3. O Processo Obreiro e a súmula vinculante número 25
Deitamos acima nosso entendimento pela inaplicabilidade do enunciado vinculatório 25 naquilo que toca ao depositário judicial. Passaremos agora a reforçar esta tese com enfoque específico no processo trabalhista.
De saída, relembremos que a posição sumulada por nossa Corte Máxima decorreu de interpretação dada ao artigo 7º, nº 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos e ao art. 11, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos [29], ambos combinados com a disposição ínsita ao inc. LXVII, do art. 5º, da Norma Ápice.
O entendimento consagrado no verbete ejetado do Pretório Excelso apontou não mais ser cabível a prisão do depositário infiel, remanescendo apenas a prisão civil fundada no descumprimento de obrigação alimentar, esta com amparo no inciso constitucional antedito.
Vejamos o excerto da Convenção Americana de Direitos Humanos, cerne dos debates travados no Pretório Excelso: "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar."
Como se percebe, a regra é não sujeitar ninguém à restrição de liberdade em virtude de dívidas. A exceção é representada pela possibilidade de isso se dar caso a dívida tenha natureza alimentar. Mas o que vem a ser a dívida de cunho alimentar?
Afirmar que essa apanágio é privativo dos alimentos civis, devidos entre indivíduos com vínculos familiares, é proposição restritiva e equivocada. Nesta linha, basta relembrar que a própria Constituição tem texto expresso a respeito, cujo propósito é conjurar dúvidas quanto ao alcance do termo. Referimo-nos ao art. 100, §1º - A, adiante transcrito:
Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)
Traçando oportuno comentário acerca do tema e mesmo antes da edição da emenda constitucional que introduziu o preceito sobredito, Talamini (apud TOLEDO FILHO e MAIOR, 2003) expõe:
O conceito de dívida alimentícia com a extensão indicada é extraível da própria Constituição. No caput do artigo 100 previu-se regime especial para cobrança, perante as Fazendas Municipal, Estadual e Federal, dos ‘créditos de natureza alimentícia’. Ora, a Fazenda Pública não tem parentes, não contrai matrimônio, nem é unida estavelmente; enfim, não tem nenhuma relação de direito de família – e mesmo assim pode dever alimentos. O sentido constitucional de ‘alimentos’, portanto, vai necessariamente além do direito de família: abrange indenizações, pensões, salários e outras verbas – desde que essencialmente destinadas ao sustento do titular do crédito.
Apesar da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, que agora não é mais limitada ao exame das lides entre trabalhadores e empregadores [30], gozando de um círculo competencial bem mais significativo, continuam prevalecendo nos foros trabalhistas as ações cujos litígios nascem no seio de uma relação de emprego. Como corolário, as dívidas que eventualmente são reconhecidas em processos tais têm relação com a remuneração dos obreiros. Dizem respeito aos salários e verbas rescisórias impagas.
É princípio comezinho na ciência juslaboral o caráter alimentar das verbas trabalhistas. Nesta trilha:
Na Justiça do Trabalho, a celeridade processual ganha especial relevo em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas. A grande maioria daqueles que ajuízam ações trabalhistas está desempregada e necessita receber seus créditos o mais brevemente possível. (PATAH, 2005 - ressaltamos)
Noutras palavras, de nada importa para o credor o sucesso na fase cognitiva do feito se não houver a célere adimplência da obrigação a que foi condenado o devedor, quadro que se agrava quando falamos de execução trabalhista, hipótese em que o credor persegue a satisfação de prestação de natureza alimentar (CHAVES, 2001 - destacamos)
Ocorre que, muitas vezes, diversos artifícios são utilizados para dificultar o adimplemento e, assim, a efetivação da execução. Tal prática se torna ainda mais grave a luz do direito trabalhista, ao passo que "se está no campo de proteção do trabalhador hipossuficiente e cujos créditos, por serem alimentares, tem especial proteção constitucional", como se depreende do art. 100 de nossa Constituição Federal de 1988. (SOARES, 2008, pp. 16/17 - sublinhamos)
Sabe-se que a execução por expropriação não é efetiva, o que acarreta o desestimulo ao acesso à Justiça e o conseqüente desprestígio deste Poder. A Justiça do Trabalho tem como principal cliente o obreiro desempregado, fato que justifica ainda mais a utilização da multa para que o crédito de natureza alimentar do trabalhador seja o quanto antes alcançado a este. (FERNANDES, 2008, p. 50 - grifamos)
A interpretação lançada pelos doutrinadores acima mencionados está em absoluta consonância com a ordem constitucional. Assim o é tanto pela clareza do artigo 100, §1º A, como também pela principiologia emanada do Texto Maior. Relembre-se que figuram entre os fundamentos da República (art. 1º) o valor social do Trabalho e a proteção da dignidade humana (inclusive a do trabalhador, por óbvio).
