação rescisória.

A decisão citra petita difere das decisões ultra e extra petita, pois nessas, o magistrado vai além da pretensão das partes, enquanto que a decisão citra petita fica aquém da pretensão das partes. As decisões ultra e extra petita violam os princípios da ampla defesa e contraditório, pois não dão oportunidade para que as partes se manifestem sobre o conteúdo do decidido. Por outro lado, no caso de o juiz decidir aquém da pretensão das partes, ao não analisar pedido formulado pelo demandante ou fundamento de fato alegado pelas partes, há denegação de justiça, com violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Ao analisar a decisão judicial que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pleiteado na petição inicial, é possível concluir que não há extrapolação dos limites da pretensão das partes.

Tal conclusão baseia-se na impossibilidade do demandante e seu advogado determinarem o grau da incapacidade, sua duração e a relação com a atividade desenvolvida, ou seja, não possuem conhecimentos técnicos específicos. Ademais, o próprio magistrado não possui tais conhecimentos, necessitando de apoio de profissional com conhecimento técnico em medicina, tal profissional é denominado perito ou experto.

Ora, se a comprovação do benefício por incapacidade devido decorre das conclusões do perito, que tem conhecimentos técnicos para a correta avaliação da incapacidade do demandante, infere-se daí que o autor deve, na sua petição inicial, descrever como fundamento de fato a sua suposta incapacidade, independentemente de seu grau, sua duração e relação com a atividade desenvolvida, pois tal mister ficará a cargo do perito na fase instrutória do procedimento.

Da conclusão acima exposta, infere-se que a especificação do benefício previdenciário por incapacidade devido (dentre os arrolados pela Lei 8.213/91 – aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente) é questão de subsunção dos fatos alegados, discutidos e provados nos autos ao direito aplicável à situação concreta. E, como se viu, o ato de subsunção é privativo do juiz. Nesse caso, portanto, é irrelevante a especificação do benefício por incapacidade pelo demandante na petição inicial, pois, basta que o juiz subsuma os fatos (incapacidade) provados ao direito aplicável (benefício previdenciário devido) ao caso concreto.

Portanto, se o princípio da congruência proíbe o magistrado de analisar pedido ou fundamento de fato não suscitado pelas partes, ou cognoscível de ofício, como forma de se evitar a afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório, no presente caso, pelo que foi exposto, não há que se falar em decisão ultra petita, extra petita ou citra petita. Porquanto, a decisão que concede benefício previdenciário por incapacidade diverso do pretendido aprecia mesmo pedido imediato postulado na pelo demandante consistente numa obrigação de fazer por parte do Instituto Nacional do Seguro Social, por meio de tutela mandamental; mesmo pedido mediato consistente no pagamento de um seguro decorrente da deflagração do risco social incapacidade; e mesmo fundamento de fato consistente na incapacidade para o exercício de atividades laborativas ou para vida diária.

As conclusões do experto referentes ao grau de incapacidade, sua duração e a relação com a atividade desenvolvida, em respeito ao princípio do contraditório, poderão ser impugnadas pelas partes, em conformidade com o art. 433, parágrafo único, do CPC. Portanto, não há que se falar em prejuízo para a defesa.

Ademais, na relação jurídica processual, por um lado, está o Instituto Nacional de Seguro Social com todo seu aparato, incluindo assistente técnico, com possibilidade de apresentar parecer fundamentado sobre laudo pericial. Por outro, está o segurado hipossuficiente, com poucos recursos para contratar profissional (advogado) qualificado para causa e impossibilitado de contratar assistente técnico para manifestar-se sobre o laudo pericial.

Nesse caso, o Estado-juiz garante o acesso à justiça, com isenção do pagamento de custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais da parte contrária, em caso de derrota, de acordo com o que determina o art. 5º, inciso LXXIV, da CF (acesso à justiça formal). Entretanto, o Estado está aquém do esperado em termos de acesso à justiça, pois, em causas previdenciárias, o que se constata, apesar da isenção de custas e honorários sucumbenciais como visto, é a desigualdade de forças entre os litigantes, (acesso à justiça material). Portanto, como forma de diminuir a desigualdade existente entre as partes, nas causas previdenciárias, o órgão jurisdicional deve, quando isso for possível, aplicar o princípio da proteção ao hipossuficiente que nada mais significa que a possibilidade de o juiz dar proteção integral ao segurado, como forma de igualar as forças no bojo da relação jurídica processual, sob pena de denegação de justiça à parte hipossuficiente.

Entretanto, como forma de se evitar decisões judiciais contraditórias, fomentando a insegurança jurídica na sociedade, propõe-se a formulação, na petição inicial, de pedidos em ordem sucessiva, conforme dispõe o art. 289 do CPC, para que o juiz conheça do pedido posterior, em caso de não poder acolher o pedido anterior. Portanto, o demandante, na petição inicial, poderá requerer, dois benefícios por incapacidade distintos, um postulado como pedido principal, e, subsidiariamente, o outro, como pedido subsidiário. Pois, caso o pedido principal não seja acolhido, passa-se à análise do pedido subsidiário.

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Sobre o autor
João Paulo Chelotti

Advogado atuante em SP. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista UNIP. Pós-graduado lato sensu em direito processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUCMINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHELOTTI, João Paulo. Benefícios previdenciários por incapacidade e o princípio da congruência no Direito Processual Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2773, 3 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18409. Acesso em: 26 abr. 2024.

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