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A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil

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11/08/2011 às 09:33
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Analisa-se a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, comparando-a, principalmente, com as autarquias corporativas.

Resumo

Trata-se de monografia que tem por objetivo analisar a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, comparando-a, principalmente, com as autarquias corporativas. Para tanto, far-se-á uma abordagem prévia de conceitos fundamentais para a compreensão do assunto. Após analisar a natureza dos conselhos de fiscalização do exercício profissional, estudar-se-á uma das principais atividades realizadas por tais entidades, bem como pela OAB, qual seja, o exercício do poder de polícia. Feito isso, será apresentado um breve apanhado histórico acerca da constituição da Ordem, para depois aprofundar no assunto principal, ou seja, a especificação do caráter da Ordem.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Autarquias. Conselhos Fiscalizadores. Ordem dos Advogados do Brasil. OAB. Natureza Jurídica.

SUMÁRIO: introdução . 1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1.1 Administração Direta e Indireta. 1.1.1 Administração Direta. 1.1.2 Administração Indireta. 1.2 Diferenças entre outorga e delegação. 1.3 Administração autárquica. 1.3.1 Autarquias corporativas. 1.3.1.1 Aspectos gerais e sua natureza. 1.3.1.2 Conseqüências do caráter público dos conselhos de fiscalização do exercício profissional. 2 poder de polícia. 2.1 Conceituação e fundamentação. 2.2 Características. 2.3 Indelegabilidade dos atos de polícia. 3 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL . 3.1 Histórico. 3.2 Natureza jurídica das entidades .3.3 Peculiaridades da OAB e seu caráter. 3.3.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.707. 3.3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.026. CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Introdução

Pretende-se analisar, nesta monografia, a natureza jurídica dos conselhos da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, estudando os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito.

Ponto incontroverso é o de que a OAB é uma pessoa jurídica, algo, inclusive, expresso no art. 44 da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, seu Estatuto. Todavia, no que diz respeito ao enquadramento dessa instituição em um dos grupos de pessoas jurídicas existentes não se tem consenso.

O cerne da questão, em síntese, encontra-se em determinar se a Ordem possui caráter público, privado ou sui generis. Em outras palavras, a problemática está em saber se tal instituição enquadra-se como uma entidade autárquica – assim como os conselhos de fiscalização do exercício profissional –, uma associação civil, ou, ainda, se consiste num tertius genus, pois da adoção de cada uma dessas possibilidade surgem implicações completamente distintas, as quais também se buscará enfrentar.

Na primeira hipótese, a entidade seria uma autarquia corporativa, devendo, portanto, submeter-se ao regime jurídico de direito público. Já na segunda, aproximando-a das associações civis e entidades de classe, a OAB estaria livre de laços com o Poder Público, não sendo necessário observar as rígidas normas que regem a Administração. No último caso, aplicar-se-iam regras especiais à Ordem, na medida em que se constituiria num ente ímpar.

Muito embora já tenha o Supremo Tribunal Federal – STF, por via oblíqua, se pronunciado sobre o assunto [01], a questão não é tão remansosa quanto se poderia esperar, pois, além de haver decisões em sentidos diametralmente opostos, encontram-se em curso demandas as quais ainda discutem a questão. [02]

No entanto, antes de se chegar a uma conclusão, tem-se como necessário traçar uma linha de raciocínio apta a dar lastro para as futuras asseverações. Nesse conspecto, iniciar-se-á alocando o assunto dentro do Direito, para depois estudar as características das autarquias corporativas, a fim de visualizar no que se aproximam e no que se distanciam dos conselhos da OAB. Feito isso, será preciso destacar para análise um dos principais munus publicum atribuídos à OAB e demais conselhos fiscalizadores do exercício profissional, qual seja, o exercício do poder de polícia.

Logo após, far-se-á um breve apanhado histórico da Ordem, analisando-a desde seu surgimento até a atualidade, a fim de conhecer suas finalidades e atribuições (isso porque tais fatores foram relevantes na decisão tomada pelo STF, que adiante será comentada). Finda tais considerações, poderemos compreender o caráter desse ente, bem como porque muitos defendem ser ela uma entidade ímpar.