Ademais, já que estamos falando de prisão (embora civil), calha rememorar que o art. 7º, X, da Constituição especifica que constitui crime a retenção dolosa de salários. [31] Preceito outro que evidencia o encarecimento que o legislador constitucional quis conferir ao trabalho humano como elemento relevante para a República.
Pois bem. Feito este necessário enquadramento, parece-nos lógico que, em se tratando de créditos que têm o atributo alimentar, como a maior parte daqueles excutidos na Justiça Laboral, mais correta a aplicação da exceção prevista no art. 7º, n. 7, do Pacto de São José. Afinal, estamos diante de uma obrigação alimentar (reafirmada judicialmente) não adimplida. [32]
Assim, o depositário judicial infiel no processo trabalhista pode ter sua prisão civil decretada. Seja pela sua posição administrativa (consoante expusemos em capítulo anterior), seja também pela natureza da dívida objeto da execução, o que a faz recair na exceção prevista na Convenção Americana.
Apenas para argumentar, trataremos ainda de outra ponderação que conduz à classificação do crédito trabalhista como alimentar. É notório que a maioria dos alimentos devidos a familiares são adimplidos através da remuneração decorrente dos salários, quase sempre, com retenção na fonte. Nesse quadrante, a inadimplência das verbas trabalhistas contratuais, reflexamente, pode importar também o não pagamento de valores alimentares por força de liame familiar. Ora, patente se apresenta a natureza alimentar das verbas trabalhistas também por esse ângulo.
Firme no argumento de possibilidade de prisão do depositário judicial infiel no processo trabalhista, temos o escólio de Feliciano (2009, p. 78):
Para mais, deve-se compreender que, nas execuções trabalhistas, a natureza alimentar de que geralmente se revestem os títulos exequendos reforça a tese da possibilidade jurídica, gozando de reconhecimento constitucional indireto (§1º-A do artigo 100 da CRFB) e aproximando, pela relativa identidade ontológica, as hipóteses de prisão civil de depositário judicial infiel e de prisão civil de alimentante inadimplente (artigo 7º, n. 7, do Pacto de San José da Costa Rica).
Igual trilha é seguida por Franco Filho (2010):
(...) o crédito trabalhista tem natureza alimentar, por isso é privilegiado em relação a todos os demais, sem exceção. E por que? Porque o direito à contraprestação pelo trabalho prestado abrange, por igual, o direito à alimentação. Pois bem! Ao negar o direito de prender o depositário infiel, estará sendo negado o direito de o credor trabalhista (de natureza alimentar), que tem direito também à alimentação, e a alimentação é vida, obrigar o cumprimento de uma tarefa que judicialmente foi atribuída a outrem: ao fiel (agora infiel) depositário.
Não devemos, no particular, esquecer um ponto fundamental: o direito à liberdade (aquele pretendido pelo depositário) é tão importante quanto o direito à vida (pretendido pelo reclamante original), e, neste direito à vida, está indispensavelmente incluído o direito à alimentação. (sublinhamos)
De efeito, acreditamos que esta última idéia acima referida sintetiza o problema. Temos dois bens igualmente tutelados pela ordem jurídica com status de direito fundamental, a liberdade e a vida. Em se verificando o entrechoque de valores constitucionais, pode contribuir para a solução do impasse a técnica exegética da ponderação de interesses, da qual nos ocuparemos em capítulo oportuno.
4. A emergência do Direito Penal quanto à figura do depositário
A Justiça segura, numa das mãos, a balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada, com a qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do direito. Ambas se completam e o verdadeiro estado de direito só existe onde a força, com a qual a Justiça empunha a espada, usa a mesma destreza com que maneja a balança. (ILHERING, 2001, p. 27) – grifamos.
