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Da constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.382/2011.

Reajuste do salário mínimo por decreto

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O referido diploma normativo fixa o valor do salário mínimo para 2011 e estabelece critérios para a determinação de seu valor até o ano de 2015.

1. Introdução

Em 01/03/2011, o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM) ajuizaram ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 4.568/DF, rel. Min. Carmen Lúcia Antunes Rocha) contra o art. 3º da Lei 12.382/2011, publicada no DOU 28/02/2011.

O referido diploma normativo fixa o valor do salário mínimo no ano corrente (art. 1º da lei) e estabelece critérios para a determinação de seu valor até o ano de 2015 (art. 2º da mesma lei). Nos parágrafos 1º e 2º do art. 2º, estão os critérios para preservação do valor real (reajustes), enquanto que nos parágrafos 3º a 5º estão os índices para engendrar aumento real no salário mínimo. O art. 3º da mencionada lei, e que antecipadamente já havia sido criticado pelos partidos de oposição no âmbito das discussões que deram ensejo à aprovação do projeto que deu origem à Lei 12.382/2011, permite que o Poder Executivo estabeleça, através de decreto e com base nos critérios do art. 2º, o valor do salário mínimo. Transcrevo o teor literal dos arts. 2º e 3º, in verbis:

Art. 2º  Ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1º de janeiro do respectivo ano.  

§ 1º  Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste. 

§ 2º  Na hipótese de não divulgação do INPC referente a um ou mais meses compreendidos no período do cálculo até o último dia útil imediatamente anterior à vigência do reajuste, o Poder Executivo estimará os índices dos meses não disponíveis. 

§ 3º  Verificada a hipótese de que trata o § 2º, os índices estimados permanecerão válidos para os fins desta Lei, sem qualquer revisão, sendo os eventuais resíduos compensados no reajuste subsequente, sem retroatividade. 

§ 4º  A título de aumento real, serão aplicados os seguintes percentuais: 

I - em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto - PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2010;

II - em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2011; 

III - em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2012; e 

IV - em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2013. 

§ 5º  Para fins do disposto no § 4º, será utilizada a taxa de crescimento real do PIB para o ano de referência, divulgada pelo IBGE até o último dia útil do ano imediatamente anterior ao de aplicação do respectivo aumento real. 

Art. 3º  Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2º serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei. 

Parágrafo único.  O decreto do Poder Executivo a que se refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo, correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário a um duzentos e vinte avos do valor mensal. 

Em sua peça inicial, os requerentes aduzem o seguinte:

a) a violação do princípio da reserva legal, vez que o comando do inciso IV, art. 7º da CF/88 determina que o salário mínimo seja fixado através de lei formal, o que afastaria a possibilidade de permitir que o quantum fosse fixado por decreto, não obstante a existência de parâmetros matemáticos constantes na própria Lei 12.382/2011. Em abono ao argumento, citam-se as ADIn´s 1.442/DF [01] (significado político da fixação do valor do salário mínimo) e 2.585/SC [02] (o processo legislativo permite a participação de ambos os Poderes na discussão política);

b) se essa delegação fosse possível, que fosse feita através de uma lei delegada;

Os requerentes, ainda, deduziram pedido de medida liminar para suspender a eficácia do art. 3º, caput e parágrafo único, da Lei 12.382/2011.

A argumentação deduzida pelos requerentes, prima facie, parece ser correta do ponto de vista jurídico-constitucional. Nosso sistema jurídico consagra, a exemplo do que ocorre com ordenamentos jurídicos alienígenas, o princípio da reserva legal (Gesetzvorbehalt) [03], também denominado de cláusula de reserva de lei [04], em determinadas matérias, como sói ocorrer com a fixação do valor do salário mínimo, prevista no inciso IV, art. 7º da CRB/88. Significa que o veículo normativo apto e idôneo para a regulamentação de determinados artigos da Lei Maior é a lei. Lei que deve ser produto de um processo legislativo que conta, via de regra, com a participação do Poder Legislativo e do Poder Executivo como instâncias deliberativas e legitimadoras do processo político.