Esse tema, conforme dito, é fonte de muitas controvérsias – não só no mundo jurídico como também no acadêmico –, mostrando-se, ademais, altamente relevante, haja vista, entre outras coisas, o interesse público e social afetado. Evidencia-se isso, por exemplo, quando se discute a necessidade de realização de concurso público para preenchimento do quadro de servidores da OAB, bem como a possibilidade de ser exercido, sobre a instituição, o controle externo pelo Legislativo, juntamente com o Tribunal de Contas. À luz disso, salta aos olhos o interesse da sociedade em ver o fim de tal incerteza.


1.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA [03]

Fala-se que a expressão "administração pública" tem várias acepções. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, isso se deve ao grande número de tarefas incumbidas ao Estado, bem como por serem vários os agentes e os órgãos designados para suas execuções. [04] Sob esse diapasão, pondera-se que, num sentido objetivo (material ou funcional), a expressão "administração pública" (grafada com as iniciais em letras minúsculas) diz respeito à própria função administrativa, ou seja, à gestão de interesses públicos. De outra face, num sentido subjetivo (formal ou orgânico), "Administração Pública" (aqui com as iniciais maiúsculas), refere-se às pessoas jurídicas, aos órgãos e agentes públicos incumbidos do exercício da função administrativa, não se confundindo com nenhum dos três Poderes. [05]

A função administrativa, a qual acima se reporta, pode ser exercida de duas formas, quais sejam: centralizada ou descentralizada. No primeiro caso, diz-se que tal função será executada pela Administração Direta, enquanto no segundo pela Administração Indireta. [06] Vejamos com mais detalhes essas formas de prestação de serviço público.

1.1.Administração Direta e Indireta

Conquanto o tema deste trabalho esteja afeto mais à Administração Indireta do que à Administração Direta, é imprescindível para o bom desenvolvimento do estudo uma boa distinção entre essas duas espécies.

1.1.1.Administração Direta

Conforme se deixou transparecer, a Administração centralizada está ligada à Administração Direta. [07] Nesse caso, o Estado (tendo-o como uma das entidades federativas) não trespassa a executoriedade do serviço, tampouco sua titularidade a terceiros, pois o realiza diretamente.

Nessa visão, Hely Lopes Meirelles qualifica o serviço centralizado como sendo aquele que "[...] o Poder público presta por seus próprios órgãos em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Em tais casos o Estado é, ao mesmo tempo, titular e prestador do serviço, que permanece integrado na agora denominada Administração Direta". [08]

Vale mencionar que nosso ordenamento traz um conceito legal de Administração Direta, na órbita federal, trazido pelo Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, qual seja:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

[...].

1.1.2.Administração Indireta

Sabe-se que a capacidade do Estado gerir diretamente os serviços públicos existe porque as pessoas jurídicas componentes da federação possuem o poder estatal concentrado em suas mãos. Entretanto, com fito de melhor atender aos anseios da sociedade, bem como ao princípio da eficiência, distribui-se a competência para realizar serviços públicos.

Tal distribuição dá-se tanto em favor de pessoas públicas não políticas (autarquias, por exemplo), quanto de pessoas privadas (v.g., concessionárias de serviço público). Isso se dá através da descentralização administrativa, mais especificamente por meio da outorga de serviço público [09] (que Carvalho Filho chama de "delegação legal" [10] e Di Pietro de "descentralização por serviços, funcional ou técnica" [11]) ou da delegação de serviço público [12] (que Di Pietro denomina de "descentralização por colaboração" [13] e Carvalho Filha de "delegação negocial" [14]). [15]

É neste campo que se fala em Administração Indireta. A citada repartição de serviços é feita por um poder central a outros periféricos, os quais são pessoas públicas ou privadas, e compõem a Administração Indireta. [16]

Assim, note-se que o serviço descentralizado está ligado à idéia de Administração Indireta. [17] Diferente da hipótese anterior (Administração Direta), aqui o Poder Público transfere a titularidade do serviço [18], ou ao menos sua execução [19], a uma pessoa física ou jurídica não política. [20]

No Brasil, o Decreto-lei 200, que dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa, estabelece expressamente quais são os entes componentes da Administração Indireta federal:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I – [...]

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987)

Por ser importante para a compreensão do tema proposto, aprofundar-se-á, mais adiante, na análise das autarquias. Antes disso, faz-se necessário distinguir outorga de delegação.

1.2.Diferenças entre outorga e delegação

Inicialmente, pode-se falar que a diferença básica entre esses dois institutos consiste no fato de que enquanto na outorga o Poder Público transfere a própria titularidade do serviço a uma entidade por ele criada, na delegação transfere-se apenas a executoriedade daquele, devendo o delegado realizá-lo em seu nome e por sua conta em risco, porém sob o controle do Estado.

