3. AÇÃO CONSTITUCIONAL – MANDADO DE INJUNÇÃO
3.1 REMÉDIO CONSTITUCIONAL CONTRA A OMISSÃO DO PODER PÚBLICO
Inicialmente, faz-se necessária uma breve distinção entre direitos e garantias. A doutrina diferencia direitos fundamentais de garantias fundamentais.
De acordo com BONAVIDES, Os direitos fundamentais são os bens em si mesmo considerados, declarados como tais nos textos constitucionais. Já as garantias fundamentais são estabelecidas pelo texto constitucional como instrumentos de proteção dos direitos fundamentais. As garantias possibilitam que os indivíduos façam valer, frente ao Estado, os seus direitos fundamentais. Assim, ao direito à vida, corresponde a garantia de vedação à pena de morte; ao direito à liberdade de locomoção, corresponde a garantia do habeas corpus; ao direito à liberdade de manifestação do pensamento, a garantia da proibição da censura etc (BONAVIDES, 1996).
MIRANDA leciona sobre essa distinção, asseverando que os direitos representam por si só certos bens, enquanto as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; afirma, ainda, que os direitos são os principais e as garantias, os acessórios; bem como que os direitos declaram-se, enquanto as garantias estabelecem-se (MIRANDA, 1990).
A Constituição Federal de 1988 consagra um grande conjunto de direitos ao indivíduo e, para assegurar sua efetividade, instituiu, paralelamente, as denominadas "garantias", sendo que, dentre essas garantias, destacam-se os "remédios constitucionais" que, segundo MORAES, são os instrumentos à disposição do indivíduo para que ele possa atuar quando os direitos e as próprias garantias são violadas MORAES (2008). Tais remédios, são divididos em administrativos (direito de petição e direito de certidão) e judiciais (habeas data, habeas corpus, mandando de segurança, mandando de injunção e ação popular).
Neste trabalho, portanto, o direito fundamental do servidor público sujeito a condições especiais de trabalho, é o benefício da Aposentadoria Especial previsto no texto constitucional e, o instrumento de proteção desse direito fundamental, é a garantia fundamental chamada Mandado de Injunção.
Dessa maneira, passo agora a examinar os aspectos constitucionais do remédio constitucional de natureza judicial, capaz de assegurar a efetivação do direito previsto no Artigo 40, § 4º da Constituição Federal de 1988, qual seja, o de obtenção do benefício de aposentadoria especial estatutária.
3.2 ORIGEM, DEFINIÇÃO, OBJETO, LEGITIMAÇÃO, COMPETÊNCIA
Quanto à origem deste remédio constitucional, importantes autores, como é o caso de SILVA, sustentam que a fonte inspiradora do mandado de injunção seria o writ of injuction norte americano. Todavia, como observa tanto BASTOS quanto MEIRELLES, o estudo da injuction do direito americano só leva à conclusão da absoluta singularidade do instituto pátrio.
Segundo eles, se existe alguma semelhança entre o writ oj injuction do direito norte americano e o mandado de injunção brasileiro, esta se limita à denominação e a casos extremamente raros em que aquele foi utilizado para obrigar o legislador a suprir determinada lacuna normativa (BASTOS, MEIRELLES, SILVA, 1998, 2004, 2007).
Este novo remédio constitucional foi instituído somente na Carta de 1988, no intento de assegurar a plena eficácia e aplicabilidade de seus dispositivos, estando previsto no artigo 5º, inciso LXXI, nos seguintes termos:
Art.5º.(...)
LXXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania.
Segundo MAZZEI, o mandado de injunção é colocado à disposição de qualquer pessoa que se sinta prejudicada pela falta de norma regulamentadora, sem a qual resulte inviabilizado o exercício dos direitos, liberdades e garantias constitucionais prescritas no transcrito inciso (MAZZEI, 2006). A preocupação, portanto, de acordo com ALEXANDRINO é conferir efetiva aplicabilidade e eficácia ao texto constitucional, para que este não se torne "letra morta", em razão de omissão do legislador ordinário na sua regulamentação (ALEXANDRINO, 2007).
