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Empresa individual de responsabilidade limitada

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03/08/2011 às 11:10

Resumo:


  • A Lei n. 12.441/2011 instituiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), permitindo que uma pessoa natural crie uma pessoa jurídica para explorar atividade empresarial sem a necessidade de sócios e com a proteção de limitação da responsabilidade pessoal.

  • A EIRELI pode ser constituída tanto por pessoa natural, com a exigência de um capital social mínimo de 100 salários mínimos, quanto por pessoa jurídica, funcionando como subsidiária integral.

  • Críticas ao regime da EIRELI incluem a confusão terminológica entre sujeito e atividade, a inadequação da exigência do capital social mínimo e a permissão legal inócua para constituição de EIRELI com o objetivo de explorar direitos autorais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO

Finalmente, após diversas tentativas frustradas de se introduzir no ordenamento jurídico brasileiro alguma hipótese de limitação da responsabilidade pessoal do empresário individual, a Lei n. 12.441/2011 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), que circulou em 12/07/2011, e regula a empresa individual de responsabilidade limitada ou, resumidamente, “EIRELI”.

Esse novo instituto jurídico autoriza determinada pessoa natural a constituir pessoa jurídica para a exploração de empresa, sem a necessidade de se juntar a algum sócio, sendo uma opção razoável e há muito tempo aguardada pelos empresarialistas. Afinal de contas, antes da Lei n. 12.441/2011 o empresário individual não tinha escolha: se quisesse explorar determinada empresa, sem a colaboração de sócios, estaria arriscando todo o seu patrimônio pessoal e penhorável.

Apesar de ainda haver divergências interpretativas, pode-se dizer que a Lei n. 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI, qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas.

O presente artigo tem a singela pretensão de analisar, criticamente, alguns aspectos do regime jurídico da EIRELI, inaugurado com a recente vigência da Lei n. 12.441/2011, em janeiro de 2012.


1. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E UNIPESSOALIDADE NO EXERCÍCIO DA EMPRESA

Prudentemente, a expressão “empresário individual”, em que pese a sua redundância, costuma ser utilizada, “até porque a legislação, em algumas passagens, ao falar de empresário, abarca o empresário individual e a sociedade empresária”.[1]

Assim, a princípio, a utilização da expressão “empresário individual” para identificar a pessoa natural que exerce empresa visa que tal empresário não seja confundido com a pessoa jurídica que explora a empresa por intermédio de uma sociedade empresária, mas agora também servirá para não confundi-lo com a EIRELI.

O empresário individual (art. 966 e ss. do Código Civil) pode ser definido como a pessoa natural que, isoladamente, sem personalidade jurídica, não pode afetar ou destacar parte do seu patrimônio para arriscá-lo no dia-a-dia empresarial e, assim, coloca em risco todo o seu patrimônio penhorável.

Porém, a sistemática do empresário individual não é a única possibilidade legal de se exercer e dirigir determinada empresa de forma unipessoal, isto é, sem a colaboração de sócios. Com efeito, pois a unipessoalidade tem acepção mais ampla, abarcando todas as possibilidades legais de que uma pessoa, natural ou jurídica, explore empresa, individualmente, na condição de pessoa natural mesmo, ou mediante uma pessoa jurídica que não seja formada por dois ou mais sócios.

Essa última situação – pessoa jurídica empresarial que não seja formada por dois ou mais sócios – é rotineiramente nominada de “sociedade unipessoal”. Porém, essa expressão é criticável, haja vista que não há que se falar em sociedade sem sócios ou de um único sócio. Apesar dessa crítica, é preciso ressaltar que no cenário internacional, vários ordenamentos jurídicos optaram por regulamentar a possibilidade de uma pessoa, isoladamente, constituir uma “sociedade unipessoal” para o exercício da empresa.[2]

Já no cenário brasileiro, a única hipótese em que se pode admitir a utilização da expressão “sociedade unipessoal” é quando determinada sociedade que já opere venha a, posteriormente, quedar-se com apenas um único sócio. Somente nesse caso, em razão de a unipessoalidade ser superveniente e temporária, admitida em prol da preservação da empresa (art. 1.033, inc. IV, do Código Civil ou art. 206 da Lei 6.404/76 ou Lei das S/A’s), é que se poderia cogitar de chamá-la de “sociedade unipessoal”.

Fora dessa situação, antes da vigência da Lei n. 12.441/2011, a legislação brasileira ainda admitia a criação de “pessoa jurídica unipessoal” mediante a instituição da subsidiária integral de determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e da empresa pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67).

Com a vigência da Lei n. 12.441/2011 surge uma nova modalidade de “pessoa jurídica unipessoal”: a EIRELI, regulamentada basicamente pelo novo art. 980-A do Código Civil e objeto central de estudo no presente artigo.


2. RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

A sistemática jurídica do empresário individual não o possibilita limitar sua responsabilidade. “É a própria pessoa física que será o titular da atividade. Ainda que seja atribuído um CNPJ próprio, distinto do seu CPF, não há distinção entre a pessoa física em si e o empresário individual”.[3] Em outras palavras, apesar de o empresário individual ter registro no CNPJ, não pode afetar ou separar parte do seu patrimônio para responder pelas dívidas contraídas durante o exercício da empresa.[4]

Esse regime jurídico do empresário individual sempre foi alvo de duras críticas por parte da doutrina, já que acabava incentivando a formação de sociedades entre sócios que, na prática, não nutriam affectio societais (laço psicológico de reciprocidade na união em prol de finalidade econômica) – tudo isso visando buscar a limitação da responsabilidade patrimonial.