Conforme dito, outorgam-se serviços públicos a pessoas jurídicas criadas pelo Poder Público. Essas entidades, em razão de expressa disposição constitucional, ou são criadas por lei específica – como ocorre com as autarquias –, ou, quando menos, tem sua criação autorizada por lei – é o caso das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Neste último caso, de acordo com Hely Lopes Meirelles, caberá "ao Executivo tomar as providências necessárias para a instituição". [21]

A respeito disso, veja-se o que diz o artigo 37, inciso XIX da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 04 de junho de 1998:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

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De outra face, no tocante às entidades delegadas de serviço público, tais formalidades são prescindidas, na medida em que são criadas por particulares, não havendo, dessa forma, intervenção do Estado na sua instituição.

A par disso, ressalta-se também como importante o fato de que a outorga só pode ser feita por lei e, por conseguinte, somente por essa espécie normativa o serviço outorgado pode ser retomado. Por outro lado, a delegação pode ser feita por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), sujeitando-se, portanto, às regras aplicáveis aos atos e contratos administrativos. A propósito, Hely Lopes Meirelles preleciona o seguinte:

A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução trespassada a terceiro, por ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo que pode ser revogado, modificado e anulado, como o são os atos dessa natureza. [22] [grifo do autor]

Demais disso, alguns [23] sustentam existir distinções entre as espécies de serviços a serem delegados e outorgados. Via de regra, os serviços públicos típicos (ou próprios) do Estado são outorgados, ao passo que os não típicos são delegados. Ainda, tem-se como outra tendência, a outorga do serviço à pessoa jurídica de direito público e a delegação à pessoa jurídica de direito privado.

Por fim, diz-se ser a outorga mais do que a delegação, pois, como regra, aquela tem caráter definitivo, enquanto esta última tem traços de transitoriedade. [24] Isso se justifica tendo em vista as características de ambos institutos – como, por exemplo, os tipos de serviços que são trespassados –, bem assim as maiores formalidades exigidas na outorga.

1.3.Administração autárquica

Premido pela necessidade de descentralizar a gestão dos serviços públicos, como acima explanou-se, as pessoas políticas realizam o trespasse da execução daqueles serviços e, em alguns momentos, transferem a própria titularidade desses – assim, tem-se, respectivamente, a delegação e a outorga.

Viu-se que se outorgam serviços às entidades criadas pelo Poder Público. Muito comumente, esses serviços são personificados, criando-se, para tanto, autarquias. [25] Primeiramente vale relembrar que, conforme visto em tópico anterior, essas entidades pertencem à Administração Indireta, haja vista possuírem competência advinda de um poder central, o qual pode ser a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios.

Nesse conspecto, essas pessoas políticas, visando o bem estar da sociedade e a eficiência do serviço público [26], criam as entidades autárquicas para lhes auxiliarem. Tal auxílio dá-se na seara da administração pública (em sentido objetivo), visto que os entes federados transferem a titularidade de serviços públicos específicos às autarquias, as quais, por conseguinte, ficam incumbidas de geri-los em nome próprio. [27]

Sob esse diapasão, cabe registrar que somente é possível essa transferência porque as autarquias possuem personalidade jurídica. Note-se, ademais, que elas não prestam o serviço como representante do Estado, vale dizer, em nome deste, mas sim em nome próprio, algo que apenas é viável por ser pública aquela personalidade jurídica supramencionada. [28]

Ademais, insta mencionar que não é qualquer espécie de serviço que se transfere às entidades autárquicas. Transfere-se, pois, atividades típicas (próprias) de Estado. Dessa forma, os serviços que, embora públicos – ou de utilidade pública –, sejam atípicos devem ser trespassados a entes detentores de personalidade jurídica de direito privado – como, por exemplo, às empresas públicas ou sociedades de economia mista. Nesse esteira, não se transfere às autarquias, v. g., atividade concernente à exploração da atividade econômica.

Ainda quanto às atividades que lhes são transferidas, tem-se a aplicação do princípio da especialização. Ele traduz a idéia de que cada autarquia cuida de uma atividade especifica. Essa característica tem sua relevância, na medida em que a diferencia dos territórios federais, os quais prestam genericamente todos os serviços públicos prestados por um ente político.