Repita-se. O eco na consciência se faz necessário, "balança sem a espada é a fraqueza do direito".
E é a esse ponto que se está conduzindo a execução através da vedação à prisão civil do depositário judicial.
Acima explicitamos nossas restrições à interpretação a ser dada à súmula vinculante número 25 [33], tanto no processo cível em geral, como de forma especial no processo do trabalho. De toda sorte, não ignoramos o risco de que nenhuma das posições acima, por falta de ousadia, seja encampada na práxis dos autos.
Estará, assim, oficializada a usurpação da espada do Poder Judiciário?
Há esse risco e o das malsãs conseqüências que podem advir desse panorama, principalmente, o crescente descrédito nas decisões judiciais com o agravamento da crise de efetividade no processo civil.
Em síntese, o quadro traduz uma incapacidade da esfera não penal em remediar um desvio de conduta. É pueril crer que a impossibilidade de coagir o depositário infiel através da ameaça de prisão ou efetivação desta não importe o desrespeito aos comandos judiciais. Mesmo sob o risco de restrição de liberdade, já eram frequentes os casos de devedores que menosprezavam a obrigação simples e escancaradamente [34].
Infelizmente, ainda vivemos num país no qual decisão judicial não se cumpre, dela se recorre até não poder mais. O contexto que se anuncia através dos novos tempos inaugurados pela súmula em debate é tenebroso, se não houver bom senso na sua aplicação. É imprescindível discriminar a figura do depositário contratual daquela administrativa, construída em sede de processo.
Mas, como dito alhures, se o direito não-penal revela-se insuficiente como mecanismo de controle social, abre-se espaço maior para a regulação fornecida pelo direito penal. É isso o que preconiza a regra do direito incriminador como última ratio.
A propósito, escreve Robaldo (2009):
É a partir dessa perspectiva que se trabalha com a idéia de que a função precípua do Direito Penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais à tranqüilidade social, porém como ultima ratio, ou seja, como última opção de controle, tendo em vista o fracasso dos outros meios formais de controle social em relação à proteção dos bens da vida relevantes.
Lição semelhante, obtemos de Aras (2001):
Pode-se extrair dos princípios fundamentais da Lei Constitucional a noção de um direito penal mínimo. Sendo a arma mais violenta do instrumental jurídico, o direito penal deve ser utilizado apenas como ultima ratio, após o esgotamento de todos os outros meios de controle social. Vê-se aí sua natureza subsidiária em relação aos demais mecanismos da cibernética social.
Conforme visto acima, o Direito Penal é ramo da ciência jurídica que deve ter sua aplicação restringida ao máximo. Quadra que os bens da vida sejam tutelados por meio desse regramento mais severo e gravoso apenas quando inexistirem, nos outros segmentos jurídicos, mecanismos eficazes para sanar o comportamento desconforme ao direito (essa a essência do também chamado Princípio da Intervenção Mínima). E é exatamente o que se constata.
Partindo-se da premissa de que o papel de depositário judicial é de cunho administrativo, entendimento este acima fundamentado, é de se indagar se há algum tipo penal a que seja subsumível o comportamento recalcitrante do auxiliar do juízo. Pensamos que sim.
Numa descrição sumária, consiste a conduta em negar-se a restituir o bem confiado em depósito, faltando com o dever do múnus e desafiando o comando judicial.
Para alguns, poderia o depositário ser autor do delito de apropriação indébita [35]. Franco Filho (2010) filia-se a essa corrente:
Agora, porém, com a aprovação da Súmula Vinculante n. 25, torna-se profundamente difícil, praticamente impossível, obrigar a parte infratora a cumprir, com diligência sua missão. Admitindo-a, como é de fato, vinculante, a figura do depositário no Brasil deixa de ser fiel e perde esse adjetivo. Quem for infiel nesse mister poderá, por exemplo, vir a ser processado pelo crime de apropriação indébita que, no caso de infidelidade na Justiça do Trabalho, passará para competência da Justiça comum.