Por óbvio, as sociedades de que se trata aqui devem ser do tipo que admita a limitação da responsabilidade dos sócios, como no caso das sociedades limitadas e das sociedades anônimas – as mais utilizadas na atualidade, conforme doutrina Paula A. Forgioni:

Em outros tempos, os comerciantes ou industriais valiam-se de diversos tipos societários para acomodação de seus interesses. Hoje, a realidade demonstra que as opções resumem-se a praticamente duas: sociedades anônimas e sociedades limitadas.

Esses tipos societários viabilizam a limitação da responsabilidade do sócio, possibilitando o cálculo do risco assumido por conta do investimento. O agente econômico destaca de seu patrimônio parcela destinada a garantir as obrigações contraídas em razão de atividade empresarial. Ao subtrair os bens particulares do sócio do alcance dos credores da sociedade, estimula-se a inversão.[5]

Outra crítica que se faz é o estímulo ao nascimento de “sociedades de fachada”, nas quais um dos sócios detém 99,9% dos votos (ou outro percentual expressivo, próximo a este), enquanto o outro sócio detém a parcela ínfima restante, servindo como mero “sócio de fachada”, “sócio laranja” ou “sócio testa-de-ferro”. Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos, “trata-se, na verdade, de uma sociedade unipessoal disfarçada, de um drible no atraso de nossa legislação societária”.[6]

Sobre essa situação, Gladston Mamede afirma que “há muito o Direito e a realidade social e mercantil brasileira convivem com a hipocrisia das sociedades contratuais que, sendo de direito, não o são de fato”,[7] além de ressaltar que:

[...] é preciso reconhecer haver um número expressivo das sociedades limitadas, no Brasil, que não constituem sociedades de fato, mas apenas de direito. Nelas não se afere, efetivamente, um encontro de investimentos e esforços de seus sócios; pelo contrário, tem-se um sócio majoritário, que é aquele que efetivamente investiu na constituição da pessoa jurídica e da empresa e que dela se ocupa, e um sócio minoritário (esposa, irmão, filho, primo etc.) que nada investiu de fato, que sequer se interessa pelo que se passa com a sociedade. Está ali apenas para garantir a pluralidade de pessoas que, salvo exceções específicas, é necessária para que se tenha uma sociedade (pessoa jurídica). E apenas por meio de uma sociedade o empreendedor pode se beneficiar de um limite de responsabilidade entre a atividade empresarial e o patrimônio pessoal dele.[8]

Por outro lado, há quem não veja problema em tais “sociedades de fachada”, chamando-as até de “sociedades etiquetas”, pregando ainda ser desnecessária limitação da responsabilidade do empresário individual, como o faz Waldírio Bulgarelli:

Temos para nós contudo, em tema de limitação da responsabilidade do empresário individual, que o sistema atual tem sido suficiente, através da constituição de sociedades “etiquetas” de responsabilidade limitada. Entendido esse contrato societário em relação à causa, como daqueles denominados por Tulio Ascarelli de negócio jurídico indireto em que não há intenção de fraudar nem mesmo simulação, não vemos razão maior para as constantes investidas contra essa situação, que não prejudica os credores, já que a sociedade, dessa maneira constituída, ostenta a sua condição de responsabilidade limitada dos sócios, portanto, não os enganando. E em caso de fraude intencional ou não, sempre haverá o recurso à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica [...] ou a penhora das cotas para atender aos credores particulares.[9]

Porém, as críticas às “sociedades de fachada” são merecidas, mormente porque o inciso XX do art. 5º da Constituição Federal garante, como direito fundamental, que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, ao passo que a legislação infraconstitucional, contraditoriamente, em razão de conveniência prática, acaba compelindo os empresários individuais a formarem sociedades de algum tipo que limite as suas responsabilidades – situação corriqueira na realidade brasileira, pelo menos antes da vigência da Lei n. 12.441/2011.

Sobre a histórica injustiça feita com o empresário individual no Direito brasileiro, Romano Cristiano ainda apresenta a seguinte reflexão fundada no princípio da isonomia:

[...] O absurdo da situação me obriga a perguntar: “Os agentes empresariais associados possuem porventura alguma qualidade, algum mérito ou algum direito que o empresário individual não possua?” Uma vez que a pergunta é apenas retórica, não me parece ser possível resposta que não indique negação absoluta; o que me obriga a perguntar de novo: “Por que então, os primeiros costumam ser premiados, ao passo que o segundo castigado com insistência? Porventura os seres humanos não estão lutando, com unhas e dentes, para que, em seus relacionamentos, em sua vida social, existam igualdade e justiça cada vez maiores?”.[10]

Desde a vigência do atual Código Civil de 2002, alguns dispositivos que tratam do empresário individual já vinham admitindo a afetação patrimonial pelo exercício da empresa. É o que se percebe da possibilidade de alienação dos imóveis ligados ao exercício da empresa, sem a necessidade de outorga conjugal (art. 978) ou da blindagem dos bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ou não relacionados ao exercício da empresa (§ 2º do art. 974).

No caso do art. 978 do Código Civil, não há limitação da responsabilidade do empresário individual, apesar de haver certa afetação patrimonial para facilitar as negociações empresariais, ainda que em detrimento da preservação da meação do cônjuge do empresário individual, haja vista ser dispensável a sua autorização para alienação de imóveis relacionados ao exercício da empresa.

Já na hipótese do § 2º do art. 974 do Código Civil, há limitação da responsabilidade do empresário individual que, por ser incapaz, obteve autorização judicial para continuar exercendo determinada empresa. Nesse caso excepcional, visando proteger o patrimônio do incapaz, o juiz autoriza que a empresa continue a operar, mas restringe a possibilidade de que dívidas contraídas no seu exercício sejam pagas utilizando bens de propriedade do incapaz que sejam estranhos ao acervo empresarial.

Contudo, só no caso do § 2º do art. 974 do Código Civil é que, além da afetação patrimonial, há limitação da responsabilidade do empresário individual. Porém, por se tratar de situação excepcional, pouco vista na prática, dependente de burocrática autorização judicial, é possível afirmar que não foi capaz de corrigir a histórica exposição patrimonial do empresário individual.