Com base nesse paradigma, é possível concluir, segundo a tese dos requerentes, que o art. 3º da Lei. 12.382/2011 possui um déficit de legitimidade constitucional. É que, segundo os requerentes, não permitir que o Congresso Nacional opine sobre a fixação do valor do salário mínimo nos anos vindouros, 2012 a 2015, equivale subtrair dos representantes do povo uma prerrogativa constitucional inafastável de participar da deliberação política, mais especificamente, da política salarial do Governo. Ou, dito de outro modo, o Constituinte quis, ao consagrar a cláusula de reserva legal na fixação do valor do salário mínimo, que o Congresso Nacional participasse da fixação do valor do mesmo e o art. 3º, por seu turno, afasta essa participação até o ano de 2015, consagrando uma "indisfarçada delegação de poderes [sic] à Excelentíssima Senhora Presidente da República", consoante linguagem da peça inicial.

Contudo, essa argumentação é extremamente frágil. O medo dos partidos de oposição é absolutamente injustificável. Em primeiro lugar, equivocam-se os partidos na própria exegese do inciso IV, art. 7º da CF/88 e, em segundo, no próprio paradigma de legalidade subjacente às suas afirmações, paradigma esse que já está sendo constantemente rechaçado em tempos de pós-positivismo jurídico. Demonstrarei isso nas linhas seguintes.


2. Exegese do inciso IV, art. 7º da CF/88.

Transcrevo o teor literal do inciso IV, art. 7º da CF/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

O inciso IV, art. 7º da CF/88, consagrou o direito fundamental ao salário mínimo. É direito fundamental de segunda geração, concretizado através de uma prestação estatal, segundo ao consagrado sistema de posições jurídicas fundamentais de Robert Alexy [05]: o trabalhador precisa, para o gozo do salário mínimo que atenda todas as necessidades elencadas no inciso IV, art. 7º da CF/88, que o Estado legisle (prestação jurídica). Visa assegurar ao lado de outros direitos sociais (assistência social, saúde e previdência social), consoante magnífica sede doutrinária, um mínimo de existência. Mínimo de existência esse que não se resume a "mera sobrevivência física do indivíduo (aspecto que assume especial relevância no caso do direito à saúde), mas também uma sobrevivência que atenda aos mais elementares padrões de dignidade" [06].

Sobre o texto do inciso em comento, há necessidade de duas observações.

A primeira observação é que foi utilizada pelos requerentes na inicial. A Constituição exige que o salário mínimo seja "fixado em lei", o que configura uma cláusula de reserva legal. Daí a preocupação do grupo de oposição com a constitucionalidade do art. 3º, consoante já ressaltado supra.

A segunda, diz respeito a que, quanto ao tema dos direitos fundamentais, o direito fundamental ao salário mínimo possui um âmbito de proteção estritamente normativo [07]. Isso equivale a dizer que a interpositio legislatoris é quem configura o direito fundamental, muito embora essa liberdade de conformação esteja sujeita às balizas constitucionais. Nesse caso, o legislador deve observar determinados critérios já previamente estabelecidos pelo Constituinte, os quais deverão servir de balizas materiais para a densificação jurídica do direito fundamental. In casu, o Constituinte determina não só que a fixação do salário mínimo deva ser veiculada através de lei (reserva formal), mas determina, inclusive, que o conteúdo da mesma lei seja cogentemente orientado por parâmetros a priori.

Desta feita, o conteúdo da lei que fixar o valor do salário mínimo não pode ser qualquer um. Deve a lei, isso sim, estar orientada por uma preocupação de que o salário mínimo (1) seja nacionalmente unificado; (2) capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social; (3) e preservado periodicamente, o que traduz uma periodicidade em relação à política salarial. Temos, assim, um parâmetro territorial, econômico e temporal, os quais devem ser seguidos à risca pela lei que fixar o salário mínimo.