O atual texto reconhece, dessa maneira, que o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental, configurada esta quando o Estado deixa de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, incidindo na denominada "violação negativa do texto constitucional" e, exatamente neste ponto é que se encaixa o omissão apresentada no presente trabalho.
A expressão mandado tem sua origem no latim mandatun, de mandare, ou seja, ordenar. Significa, portanto, uma ordem a ser cumprida. Juridicamente, segundo SILVA, tem como significado cumprir com as determinações judiciais expedidas por juízo competente a fim de sanar as deficiências do agir ou não agir de responsabilidade estatal, ou seja, visa corrigir danos causados aos indivíduos pela omissão estatal, especificamente na ausência de norma regulamentadora que torne inviáveis exercícios de determinados direitos (SILVA, 2007).
Em relação à legitimidade ativa, o referido remédio pode ser intentado por qualquer pessoa, física ou jurídica, que se veja impossibilitada de exercer um determinado direito constitucional por falta de norma que o regulamente. Segundo ALEXANDRINO, possui legitimidade ativa no processo, portanto, o próprio titular do direito constitucional obstado por inércia do legislador (ALEXANDRINO, 2007).
Cabe mencionar inclusive que, embora não haja previsão expressa na Constituição Federal, há pacífica orientação do STF a respeito do cabimento do mandado de injunção coletivo, admitindo-se a impetração pelas entidades sindicais ou de classe, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição e que estejam inviabilizados pela ausência de regulamentação, nos mesmos termos previstos para o mandado de segurança coletivo.
No pólo passivo, por sua vez, devem figurar os órgãos ou autoridades públicas que têm a obrigação de legislar, mas estejam omissos quanto à elaboração da norma regulamentadora. Nesse ponto, LENZA afirma que se a omissão for legislativa federal, o mandado de injunção deverá ser ajuizado em face do Congresso Nacional, salvo se a iniciativa da lei for privativa, hipótese em que o mandado de injunção deverá ser ajuizado em face do detentor da iniciativa privada (Presidente da República, nas situações do art. 61, § 1º, da Carta Política, por exemplo) (LENZA, 2006).
Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que os particulares não se revestem de legitimidade passiva ad causam para o processo do mandado de injunção, pois somente ao Poder Público é imputável o dever constitucional de produção legislativa para dar efetividade aos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais. Dessa forma, só podem ser sujeitos passivos no mandado de injunção entes públicos, não se admitindo a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre autoridades públicas e pessoas privadas.
Vale dizer inclusive que, segundo MORAES, através desta ação, busca-se solução para um caso concreto, individualmente considerado, diante de um direito subjetivo obstado pela inércia do legislador; a ação pressupõe a existência de um direito cujo exercício esteja sendo efetivamente impedido pela falta da norma regulamentadora (MORAES, 2008).
Quanto à competência para julgamento – a mesma é determinada em razão da pessoa (ratione personae), obrigada a elaborar a norma regulamentadora, e que permanece inerte – além da competência originária do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I "q", CF/88), há fixação de competência para julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I "h" CF/88) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (art. 121, §4º, V, CF/88).
Compete, pois, segundo MEIRELLES, às Cortes de Justiça indicadas na Constituição da República (arts. 102, I, "q", 102, II, "a", e 105, I, "h") e aos tribunais e juízes, federais e estaduais, que as respectivas leis de organização judiciária indicarem, conforme o previsto na mesma Cosntituição da República (arts. 121, § 4º, V, e 125, § 1º)(MEIRELLES, 2004).
3.3 CABIMENTO E DESCABIMENTO
A existência de um direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania ou à cidadania, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, constitui, de acordo com MIRANDA pressuposto do mandado de injunção. Somente tem legitimidade ativa para a ação o titular do direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência da norma infraconstitucional regulamentadora (MIRANDA, 1990).
São, portanto, dois os pressupostos do mandado de injunção:
a) falta de norma regulamentadora de um preceito constitucional;
b) inviabilização do exercício de um direito ou liberdade constitucional, ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrente (a inviabilização) dessa falta da norma regulamentadora.
O direito à legislação, de acordo com o pensamento de SILVA só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Ausente a obrigação jurídico constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via do mandado de injunção (SILVA, 2007).