Com a vigência da Lei n. 12.441/2011, a expectativa é que uma grande quantidade de empresários individuais opte por se transformar em EIRELI visando limitar as suas responsabilidades. Ademais, a tendência também é que deixem de ser registrados novos empresários individuais nas Juntas Comerciais.


3. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

3.1 NATUREZA JURÍDICA

A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que muitos ainda defendem[11], mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa.[12] Tanto que a Lei n. 12.441/2011 incluiu “as empresas individuais de responsabilidade limitada” no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inc. VI).

Ademais, a Lei n. 12.441/2011, ao inserir no Código Civil o art. 980-A, teve o cuidado de, topograficamente, também criar um novo título (Título I-A: “Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”), situado entre os Títulos I e II, que tratam, respectivamente, do empresário individual e das sociedades empresárias.

Outrossim, também não se afigura razoável atribuir à EIRELI a natureza jurídica de “sociedade unipessoal”, pois só há que se falar em sociedade se houver mais de um sócio. A criação de uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado não impõe que seja classificada como “sociedade unipessoal”.

É preciso não confundir os conceitos de pessoa jurídica e sociedade, pois nem toda sociedade tem personalidade jurídica, tanto que o próprio Código Civil regulamentou aspectos da sociedade em comum (art. 986 e ss.) e da sociedade em conta de participação (art. 991 e ss.) que são espécies de sociedades não personificadas. Outrossim, também é preciso ressaltar que nem toda pessoa jurídica que explora empresa é classificada como sociedade empresária – e a EIRELI é o exemplo de tal assertiva.

A EIRELI é simplesmente uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado reconhecida pela legislação brasileira. E não há nenhum impedimento legal para a atribuição de personalidade jurídica que não seja relacionada a uma coletividade de pessoas. Além da EIRELI, Gladston Mamede lembra que a fundação também é um exemplo de pessoa jurídica que não é criada por uma coletividade de pessoas, mas sim composta por uma coletividade de bens destinados a determinado fim, in verbis:

A afirmação de que a pessoa jurídica corresponde a uma coletividade, embora corriqueira, deve ser vista com certa reserva. No caso de bens, não se exige, efetivamente, uma coletividade: uma fundação pode ser constituída a partir de um único bem, desde que seja suficiente para atingir os fins a que se destina, como fica claro dos artigos 62 a 64 do Código Civil. Em fato, a propriedade sobre uma única fazenda pode ser destinada à constituição de uma fundação.[13]

Portanto, sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que nem toda pessoa jurídica de direito privado é criada por uma coletividade de pessoas. O Direito brasileiro atribui personalidade jurídica a outras situações, mas ressalta ser indispensável o registro para a existência legal de qualquer pessoa jurídica, nos termos do art. 45 do Código Civil. Assim, conclui-se que sem o competente registro não há que se falar em pessoa jurídica de direito privado. E, ademais, a EIRELI é uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado que não se confunde com as sociedades que têm personalidade jurídica.[14]

3.2 CRÍTICA À NOMENCLATURA

O Legislador andou mal ao nominar de EIRELI ou “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada” a nova espécie de pessoa jurídica de direito privado criada pela Lei 12.441/2011. É que essa nomenclatura confunde o sujeito (empresário) com a atividade exercida (empresa).

Seguindo as lições de Waldírio Bulgarelli, expostas na clássica obra “Teoria Jurídica da Empresa”, publicada em 1985, e que continuam atuais, a acepção funcional da empresa é aquela que melhor se relaciona com as demais categorias jurídicas que envolvem e integram o fenômeno denominado empresarialidade.

Em sua acepção funcional, a empresa é considerada como uma especial atividade (econômica, organizada, profissional e destinada à produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado), não se confundindo com o sujeito que a exerce (o empresário), nem com os bens organizados para instrumentalizar o seu exercício (o estabelecimento). Essa foi a idéia adotada pelo atual Código Civil brasileiro (Lei n. 10.406/2002), facilmente detectada pela análise conjunta dos arts. 966 e 1.142.

Empresa (atividade), empresário (sujeito de direito) e estabelecimento (conjunto de bens organizados) têm conceitos e funções jurídicas específicas e não devem ser confundidos entre si, sob pena de haver prejuízo para a segurança jurídico-metodológica.

É bem verdade que, no ordenamento jurídico brasileiro, inúmeros são os casos de menção à empresa que a confundem com o empresário ou com o estabelecimento. Aliás, o art. 931 do próprio Código Civil equivocou-se e caiu em contradição ao fazer menção à empresa. Porém, pelo menos esse dispositivo situa-se fora do Livro II da Parte Especial do Código Civil, responsável pelo trato do Direito de Empresa. Por outro lado, o novo art. 980-A, incluído pela Lei n. 12.441/2011, foi inserido justamente no bojo do referido Livro II que trata do Direito de Empresa – situação que agrava, sem dúvida, o seu equívoco.

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Portanto, seria coerente que o Legislador tivesse optado pela expressão “empresário individual de responsabilidade limitada” ou até mesmo por “empreendedor individual de responsabilidade limitada”. Aliás, essa última expressão foi a utilizada na Subseção II, onde se localizaria o art. 69 da Lei Complementar n. 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), caso não tivesse sido vetado pela Presidência da República.

3.3 SEPARAÇÃO OU AFETAÇÃO PATRIMONIAL E RESPONSABILIDADE

Sem dúvida alguma, a limitação da responsabilidade é a grande vantagem em se constituir uma pessoa jurídica de direito privado da espécie EIRELI. Essa limitação da responsabilidade é possibilitada pela separação ou afetação do patrimônio relacionado à referida pessoa jurídica, que com a criação desta não mais será confundido com o patrimônio próprio da pessoa criadora. A criação da pessoa jurídica, automaticamente, promove a separação dos patrimônios.

