Determina o artigo 309, CPP que "se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de lavrado o auto de prisão em flagrante". Em primeiro plano transparece a total impropriedade da utilização do termo "réu" para o preso em flagrante. O legislador deveria ter usado a palavra conduzido ou indiciado porque não se trata de processo, mas de Inquérito Policial.
Malgrado isso, a verdade é que o dispositivo sob comento não tem mais aplicação prática, diante da revogação do artigo 321, I e II, CPP que tratava dos casos em que o indiciado se livrava solto (infrações apenadas apenas com multa ou cujo máximo da pena privativa de liberdade não ultrapassasse 3 (três) meses). Diante da inexistência da previsão de infrações em que o implicado se livra solto o artigo 309, CPP perde totalmente sua utilidade prática, pois que jamais será lavrado um Auto de Prisão em Flagrante nessas circunstâncias em que o envolvido se livrará solto. Ocorre que se a infração for apenada somente com multa (certas contravenções penais) será o caso de aplicação da Lei 9099/95 com Termo Circunstanciado e, mesmo no caso de negativa de assunção de compromisso de comparecimento ulterior ao Juizado Especial Criminal (artigo 69, Parágrafo Único da Lei 9099/95), não se poderá lavrar flagrante, pela óbvia questão de que se uma pessoa jamais será encarcerada, mesmo quando condenada (pena somente pecuniária), não pode ser presa provisoriamente. Isso violaria a proporcionalidade nos termos do artigo 282, I e II, CPP (necessidade e adequação), bem como o artigo 283, § 1º., CPP que proíbe a aplicação de qualquer cautelar (ou pré – cautelar) a infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. O mesmo se pode dizer da infração penal prevista no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06), para a qual não é prevista pena privativa de liberdade. Também nesse caso já é pacífica a doutrina no sentido de que não cabe jamais lavratura de flagrante, mesmo que o autor do fato se negue a assumir o compromisso de comparecimento ao Juizado Especial Criminal (inteligência do artigo 48, §§ 1º. e 2º., da Lei 11.343/06). [01]
Já no caso de infrações com penas privativas de liberdade até 3 meses, poderá ser lavrado o Auto de Prisão em Flagrante somente se o autor do fato não assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal. Senão será a prisão substituída pelo registro de Termo Circunstanciado. Contudo, havendo negativa ao compromisso, poderá ser lavrado o auto respectivo e depois concedida fiança criminal que, satisfeita, dará a liberdade ao conduzido. Com o fim do artigo 321, CPP, infelizmente ocorrerão situações em que o infrator de normas penais com apenação que não supere a 3 meses poderá, em tese, ser encarcerado, desde que não assuma compromisso de comparecimento ao Jecrim (inteligência do artigo 69, Parágrafo Único da Lei 9099/95) e não recolha fiança. A eliminação do artigo 321, especialmente em seu inciso II, pela Lei 12.403/11 não foi a melhor escolha, muito embora tais situações sejam raras e possam ser resolvidas pela posterior concessão de liberdade provisória pelo magistrado. Pensa-se que o legislador olvidou que nem sempre as pessoas assumem o compromisso de comparecimento ao Jecrim e que nesses casos, havendo flagrância, possível será a prisão, a qual somente se reverterá perante a Autoridade Policial mediante pagamento de fiança, já que se eliminaram as hipóteses de livramento solto do antigo artigo 321, CPP. No caso da multa isolada o problema foi solucionado pela própria Lei 12.403/11, assim como no caso das penas especiais da Lei 11.343/06 pelo próprio diploma, mas quanto às infrações com pena até 3 meses o problema pode ocorrer, ensejando uma reação processual penal desproporcional quando se operar o encarceramento em infrações bagatelares dessa espécie.
REFERÊNCIAS
GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 218.
MARCÃO, Renato. Tóxicos. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva,2007, p. 390.
Notas
01 Ver neste sentido a doutrina especializada: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 218. Ver também no mesmo sentido: MARCÃO, Renato. Tóxicos. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva,2007, p. 390.