As autarquias são genuínas pessoas administrativas, pois, no dizer de José Cretella Júnior, são especialistas em administrar. [29] Embora possuam autonomia, a qual decorre da personalidade jurídica própria, distinta do ente que as criou, elas não têm competência para legislar, pois, conforme dito, especializaram-se em administrar, ou seja, em gerir serviços públicos. Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que "Autarquia é a pessoa de direito público exclusivamente administrativa". [30] [grifo nosso].

Assim, é importante ter em mente que a autonomia da autarquia não se confunde com autonomia dos entes federados. Estes, diferentemente daquela, são possuidores de autonomia política, pois têm um Legislativo próprio, elegem seus representantes, tendo, portanto, competência para ditar suas próprias leis. Por outro lado, àquela cabe tão-somente administrar a si própria, respeitando, entretanto, as disposições legais ditadas pela entidade que a criou. [31]

Ainda, é importante frisar que não há relação de hierarquia entre a autarquia e o ente político que a criou. Há entre eles tão somente uma vinculação, a qual permite um controle finalístico. Nesse sentido, veja-se o que diz Hely Lopes Meirelles:

Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade-matriz, que, por isso, passa a exercer um controle legal, expresso no poder de correção finalística do serviço autárquico. [32]

Tal vinculação recebe o nome de tutela ou supervisão ministerial, [33] que corresponde ao controle exercido pela Administração Direta sobre a Indireta. Deve-se mencionar, porém, que essa supervisão ministerial só é exercida nos termos expressos na lei [34], não existindo, portanto, controle implícito. Sendo assim, frise-se, não se trata de hierarquia, onde se presumem presentes certos poderes (como editar atos regulamentares, dar ordens, controlar ato do subordinado, aplicar sanções, avocar e delegar atribuições).

Outra característica fundamental das autarquias é o fato de possuírem patrimônio próprio, diverso do da entidade criadora. Ele se constitui, inicialmente, de bens móveis e imóveis transferidos pela entidade-matriz, o que se faz por meio da própria lei instituidora. [35]

Fala-se serem as autarquias um prolongamento do Estado, motivo pelo qual gozam dos mesmos privilégios administrativos desfrutados pelo ente político criador. Tais privilégios são expressos ou implícitos, e encontram-se previstos em diversos dispositivos legais, não estando, portanto, dispostos de forma sistematizada.

Então, a fim de possibilitar ao leitor o conhecimento da imensa gama de benesses concedidas a essas entidades, Hely Lopes Meirelles as elenca, após fazer um apanhado em todo o ordenamento. Aqui, se enumerou algumas das mais relevantes, senão veja-se: imunidade de impostos sobre seu patrimônio, renda, bens e serviços (artigo 150, § 2º da Constituição Federal); prescrição qüinqüenal de suas dívidas passivas (Decreto-lei 4.597 de 19.08.42); execução fiscal de seus créditos inscritos (artigo 578 do Código de Processo Civil); ação regressiva contra seus servidores culpados por danos a terceiros (artigo 37, § 6º da Constituição Federal); impenhorabilidade de seus bens e rendas (artigo 100 da Constituição Federal); imprescritibilidade de seus bens imóveis (artigo 200 do Decreto-lei 9.760 de 05.09.46); recurso de ofício nas sentenças que julgarem improcedentes a execução de seus créditos fiscais (artigo 475, inciso III do Código de Processo Civil e Súmula 620 STF); prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (artigo 188 do Código de Processo Civil e Decreto-lei 7.659 de 21.06.45); juízo privativo da entidade estatal a que pertencem (artigo 109, inciso I da Constituição Federal); ampliação do prazo para desocupação de prédio locado para serviços, quando decretado o despejo (artigo 63, § 3º da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991); dispensa de apresentação de instrumento de mandato em juízo pelos procuradores que a representam. [36]

O Decreto-lei 200/67, em seu artigo 5º, traz uma definição de autarquia que se assemelha ao aqui exposto. Peca, porém, no fato de não dispor expressamente que a entidade autárquica possui personalidade jurídica de direito público, e por não mencionar que a lei criadora deve ser específica. [37] Veja-se o que diz o citado dispositivo:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. [38]

Haja vista essa falha, entende-se que o conceito estabelecido por Hely Lopes Meirelles melhor define as autarquias, porquanto sintetiza suas principais características e, além disso, faz menção expressa à natureza dessas entidades. Sendo assim, cumpre-se trazê-lo à lume:

Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são autonomias [...]. [39]

A doutrina classifica as autarquias baseando-se em diversos critérios, criando nomes os mais variados. Todavia, não se irá aprofundar em todos eles para não haver risco de se perder o foco da análise proposta. Então, por ora, ater-se-á às autarquias corporativas.