Ao contrário do vetado art. 69 da Lei Complementar n. 123/2006, que tentou instituir a figura do “empreendedor individual de responsabilidade limitada”, mas sem lhe atribuir personalidade jurídica, o art. 980-A do Código Civil é louvável porque torna mais fácil a identificação de qual o patrimônio afetado à empresa, já que deverá estar vinculado a pessoa jurídica distinta e autônoma.

Por outro lado, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.572/2011, que visa instituir um novo Código Comercial brasileiro.[15] Nesse Projeto de Lei, há previsão de limitação da responsabilidade do empresário individual mediante a possibilidade de exercício da atividade em “regime fiduciário”, com instituição de patrimônio separado para esse fim empresarial, mas não lhe atribuindo personalidade jurídica.[16]

Essa proposta de exercício da empresa em regime fiduciário vai de encontro à diretriz da EIRELI que atribui personalidade jurídica ao patrimônio separado, razão pela qual merece ser obstada, pois parece afoito alterar o regime da EIRELI que sequer pôde ter sua eficiência testada na prática.

Destaque-se que a Lei n. 12.441/2011 teve um único dispositivo vetado pela Presidência da República, qual seja, o § 4º que faria parte do art. 980-A do Código Civil, com a seguinte redação:

§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

O veto se deu em razão da provável confusão interpretativa que daria ensejo à impossibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando verificados seus pressupostos. Ademais, as razões do veto esclarecem que, teleologicamente, deve ser conferido à EIRELI o mesmo tratamento dispensado às sociedades limitadas, in verbis:

Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão “em qualquer situação”, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil.

Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.[17]

Logo, verificados os pressupostos do art. 50 do Código Civil ou de outros permissivos legais, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada à EIRELI e, eventualmente, responsabilizar e atingir o patrimônio pessoal de seu administrador ou criador, dependendo do caso concreto, até mesmo porque “aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas” (§ 6º do art. 980-A do Código Civil).[18]

3.4 RESTRIÇÃO AO “CAPITAL SOCIAL”

Nem toda pessoa poderá constituir uma EIRELI, haja vista que o caput do art. 980-A do Código Civil exige que, no ato de constituição, no mínimo, seja afetado um patrimônio não inferior a 100 (cem) salários mínimos, in verbis:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

[...]

É interessante notar o atraso do dispositivo, pois, atualmente, não há maior ou menor salário-mínimo vigente no Brasil, já que existe um único salário-mínimo nacional (art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal).

Outrossim, a menção ao “capital social” foi infeliz, haja vista que não há coletividade de pessoas ou sociedade in casu, mas apenas a atribuição de personalidade jurídica a parte do patrimônio de uma única pessoa, o qual é afetado ao exercício da empresa. Melhor seria que o Legislador tivesse optado por “capital separado”, “capital afetado”, “capital integralizado”, “capital inicial” ou algo semelhante.[19]

Com a fixação de um piso para o capital inicial, o dispositivo parece ter visado evitar que pequenos negócios gozassem da possibilidade de limitação de responsabilidade. O raciocínio é que somente fazem jus à limitação da responsabilidade aqueles empreendimentos que demandem capital inicial superior a 100 (cem) salários mínimos.

Ademais, a fixação do capital inicial mínimo também visou dificultar que a EIRELI fosse utilizada para fraudar a legislação trabalhista, tal como vem sendo utilizado o regime jurídico do microempreendedor individual (MEI), previsto no art. 68 da Lei Complementar n. 123/2006. É que, na prática, muitos empregadores, buscando diminuir custos com mão-de-obra, têm demitido seus empregados e, logo, em seguida, os têm recontratado, fraudulentamente, na condição de microempreededores individuais. Com a fixação do piso inicial de 100 (cem) salários mínimos, espera-se que a EIRELI seja desestimulada a servir de ferramenta para fraudes trabalhistas desse mesmo naipe.[20]

Porém, a fixação desse capital inicial mínimo merece algumas críticas. Em primeiro lugar, porque somente seria justificável caso também o fosse exigido na constituição de sociedade empresária, sob algum tipo que limitasse a responsabilidade dos sócios.

Aliás, a quebra da isonomia é único fundamento coerente da ADI n. 4637, proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, visando seja declarada a inconstitucionalidade da exigência de capital inicial mínimo para a constituição da EIRELI.[21]

Em segundo lugar, afigura-se incongruente o estabelecimento somente do capital inicial mínimo, tendo em conta que eventual subcapitalização material superveniente à criação da EIRELI não tem o condão de provocar a sua desconsideração ou extinção. Sabe-se o capital declarado é sempre nominal, porque relativamente estável e congelado no tempo. Já o patrimônio é volátil no tempo e serve para a elaboração do balanço real da empresa, conforme ensina Ivens Henrique Hübert:

O patrimônio, é preciso reconhecer, traduz-se também em cifra, mas apenas para efeito de inevitável elaboração de balanço. A cifra que ele representa não é mais que uma fotografia de um dado momento, já modificado no momento seguinte. O capital social, ao contrário, permanece o mesmo por períodos muito mais extensos, como que se corporificando na própria cifra.[22]

Ademais, interessante notar que o patrimônio real somente se confunde com o capital inicial no dia da criação do ente empresarial. Nesse sentido, em que pese o foco nas sociedades, mas cujas lições se aplicam mutatis mutandis aqui, Alfredo de Assis Gonçalves Neto doutrina:

A sociedade utiliza seu patrimônio para a realização de seus fins. Ao fazê-lo, esse patrimônio oscila de valor e se modifica a todo momento: cresce e definha de conformidade com as injunções do mercado ou com a expansão ou o encolhimento das atividades sociais. Contrastando com ele, o capital social é um valor permanente, uma cifra fixa que permanece como referencial do valor, não do patrimônio de cada dia, mas da massa patrimonial que os sócios reputaram ideal para a sociedade poder atuar.