3. Tipos de reserva legal

Há diversas classificações doutrinárias para o princípio da reserva legal. Para o problema aqui abordado, referente à constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.382/2011, é necessário conhecer a distinção entre reserva absoluta de lei e reserva relativa de lei. [08]

No primeiro caso, a Constituição determina que a regulamentação da norma seja feita exaurientemente pelo diploma legal, não deixando margem para que veículos normativos que lhe são inferiores em hierarquia possam estatuir alguma coisa. No segundo caso, há uma espécie de prédio legislativo, já que a Constituição permite que lei estabeleça a regulamentação, possibilitando que atos infralegais disponham sobre determinadas nuances da regulamentação. Naquela, a Constituição se vale de expressões como "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer" (XII, art. 5º da CRB) ou "que a lei estabelecer" (XIII, art. 5º da CRB); nesta, e.g., "nos termos da lei" (VII, art. 5º da CRB).

Essa distinção encontra eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Veja-se, v.g., o seguinte acórdão:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIOS, PENSÕES E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, ATIVOS E INATIVOS, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - FIXAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO MEDIANTE ATO DO PODER EXECUTIVO LOCAL (DECRETO ESTADUAL Nº 25.168/99) - INADMISSIBILIDADE - POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - ESTIPULAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO QUE TAMBÉM IMPORTOU EM DECESSO PECUNIÁRIO - OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL (CF, ART. 37, XV) - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E POSTULADO DA RESERVA LEGAL. - O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL QUALIFICA-SE COMO PRERROGATIVA DE CARÁTER JURÍDICO-SOCIAL INSTITUÍDA EM FAVOR DOS AGENTES PÚBLICOS. - A garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico-social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. Essa qualificada tutela de ordem jurídica impede que o Poder Público adote medidas que importem, especialmente quando implementadas no plano infraconstitucional, em diminuição do valor nominal concernente ao estipêndio devido aos agentes públicos. A cláusula constitucional da irredutibilidade de vencimentos e proventos - que proíbe a diminuição daquilo que já se tem em função do que prevê o ordenamento positivo (RTJ 104/808) - incide sobre o que o servidor público, a título de estipêndio funcional, já vinha legitimamente percebendo (RTJ 112/768) no momento em que sobrevém, por determinação emanada de órgão estatal competente, nova disciplina legislativa pertinente aos valores pecuniários correspondentes à retribuição legalmente devida. O NOVO TETO REMUNERATÓRIO, FUNDADO NA EC 19/98, SOMENTE LIMITARÁ A REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DEPOIS DE EDITADA A LEI QUE INSTITUIR O SUBSÍDIO DEVIDO AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - Enquanto não sobrevier a lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 48, XV), destinada a fixar o subsídio devido aos Ministros da Suprema Corte, continuarão a prevalecer os tetos remuneratórios estabelecidos, individualmente, para cada um dos Poderes da República (CF, art. 37, XI, na redação anterior à promulgação da EC 19/98), excluídas, em conseqüência, de tais limitações, as vantagens de caráter pessoal (RTJ 173/662), prevalecendo, desse modo, a doutrina consagrada no julgamento da ADI 14/DF (RTJ 130/475), até que seja instituído o valor do subsídio dos Juízes do Supremo Tribunal Federal. - Não se revela aplicável, desde logo, em virtude da ausência da lei formal a que se refere o art. 48, XV, da Constituição da República, a norma inscrita no art. 29 da EC 19/98, pois a imediata adequação ao novo teto depende, essencialmente, da fixação do subsídio devido aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. A QUESTÃO DO SUBTETO NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO DOS ESTADOS-MEMBROS E DOS MUNICÍPIOS - HIPÓTESE EM QUE SE REVELA CONSTITUCIONALMENTE POSSÍVEL A FIXAÇÃO DESSE LIMITE EM VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO - RESSALVA QUANTO ÀS HIPÓTESES EM QUE A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO ESTIPULA TETOS ESPECÍFICOS (CF, ART. 27, § 2º E ART. 93, V) - PRECEDENTES.