1.3.1.Autarquias corporativas

1.3.1.1 Aspectos gerais e sua natureza

A Constituição Federal visou assegurar o direito (liberdade) de trabalhar bem como, em certos termos, o direito ao trabalho. Aquele consta do artigo 5º, inciso XIII, ao passo que este vem da conjugação do artigo 6º com o artigo 170, inciso VIII, todos da Lei Maior. [40]

Por ora, cabe analisar aquele primeiro dispositivo, portanto veja-se seu teor: "Art. 5º [...]. XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; [...]" [grifo nosso].

Tal dispositivo, na classificação criada por José Afonso da Silva, cuida-se de uma norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia contida, na medida em que pode ter sua eficácia restringida por meio de legislação infraconstitucional. [41] Assim, inexistindo lei que estabeleça qualificações profissionais, limitando a liberdade de exercício de algum trabalho, ofício ou profissão, o direito poderá ser plenamente exercido. De outra face, quando há lei prevendo certas exigências, caberá, geralmente, a um conselho fiscalizador do exercício profissional observar se os interessados preenchem os respectivos requisitos. A propósito, vale conferir o magistério de José Levi Mello do Amaral Júnior:

No mais das vezes, havendo previsão legal de qualificações profissionais que devam ser atendidas pelos interessados em exercer determinado trabalho, ofício ou profissão, a verificação do atendimento – e da manutenção – de tais condições no tempo, é confiada a um conselho profissional de área, organizado de modo federativo (um conselho nacional e vários conselhos regionais) que exerce poder de polícia sobre o exercício do trabalho, ofício ou profissão em causa. [...]. [42]

De acordo com a doutrina e jurisprudência preponderante, esses conselhos fiscalizadores são as autarquias corporativas ou profissionais. [43] Nessa esteira, tem-se que tais conselhos seguem, em sua essência, a mesma linha das autarquias, logo são criados por lei, têm personalidade jurídica de direito público e possuem patrimônio e receitas próprias, sendo estas decorrentes principalmente das anuidades [44] pagas por seu filiados. Demais disso, a capacidade de se auto administrarem lhes é conferida, algo que reforça ainda mais a natureza autárquica dessas entidades.

Frise-se, novamente, que essa capacidade auto administrativa não se confunde com a autonomia a qual possuem as pessoas políticas, que, além de se auto administrarem, ditam suas próprias leis, exercem atividade legislativa e jurisdicional – neste último caso, se exclui somente os municípios, pois não possuem Poder Judiciário próprio. [45]

Pode-se dizer também que tais conselhos são pessoas jurídicas de direito público, da espécie autárquica, pelo fato de adequarem-se aos elementos conceituais destas, os quais, conforme dito, são trazidos pelo artigo 5º do Decreto-lei 200/67, transcrito anteriormente.

A despeito disso, em 27 de maio de 1998, promulgou-se a Lei 9.649, proveniente da conversão da Medida Provisória 1.549-35, a qual, em seu artigo 58, fixou como de direito privado a personalidade jurídica dos referidos conselhos, de modo a contrariar toda sistemática constitucional e legal vigente à época, bem como atualmente.

Esse dispositivo, porém, não vigorou por muito tempo. Em 07 novembro de 2002, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.717/DF, proposta pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B, juntamente com o Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido Democrático Trabalhista – PDT, declarou a inconstitucionalidade do artigo supramencionado. Na ocasião, a Suprema Corte teve a oportunidade de reiterar e sedimentar o entendimento de que os conselhos de fiscalização do exercício profissional são pessoas jurídicas de direito público, com caráter autárquico. [46] Para tanto, utilizou-se os fundamentos a seguir delineados, os quais posteriormente ajudarão a compreender a natureza da OAB.

Primeiramente, cumpre esclarecer que não é o nome dado por uma lei que especifica a natureza jurídica de uma entidade, pois para tanto se faz imprescindível a análise das características imanentes do ente, conforme se frisará em capítulo posterior.

A fiscalização do exercício profissional é uma função eminentemente pública e envolve o poder de polícia. Esse é evidenciado, na medida em que são conferidas a tais entidades competências para expedir carteiras de habilitação profissional, aplicar sanções – como advertências, multas e suspensões – e arrecadar tributos, os quais correspondem às anuidades pagas por seus filiados.