Assim, no momento da constituição da sociedade, capital e patrimônio têm o mesmo valor. Mas, iniciando-se a atividade social, o patrimônio oscila aumentando ou encolhendo, segundo as vicissitudes da atividade exercida, enquanto o capital mantém-se fixo, como um número, uma cifra constante e permanente.[23]

Segundo Ivens Henrique Hübert, na subcapitalização material superveniente o patrimônio líquido (créditos após a subtração das dívidas) é inferior ao capital nominal – o que se verifica em razão de eventuais perdas patrimoniais resultantes da normal exploração da empresa.[24]

Ora, se a subcapitalização material superveniente que diminua o patrimônio líquido para patamar inferior a 100 (cem) salários mínimos não tem como conseqüência a desconsideração ou extinção da EIRELI, conclui-se que o estabelecimento desse piso inicial no caput do art. 980-A do Código Civil traz pouca ou nenhuma serventia prática.

Em terceiro lugar, como se só não bastasse, é imperioso reconhecer que a real integralização do capital inicial é difícil de ser fiscalizada, principalmente porque as Juntas Comerciais não costumam ser rigorosas quanto à comprovação dessa integralização, bastando uma mera declaração do interessado nesse sentido. Aliás, ao tratar da integralização do capital em bens, a Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC chega a afirmara que “Não é exigível a apresentação de laudo de avaliação para comprovação dos valores dos bens declarados na integralização de capital de EIRELI”.

Assim, é possível imaginar até que alguém, fraudulentamente, declare perante a Junta Comercial que tem o capital mínimo necessário para a constituição de uma EIRELI e, posteriormente, também declare tal capital como renda na sua declaração anual de imposto de renda, pagando a correspondente exação tributária e, com isso, dando ares de verdade a uma fantasia – a propósito, relembre-se que para o Poder Público “o tributo não tem cheiro” (princípio non olet).

Outrossim, para impedir ou dificultar ainda mais o descobrimento da fraude, e eventualmente até deixar de pagar o imposto de renda, basta que o interessado “regularize” a subcapitalização material superveniente, fazendo constar na escrituração contábil “maquiada” a ocorrência de graves perdas patrimoniais.

Se ao tempo da subcapitalização material superveniente não houver credor da EIRELI que consiga provar a fraude, conclui-se que haverá burla à regra do caput do art. 980-A do Código Civil sem maiores prejuízos àqueles que atuam no mercado, aos empregados, ao Poder Público etc.

3.6 COMPATIBILIDADE COM A MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE

A EIRELI, devidamente constituída, poderá se enquadrar como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP), desde que preencha os respectivos pressupostos exigidos pelo art. 3º da Lei Complementar n. 123/2006. Apesar de inexistir referência expressa no caput do dispositivo, o §6º do art. 980-A do Código Civil é claro ao determinar que “Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”, que é uma das espécies de sociedades empresárias.

Noutro giro, independentemente da sua receita bruta, a “empresa individual de responsabilidade limitada”, por se tratar de pessoa jurídica, não pode se beneficiar das regras específicas do microempreendedor individual (MEI) a que se refere o art. 68 da Lei Complementar n. 123/2006, pois esse último dispositivo tem aplicabilidade restrita a pessoas naturais.

3.7 APLICABILIDADE PRÁTICA

3.7.1 Alternativa para a pessoa natural

A aplicabilidade prática mais destacada da EIRELI é como alternativa à pessoa natural que deseja exercer empresa. Respeitados os pressupostos legais, a pessoa natural que não deseja formar uma sociedade empresária tem duas opções para o exercício da empresa: atuar como empresário individual ou, então, constituir uma pessoa jurídica qualificada como EIRELI.

Porém, é bom destacar que enquanto o incapaz não pode ser empresário individual, mas só continuar empresa que já era antes exercida (art. 974 do Código Civil), esse mesmo incapaz pode constituir EIRELI, desde que preenchidos os respectivos pressupostos legais, além de ser nomeado terceiro capaz como seu administrador (§ 3º do art. 974 c/c §6º do art. 980-A do Código Civil).

O DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio, por seu turno, não concorda com essa interpretação. Segundo o item 1.2.10 da Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC, somente a pessoa natural e capaz pode ser titular de EIRELI.

Essa normatização do DNRC, contudo, é ilegal, pois contraria frontalmente a regra do §6º do art. 980-A do Código Civil, o qual prevê que “Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”. Com efeito, pois o DNRC não aplicou à EIRELI o mesmo regramento da sociedade limitada quanto à possibilidade de pessoa natural incapaz ser titular de cota social (§3º do art. 974 do Código Civil) e, ignorando o §6º do art. 980-A do Código Civil, parece ter aplicado as regras de capacidade empresarial exigidas do empresário individual (art. 972 do Código Civil).

Em outras palavras, o item 1.2.10 da Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC subverte o regime jurídico da EIRELI ao aproximá-lo do regime jurídico do empresário individual, quando na verdade a legislação objetivou aplicar à EIRELI, no que for compatível, o mesmo regime jurídico das sociedades limitadas.

3.7.2 Estratégia organizacional para a pessoa jurídica

Um dos aspectos mais polêmicos do regime jurídico da EIRELI é a possibilidade ou não de constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Muitos têm defendido que a EIRELI somente pode ser constituída por pessoa natural, sob o argumento de que a intenção do Legislador (mens legislatoris) era essa quando da apresentação do projeto de lei que resultou na promulgação da Lei n. 12.441/2011.[25]

Curiosamente, a versão original da Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC, publicada no DOU de 30/11/2011, admitia que a EIRELI fosse constituída por pessoa jurídica.[26] Ocorre que, poucos dias depois, o DNRC republicou a Instrução Normativa n. 117/2011 no DOU de 22/12/2011 e, nessa segunda e atual versão, não há previsão de constituição de EIRELI por pessoa jurídica.

