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Orientação sexual e discriminação no emprego

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01/10/2001 às 00:00
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03. Orientação sexual.

Os termos "orientação sexual" ou "opção sexual" somente passam a ter sentido em um regime de liberdade sexual, pois a própria noção de liberdade está intimamente relacionada com a possibilidade de alternativas.

Por isto mesmo, quando há a proposta de se falar em orientação sexual, não há como se negar que o tema básico é, indubitavelmente, o homossexualismo, pois a relação heterossexual já é a naturalmente imposta pelo espírito de conservação e reprodução do ser humano.

Dissertar, porém, sobre o homossexualismo não é tarefa fácil, tendo em vista as multiformes visões ideológicas existentes em cada setor da sociedade.

O pensamento cristão, embora não condene o homossexual enquanto ser humano, repudia veementemente a prática do homossexualismo, considerando-a pecado, como podemos lembrar, no velho testamento, do episódio de Sodoma e Gomorra, valendo destacar também o seguinte trecho do novo testamento: "25 Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. 26 Pelo que Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. 27 E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. 28 E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convém;" (Rom-1,25-28).

Já em relação ao pensamento dos setores mais tradicionais da psicologia, os compêndios clássicos já não trazem mais o homossexualismo como uma patologia, mas mantém a postura de considerá-lo como um desvio da conduta sexual normal.

Os ativistas dos direitos humanos, por sua vez, valorizam o aspecto volitivo da conduta homossexual, qualificando-a como uma simples opção individual, em matéria de sexo, sendo sintomático do caráter preconceituoso da sociedade a expressão "o amor que não mostra o nome", poeticamente utilizada pelos grupos de militância gay

E é justamente este aspecto do preconceito que abordaremos no próximo tópico.


04. Discriminação pela orientação sexual.

Discriminação, como sabemos, consiste no tratamento desigual ou preferencial de alguém, prejudicando outrem.

Ora, o caráter preconceituoso com que a conduta homossexual é encarada na sociedade é um elemento importante para a constatação da possibilidade fática de ocorrência de atos discriminatórios contra si.

Se é certo que grandes espaços foram conquistados através dos tempos, no que diz respeito à liberdade sexual, notadamente das mulheres, mas certo ainda é que indubitavelmente há muito a evoluir, principalmente em relação ao homossexual.

Um bom exemplo disso foi o projeto de parceria civil, de autoria da Deputada Marta Suplicy, que, com a bem-intencionada e razoável intenção de regularizar a situação patrimonial de duas pessoas do mesmo sexo que tivessem uma vida em comum, dando-lhe um status semelhante à da união estável, acabou conhecido como a "lei do casamento gay", gerando tanta repercussão (e execração), que acabou sendo rejeitado no Poder Legislativo.

Certo, porém, é que, independentemente da visão ideológica, política, filosófica ou religiosa de cada indivíduo em relação ao homossexualismo, não há como se negar a cidadania ao homossexual, relegando-lhe à marginalidade e à hipocrisia de somente ser aceito se a sua vida pessoal estiver relegada a quatro paredes.

Todavia, como o preconceito (e a discriminação) grassa fortemente na nossa multiforme sociedade, é lógico que isto não poderia deixar de ocorrer na seara da relação de emprego, onde o poder e o tratamento diferenciado podem se tornar tragicamente complexos.


05. Orientação sexual e discriminação no emprego.

Por reconhecer que a relação empregatícia é um campo fértil para a propagação de práticas discriminatórias do ponto de vista geral, o legislador brasileiro vem se preocupando, há algum tempo, com a adoção de políticas regulamentadoras da matéria.

É o caso, por exemplo, da Lei 9.029, de 13/04/95, que proíbe "a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade", tipificando criminalmente, inclusive, algumas destas práticas.

É de se destacar, porém, que, apesar de falar em sexo, não há referência a orientação sexual como um dos parâmetros proibidos de discriminação, o que reflete como a questão ainda é complexa na mentalidade dos representantes da sociedade brasileira.

E como toda ação gera uma reação, constatamos, por parte dos grupos de militância homossexual, uma tendência muito forte de reiteração da conduta que se convencionou chamar de "patrulhamento sexual", em uma busca de uma revisão da história moderna, para tentar encontrar, em vultos históricos, um comportamento compatível com sua opção sexual.

No estado da Bahia, a título exemplificativo, testemunhamos sérias polêmicas envolvendo os membros do GGB (Grupo Gay da Bahia) e MNU (Movimento Negro Unido), vez que o primeiro "ousou" sustentar a tese de que Zumbi dos Palmares era homossexual, o que gerou grande resistência na comunidade negra baiana (a maior do Brasil), inclusive, com atos de vandalismo noticiados pela imprensa.

