RESUMO
O presente artigo tem como objetivo demonstrar a importância da representação judicial do agente público elaborada pela Advocacia-Geral da União - AGU em razão de um ato praticado no exercício de seu mister.
Em outras palavras, o agente público pratica um ato funcional e em razão disso precisa de um representante judicial, já que está sendo demandado pessoalmente.
Para tanto, buscaremos aduzir as razões que levaram à criação do instituto.
1.INTRODUÇÃO
A representação judicial do agente público elaborada pela AGU é um instituto novo, que inaugura uma nova atribuição aos advogados públicos.
A legislação que trata desse instituto apenas adentrou nas linhas gerais, havendo muitas dúvidas ainda acerca da real importância e do alcance da representação judicial do agente público.
2.BASE NORMATIVA
A representação judicial do agente público tem como base o art. 22 da Lei 9028/90 [01], regulamentado pela portaria Portaria AGU nº 408 de 25 de março de 2009.
3.ABRANGÊNCIA
Essa representação é bem abrangente, podendo a AGU atuar no campo passivo como ativo, como, por exemplo, promovendo ação penal privada.
Todavia, cabe ressaltar que essa função de representação judicial ocorre em maior escala quando a autoridade pública é demandada pessoalmente, como por exemplo, o suposto lesado ingressa com ação com pedido de reparação civil em face do agente público, por algum ato praticado por ele no exercício funcional que tenha gerado contrariedade a algum interesse do demandante.
4.GARANTIA OU PRIVILÉGIO?
A questão da representação judicial elaborada pela AGU pode parecer num primeiro momento como uma vantagem ou um privilégio dado ao servidor público, eis que o mesmo, sendo demandado judicialmente em razão de ato funcional praticado, não teria despesa com a contratação de um advogado.
Ademais, também se poderia aduzir que na iniciativa privada instituto análogo não existiria.
Contudo, o privilégio ocorre justamente quando um benefício é atribuído a alguém com a exclusão de outros, sem motivo razoável ou também quando não ligado à preservação do interesse público.
No caso da representação judicial do agente público, a questão cinge-se na análise do interesse público a ser resguardado, e não em um benefício puramente em razão do cargo.
4.1 Importância da defesa pessoal.
Uma autoridade, quando no exercício funcional, para atender ao interesse público, poderá contrariar interesses de terceiros.
Estes, sendo atingidos, ainda que de forma legítima, poderão demandar não somente contra o ente público ao qual a autoridade está vinculada, mas sim diretamente contra a própria autoridade.
Neste caso, o agente público teria que com suas próprias expensas contratar advogado privado para defender-se judicialmente.
Tornando-se frequente a demanda pessoal, a autoridade tenderia a perder ou ter enfraquecida a autonomia necessária para contrariar interesses particulares, uma vez que estaria sujeita a sofrer o estigma e as agruras de ser ré em um processo judicial, sem o respaldo de uma advocacia pública lhe representando.
Por outro lado, com o instituto da representação pessoal, a autoridade poderá ter uma maior liberdade na pratica de atos funcionais que atendam ao interesse público, já que, na eventual hipótese de ser demandada, poderá ter auxílio representativo pela AGU.
Nesse sentido, acerca da importância das garantias concedidas a certas autoridades que praticam atos relevantes, salienta o saudoso HELY LOPES
MEIRELLES:
"Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e de opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados. (Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 74).
5.REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PESSOAL
Ao analisarmos os artigos 2º e 4º, parágrafo 4º da portaria 408 da AGU, podemos elencar os seguintes requisitos necessários para a obtenção da representação judicial.
São eles os necessários de forma cumulativa:
a)Requisito funcional [02]: Que consiste que o ato praticado seja no exercício das funções da autoridade.
b)Requisito pessoal [03]: Que o agente figure no rol das autoridades representáveis.
c)Requisito legal [04]: Que o ato não esteja eivado de ilegalidade.
d)Requisito da relevância do ato [05]: Que o ato atenda não somente a um interesse público qualquer, mas sim a um interesse público relevante.
Esse requisito será mais explorado no próximo tópico, onde discorreremos sobre a natureza jurídica da representação judicial.
Assim, para a obtenção da representação judicial, não basta ao agente provar que seu ato foi no exercício funcional.
São necessários outros requisitos, dentre eles que o ato seja compatível com o interesse público e não seja eivado de ilegalidade ou abuso de poder.
