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A política criminal, o sistema acusatório e a prisão preventiva de ofício da Lei nº 11.340/06 no curso de inquérito policial

13/10/2011 às 08:30
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Analisa-se a constitucionalidade da decretação de prisão preventiva "ex officio" pelo juiz, no curso de inquérito policial, prevista na Lei Maria da Penha, com especiais considerações à política criminal e ao sistema acusatório.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo analisar a constitucionalidade da decretação de prisão preventiva ex officio pelo juiz, no curso de inquérito policial, tal qual previsto no art. 20 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), com especiais considerações à política criminal e ao sistema acusatório.


2. DESENVOLVIMENTO

A criminologia, a política criminal e a dogmática jurídico-penal podem ser vistas como ramos autônomos das ciências criminais. Em suma, realiza a criminologia o estudo empírico da criminalidade. A política criminal desenvolve, a partir dos referidos estudos, as necessárias estratégias de combate, enquanto que os Direitos Penal e Processual Penal, por sua vez, consagram normas e instrumentos jurídicos aptos à concretização das estratégias dessa última.

Ainda que inscipiente, ganha força essa visão interrelacionada do Direito Penal, em especial, quando afirma Claus Roxin (2002, p. 249) que "as valorações político-criminais fundamentam o sistema do Direito penal e a interpretação de suas categorias". O próprio Supremo Tribunal Federal, através do HC 94058/RS, dentre outros, já passou a considerar a política criminal como fundamento de interpretação dos institutos jurídico-penais, especialmente no tocante aos crimes de bagatela (BRASIL, 2008).

Assim, dentro da perspectiva da promulgação da Lei 11.340/2006, temos a evidência do propósito do novo ordenamento jurídico em dar especial combate aos crimes praticados contra a mulher dentro do ambiente doméstico, íntimo ou familiar. Elaborada a partir de recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entendeu-se que o tipo de violência sofrida pela mulher no âmbito dessas relações, por todas suas circunstâncias, exigiria estratégia de combate diferenciada. Trata-se, em realidade, de ato normativo consagrador de "discriminação positiva", de enfoque multidisciplinar [01], consciente da frequente subjugada posição da mulher numa sociedade historicamente patriarcal, cuja norma suporte pode ser apontada no art. 226, §8º da Constituição Federal [02].

Sob tal perspectiva e, inclusive, como instrumento concretizador de direitos humanos internacionais, não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Ocorre que a referida lei traz, em seu art. 20 [03], a possibilidade de decretação ex officio de prisão preventiva pelo Juiz em fase de inquérito policial. Em que pese a deliberada manifestação do legislador na adoção de especial combate aos crimes de violência doméstica, reconhecendo a hipossuficiência feminina no âmbito de tais relações, tal dispositivo não se coaduna com nosso sistema jurídico-penal. Explica-se.

À época da promulgação da Lei Maria da Penha, vigorava o art. 311 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 5.349/67, que também previa a prisão preventiva decretada de ofício no curso da investigação policial. Nada obstante o teor do referido dispositivo, deve-se entender que o mesmo não havia sido recepcionado pela Carta Magna de 1988, diante de manifesta ofensa ao sistema acusatório.

Em que pese a tese do ilustre professor Guilherme Souza Nucci (2007) de que, por conta de remanescer certa influência inquisitória no CPP, nosso sistema processual penal seria híbrido, misto ou inquisitivo garantista, ousa-se discordar. A Constituição Federal, pretendendo superar a herança inquisitória da época ditatorial, fez opção pelo modelo de sistema processual penal acusatório, na medida em que separou as funções de acusação e julgamento a órgãos distintos. Para a exata compreensão de nosso sistema, prefere-se privilegiar, por força da pirâmide normativa, os princípios e dispositivos constitucionais (acusatórios).

Sabe-se que o sistema acusatório exige o afastamento do juiz de funções investigatórias, de modo a assegurar sua total imparcialidade. Tenha-se em mente que a função investigatória restou reservada pela CF à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, cabendo a esses a análise quanto à necessidade de prisão preventiva para proteção da efetiva persecução penal.

Ao Magistrado caberá, no entanto, o poder de atuar após a instauração da ação penal. O juiz deverá atuar de ofício (inclusive por decreto de prisão), dentro da relação processual,na tutela de direitos individuais. Deverá conferir efetiva proteção ao processo em curso, velando pelo seu desenvolvimento regular e finalístico; afinal, o direito material que nele se veicula funciona como ordem de proteção, preventiva, dos direitos fundamentais (OLIVEIRA, 2008).

A novel Lei nº 12.403/2011 veio ao encontro do entendimento aqui defendido, vez que, ao alterar a redação do art. 311 do CPP, vedou a decretação de prisão preventiva ex officio pelo magistrado no curso de inquérito policial. Trata-se, como se vê, de manifesta confirmação do sistema acusatório previsto em nossa Constituição.

Nos dizeres de HASSEMER (2008), "a defesa de exigências injustificadas ao Direito Penal por parte da Política Criminal começa com uma análise precisa da capacidade do sistema jurídico-penal".


3. CONCLUSÃO

Conclui-se, em que pese os legítimos fundamentos de política criminal para a elaboração da Lei Maria da Penha, que seus instrumentos de política criminal deverão sempre estar em consonância com nosso sistema jurídico-penal, o que efetivamente não ocorre com o art. 20 da Lei nº 11.340/2006 por ofensa ao sistema acusatório previsto constitucionalmente.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHINI, Alice; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Lei de violência doméstica e familiar contra mulher (Lei Maria da Penha): constitucionalidade e convencionalidade. In: Atualidades Jurídicas: Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, v. 5, p. 2-22, 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 94058/RS. Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma. DJ 17 de semtebro de 2009. Brasília, DF, 18 de agosto de 2008.

DELMANTO, Celso. ____; et al. Código penal comentado. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 104-105

______. Código penal comentado. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. "Direito penal" do inimigo e os inimigos do direito penal. Revista Ultima Ratio. Corrd. Leonardo Sica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, ano 1, p. 329-356.

______. Lei da violência contra a mulher: inaplicabilidade da lei dos juizados criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1192, 6 out. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9009>. Acesso em: 02 set. 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

HASSEMER, Winfried. "Desenvolvimentos previsíveis na dogmática do Direito Penal e na Política Criminal". In: Revista Eletrônica de Direitos Humanos e Politica Criminal. Porto Alegre, n. 2, abr/08, p.1-16. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/direito/wp-content/uploads/2010/08/2_1.pdf>.

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito penal. Trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SILVA-SANCHEZ, Jesús-Maria. "Reflexôes sobre as bases da Política Criminal". In: Panóptica. Vitória, ano 2, n. 14, nov.08/fev.09. Disponível em: <http://www.panoptica.org/novfev2009/PANOPTICA_014_VI_111_121.pdf>


Notas

  1. Como destaca Fausto Rodrigues de Lima (2009), apud BIANCHINI e MAZZUOLI (2009), a Lei Maria da Penha permite três tipos de atuação: preventiva, psicossocial e punitiva; fato que pode ser reforçado pelo teor jurídico-penal de apenas 04 de seus 46 artigos.
  2. Art. 226. (…) §8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
  3. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
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Sobre o autor
Pedro Melo Pouchain Ribeiro

Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Tributário. Pós-graduando em Ciências Penais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Pedro Melo Pouchain. A política criminal, o sistema acusatório e a prisão preventiva de ofício da Lei nº 11.340/06 no curso de inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20212. Acesso em: 23 nov. 2024.

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