Anotamos que a norma incriminadora em tela não se situa na parte própria que arrola os crimes praticados contra a Administração. Está, de efeito, elencada dentre os delitos que vulneram o patrimônio. Isto, a nosso sentir, não representa a adequada topologia, todavia, dada a literalidade da norma, que usa a exata expressão "depositário judicial" (forma majorada, contida no inc. II), pode ser o remédio jurídico-penal para reprimir a conduta. Porém, impõe-se uma ressalva.
Constitui elementar do crime a apropriação de "coisa alheia móvel". Dessa maneira é de aplicação bastante reduzida a norma, porquanto, conforme já ressaltado anteriormente nesta obra, é muito mais recorrente que o próprio executado (proprietário do bem) seja investido no encargo [36]. Ausente este elemento do tipo, a conduta, no nosso sentir, deixa de constituir crime. Há cabida para o enquadramento referido apenas quando pessoa diversa do devedor haja assumido o múnus, a exemplo de um depositário judicial permanente ou, quiçá, o próprio exeqüente. Nesse panorama, a força do preceito é praticamente esvaziada, uma vez que não se presta para solucionar a quase totalidade das condutas que desafiam a autoridade judicial, originadas, quase sempre, do excutido.
Fazendo uma análise sistêmica do Código Penal e, tendo-se em vista que a ofensa é dirigida à Administração, cabe uma avaliação à luz daqueles tipos previstos na Parte Especial, Título XI.
Primeiramente, analisemos a previsão do crime de peculato [37].
Aqui, pertinentes são as mesmas críticas formuladas quando nos referimos à figura da apropriação indébita, na sua forma majorada, que abarca, literalmente, o termo "depositário judicial". Em não sendo investido o executado no papel de depositário, encontra-se no tipo de apropriação indébita, inequivocamente, a capitulação da conduta do auxiliar do juízo, o que torna inviável a cogitação do crime de peculato para o agente, infiel depositário.
De mais a mais, reitera-se o argumento de que não haverá conduta criminosa quando o devedor atua na posição de depositário. Não há falar em peculato quando ausente a apropriação, isto é, quando já se trata de coisa de propriedade do infrator.
Repetimos. Mesmo sendo o auxiliar do juízo figura diversa do executado, é inadequada a subsunção da conduta à norma ora telada. Afinal, sendo esta a situação, a regra a incidir seria aquela trazida pelo art. 168, §1º, II, do Código Repressivo, dada a sua literalidade e preenchimento dos requisitos do tipo.
Útil também o estudo do crime de desobediência [38]. De fato, a conduta do depositário judicial infiel traduz um desafio ao comando legal recebido do juiz. Mas, a nosso sentir, há um óbice ao enquadramento neste tipo penal. A desobediência encontra-se no capítulo que enumera os crimes praticados por particular contra a administração em geral e, como assentado em páginas precedentes, não enxergamos o depositário judicial como um mero particular. É uma das figuras auxiliares do juízo, colaborador para concretização da função estatal jurisdicional.
O adequado enquadramento da pessoa alçada à condição de depositário no interior de um processo, nesta ótica, é aquele fornecido pelo conceito elástico insculpido no art. 327, caput, do Estatuto Criminal [39]. Tal alcance, como é cediço, é bem mais amplo que o definido na seara administrativista.
A Respeito, leciona Hungria apud Pereira (1991, p. 22):
(...) não é propriamente a qualidade de funcionário público que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por quem se acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária, remunerativa ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per accidens (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do C.P Penal; o depositário nomeado pelo juiz etc.). (itálico na fonte)
Doutra margem, advertimos que esse entendimento não é pacífico. Diversos doutrinadores defendem que os exercentes de múnus público, em que prevalentes os interesses privados, não são colhidos pelo conceito encampado no art. 327, do CP. [40] Ousamos divergir de tal corrente no que atina ao depositário judicial. Este auxiliar do juízo, tal qual o intérprete e o perito (isto para falar em auxiliares eventuais), cumprem um papel relevante e fundamental para que o interesse público de realizar o Direito, levando o processo a um desfecho regular, concretize-se.