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Outro nome da história brasileira que foi tachado de "gay" pelo GGB (cujo Presidente é Professor Titular da Universidade Federal da Bahia, na área de sociologia) foi Lampião, o que também envolveu grande controvérsia com os historiadores e biógrafos do "Rei do Cangaço".

Este tipo de conduta, embora injustificável, é facilmente explicável como uma busca a um reconhecimento social "na marra", numa espécie deformada de "ação afirmativa" para prestigiar a minoria discriminada.

Estas são as contribuições que apresento, por enquanto, para a discussão da matéria. O tema, sem qualquer sombra de dúvida, é dos mais polêmicos, carecendo, ainda, de maiores digressões. Ficamos satisfeitos, porém, se conseguimos suscitar algumas reflexões para este assunto que, na linguagem G.L.S., há muito já deveria ter saído do armário...


Notas

1. Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986, p. 1028.

2. Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, p. 465.

3. Machado Neto, A. L., Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1975, p. 53. Nas palavras de Carlos Cossio: "El problema jurídico de la libertad irrumpe dogmaticámente en la Dogmática com el axioma ontológico de que todo lo que no está prohibido está juridicamente permitido, axioma que es conceptualmente aprehendido com la noción de la plenitud hermética del ordenamiento jurídico." (Carlos Cossio, La Teoria Egologica del Derecho y el Concepto Juridico de Libertad, segunda edicion, Argentina, Abeledo-Perrot, 1964, p. 656).

4. O exemplo mais evidente desta conclusão está na parte especial do Código Penal brasileiro, que, em vez de preceituar, v.g., em seu art. 121, que "É proibido matar alguém", determina que "Matar alguém" implica em pena de "reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos", descrevendo apenas a conduta típica e a sanção correspondente.

5. Sessarego, Carlos Fernandez, El Derecho como Libertad, Lima-Peru, Ed. Libreria Studium, 1987, p.102.

6. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. I, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 27.

7. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, ob. cit., p.28/29

8. Silva, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1992, p. 243.

9. "Art. 5º (omissis)

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

10. Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 3, São Paulo, Editora Saraiva, 1998, p. 122.

11. Noronha, E. Magalhães, Direito Penal, vol. 3, 20ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1992, p. 99.

12. Não podemos esquecer da existência de países teocráticos, de fundamentalismo islâmico, como, v.g., o Irã, que não reconhecem a igualdade de direitos entre homens e mulheres.

13. No respeitado depoimento de Segadas Vianna, "a mulher judia tinha uma posição de absoluta inferioridade em relação ao homem, não obstante a lei de Moisés a colocar no mesmo plano dizendo que o ‘o matrimônio é a unidade espiritual e corporal do homem e da mulher, como Deus ordenou’. Enquanto isso, Elias afirmava que ‘o homem pode abandonar a mulher, se deixou a comida queimar ou se encontra outra mais formosa que a sua’. Não recebia a mulher, na Palestina, qualquer instrução e até 13 anos de idade podia ser vendida e casada segundo a vontade de seus pais." (Instituições de Direito do Trabalho, vol. II, 16ª ed., São Paulo, LTr, 1996, p.935).

14. Santos, Aloysio, Assédio Sexual nas Relações Trabalhistas e Estatutárias, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.12.

15. Barros, Alice Monteiro de, A Mulher e o Direito do Trabalho, São Paulo, LTr Editora, 1995, p.27/28.

16. Em Roma, "a mulher, qualquer que fosse a sua situação, estava sempre submetida a um poder; se era solteira, alieni juris submetia-se à patria potestas; se era casada cum manu, impunha-se-lhe a manus maritalis; sendo solteira, sui juris, ou viúva, ficava sob a tutela permanente", gerando-lhe uma incapacidade de fato, que só veio a ser razoavelmente atenuada com o fim da República e o começo do Império (Sílvio Meira, Instituições de Direito Romano, 4ª ed, São Paulo, Editora Max Limonad, 1970, p.58.)

17. Santos, Aloysio, ob. cit., p. 13.

18. Paulo Poppe, "Esboço histórico do trabalho feminino", Boletim 40 do MTIC, p. 115 apud Segadas Vianna, Instituições de Direito do Trabalho, vol. II, 16ª ed., São Paulo, LTr, 1996, p.936.

19. Gomes, Orlando, e Gottschalk, Elson, Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed. (de acordo com a CF/88), Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 419.

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Sobre o autor
Rodolfo Pamplona Filho

juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Orientação sexual e discriminação no emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2049. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Exposição feita no Seminário "A Proteção dos Interesses Coletivos na Justiça do Trabalho", promovido pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, na Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região, em Salvador/BA

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