(ADI 2075 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2001, DJ 27-06-2003 PP-00028 EMENT VOL-02116-02 PP-00251)

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A mesma idéia é usada na ADIn 2.585, mencionada acima e que foi utilizada como argumento pelos partidos de oposição. Eis o inteiro teor da ementa do acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO LEGISLATIVO Nº 18.224, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2001, EDITADO PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS DO GOVERNADOR, DO VICE-GOVERNADOR, DOS SECRETÁRIOS DE ESTADO E DO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO. Procede a alegação de inconstitucionalidade formal por afronta ao disposto no § 2º do art. 28 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19/98, uma vez que este dispositivo exige lei em sentido formal para tal fixação. A determinação de lei implica, nos termos do figurino estabelecido nos arts. 61 a 69 da Constituição Federal, a participação do Poder Executivo no processo legislativo, por meio das figuras da sanção e do veto (art. 66 e parágrafos). Ação direta julgada procedente.

(ADI 2585, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2003, DJ 06-06-2003 PP-00030 EMENT VOL-02113-02 PP-00295)

Com base nessa distinção, percebe-se que a argumentação de inconstitucionalidade levantada pelos requerentes se baseia nessa doutrina. Eles interpretam o inciso IV, art. 7º da CF/88 como estabelecendo uma reserva absoluta de lei. Daí porque o art. 3º da Lei 12.382/2011, ao determinar que os reajustes e aumentos sejam calculados por decreto do Executivo, ofende a reserva legal: a lei deve ser exauriente na sua concretização do direito fundamental ao salário mínimo.


4. A exegese correta do inciso IV, art. 7º da CF

Em linhas gerais, fiz o resumo da tese de inconstitucionalidade. Agora vejamos se o pressuposto dessa tese, o de que é uma lei que tem que fixar o valor do salário mínimo sem intermediação normativa de qualquer ordem, é realmente correto.

Tanto em termos de reajuste para preservação do valor real, como em termos de acréscimos reais ao salário mínimo, o pressuposto é falho. Com efeito, nos parágrafos do art. 2º estão critérios já pré-determinados de cálculo do valor do salário mínimo, cingindo-se o Executivo a meramente efetuar uma conta aritmética. No caso dos reajustes, o índice a ser utilizado é o do INPC acumulado nos últimos 12 meses anteriores ao mês do reajuste.

É correto que, havendo a indeterminabilidade do índice, o Executivo adotará uma estimativa (§2º, art. 2º da Lei 12.382/2011). No entanto, essa estimativa deve ser corrigida assim que houver a determinação do INPC, efetuando-se as devidas compensações (§3º, art. 2º da mesma Lei).

No caso do acréscimo real, o raciocínio é idêntico. Os percentuais de incremento do valor real serão determinados em função da taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB), consoante determinam as alíneas do §4º do art. 2º da Lei 12.382/2011. Em suma: outra simples conta aritmética.

Assim sendo, isso quer dizer que o Executivo, ao contrário do que sustentam os requerentes, não possui o poder de dispor sozinho da política do salário mínimo. Antes, apenas irá efetuar um simplório cálculo aritmético com índices (INPC e taxa de crescimento real do PIB) que dependem fundamentalmente da conjuntura econômica do país. A essa sistemática de cálculo foi dado o beneplácito da maioria do Congresso, o que afasta qualquer espécie inconstitucionalidade, já que os índices de reajuste estão determinados qualitativamente. Ou, dito de outra forma, o consenso do Legislativo foi: o INPC é o índice a ser utilizado reajuste, pois melhor reflete a inflação, e deverá ser usado até 2015. A mesma coisa vale para a taxa de crescimento do PIB, que espelha o crescimento econômico do Brasil, como fator de incremento do valor real.

Portanto, o pressuposto exegético dos requerentes é falho. O que vale é que, para satisfazer a cláusula de reserva legal do inciso IV, art. 7º da CF/88, basta que os índices a serem adotados como política salarial sejam submetidos a um consenso entre Governo e Congresso, e não a simples conta aritmética ou o valor nominal do salário mínimo. É evidente que a lei pode já dizer qual o valor obtido depois dos cálculos, como vinha sendo a tradição do Governo [09], mas isso não tem que ser assim necessariamente. No caso da Lei 12.382/2011, os índices de reajuste não foram determinados unilateralmente pelo Executivo. Já foram submetidos à deliberação política do Executivo e do Legislativo previamente para 2012 até 2015, afastando, assim, o déficit de ausência de participação política do Legislativo, alvo de tanto zelo pelos partidos de oposição.

