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Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 15.429/2011 de São Paulo

13/12/2011 às 14:11
Leia nesta página:

A lei municipal que proíbe o uso de telefones celulares dentro de agências bancárias é inconstitucional.

Em 29 de agosto de 2011 entrou em vigor lei municipal na cidade de São Paulo que proíbe o uso de telefones celulares dentro de agências e postos bancários, bem como em terminais de autoatendimento.

A determinação tem gerado controvérsia em razão da utilizade dos aparelhos de celular para aqueles que exercem atividade em que o mesmo é imprescindível, como médicos, agentes de segurança, advogados... e mesmo para pessoas que, por uma razão ou outra, necessitem de alguma informação da qual não dispõem no nomento do pagamento de uma conta, ou fornecimento de algum número de documento que esqueceu em casa; ou ainda para desmarcar ou adiar compromissos em razão do atraso na fila do guichê.

A lei nº 15.429 de 26 de agosto de 2011 originou-se do projeto de lei nº 0132/2010, da Vereadora Sandra Tadeu (DEM), e restringe o uso de aparelhos de celular para fins de fazer e receber chamadas, enviar e receber mensagens de texto e de voz dentro das agências bancárias e postos de atendimento eletrônico da Capital do Estado de São Paulo.

A iniciativa não é inédita, pois o Estado do Rio de Janeiro e municípios diversos, inclusive do interior de São Paulo, já haviam promulgado normas de teor semelhante. Com a referida proibição busca-se diminuir a ocorrência do crime de roubo conhecido como "saidinha de banco", conforme justificou a Vereadora sobre a importância de seu projeto.

Assim, ficam as agências bancárias encarregadas de 'proibir' seus clientes de se utilizarem dos telefones móveis dentro de suas instalações e, aquelas que descumprirem a norma serão autuadas por agentes da Prefeitura, sendo que as multas variam de R$ 2.000,00 a R$ 5.000,00 em caso de reincidência.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores de São Paulo, sob entendimento de trata-se de interesse local e matéria de natureza consumerista (proteção ao consumidor), seguindo para promulgação pelo Prefeito.

Passamos à análise da norma:

A lei é materialmente INCONSTITUCIONAL.

Em que pese o nobre interesse em preservar a segurança dos frequentadores de agências bancárias e caixa eletrônicos, tal matéria não se encontra afeta à competência legislativa municipal.

O artigo 144 da Constituição Federal estabelece:

Artigo 144.

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

[…]

§ 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública […].

§ 6º. As polícias militares e corpos de bombeiros militares; forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos governadores dos Estados, do Distrito federal e dos Territórios.

[…]

§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

De plano observa-se que aos Municípios, em termos de segurança, devem restringir-se ao seu próprio patrimônio, sendo a segurança geral da população objeto de atuação do ente Estadual, através da ação da polícia militar subordinada ao Governador.

Conforme parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores de São Paulo "o tema diz respeito a interesse local do município, matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor sobre essa questão, no plano local" [01].

Entretanto, contrariando o entendimento da Comissão mencionada, a Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso VIII, fixa como competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (excluído o Município), legislar sobre responsabilidade por dano ao consumidor.

Interpretando o referido artigo, podemos entender que uma vez que o conjunto legislativo tem por objeto a criação de normas que previnam situações indesejáveis socialmente, cabe somente aos entes federativos mencionados legislar sobre a proteção ao consumidor.

Poder-se-ia, em princípio, crer na constitucionalidade da lei 15.429/2011, se aplicássemos uma interpretação expansiva do artigo 30, inciso I, em que "compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local", considerando que as agências bancárias se encontram dentro do território municipal componente do Estado-membro.

Mas o que se entende por "interesse local"?

O interesse local é caracterizado pela sua centralização dentro do território do Município, tornando-o competente para legislar, por exemplo, sobre sua coleta de lixo (que é maior ou menor dependendo da quantidade de habitantes), do trânsito local, de iluminação pública etc.

Conforme ensina Hely Lopes Meirelles, em lição que pode ser aqui aplicada, é que o interesse Municipal deve predominar sobre qualquer outro:

A única restrição é a de que tais serviços sejam de seu interesse local. O interesse local, já definimos, não é o interesse exclusivo do Município, porque não há interesse municipal que o não seja, reflexamente, do Estado-membro e da União. O que caracteriza o interesse local é a predominância desse interesse para o Município em relação ao eventual interesse estadual ou federal acerca do mesmo assunto.