Se é cabível um nivelamento, este deve ocorrer entre o depositário judicial, o perito, o intérprete e o administrador, auxiliares do juízo referidos no art. 139, do Código de Processo Civil. A propósito, veja-se o grau de repressão dirigida ao perito quando falta com os seus deveres, o mesmo ocorrendo com a testemunha. [41] Consagrar o entendimento de que o depositário judicial infiel deve merecer regime diverso daquele atribuído aos auxiliares retro, soa incongruente, máxime se considerarmos que o preceito processual civil que os enumera é o mesmo. Ademais, representaria uma proteção desequilibrada do iter processual. Mais acentuada na etapa de acertamento do direito e lassa quando este, já reconhecido, clamasse por uma atuação mais severa do Judiciário para fazer passar do mundo dos autos para o mundo dos fatos o equacionamento do litígio.
Levando adiante a linha de raciocínio supra, tem-se por afastado a hipótese de subsumir ao tipo penal de desobediência o comportamento do infiel depositário.
Aos nossos olhos, mais adequado o enquadramento da infidelidade do depósito assumido pelo executado ao crime de prevaricação [42], eis que, sendo este auxiliar do juízo alcançado pelo conceito do art. 327, do Código Penal, é essa norma incriminadora que mais se aproxima da sua atuação concreta.
O depositário, sendo infiel, deixa de praticar ato que se circunscreve nas suas obrigações para com a atividade estatal-jurisdicional. Instado pelo Estado-juiz, manifesta incúria no seu papel fundamental de resguardo e restituição da coisa confiada. Esse comportamento é motivado pelo interesse pessoal de obstar a marcha execucional. É essa a realidade aferível por aqueles que labutam nos fóruns e nos fólios processuais.
Há sempre um interesse pessoal do executado-depositário, que se sobrepõe ao interesse estatal e do exeqüente, no sentido de que o procedimento não chegue a bom termo. Está visível, assim, o elemento subjetivo do tipo penal da prevaricação.
A solução penal está proposta. De toda forma, não se apresenta tão respeitável e imediata quanto a possibilidade da prisão civil defendida nos tópicos anteriores. A uma, pelo fato de não ser possível sua implementação por juiz cível [43], circunstância que lhe retira imediatidade na adoção, cabendo ao magistrado o encaminhamento de peças ao Parquet. A duas, porque, em função do menor potencial ofensivo da infração, o réu preso em flagrante não terá mantida sua restrição da liberdade, desde que se comprometa a comparecer aos atos judiciais sucessivos. Pouco intimidativa, pois, a solução pela via criminal.
Traçando comentário firme a respeito deste tipo de solução e o quadro de debilidade das decisões judiciais, adverte Linard (2004):
Inobstante albergar evidente tentativa de solucionar essa situação de impotência em que se acha inserido o Poder Judiciário, nas situações da espécie, entendo que decisões de tal teor, por falta de embasamento legal firme e consistente, tendem a ser facilmente reformadas, servindo, assim, como fator adicional de desgaste e desmoralização para a Justiça.
Para quem é obrigado a conviver com situações como as aqui retratadas, o ideal seria a disponibilização, mediante regular processo legislativo, da medida sugerida por alguns juristas, dentre os quais se insere o Ministro Paulo Costa Leite, consistente na criação de um tipo penal específico para punir quem descumpre decisões judiciais.
Referido tipo penal teria que impor, a meu ver, tratamento menos privilegiado que o atualmente dispensado ao responsável pelo descumprimento, retirando-o da competência jurisdicional dos Juizados Especiais Criminais, com a instauração da ação penal, inclusive, a partir das informações direcionadas ao Representante do Ministério Público, submetendo-se o acusado à possibilidade de decretação e manutenção de prisão em flagrante, bem como de prisão preventiva, sem prejuízo ainda da imposição da multa diária, imposta no processo cível, o qual tramitaria simultaneamente, sem imposição de qualquer espécie de suspensão.
Consoante se vê, é justa a preocupação relativa ao crescente desprestígio das decisões judiciais. A solução demonstrada na súmula vinculante número 25, de um lado, consagra o direito fundamental à liberdade reafirmado em norma internacional, porém, de outro, tem o potencial de ferir o também direito fundamental a um processo célere, mercê dos incisos XXXV e LXXVIII, do art. 5°, da Norma Mãe. É o que veremos a seguir.