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O polêmico art. 16 da Lei Maria da Penha

15/08/2011 às 13:49
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Sempre que se ouve falar na Lei Maria da Penha ou fala-se genericamente, sem atentar para as tantas minúcias contidas no texto (algumas, ou a maioria inteiramente ainda inócuas, por dependerem de diferentes providências que o Estado ainda não adotou), ou vem logo à baila o art. 16 ou o art. 41.

Desejo ater-me tão somente ao art. 16, inserido no título DOS PROCEDIMENTOS ou de como se dá o processamento da ação concernente à violência doméstica.

Eis o texto:

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Passa-se ao exame do dispositivo.

O Ministério Público é titular absoluto da ação penal nos termos da Constituição Federal, mais precisamente: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

Entretanto tem-se que não olvidar que a ação penal pública se divide entre as que dependem ou não dependem de representação, portanto são condicionadas ou incondicionadas.

Com a devida vênia dos que pensam diversamente, já disseram ou escreveram, as ações de que trata a Lei 11.340/2006 nem sempre são incondicionadas.

E para melhor respaldar o que se entende assim afirmando, impõe-se um olhar ao seu art. 7° que classifica em cinco as formas de violência doméstica: a física, psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Não típica, os tipos preexistiam. Não fala de penas, não são tipos. Fala de formas:

Art. 7º  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A ofensa à integridade ou saúde corporal será provocada em decorrência de maior ou menor intensidade com que foram perpetradas ou para a possibilidade de as lesões que daí resultam serem leves, mas podem ser graves.

No inciso II cita a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional, adiciona a diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Os dois incisos, I e II se traduzem em crime de lesões corporais, posto que o produzir lesões não necessariamente significa fazer sair sangue do corpo, mas também o levar à condição reduzida, a conceituar-se a menos, como se não se revestisse de total dignidade humana. No segundo ainda está o próprio crime de ameaça, examinadas as circunstâncias, algum outro assemelhado.

Já no inc. III que se ocupa de violência sexual, evidenciam-se condutas equivalentes aos CRIMES CONTRA OS COSTUMES entendida como qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto (próprio) ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades, aponta para os CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

Por fim, o inc. V cita expressamente que a violência moral equivale a qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, ou seja, são CRIMES CONTRA A HONRA.

Feita esta retrospectiva, volte-se ao teor do art. 16 que não me parece passível de tantas divergências, posto que, é suficientemente claro, ao dizer: nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, tem-se que ficar com o que está disposto no Código Penal, ou seja:

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Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

Portanto, há casos em que a representação da ofendida é conditio sine qua non, não podendo ser omitida, noutros, não se faz necessário. Vale para o crime de violência contra a mulher nos seus diversos aspectos, o que vale para outros tipos penais.

Não me passou despercebida a oração adjetiva de que trata esta Lei. Refere-se à representação da ofendida. Então busquei a palavra representação detidamente, em todo seu teor e a encontrei três vezes: a primeira, no inc. I do art. 12 e se refere às providências adotadas pela autoridade policial. I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada. A vítima é livre de apresentar ou não a representação. No próprio artigo 16 e no art. 20, quando se trata da necessidade de decretação de prisão preventiva.

Todavia, ao que parece, a polêmica maior gira em torno dessa outra parte do dispositivo: só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Não se entenda a designação da audiência no caso de violência contra a mulher, como etapa do rito no processo penal, devendo sempre ser o Juiz a ter iniciativa de designá-la. Se não o fizer não fere nenhum preceito, não se pode falar de nulidade.

Por outro lado, caso a mulher livre e conscientemente desejar "retirar a queixa" impossível impedi-la de fazer, do que decorre ser-lhe facultado requerer a designação prevista no dispositivo em tese.

Dito isto, considerando o disposto no art. 13 da Lei Maria da Penha:

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei,

conclui-se nos termos do que foi examinado que a Ação Penal Pública por efeito da Lei Maria da Penha, segue o Código Penal para tipificação da conduta reprovada e o Código de Processo Penal para sua tramitação; a audiência prevista no art. 16 não é condição de validade ou nulidade da ação penal, facultado ao Juiz designá-la de oficio ou a requerimento do Ministério Público, vislumbrada a necessidade. Do mesmo modo, nada impede que a ofendida requeira tal.designação para o fim previsto, ou seja, desistir da representação formalizada.

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Sobre a autora
Marlusse Pestana Daher

promotora de Justiça no Espírito Santo, radialista, jornalista, escritora, especialista em Direito Penal e Processual Penal, membro da Academia Feminina Espírito Santense de Letras, ex-dirigente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAHER, Marlusse Pestana. O polêmico art. 16 da Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19769. Acesso em: 19 mar. 2024.

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