Porém, data maxima venia, realizando uma interpretação sistemática do art. 980-A do Código Civil, dúvidas não há quanto a possibilidade legal de constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Com efeito, pois eventuais alterações no teor original do projeto de lei que deu origem à Lei n. 12.441/2011 não foram despropositadas, e a intenção da lei (mens legis) é facilmente obtida mediante a constatação de que o caput do art. 980-A do Código Civil não faz distinção entre pessoa natural e jurídica, ao passo que, mais à frente, no § 2º do mesmo dispositivo, há menção expressa à pessoa natural, confira-se:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

[...]

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

[...]

Logo, a lei não restringe a criação da EIRELI apenas à pessoa natural, mas quanto a essa resolveu limitar a possibilidade de criação para apenas uma pessoa jurídica de tal modalidade. A contrario sensu, como não há restrição semelhante quanto à pessoa jurídica criadora de EIRELI, conclui-se que determinada pessoa jurídica pode instituir quantas EIRELI`s desejar, desde que preenchidos os demais requisitos legais para tanto.

Sendo assim, a atual redação da Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC padece de ilegalidade ao impedir a constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Destaque-se que, se for o caso, o impedimento de constituição de EIRELI por pessoa jurídica deve ser proibida por lei superveniente que venha a alterar a atual redação do art. 980-A do Código Civil.

Aliás, com esse objetivo já tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 96/2012, de autoria do Senador Paulo Bauer (PSDB/SC), mediante o qual é sugerida a alteração do art. 980-A do Código Civil para, além de corrigir diversos vícios terminológicos, esclarecer que a EIRELI somente possa ser constituída por pessoa natural.[27] Também tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.572/2011, de autoria do Deputado Federal Vicente Cândido (PT/SP), que visa instituir um novo Código Comercial Brasileiro, e nos arts. 27 a 32 trata do “exercício da empresa em regime fiduciário” – situação que poderia vir a substituir a EIRELI e é aplicável somente aos empresários individuais e, portanto, pessoas naturais.[28]

Noutro giro, sem menção à revogação dos dispositivos que tratam da EIRELI, tem merecido destaque o anteprojeto de lei idealizado por Walfrido Jorge Warde Júnior e Rodrigo R. Monteiro de Castro, que visa criar a “sociedade anônima simplificada”, a qual não poderá ser constituída por pessoa jurídica, mas poderá ser constituída por uma única pessoa (unipessoalidade), desde que seja pessoa natural.[29]

Porém, focando na atual redação do art. 980-A do Código Civil, dúvidas não há quanto a possibilidade de que dada pessoa jurídica constitua, isoladamente, uma nova pessoa jurídica, sob a roupagem de EIRELI. Essa autorização genérica do art. 980-A do Código Civil equivale à autorização para a instituição da subsidiária integral.

Em outras palavras, a partir da vigência da Lei 12.441/2011, a subsidiária integral também pode ser constituída por qualquer espécie de pessoa jurídica, sendo que antes de tal marco somente as sociedades anônimas eram autorizadas a fazê-lo (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76).

Marlon Tomazette, sobre a sistemática da subsidiária integral, afirma que “trata-se de uma idéia similar à de uma filial, porém, dotada de personalidade jurídica própria e, conseqüentemente, de direitos e obrigações próprios”.[30] Assim, a instituição da subsidiária integral é uma faculdade legal que poderá ser adotada quando se vislumbrar a necessidade de melhorar a organização administrativa, seja para fins de planejamento societário, familiar, sucessório ou tributário.

Em outras palavras, a criação de EIRELI por pessoa jurídica tem nítido intuito estratégico-empresarial. Por exemplo, para a pessoa jurídica que se dedica à execução de diversas atividades, relacionadas com segmentos mercadológicos distintos, por vezes é importante separar ou fracionar tais atividades, imputando-as a outras pessoas jurídicas autônomas, que podem ser subsidiárias integrais caso inexistam sócios.[31] Outro exemplo prático ocorre quando sociedade empresária estrangeira, que deseje operar no Brasil, mas sem requerer ao Poder Executivo a autorização exigida nos moldes do art. 1.134 e ss. do Código Civil, opte então por constituir uma EIRELI segundo as leis brasileiras – hipótese em que a EIRELI será considerada brasileira, apesar de instituída por pessoa jurídica estrangeira (art. 1.126 c/c § 6º do art. 980-A, ambos do Código Civil).

Outrossim, mister destacar que a vedação de que determinada pessoa natural constitua mais de uma EIRELI, constante do § 2º do art. 980-A do Código Civil, poderá ser facilmente contornada. Com efeito, pois basta que a referida EIRELI, na condição de pessoa jurídica, institua quantas outras pessoas jurídicas da mesma espécie que entender ser conveniente, mas desde que sejam subsidiárias integrais daquela. Nessa hipótese, diga-se de passagem, poderá a primeira EIRELI atuar como holding das demais subsidiárias integrais.

Em que pese a clareza interpretativa do art. 980-A do Código Civil, relembre-se que a Instrução Normativa n. 117/2011 do DNRC impede, de forma ilegal, a instituição de EIRELI por pessoa jurídica. Sendo assim, eventual pessoa jurídica interessada em instituir EIRELI deverá pleitear em juízo autorização para tanto.

