4. EFICÁCIA DA AÇÃO DE MANDADO DE INJUNÇÃO
Um dos temas polêmicos do Constitucionalismo brasileiro, após a promulgação da vigente Carta Política, diz respeito à eficácia da decisão proferida em ação de mandado de injunção, razão pela qual muitos servidores, detentores do referido direito constitucional fundamental inserido no §4º da art. 40 da CF/88, tiveram suas ações de mandado de injunção "frustradas" em decorrência do seu julgamento "ineficaz".
De acordo com o entendimento de MORAES, com a promulgação da Constituição Federal, formaram-se duas grandes teses jurídicas acerca dos efeitos da decisão do Poder Judiciário que acolha o pedido em sede de mandado de injunção: a posição não concretista e a posição concretista. Esta última se divide ainda, em concretista geral e, individual intermediária e direta (MORAES, 2008).
4.1 POSIÇÃO NÃO CONCRETISTA
De acordo com a doutrina, essa posição sustenta que a decisão proferida nos autos de uma ação de Mandado de Injunção apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente sua inércia e, consequentemente, dando ciência da sua decisão ao órgão competente para que este edite a norma faltante. Baseada no princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/88), segundo MEIRELLES, essa corrente entende que não poderá a Justiça legislar pelo Congresso Nacional, isto é, não deverá o Poder Judiciário suprir a lacuna, nem assegurar ao impetrante o exercício do direito carente de norma regulamentadora, tampouco obrigar o Poder Legislativo a legislar. O Poder Judiciário apenas reconhecerá formalmente a inconstitucionalidade da omissão e dará ciência da sua decisão ao órgão omisso, para que este edite a norma faltante (MEIRELLES, 2004).
Inicialmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação ao mandado de injunção impetrado por servidor, com o intuito de ver suprida a lacuna atinente ao benefício de aposentadoria especial estatutária, foi no sentido de considerá-lo apenas uma declaração pelo Poder Judiciário, da ocorrência dessa omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo inadimplente para que promovesse a integração normativa do dispositivo constitucional nela objetivado.
Sustentavam os Ministros que os efeitos dessa sentença de procedência deviam ser os mesmos da ação direita de inconstitucionalidade por omissão, conforme previsto no §2º do artigo 103 da CF/88. Afinal, segundo BONAVIDES, a supressão da omissão diretamente realizada pelo Judiciário seria contrária ao princípio da separação dos poderes, na medida em que o alcance do mandado de injunção é análago ao da inconstitucionalidade por omissão. Sua concessão, portanto, apenas leva o Judiciário a dar ciência ao Poder competente da falta da norma sem a qual é inviável o exercício de direito fundamental. (BONAVIDES, 1996).
Não importa, dessa maneira, também de acordo com o entendimento de BASTOS, no estabelecimento pelo próprio órgão jurisdicional da norma regulamentadora necessária à viabilização do direito. Aliás, tal alcance está fora da sistemática constitucional brasileira, que consagra a separação dos poderes, inclusive pela referência contida no art. 2º, incluída entre os princípios fundamentais da República (BASTOS, 1998).
Essa posição, tida como dominante entre os Ministros no Supremo Tribunal Federal, na prática, conferia pouca, ou quase nada, efetividade ao mandado de injunção, praticamente igualando sua eficácia àquela prevista para a ação direita de inconstitucionalidade por omissão: O STF apenas reconhecia a existência da omissão inconstitucional e dela dava ciência ao órgão competente, requerendo a edição da norma para o aludido benefício de aposentadoria especial estatutária.
Tal posição é simples de ser reconhecida no voto do Ministro Moreira Alves, nos autos do Mandado de Injunção nº 107/DF que, ao analisar a questão de auto aplicabilidade ou não do mandado de injunção, afirmou que esta é ação que visa obter do Poder judiciário a declaração de inconstitucionalidade da referida omissão apresentada pelo impetrante, se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que acontece com a ação direita de inconstitucionalidade por omissão, com a determinação, inclusive e, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos enquanto tal norma não for editada (ALVES, 1989).
Portanto, frise-se, segundo o entendimento dos Ministros do Supremo, até meados de 2007, a orientação dominante era de que a decisão em mandado de injunção possuía eficácia declaratória (reconhecendo a inconstitucionalidade da omissão) e eficácia mandamental (no sentido apenas de comunicar a mora na elaboração da norma regulamentadora ao órgão competente omisso, para que ele adote as providências cabíveis), não cabendo ao Poder Judiciário elaborar a regra faltante e aplicá-la ao caso concreto.