Claro que a Advocacia-Geral da União não fará um julgamento exauriente para verificar esses requisitos, porém em uma análise perfunctória poderá verificar se os requisitos autorizadores da representação judicial estão presentes.
5.NATUREZA JURÍDICA DA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL- Discricionariedade da AGU ou direito subjetivo da autoridade em ter a representação judicial?
Se nos ativermos apenas aos requisitos formal, legal e pessoal, poderemos chegar à conclusão de que, se o agente estiver elencado entre as autoridades representáveis, tendo praticado o ato no exercício funcional, sem ilegalidade aparente, faria o mesmo jus à representação judicial.
Mas não basta a prática de ato que vise preservar qualquer interesse público.
A razão de ser do instituto da representação judicial é justamente garantir que o agente pratique atos relevantes sem ter receio de represálias judiciais.
Assim, nos parece que para ter direito ao benefício, necessário se faz que o ato praticado tenha relevante interesse público.
É essencial que esse interesse [06] tenha uma relevância que justifique a atuação da AGU, como, por exemplo, uma autoridade que é demandada judicialmente por ter no exercício funcional promovido a desapropriação de um grande latifúndio ou mesmo um advogado público que emite um parecer que viabilize um grande projeto político, porém contraria interesses de um particular.
Assim, a disposição legal interesse público tem que ser interpretada de acordo com a finalidade do instituto da representação judicial, sob pena de, ao utilizarmos somente a interpretação literal, desvirtuarmos a importância do instituto em tela.
Por outro lado, o interesse público que não tenha uma grande relevância é preservado, porém, não pela possibilidade de representação judicial da AGU, mas sim pelas prerrogativas inerentes aos agentes públicos, como, por exemplo, a estabilidade no caso dos servidores de carreira.
De mais a mais, a expressão interesse público, classificada como conceito jurídico indeterminado, é a base para avaliação da possibilidade de representação judicial pela AGU.
E, como tal, possui um alto grau de discricionariedade [07], principalmente quando ligados a conceitos de valor [08] e não de experiência, como na expressão interesse público.
Cumpre ressaltar que a discricionariedade não residiria nas zonas positivas e negativas acerca do conceito de interesse público, mas tão somente nas zonas sombrias [09], senão vejamos.
Um agente público é acionado judicialmente por ter indeferido um recurso administrativo de multa de trânsito. Este ato estaria abarcado na zona negativa do conceito de interesse público relevante, na medida em que não há grandes implicações na prática deste ato.
Por outro lado, imagine-se a situação de um agente que é acionado por ter decretado a desapropriação de uma grande propriedade para fins de uma política nacional de habitação.
Sem medo de errar, entendemos que estaria este ato incluído na zona positiva do conceito de interesse público relevante.
E o que falar de um caso de um perito que á acionado por ter emitido um parecer técnico contrário aos interesses em uma empresa? Aqui, pensamos que haveria uma zona sombria acerca da natureza do ato praticado, na medida em que haveria uma grande incerteza quanto à relevância do ato.
Assim, no caso supracitado, agirá licitamente a AGU ao deferir ou indeferir ou o pedido de representação judicial por seus membros.
Derradeiramente, conclui-se que a representação judicial não é um direito subjetivo do agente, mas sim ato eminentemente discricionário [10] da AGU, não podendo o judiciário interferir no ato administrativo, salvo nos casos onde não há zona sombria acerca do conceito de interesse público relevante.
Por outro lado, essa representação judicial por parte de membros da AGU é uma função atípica da instituição, de modo que conjugada com os argumentos concernentes à relevância do ato, não pode tornar-se uma atividade freqüente, rotineira, sob pena de desfiguração de uma de suas atividades principais, que é a representação judicial da União [11].
6.CONCLUSÃO
Por todo o exposto, podemos verificar a importância da representação judicial a determinados agentes públicos, na medida de proporcioná-los uma maior segurança na prática de atos que atendam ao interesse público.
Contudo, não é todo e qualquer ato funcional impugnado judicialmente em face da autoridade que gerará a representação judicial da AGU, mas tão somente o ato que vise resguardar o interesse público relevante.
BIBLIOGRAFIA
JUSTEN FILHO, Marçal – Curso de Direito Administrativo, 4º ed, Saraiva,.2009.
MEIRELLES, Hely Lopes - Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 2005.
______________ Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª. ed. 6ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003.