Isso afasta a crítica de que o Congresso não poderá se manifestar nos anos seguintes. O próprio Congresso já deu sua anuência a uma política de longo prazo, não havendo necessidade de ser pronunciar sobre a questão de novo. A Pres. da República apenas precisa, todo dia 1º de Janeiro de cada ano, de uma calculadora de bolso e entrar no Google para procurar o INPC acumulado e a taxa de crescimento do PIB para fazer a conta, sem qualquer espaço para alteração unilateral da política de preservação do salário mínimo durante o interregno 2012/2015.

Com base nisso, é fácil perceber como a argumentação dos partidos de oposição peca logo de início. Se a cláusula de reserva legal exige que os índices de correção do salário mínimo sejam deliberados pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo, então o decreto a que alude o art. 3º da Lei 12.382/2011 não constitui uma "indisfarçada delegação de poderes [sic] à Excelentíssima Senhora Presidente da República".

Do mesmo modo, isso afasta o argumento de que haveria a necessidade uma lei delegada. Se não houve nenhuma delegação de poderes, cai por terra esse argumento... [10]

À luz do exposto, percebe-se que também a invocação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é, por tabela, impertinente. Nem a ADIn 1.442/DF, nem a ADIn 2.585/SC são óbices ao reconhecimento da constitucionalidade da Lei 12.382/2011.

No primeiro caso, a discussão da ADIn 1.442/DF, na parte que é pertinente ao presente estudo, era a insuficiência da política da valorização do salário mínimo, a qual ficou muito aquém do escopo normativo do inciso IV, art. 7º. Com efeito, a Medida Provisória impugnada (MP 1.415/1996) ao estabelecer expressamente o valor do salário mínimo através de um indexador "frankesteiniano", obtido através de uma média ponderada entre índices de variação de preços ao consumidor, ao produtor e ao construtor, não satisfez o teor material-econômico exigido pelo inciso IV, art. 7º da CF/88. A argumentação do voto vencedor do Min. Celso de Mello de que se valeram os requerentes, a respeito da importância política da fixação do salário mínimo, sequer tangenciou a respeito do problema do modo de concretização do quantum do salário mínimo, muito menos diz qualquer coisa sobre a cláusula de reserva legal constante do texto constitucional.

Quanto à ADIn 2.585/SC, o diploma impugnado foi o Decreto Legislativo n. 18.224/2001 do Estado de Santa Catarina, o qual fixava a remuneração (rectius subsídio) do Governador, do Vice-Governador, dos Secretários de Estado e do Procurador-Geral do Estado. A Min. Ellen Gracie, relatora, afirmou a patente inconstitucionalidade do mencionado decreto, vez que a Constituição (§2º, art. 28, acrescentado pela EC 19/98) exige a reserva absoluta de lei para a determinação do subsídio, o que se justifica pela necessidade de participação do Poder Executivo na matéria através sanção e veto. O argumento dos requerentes é o de que, ao contrário do que ocorre, segundo a interpretação que derrubei supra, com a fixação do valor do salário mínimo via decreto, a qual alija o Legislativo da tomada de decisão, quando o veículo normativo é a lei ambos os Poderes, Executivo e Legislativo, são participantes ativos. Mas, como vimos, a pressuposição estava errada e a invocação da ADIn 2.585/SC perde seu valor. Já que a participação de ambos os Poderes foi devidamente respeitada segundo a exigência do princípio da reserva absoluta de lei, essa jurisprudência é decisivamente neutra para o caso.

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Sobre o autor
José Luizilo Frederico Júnior

Procurador do Município de Teresina (Procuradoria Fiscal). Advogado. Ex-analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (MA). Pós-graduando em direito tributário pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREDERICO JÚNIOR, José Luizilo. Da constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.382/2011.: Reajuste do salário mínimo por decreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2836, 7 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18847. Acesso em: 21 nov. 2024.

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Título original: "Da constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.382/2011".

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