Percebe-se, dessa maneira, de acordo com MEIRELLES, que não são todas as espécies de omissões do Poder Público que ensejam o ajuizamento de tal ação, mas apenas para aquelas que afetem o exercício de direitos constitucionais fundamentais, sendo pressuposto para tanto a existência de nexo de causalidade entre a omissão do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional (MEIRELLES, 2004).
Outra importante exigência para seu acolhimento, de acordo com a opinião de SILVA é a abusividade da inércia do órgão ou autoridade responsável pela regulamentação de determinado direito constitucional, vale dizer, somente depois de esgotado um prazo para que se possa considerar razoável, sem a edição da norma concretizadora do direito, é que então terá cabimento o mandado de injunção (SILVA, 2007).
De qualquer maneira, no entanto, não basta que apenas exista essa necessária correlação, pois é também inafastável – presente determinado contexto de tempo – que se positive situação de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa.
O retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional qualifica-se, portanto, conforme entendimento do Ministro MELLO, como requisito condicionante do ajuizamento da ação de mandado de injunção, pois, sem que se configure o estado de mora legislativa – caracterizado pela superação excessiva de prazo razoável -, não há como reconhecer-se ocorrente o próprio interesse de agir em sede injuncional (MELLO, MI 715/DF, 2007).
Ainda segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não caberá mandado de injunção:
a)se já existe norma regulamentadora do direito previsto na Constituição, ainda que defeituosa (mandado de injunção é remédio para reparar a falta de norma regulamentadora de direito previsto na Constituição; se já existe, a norma regulamentadora, ainda que flagrantemente inconstitucional, não será mais cabível mandado de injunção; nesse caso, a validade da norma poderá ser discutida em outras ações, mas não mais na via do mandado de injunção;
b)diante da falta de norma regulamentadora de direito previsto em normas infraconstitucionais (mandado de injunção é remédio para reparar falta de norma regulamentadora de direito previsto na Constituição Federal, e não para os casos de falta de norma regulamentadora que esteja obstando o exercício do direito previsto em normas infraconstitucionais, tais como as leis – sejam ordinárias ou complementares -, tratados internacionais ou decretos publicados no exercício do poder regulamentar do Chefe do Executivo);
c)diante da falta de regulamentação dos efeitos da medida provisória não convertida em lei pelo Congresso nacional (pelo mesmo motivo explicado no item anterior);
d)se a Constituição Federal outorga mera faculdade ao legislador para regulamentar direito previsto em algum de seus dispositivos (se a Constituição Federal simplesmente faculta ao legislador a outorga de um direito, sem ordená-lo, entende o STF que compete ao legislador, discricionariamente, decidir se e quando estabelecerá a regulamentação facultada).
Como exemplo, cabe mencionar novamente o caso exposto na introdução, da servidora da Rede Hospitalar Sarah Kubitschek que ingressou com Mandado de Injunção (nº 721/7) em desfavor do Presidente da República, para que o Supremo Tribunal Federal preenchesse a lacuna existente no art. 40, § 4º da Constituição, ou seja, caso em que uma pessoa física (legitimidade ativa, servidora), detentora de um direito constitucional já existente (1º pressuposto, Aposentadoria Especial), cujo exercício está inviabilizado pela ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, pois que decorridos mais de 20 anos da promulgação da Constituição vigente (2º pressuposto), impetrou um remédio constitucional, como garantia para fazer valer o seu direito (Mandado de Injunção), contra a autoridade pública que tem a obrigação de editar a lei complementar faltante (legitimidade passiva, Presidente da República), perante o órgão que tem como competência originária a apreciação de tal ação (Supremo Tribunal Federal), buscando deste a solução para o seu caso concreto.
No entanto, quanto a este último ponto – de buscar a solução para um caso concreto, individualmente considerado, o referido instituto tem dividido tanto a doutrina quanto a jurisprudência ao longo de sua criação (1988), exatamente no que tange à eficácia da decisão que declara a omissão de norma regulamentadora, movimentando o Supremo Tribunal Federal, em suas posições jurisprudenciais, tal como veremos na próxima seção.