Recentemente, a mídia deu destaque à decisão liminar proferida em mandado de segurança (processo n. 0054566-71.2012.8.19.0001), que tramita na 9ª Vara da Fazenda Pública da comarca do Rio de Janeiro-RJ, como sendo o primeiro precedente autorizando a constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Porém essa decisão liminar, apesar de ter fundamentado que a EIRELI poderia ser constituída por pessoa jurídica, apenas decidiu que uma das impetrantes, a sociedade empresária Purpose Campaings Brasil Ltda., poderia manter-se com apenas um sócio até o julgamento final do mandado de segurança. Na prática, essa decisão liminar apenar impediu que a Junta Comercial do Rio de Janeiro – JUCERJA, em cumprimento ao art. 1.033, inc. IV, do Código Civil, promovesse a dissolução daquela impetrante sob o argumento de não ter sido a pluralidade societária recomposta no prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias.[32]

Dessa forma, ainda não se tem notícia sobre decisão judicial que tenha efetivamente autorizado a constituição de EIRELI por pessoa jurídica, mas em breve o Poder Judiciário deve ser chamado a pronunciar-se sobre esse polêmico tema que divide a doutrina brasileira.

3.7.3 Exploração da rentabilidade de direitos autorais

O § 5º do art. 980-A do Código Civil autoriza a constituição de EIRELI para a prestação de serviços que envolvam a exploração da rentabilidade de direitos autorais (regulados pela Lei n. 9.610/1998), cedidos ou que sejam do próprio autor-instituidor. Segue o teor do dispositivo em comento:

Art. 980-A. omissis

[...]

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

Porém, totalmente criticável a autorização específica contida no § 5º do art. 980-A, porque sem sentido prático, haja vista que já existente em termos genéricos no parágrafo único do art. 966, também do Código Civil.

É que o parágrafo único do art. 966 do Código Civil, a princípio, exclui as atividades intelectuais, que podem ser de natureza científica, artística ou literária, do regime do Direito de Empresa. Porém, o mesmo dispositivo autoriza a submissão ao Direito de Empresa quando tais atividades intelectuais forem exercidas como “elemento de empresa”, senão veja-se:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Independentemente da caracterização fática do “elemento de empresa”, é interessante notar que basta a mera declaração de que a atividade intelectual é exercida com esses contornos para sujeitá-la ao regime do Direito de Empresa. Nesse exato sentido, o Enunciado 54 das Jornadas de Direito Civil, organizadas pelo Conselho da Justiça Federal, dispõe que: “É caracterizador do elemento empresa a declaração da atividade-fim, assim como a prática de atos empresariais”.

O mesmo posicionamento é comungado por Gladston Mamede, que aduz bastar a mera declaração do “intuito de empresa”, “intuito de empresário” ou “intenção de empresa” para que seja aceito o registro empresarial na Junta Comercial, independentemente de prova do exercício fático da empresa:

Ao registrar-se na Junta Comercial [...] ele [o empresário] assumiu esse intuito de empresa, confessou essa empresarialidade, deu-lhe conformação jurídica, não sendo lícito a ninguém pretender contestá-la, torná-la coisa controversa (res controversa): uma ação declaratória negatória (ou negativa) de empresarialidade deve ser extinta por impossibilidade jurídica do pedido. [...] Com o registro, ele exteriorizou o intuito empresário, a intenção de empresa: disse do seu horizonte, que é estabelecer, ainda que passo a passo, uma atividade econômica organizada, por mais que ínfima em seu nascedouro.[33]

Portanto, quem exerce atividade intelectual, seja de natureza científica, artística ou literária, incluindo atividades relacionadas à exploração econômica de direitos autorais regulados pela Lei 9.610/1998,[34] pode se registrar na Junta Comercial como empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI, independentemente da demonstração da efetiva existência do “elemento de empresa”. A única exceção feita a essa regra é quanto ao exercício da Advocacia, em razão da vedação legal extraída de diversos dispositivos da Lei 8.906/1994 (Estatuto de Advocacia da OAB). Assim, afigura-se totalmente inócua a autorização do § 5º do art. 980-A do Código Civil.

Na prática, à exceção do advogado, o profissional liberal que exerce atividade intelectual (de natureza científica, artística ou literária) poderá optar pela afetação patrimonial mediante a criação de pessoa jurídica autônoma, da espécie EIRELI.

Porém, é preciso esclarecer que não é possível a limitação da responsabilidade pessoal desse profissional liberal não-advogado por atos praticados no exercício da profissão, sendo possível limitar apenas a responsabilidade por dívidas operacionais da pessoa jurídica empresarial (sociedade empresária ou EIRELI). Aliás, essa limitação da responsabilidade por dívidas operacionais também é possível quando se tratar de sociedade simples que adote a limitação da responsabilidade dos sócios (art. 997, inc. VIII, do Código Civil).[35]

3.7.4 EIRELI “simples” e sua ilegalidade

Com inspiração no permissivo do § 5º do art. 980-A do Código Civil, que nada inovou no ordenamento jurídico, vários requerimentos de registro de EIRELI têm sido apresentados a Cartórios de Registro de Pessoas Jurídica, e não às Juntas Comerciais.

Alguns desses cartórios têm aceitado registrar essa EIRELI “simples”, que não seria submetida ao regime jurídico do Direito de Empresa, à semelhança da sociedade simples. Porém, é preciso destacar que não há previsão legal para a criação de EIRELI “simples”, tendo em vista que a EIRELI é uma pessoa jurídica empresarial, à qual se aplica subsidiariamente as regras da sociedade limitada (§ 6º do art. 980-A do Código Civil).

Logo, não há previsão legal para se aplicar à EIRELI as regras da sociedade simples, salvo quando inexistir dispositivo específico das sociedades limitadas. Assim, na omissão do art. 980-A do Código Civil, deve-se aplicar à EIRELI as regras sobre a sociedade limitada e, apenas subsidiariamente a essas regras, teria lugar eventual regra sobre a sociedade simples (art. 1.053 do Código Civil).