Dessa maneira, os servidores que impetravam tão ação, não só não tinham sua aposentadoria especial implantada, como também tinham a certeza de que a providência tomada seria inócua, não alcançando a sua finalidade constitucional. A situação dos mesmos permaneciam, portanto, inalteradas, ou seja, eles permaneciam laborando até completar o tempo de contribuição de 35 anos, sem benesse alguma por conta da atividade especial por eles desempenhada.
Outro voto interessante e bem preciso quanto a essa posição até pouco tempo adotada, é o de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, no Mandado de Injunção nº 168-5, no qual afirma o referido Ministro que tal ação nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando a norma faltante, nem tampouco permite que seja ordenado um ato concreto para satisfação do direito pleiteado pelo impetrante. Afirmando, ainda, que a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário é tão somente a de declarar a inconstitucionalidade da omissão normativa apresentada e, consequentemente, de dar ciência ao órgão competente para que a supra (PERTENCE, 1990).
É oportuno registrar, ainda, que esta jurisprudência, embora muito discutida, firmou-se com pequena maioria, havendo vários acórdãos dando pela procedência do mandado de injunção impetrado por servidores estatutários, exclusivamente para que o Poder Legislativo omisso fosse cientificado do julgado e conclamado a suprir a lacuna.
Mais para frente, afirma MEIRELLES, houve uma evolução na jurisprudência da Suprema Corte, que passou a conceder esses mandados de injunção não apenas com o fim de reconhecer a existência da omissão, mas ainda assinando um prazo a fim de que se ultimasse o processo legislativo faltante, sob pena de, vencido o prazo sem legiferação, passarem os requerentes a gozar do benefício de aposentadoria especial requerido (MEIRELLES, 2004).
Significa dizer, no entendimento de ALEXANDRINO, que se o sujeito passivo do direito constitucional obstado fosse a entidade estatal à qual igualmente se devia imputar a mora legislativa que impede o seu exercício, era dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fosse fixado, de modo a facultar-lhe,quando possível, a satisfação provisória do seu direito (ALEXANDRINO, 2007).
Ocorre, porém, que diante dos diversos entendimentos e, consequentemente, das inúmeras ações frustradas, acabou por surgir uma nova posição que, segundo eles, mais justa e concretizadora do direito fundamental constitucional pleiteado.
4.2 POSIÇÃO CONCRETISTA
Pela posição concretista, sempre que presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário deveria reconhecer a existência da omissão legislativa ou administrativa e possibilitar efetivamente a concretização do exercício do direito, até que fosse editada a regulamentação pelo órgão competente.
Essa posição concretista divide-se, basicamente, em duas espécies: a posição concretista geral e a posição concretista individual.
Pois bem. Pela posição concretista geral, entendem os doutrinadores que a decisão do Poder Judiciário deveria ter efeito geral, possibilitando, mediante um provimento judicial revestido de normatividade, a concretização do exercício do direito, alcançando todos os titulares daquele direito, isto é, todas as situações idênticas, até que fosse expedida a norma regulamentadora pelo órgão competente, ou seja, através de normatividade geral, o STF legisla no caso concreto, produzindo a decisão efeitos erga-omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo.
O argumento principal de tal posição baseia-se, na possibilidade de violação do princípio da isonomia na medida em que necessitaria um julgado para cada caso e a multiplicidade de julgados poderia, diante das situações, trazer prejuízo à celeridade processual.
Essa posição tem sido adotada pelo Supremo Tribunal Federal nos casos específicos de Sindicatos de uma determinada categoria, tal como o que ocorreu no voto proferido pelo Ministro Eros Grau, como relator no MI 712/PA – ação esta em que o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Pará pleiteou a regulamentação do direito à greve.
Argumentou GRAU, que diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir a omissão dessa ordem, na medida em que o Poder Judiciário não se presta, quando se tratar da apreciação deste tipo de remédio constitucional, a emitir decisões desnutridas de eficácia. Afirmou, ainda, que em sendo a greve a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida, sua auto aplicabilidade é tido como inquestionável, pois que se trata de direito fundamental de caráter instrumental. O argumento de que a Corte estaria então a legislar por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] é insubsistente, estando, portanto, o Poder Judiciário vinculado ao dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico.