Com base nisso, é possível afirmar que a polícia das profissões – que consiste nas atribuições exercidas pelos conselhos anteriormente mencionados – é atividade típica da Administração Pública, logo incompatíveis com a delegação a particulares. Nesse sentido, tem-se como mais adequado a outorga do serviço, pela pessoa política competente, a uma pessoa jurídica de direito público, especialista em administrar, quais sejam, às autarquias. [47]

Nessa linha, Ricardo Teixeira do Valle Pereira, após debater exaustivamente acerca da natureza dos conselhos fiscalizadores do exercício profissional, asseverando serem autarquias corporativas, conclui que: "[...] não há dúvida de que os conselhos de fiscalização do exercício profissional exercem atividade de polícia administrativa por outorga do Estado" [48].

Ainda, seguindo esse posicionamento até então exposto, José Levi Mello do Amaral Júnior leciona o seguinte:

O Supremo entende que os conselhos profissionais são autarquias, não só porque as leis pertinentes costumam ser expressas no particular, mas, também, porque os conselhos exercem poder de polícia, ou seja, limitam ou condicionam o exercício do direito (liberdade) de trabalhar, poder esse que, por sua própria natureza, não pode ser objeto de delegação a uma pessoa jurídica de direito privado. [49]

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade supracitada, fundamentou sua decisão basicamente naquilo, vale dizer, na impossibilidade de delegação de atividades que envolvam o poder de polícia a uma pessoa jurídica de direito privado. Tal fundamento se baseou no fato de se tratar de uma função típica do Estado, conforme acima demonstrado, devendo ser, portanto, exercida pela Administração Pública, mesmo que de forma descentralizada. [50]

Uma vez elucidada a natureza dos conselhos fiscalizadores do exercício profissional, visualizar-se-á, agora, os efeitos que dela decorrem.

1.3.1.2 Conseqüências do caráter público dos conselhos de fiscalização do exercício profissional.

Por fazer parte do Estado, devem os conselhos se submeter ao regime jurídico de direito público, devendo observar todas as normas e princípios aplicáveis à Administração Pública. Como exemplo desses princípios podemos destacar os fixados no caput do artigo 37 da Constituição Federal e o princípio constitucional sensível, previsto no artigo 34, VII, referente a necessidade de prestação de contas da Administração Indireta.

Dessa maneira, não há dúvidas de que os conselhos de fiscalização profissional curvam-se ao disposto nos artigos 70 e 71 da Constituição Federal, os quais tratam da fiscalização contábil, financeira e orçamentária da Administração Pública. Assim, eles devem prestar contas da administração dos recursos públicos – principalmente os correspondentes às anuidades [51] pagas por seus filiados –, cabendo ao Tribunal de Contas julgá-las, observando sua legalidade, legitimidade e economicidade. [52]

Sob esse diapasão, tem-se ainda que, em razão da submissão àquele regime acima citado, o qual rege as relações dos conselhos, eles se sujeitam a uma série de exigências, entre as quais, citem-se algumas, a título exemplificativo: a) necessidade de contratar serviços mediante licitação; b) necessidade de realizar concurso público para contratar seu pessoal; e c) responsabilização objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem aos administrados, nos termos previstos no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal.

No entanto, como de outra forma não poderia ser, não lhes cabem apenas os ônus advindo do regime jurídico administrativo, pois gozam também de todas as prerrogativas inerentes à Administração. A par disso, infere-se que seus bens, por serem públicos, são impenhoráveis; seu passivo é pago, de regra, por precatórios e seus créditos são cobrados de forma especial, com a série de privilégios estabelecidos na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80). Além desses, desfrutam os conselhos de outros privilégios, os quais poderão ser mencionados em ocasião mais oportuna. [53]

A par disso, convém abordar uma das principais atividades desenvolvidas pelas autarquias coorporativas, qual seja: o exercício do poder de polícia. Essa característica, inclusive, é a principal responsável pela impossibilidade se ter tais conselhos como pessoas jurídicas de direito privado.

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Sobre o autor
Rodrigo de Oliveira Machado

Advogado. Pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Território - Ordem Jurídica e Ministério Público.Pós-graduado pela VESTCON - Direitos Indisponíveis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Rodrigo Oliveira. A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2962, 11 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19731. Acesso em: 26 dez. 2024.

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