Mesmo inexistindo previsão legal, alguns Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas aceitaram registrar EIRELI “simples”. Atenta a essa situação e com intuito arrecadatório, a Receita Federal promoveu a regulamentação da atribuição de CNPJ a essa bizarra EIRELI “simples” – o que acaba por incentivar que mais Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas aceitem registros de EIRELI “simples”.

3.8 NOME EMPRESARIAL

Assim como no regime jurídico da sociedade limitada (art. 1.158 do Código Civil), o nome empresarial da EIRELI poderá ser uma firma ou uma denominação. Porém, em vez de consta ao final a expressão “limitada” ou sua abreviatura (“Ltda.”), necessário que conste a expressão “EIRELI”, que é justamente a abreviatura de “empresa individual de responsabilidade limitada”. Nesse sentido, vide o teor do § 1º do art. 980-A do Código Civil:

Art. 980-A. omissis

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

[...]

Destaque-se que andou mal o Legislador ao fazer referência à “denominação social”, haja vista que a EIRELI não é uma sociedade. Melhor teria sido se mencionasse apenas “denominação”.

Pois bem, considerando que o § 6º do art. 980-A do Código Civil determina a aplicação das regras que tratam da sociedade limitada, quando compatíveis, conclui-se que a firma somente poderá ser utilizada quando a EIRELI for instituída por pessoa natural e, nesse caso, deverá ser composta pelo nome de tal pessoa natural (§ 1º do art. 1.158 do Código Civil).

Já a denominação pode ser utilizada tanto pela EIRELI instituída por pessoa natural, quanto por aquela instituída por pessoa jurídica (nominada de subsidiária integral). Deve a denominação designar o objeto da empresa e, excepcionalmente, pode fazer referência ao nome da pessoa que a instituiu (§2º do art. 1.158 do Código Civil). O maior traço característico da denominação, contudo, é a necessária utilização de alguma “expressão de fantasia”, além dos demais elementos acessórios referidos acima (objeto da empresa e expressão “EIRELI”).

Para arrematar, é imperioso alertar que a utilização do nome empresarial da EIRELI, com omissão da expressão “EIRELI” ao final, implica na responsabilidade solidária e ilimitada do seu administrador (§ 3º do art. 1.158 do Código Civil).

3.9 ADMINISTRAÇÃO

A administração da EIRELI pode ser conferida a terceiro indicado pelo instituidor ou a este último mesmo, desde que seja pessoa natural. Assim, não há que se falar em pessoa jurídica administradora (inc. VI do art. 997 c/c caput do art. 1.053 c/c § 6º do art. 980-A, todos do Código Civil).[36]

O administrador deverá ter capacidade para tanto, isto é, deve ter capacidade civil e não ser legalmente impedido de exercer essa função (art. 972 c/c § 1º do art. 1.011 c/c § 6º do art. 980-A, todos do Código Civil).

Sendo assim, afigura-se plenamente admissível que o incapaz, devidamente assistido ou representado, institua EIRELI, com a nomeação de terceiro para exercer a sua administração (§ 3º do art. 974 c/c §6º do art. 980-A do Código Civil).

Destaque-se que o incapaz não pode ser empresário individual, mas só continuar empresa que já era antes exercida, desde que seja autorizado judicialmente (art. 974 do Código Civil). Porém, o incapaz pode constituir EIRELI, pois esta é uma pessoa jurídica que necessita de ter um administrador, podendo ser indicado terceiros para exercer tal função.

3.10 “TRANSFORMAÇÃO DE REGISTRO”

A partir da vigência da Lei 12.441/2011, a empresa pode ser exercida por empresário individual, EIRELI ou sociedade empresária. E quem já exerce empresa sob alguma dessas três estruturas jurídicas registráveis pode, eventualmente, transformar-se em alguma das outras.

Essa transformação de que ora se trata tem sido chamada de “transformação de registro”,[37] visando não ser confundida com a clássica transformação societária conceituada no caput do art. 220 da Lei n. 6.404/76, segundo o qual: “A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro”.

Sobre a “transformação de registro”, destaque-se que o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, com nova redação conferida pela Lei 12.441/2011, esclarece que não há que se falar em dissolução de sociedade quando houver concentração de todas as cotas sob a titularidade de uma única pessoa, ainda que por prazo superior a 180 (cento e oitenta) dias, desde que o único titular requeira a transformação da sociedade em empresário individual ou EIRELI, senão veja-se:

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

[...]

IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;

[...]

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

Ademais, o § 3º do art. 980-A do Código Civil é bem elucidativo ao dispor que: “A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração”.

Portanto, não resta dúvida quanto às amplas possibilidades de “transformação de registro” dos sujeitos que exercem empresa (empresário individual, EIRELI e sociedade empresária).

Ademais, respeitados os requisitos legais da forma empresarial resultante da “transformação de registro”, basta a alteração do registro na Junta Comercial para que tal transformação produza seus regulares efeitos (arts. 1.113 e 1.114 c/c § 6º do art. 980-A, todos do Código Civil). Esses efeitos, contudo, é bom frisar, não poderão promover modificação ou prejudicar, em qualquer caso, os direitos dos credores pré-existentes (art. 1.115 c/c § 6º do art. 980-A, ambos do Código Civil).

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Sobre o autor
Frederico Garcia Pinheiro

Mestre em Direito Agrário e Especialista em Direito Civil pela UFG. Especialista em Direito Processual pelo Axioma Jurídico. Master of laws em Direito Empresarial pela FGV. Palestrante da Escola Superior de Advocacia da OAB/GO. Ex-Presidente da Comissão de Direito Empresarial a OAB-GO (2013-2015). Associado fundador do Instituto de Direito Societário de Goiás (IDSG). Procurador do Estado de Goiás. Advogado, sócio do Pinheiro & Fortini Escritório de Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Frederico Garcia. Empresa individual de responsabilidade limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2954, 3 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19685. Acesso em: 22 dez. 2024.

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