PEREIRA, Flávio Henrique Unes - Revista CEJ, Brasília, n. 36, jan./mar. 2007
Notas
- Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001)
- Art. 2º A representação de agentes públicos somente ocorrerá por solicitação do interessado e desde que o ato pelo qual esteja sendo demandado em juízo tenha sido praticado no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, na defesa do interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas no art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995.
- Art. 3º A AGU e a PGF poderão representar em juízo, observadas suas competências e o disposto no art. 4º, os agentes públicos a seguir relacionados:
- Art. 6º Não cabe a representação judicial do agente público quando se observar:
- A representação de agentes públicos somente ocorrerá por solicitação do interessado e desde que o ato pelo qual esteja sendo demandado em juízo tenha sido praticado no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, na defesa do interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas no art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995.
- Vale ressaltar que esse interesse público relevante pode ter um viés com o interesse público primário (coletividade) ou secundário (erário público). Celso Antônio Bandeira de Mello nos traz à baila a distinção feita pela doutrina italiana entre as duas acepções de interesse público, in verbis: Interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarna-se pelo simples fato de ser pessoa. (Curso de Direito Administrativo, São Paulo, 2005, Malheiros Editores, p. 57-58.)
- "A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62,"caput"). - Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina. Precedentes". (STF, ADI-MC 2213/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/04/2002)
- Há doutrinadores que classificam os conceitos jurídicos indeterminados em conceitos de valor e conceitos de experiência, entendendo que, em relação àqueles, a aplicação desencadearia discricionariedade administrativa. Já os conceitos de experiência ou empíricos pressuporiam critérios objetivos, práticos, extraídos da experiência comum, que permitiriam, portanto, concluir qual a única decisão possível. É o que ocorreria em face de expressões como "caso fortuito", "força maior", "bons antecedentes". Nesses casos não haveria dúvida de que a matéria é de pura interpretação e pode o Poder Judiciário rever a decisão administrativa, porque ela está fora do âmbito da discricionariedade. Já na hipótese de conceito de valor, Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que existe a discricionariedade, embora não signifique liberdade total, isenta de qualquer limite. Para a ilustre administrativista existe discricionariedade quando (...) a lei usa certos conceitos indeterminados ou, nas palavras de Linares, "fórmulas elásticas", assim consideradas aquelas que encerram valorações, isto é, sentidos axiológicos, jurídicos, tais como comoção interna, utilidade pública, bem comum, justiça, equidade, decoro, moralidade etc.( Flávio Henrique Unes Pereira- Revista CEJ, Brasília, n. 36, p. 30-38, jan./mar. 2007)
- Vejamos o exemplo da expressão Idoso. Há uma zona negativa do que seja idoso, incluindo-se aí uma pessoa de dez anos. Há também uma zona positiva no conceito indeterminado da expressão idoso, por exemplo, uma pessoa de cem anos certamente estaria incluída no conceito. Porém, existem idades que estariam incluídas na zona sombria do conceito de idoso, como, por exemplo, duas pessoas, uma com sessenta anos e outra com setenta anos. Neste caso, surgirá a discricionariedade do administrador. (JUSTEN FILHO, Marçal – Curso de Direito Administrativo, Saraiva, 4º ed. p. 148.)
- Celso Antônio Bandeira de Mello define "discricionariedade administrativa" como:
- Art. 131 da CRFB. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos ex-titulares dos cargos ou funções referidos no caput, e ainda: (Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001)
I - o Presidente da República;
II - o Vice-Presidente da República;
III - os Membros dos Poderes Judiciário e Legislativo da União;
IV - os Ministros de Estado;
V - os Membros do Ministério Público da União;
VI - os Membros da Advocacia-Geral da União;
VII - os Membros da Procuradoria-Geral Federal;
VIII - os Membros da Defensoria Pública da União;
IX - os titulares dos Órgãos da Presidência da República;
X - os titulares de autarquias e fundações federais;
XI - os titulares de cargos de natureza especial da Administração Federal;
XII - os titulares de cargos em comissão de direção e assessoramento superiores da Administração Federal;
XIII - os titulares de cargos efetivos da Administração Federal;
XIV - os designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, nos Decretos-Lei nºs 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987;
XV - os militares das Forças Armadas e os integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial;
XVI - os policiais militares mobilizados para operações da Força Nacional de Segurança; e
XVII - os ex-titulares dos cargos e funções referidos nos incisos anteriores.
(...)
V - conduta com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou correição;
(...) a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. (Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª. ed. 6ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 48.)