O critério do interesse local é sempre relativo ao das demais entidades estatais. Se predomina sobre determinada matéria o interesse do Município em relação ao do Estado-membro e ao da federação, tal matéria é da competência do Município; se seu interesse é secundário comparativamente ao das demais pessoas político-administrativas, a matéria refoge de sua competência privativa, passando para a que tiver interesse predominante a respeito do assunto. (MEIRELLES, 2009, p. 342)

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A violência urbana deve ser coibida pela Polícia Militar, ligada ao Governo do Estado, abrangendo igualmente todos os municípios daquela Unidade Federativa. A maior prova desse fato é a proliferação de legislações locais intentando a proibição do uso de celulares nas agências bancárias como forma de diminuir uma ocorrência criminal específica (saidinha de banco).

A justificativa apresentada pela Ilustre Vereadora e acolhida pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara Municipal de São Paulo não pode subsistir na medida em que: (i) não se trata de interesse local por não configurar ocorrência isolada dentro do território de um município específico; (ii) não constituir competência municipal legislar sobre proteção ao consumidor; (iii) a lei municipal em questão não se presta a complementar nenhuma lei federal ou estadual sobre o tema.

Outra inconstitucionalidade evidente da norma é a grave ofensa ao princípio da presunção de inocência, uma garantia fundamental inscrita no artigo 5ª, inciso LVII - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Sendo a proibição de uso de celulares nas agências e postos bancários destinada a coibir a ocorrência de roubos nas saídas das mesmas, passa-se a tratar todo e qualquer cidadão como criminoso em potencial, ferindo o princípio da inocência insculpido da Carta Maior. Presume-se que o cidadão que utiliza o telefone na agência está, necessariamente, auxiliando na prática de um ilícito penal, cabendo à instituição bancária 'proibir' o cliente de utilizar o celular.

Mais uma inconstitucionalidade surge:

Estaria o Município, irregularmente, transferindo às agências bancárias a obrigação de zelar pela segurança pública que compete ao Estado?

Ainda que se entenda que a segurança pública é DEVER de todos, ainda assim há limites pois apenas o Estado detém o jus puniendi, não tendo os bancos – na medida em que tratam-se de instituições privadas – qualquer poder ou autoridade sobre os clientes de suas agências, de forma que não podem simplesmente determinar a alguém que desligue o aparelho enquanto estiver na agência.

A segurança pública é um serviço de prestação exclusiva do Estado, não podendo serem delegados ao particular. Novamente nos utilizamos dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

Serviços próprios do Estado: são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde públicas etc) e para a execução dos quais a Administração usa da supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares. (MEIRELLES, 2009, p. 334)

A lei 15.429/2011 determina, em seu artigo 2º, que a não observância da lei implica em multa à agência bancária, que varia de R$ 2.000,00 a R$ 5.000,00 em caso de reincidência.

Vê-se aqui que a proibição de uso do celular destina-se aos clientes das agências bancárias, entretanto a punição aplicada pelo Estado (fiscal) destina-se às agências que não tenham sucesso em impedir o uso do aparelho por seus clientes.

Entretanto, as instituições bancárias não possuem autoridade sobre seus clientes para aplicar sanções em caso de descumprimento, na medida em que lhes falta o poder de coerção característico do ente público.

Analisando o exposto acima, constatamos que a norma tem por objetivo que o cliente não utilize o telefone móvel dentro da agência mas, ainda que a norma se destine ao cliente, em caso de infração por parte deste será o estabelecimento bancário o responsável pelo pagamento da multa, e ausente a condição de repassar o prejuízo ao consumidor sem infringir os direitos deste.

Nota-se que na aplicação desta lei a pena ultrapassa a pessoa do condenado e atinge pessoa jurídica que não possui poder de impedir o ato 'ilícito' do uso do telefone na agência, o que configura outra inconstitucionalidade.

De todo o exposto, conclui-se que a lei 15.429/2011 é inconstitucional no aspecto material.


Referências biliográficas:

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administraivo Brasileiro. 35ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 334, 342.

SÃO PAULO. Câmara Municipal. Disponível em <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/justificativa/JPL0132-2010.pdf>, acesso em 16 set. 2011 às 20:50h.

______. Câmara Municipal. Disponível em <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/parecer/JUSTS1161-2010.pdf>, acesso em 16 set. 2011, às 20:45h.

______. Câmara Municipal. Disponível em <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/parecer/CONJPL0132-2010.pdf>, acesso em 16 de set. 2011, ás 20:34h.

______. Câmara Municipal. Disponível em <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/leis/L15429.pdf>, acesso em 16 de set. 2011, ás 20:34h.


Notas

01 Disponível em <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/parecer/JUSTS1161-2010.pdf>, acesso em 16 set. 2011, às 20:45h.

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Sobre a autora
Érika Taucci Magalhães

Bacharel em Direito pela Universidade de Santo Amaro - UNISA. Pós graduada em Direito Administrativo e Constitucional pela Escola Paulista de Direito - EPD. Advogada militante na capital do Estado de São Paulo na área de contencioso bancário e cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Érika Taucci. Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 15.429/2011 de São Paulo . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3086, 13 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20629. Acesso em: 25 dez. 2024.

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