Neste tipo de ação, o Poder Judiciário não define a norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que falta para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. E, segundo ele, nada obsta a que, em relação à possibilidade de outras impetrações no futuro, versando situações semelhantes, análogas, a elas seja estendida, por despacho monocrático do relator, a mesma regulação já firmada neste Mandado de Injunção, pois que constituídos pelos mesmos elementos objetivos. Para tanto, sustenta que o Tribunal, nesse caso, exerce função apenas normativa e não legislativa, uma vez que a atividade normativa é dominada pelo princípio da isonomia, a qual exclui a possibilidade de serem criarem tantas normas regulamentadoras diferentes quantos sejam os casos concretos submetidos ao mesmo preceito constitucional. Tal assertiva, segundo Grau, estaria assentada no artigo 21 do Regimento Interno do Supremo (GRAU, 2007)..
O referido mandado foi conhecido pela Corte do STF, por maioria, sendo proposta a solução para a omissão legislativa apresentada, através da aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Vale ressaltar, contudo, que os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, limitaram a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleceram condições específicas para o exercício das paralisações, não havendo, segundo eles, eficácia erga omnes nesse caso (GRAUS, 2007).
Já pela posição concretista individual, a decisão do Poder judiciário deveria produzir efeitos somente para o autor do mandado de injunção, isto é, a decisão deveria possibilitar a concretização do exercício do direito constitucional apenas para o autor da ação, o que de fato pleiteiam os servidores estatutários que buscam o Judiciário com o intuito de verem seu benefício de aposentadoria especial implantado.
Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar procedente o mandado de injunção, concretiza direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor da ação, ou seja, a decisão, implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente.
Sendo assim, segundo BASTOS, o mandado de injunção confere ao magistrado a possibilidade de em cada caso escolher um tipo de solução que melhor possa atender aos legítimos interesses do impetrante, sem a necessidade de transmudar-se o julgador em legislador. A solução há, pois, de ser adaptada ao caso concreto e é sempre muito variável porque também variável é o tipo exato de integração que se requer ao pleitear o benefício de aposentadoria especial (BASTOS, 2007). Esta, inclusive, é a jurisprudência dominante nos últimos dois anos no Supremo Tribunal Federal.
No julgamento do Mandado de Injunção nº 721-7/DF, ocorrido em agosto de 2007 – no qual pleiteiou a autora que seja suprida a lacuna normativa, asseverando o direito à aposentadoria especial, em virtude do trabalho, por mais de 25 anos, em atividade considerada insalubre. Requereu, sucessivamente, a observância do regime geral da previdência social – o Ministro Relator Marco Aurélio de Mello afirmou que a natureza do mandado de injunção é mandamental e não simplesmente declaratória de omissão, no sentido da inércia legislativa, tendo em vista que a carga de declaração não é objeto da impetração, mas sim, premissa da ordem a ser formalizada. Aduz, inclusive, que revela-se próprio ao processo subjetivo e não ao objetivo, descabendo, dessa maneira, confundi-lo com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujo rol de legitimados é estrito, conforme previsão na própria Carta da República. Aliás, segundo ele, o inciso LXXI do artigo 5º da CF/88 deve ser conjugado com o § 1º deste mesmo artigo, a dispor que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais constantes da Constituição têm aplicação imediata.
Ainda de acordo com a opinião do Ministro Mello, não há que se confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com a atividade do Poder Legislativo, pois que, ao agir, o Judiciário não lança preceito abstrato na ordem jurídica. O que na verdade acontece, em termos de prestação jurisdicional, é a própria viabilização do exercício do direito no caso concreto, fazendo tal pronunciamento judicial, lei entre as partes apenas, como qualquer outro pronunciamento em processo subjetivo, ficando até mesmo sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora pelo Poder Legislativo.
O referido ministro decidiu, portanto, ante o fator tempo na mora e a situação concreta da impetrante, por adotar o sistema revelado pelo regime geral da Previdência Social, determinando que fosse aplicada, ao caso concreto, a norma constante no art. 57 da Lei 8.213/91, pois que a impetrante contava com 25 anos de serviços prestados, atendendo à dilação maior prevista nesta lei. (MELLO, 2007).
Nessa ação, tida como marco na mudança de pensamento da maioria dos Ministros da Alta Corte, iniciou-se e concretizou-se a posição quanto ao alcance do mandado de injunção, deixando de lado o excesso de zelo, sob o frágil e inútil argumento da separação e harmonia entre os Poderes. Foi exatamente nesse momento, que deu-se ênfase na frustração gerada pela postura inicial do STF, na medida em que transformavam o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessava, em si, no tocante à prestação jurisdicional, aos impetrantes.
A impetração do mandado de injunção não tem como intenção a obtenção de simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se, ao invés, o judiciário, na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador.