I – INTRODUÇÃO
Vivemos num mundo surpreendente. Atualmente, os meios de comunicações sociais divulgam a existência de grave crise econômica mundial acompanhada de conflitos políticos, étnicos e religiosos entre nações, onde a população civil, aos milhares, é morta num massacre permanente. Informam-nos de aumento das agressões ao meio-ambiente com incremento da poluição, aquecimento global e destruição de ecossistemas, colocando em risco a vida no planeta. Divulga-se, quase que diariamente, a corrupção atingindo níveis absurdos em quantidade de pessoas envolvidas, prejudicando os negócios e propiciando uma concentração de renda mundial nas mãos de poucos, em detrimento da miséria de muitos. Isso sem falar nas populações de continentes inteiros que estão mergulhadas na miséria, nas doenças e nos conflitos, sem perspectivas de mudança, o que nos indigna e desafia ao mesmo tempo.
A par dessas crises, atesta-se facilmente que o mundo caminha para um desenvolvimento civilizatório, uma evolução social globalizada nunca antes imaginada e causada principalmente pela admirável evolução das ciências, da tecnologia e da economia mundial nos últimos anos, tornando a vida humana muito mais fácil no planeta. Recentemente inclusive divulgou-se que há a previsão de que os jovens deverão alcançar o centenário devido à evolução da ciência médica cada vez mais capaz de propiciar um envelhecimento digno.
De forma contraditória, porém, como visto acima, este desenvolvimento econômico, o progresso cultural e a evolução social não são socializados ou solidarizados, não vem acompanhado pela efetivação dos direitos humanos fundamentais, patrimônio da humanidade desde a Revolução Francesa de 1789. Ao contrário disso, muitos países que consagram os direitos humanos em suas Constituições os desrespeitam acintosamente, seja de forma comissiva ou omissiva como a proclamar a inexistência ou a ineficácia de uma Constituição efetiva e dirigente.
Dentre os direitos humanos fundamentais destacam-se os direitos sociais. Os direitos sociais são direitos que se relacionam aos excluídos sociais, aos miseráveis, as pessoas que precisam do Estado para concretizar direitos relacionados à vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer e à cultura, pois são pessoas estão marginalizadas da sociedade. Os direitos sociais, se comparados aos direitos individuais, nasceram muito mais como normas declaratórias do que jurídicas, não tendo força normativa e eficácia concreta daí sua difícil implementação. Reflexo disso é que quando direitos como a liberdade e a propriedade são violados desperta no cenário nacional e internacional uma grande reação organizada mas, quando se fala de violação a direitos como saúde, educação, habitação, cultura etc., não há muita mobilização social quanto a isso.
No Brasil, a Constituição de 1988 ampliou de forma nunca vista antes a tutela dos direitos sociais. Nela, o direito a saúde deixou de ser serviço público discricionário para ser direito efetivo, diferente das constituições anteriores. Ela revolucionou em relação ao direito à educação, trouxe pela primeira vez o direito à moradia como um direito fundamental, avançou na previsão do direito ao lazer e da cultura e comprometeu todas as unidades federativas em competências comuns a respeito desses direitos. Ela inovou quando determinou como seu fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana, quando declarou entre seus objetivos a solidariedade, a justiça e a erradicação das desigualdades sociais e quando previu várias ações constitucionais que possibilitam efetivação de seus preceitos programáticos e a tutela dos direitos sociais. A Constituição atual é uma Constituição comprometida com os direitos sociais elegendo a dignidade humana como grande principio norteador e prevendo meios concretos de efetivação. Nesse panorama, a Constituição Federal deu grande relevo ao Poder Judiciário. É um dos três Poderes da Republica e tem a responsabilidade direta pela guarda da Constituição. Mais que isso, quando o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal prescreve que "nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça de direito", o texto constitucional comprometeu os juízes em efetivarem a Constituição. Como conseqüência, comprometeu os juízes na implementação das políticas públicas, principalmente quando as políticas públicas não forem realizadas por quem deveria realizá-la ou quando há má prestação dos serviços públicos.
Em um país em construção como o nosso, as políticas públicas são os atos, leis, diretrizes, programas que o Estado deve implementar para poder concretizar os direitos sociais que são garantidos na Constituição. Os direitos sociais são efetivados através das políticas públicas. São exemplos de Políticas Públicas a construção de hospitais, escolas, a compra de medicamentos, a contratação de médicos, a compra de merenda e livros escolares, a construção de um museu, a política estatal de incentivo ao mercado de trabalho. São ações concretas que visam efetivamente dar maior qualidade de vida principalmente aos hipossuficientes.
A fiscalização e a implementação pelos juízes das políticas públicas atualmente é um assunto que desperta grande polêmica no país em geral e no meio jurídico em particular. Fala-se muito num indesejável e temido governo dos juízes ou num ativismo judicial devido a uma série de recentes e importantes decisões judiciais onde os juízes adotaram decisões ousadas.
O objetivo do trabalho é investigar se, apesar de existirem outros Poderes da República responsáveis diretamente pelas políticas públicas, como o Poder Executivo e o Legislativo, conforme previsão constitucional, até que ponto o Poder Judiciário não está também comprometido com a efetivação das políticas públicas? Será que há legitimidade dos juízes para intervir nas políticas públicas? Será que a separação dos Poderes da República, com a correspondente separação de funções, previsto em nossa Constituição tira legitimidade do Poder Judiciário para atuar na implantação das políticas públicas? Tentaremos aprofundar o assunto tratado e responder essas e outras perguntas que surgirem no decorrer de nossa pesquisa e investigação.
II - HISTÓRICO DOS DIREITOS SOCIAIS
A noção de direitos fundamentais passou por alterações ao longo da história e daí decorrem as diferentes gerações dos direitos fundamentais. Classicamente, são três as gerações dos direitos fundamentais e historicamente a Revolução Francesa é a origem e o fundamento deles. Os direitos fundamentais de 1º Geração seriam os direitos de liberdade e propriedade e são direitos influenciados pelo valor da liberdade. Seriam os direitos individuais de ir, vir e ficar: o direito à segurança, o direito à propriedade, patrimônio etc. Os direitos fundamentais de 2º Geração seriam os direitos influenciados pelo valor da igualdade. Seriam os direitos sociais e visam à igualdade mesmo que utópica entre os trabalhadores, tais como a igualdade quanto à previdência social, a cultura, a educação o desporto etc. Os direitos fundamentais de 3º Geração seriam os direitos influenciados pelo valor da fraternidade ou solidariedade. Seriam os direitos difusos, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado e sadio, o direito à paz mundial, o direito às telecomunicações, o direito ao patrimônio público etc. Modernamente, alguns autores sustentam a existência de uma 4º Geração de direitos fundamentais relacionados ao processo de globalização, tendo como exemplo o amplo acesso à informação e o direito à democracia etc.
O conceito atual de Constituição como ápice do ordenamento jurídico e positivadora de direitos humanos só foi possível depois da consolidação do Estado Moderno e do surgimento da noção de soberania estatal. Na maioria dos países europeus, o Estado nacional só começa a se formar em meados do séc. XVI e final do séc. XV. Até então, não havia um poder único, não existia a idéia do Estado como titular do monopólio e do uso legítimo da força, centro único de produção de normas jurídicas, mas, ao contrário, o poder era fragmentado e desconcentrado.
Com a unificação do Estado vem à tona um movimento cujas conseqüências irradiam-se até hoje, o Iluminismo, e que foi um dos responsáveis pela unificação dos Estados Nacionais. O Iluminismo foi uma filosofia racionalista, buscava libertar o homem da tradição, do preconceito e alicerçar todo conhecimento humano na razão. O Iluminismo era essencialmente uma filosofia antropocêntrica, quer dizer, uma filosofia que centrava as suas preocupações na figura do homem, diferentemente do pensamento até então em que o centro das preocupações a religião. Para proteger o homem e potencializar os valores humanitários, que eram o objetivo do iluminismo, era preciso, antes de tudo, limitar esse poder estatal que era um poder absoluto quando o Estado nacional se formou. O chamado Estado Absolutista se confundia com a figura do rei monarca que não conhecendo limites jurídicos, e sua atuação invariavelmente atropelava os direitos humanos.
Esse foi o nascimento do constitucionalismo que foi a expressão jurídica da preocupação com a proteção dos direitos humanos fundamentais. Para isso, a idéia era de criar uma determinada estrutura para o Estado, de tal sorte que ele não pudesse violar os direitos humanos. A tripartição e a separação de poderes surge para dividir o exercício do poder e com isso nenhum poder vai se sobressair e controlar os outros poderes e assim não permitir que os direitos do homem sejam violados. Além disso, o Estado vai ser limitado através da definição e positivação dos direitos fundamentais, que vão consistir em barreiras protegendo a autonomia privada da intervenção indevida do poder público. Esses direitos, nesse primeiro momento, vão consistir em deveres de abstenção estatal, o Estado vai garanti-los, vai protegê-los se omitindo, deixando de agir. Então o surgimento do chamado Estado Mínimo foi quase que uma conseqüência dessa visão dos direitos humanos. O Estado se restringia ao desempenho de tarefas muito limitadas, ele protegia somente a propriedade, a segurança interna e externa. Com o passar do tempo foi se tornando claro que aquele modelo de Estado absenteísta, ausente, não bastava. O Constitucionalismo Liberal ao proteger apenas a propriedade privada, ao criar o arcabouço institucional necessário para o desenvolvimento apenas do comércio, da indústria e da atividade econômica como um todo, permitiu que o capitalismo se tornasse um capitalismo selvagem e desumano, com a injusta exploração econômica do homem como se fosse mercadoria. Naquela época, mulheres e crianças trabalhavam até 18 horas por dia com um salário miserável, sem nenhuma proteção da sociedade e do Estado.
Então começaram a surgir críticas a esse modelo de Constitucionalismo Liberal. Uma delas partiu do filósofo Karl Marx, muito influente até hoje. Para ele, a história das liberdades, da Revolução Francesa, do Estado de Direito, era só um artifício para esconder a dominação de uma classe social sobre a outra, estando dentro da superestrutura que visa dar um verniz de legitimidade a uma situação de exploração da burguesia sobre o proletariado. Surgiram várias outras críticas não tão radicais, como por exemplo, o Socialismo Utópico, a Doutrina Social da Igreja e outras mais.
Essas idéias ganharam um canal que pelo qual elas puderam ser trazidas para dentro do universo jurídico e para dentro do universo constitucional. Paralelo a consagração da idéia de igualdade, paulatinamente foi se estendendo o direito de voto a parcelas cada vez maiores da população e essas parcelas tinham agora como expressar as suas vontades através de mecanismos juridicamente institucionalizados. Uma das conquistas do iluminismo foi a recuperação do ideal democrático que tinha surgido na Grécia antiga.
A idéia brotou ali, mas a extensão do direito de voto e do poder político a parcelas cada vez maiores da humanidade foi fruto de lutas seculares e sangrentas. O deslocamento do eixo do poder político levou a que se incorporasse a noção de cidadania a parcelas cada vez maiores que tiveram como expressar as suas demandas. Então, por isso e por uma série de outras razões econômicas, a virada do século XIX para o século XX vai assistir uma mudança no paradigma de Estado que se refletiu diretamente no conceito de Constituição e de Constitucionalismo.
A Constituição até então era concebida apenas como uma limitação ao poder estatal. O papel das Constituições era estruturar o Estado e fortalecer o elenco de garantias individuais que impedissem que o Estado violasse as liberdades do homem, um papel relativamente reduzido. As Constituições eram apenas contenções ao poder estatal. Ora, com essas novas necessidades, essas novas demandas da sociedade, o Estado teve que crescer para atendê-las. Com esse crescimento o Estado abdicou do papel de mero espectador dos conflitos distributivos que se travavam no seio da sociedade civil e foi paulatinamente assumindo a função de regulador do mercado, de protagonista, inclusive do processo econômico.
Por outro lado, os direitos que as pessoas tinham em face do Estado foram também se alterando. Se até então os direitos humanos eram um direito a abstenção do Estado, com esse novo paradigma vão surgir outros direitos positivos, direitos cuja prestação vai consistir numa atuação comissiva, ativa, do poder público, como por exemplo, o direito à saúde, educação, previdência social, etc. São pretensões que demandam do poder público um crescimento, que demandam atuações positivas que para serem concretamente desempenhadas, necessitam de um Estado maior.
Foi essa a gênese do chamado Estado do Bem Estar Social, o qual projetou conseqüências extremamente importantes na compreensão do que é uma Constituição preocupada com a justiça. Se a Constituição, até então, regulava apenas as relações jurídicas entre cidadão e Estado, agora a Constituição passou a se ocupar com a sociedade. Então, o Estado vai passar também a agir para proteger o homem do próprio homem e com isso nós vamos ter o surgimento do direito social, do direito do trabalho a constitucionalização dos direitos privados. A Constituição passa também a ser o epicentro do ordenamento jurídico, o centro gravitacional em torno do qual giram todos os demais ramos do direito.
O novo conceito que corresponde ao Estado do bem estar social e a mudança no paradigma do Estado se refletiu na modificação do conceito de Constituição. A Constituição não é mais aquela norma que disciplina apenas as relações entre cidadão e Estado e que por isso tinha que ser mínima. A Constituição do Estado do bem estar social é ambiciosa, ela pretende ir além, estabelecendo metas e prescrevendo objetivos que as forças políticas vão ter que cumprir. Nasceram principalmente através das Constituições Mexicana, Soviética e Alemã.
Por fim, para alguns estudiosos, após a segunda grande guerra mundial, sobreveio a instituição de uma outra forma de Estado que é o Estado Democrático de Direito, que no Brasil se materializou, ao menos formalmente, na Constituição de 1988. Mas afinal, o que é o Estado Democrático de Direito? O Estado Democrático de Direito é concebido com base em dois fundamentos: respeito aos direitos fundamentais e sociais e democracia.
O Estado Democrático de Direito é, portanto, uma evolução em relação ao Estado Social, na medida em que o Direito é visto com instrumento necessário à implantação das promessas de modernidades não cumpridas pelo Estado Social. Desta forma, há um inevitável deslocamento do centro de tensão e decisão dos Poderes Legislativo e Executivo para o Poder Judiciário com a Jurisdição Constitucional.
O Estado Democrático de Direito e Constituição Dirigente são conceitos e institutos intimamente ligados; são instrumentos garantidores da conformação dos poderes constituídos com a finalidade precípua de implementarem as promessas de uma igualdade material. O Direito, portanto, assume relevante papel nessa empreitada, na medida em que é o instrumento de conformação social, frente à inércia dos outros poderes. Por outro lado, antiga separação de poderes de índole iluminista está em crise porque as urnas não possuem hoje um papel único de fonte de legitimação democrática do poder. Democracia e representação popular não são expressões sinônimas, pois a primeira significa antes de tudo vontade popular.
Em relação aos direitos sociais, tema específico do trabalho, é necessário fazer uma abordagem sobre toda a problemática que os envolvem. Os direitos sociais são direitos que se relacionam aos hipossuficientes, que são pessoas que precisam do Estado para que possam concretizar direitos humanos relacionados à igualdade, pois estão à margem da sociedade. Mas não a uma igualdade puramente formal, que já era ideário da Revolução Francesa de 1789 que revolucionou a história da humanidade quanto ao reconhecimento dos direitos humanos, mas uma igualdade em um aspecto mais profundo, uma igualdade que é traduzida numa melhor qualidade de vida para as todas as pessoas com relação à saúde, a moradia, educação, lazer e a cultura, principalmente para aqueles que dependem do Estado para que possam concretizar essa igualdade.
O fato é que até hoje em nosso país esses direitos não foram implementados. A população, em sua grande maioria, continua morrendo nos hospitais públicos devido ao atendimento médico deficiente e a falta de saneamento básico, a cultura existe apenas para uma elite social e mesmo o acesso à justiça é privilégio apenas de uma classe social, pois para sua implementação são necessários informação e educação, direitos sociais que também não são acessíveis a todos. Por outro lado, a Constituição de 1988 quis um bem estar social para todos e não apenas para a elite, se qualificando como uma Constituição compromissória, preocupada ainda que formalmente com todos os seus cidadãos. Disso trata-se a seguir.
III – A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS SOCIAS
A Constituição de um país pode ser definida como o sistema de normas, regras e princípios jurídicos escritos ou consuetudinárias que regulam a forma de Estado, a forma de Governo, o modo de aquisição e exercício do poder, o estabelecimento dos seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos e garantias fundamentais e a ordem econômica e social. O objetivo maior do Direito Constitucional é o que se chama de "filtragem constitucional". Isso quer dizer que todas as espécies normativas do ordenamento jurídico devem existir, serem consideradas como válidas e analisadas sempre sob a luz da Constituição Federal. Através dessa observância é que se afere se elas são ou não constitucionais. É nesse momento que entra o controle de constitucionalidade, para observar se as leis e normas estão compatíveis com a Carta Magna.
O controle de constitucionalidade é um dos temas mais sensíveis de teoria da Constituição, pois envolve em profundidade a questão democrática. O controle de constitucionalidade dá a quem não é eleito o poder de afastar as decisões tomadas pela maioria, pelos representantes do povo. A idéia é colocar certas decisões fundamentais ao abrigo mesmo das paixões das maiorias. Aqui percebemos que o Poder Judiciário é chamado a uma importante missão em nossa República.
A única justificativa democrática do controle de constitucionalidade é a proteção das minorias. Democracia não é o governo das maiorias, é o governo das maiorias que respeitam os direitos das minorias. Sem controle de constitucionalidade as maiorias podem esmigalhar as minorias. Por isto, este tema, como qualquer instituto do direito constitucional, só pode ser bem compreendido à luz dos direitos fundamentais que é o núcleo de qualquer ordem constitucional, pois a Constituição nasce da necessidade de proteger o homem.
Para a doutrina tradicional, os destinatários dessas normas não podem exigir do Estado a sua imediata aplicação. Para ela, as normas de conteúdo programático apenas vinculam negativamente o Estado, que, no desempenho de suas diversas funções, não poderá contrariar tais normas. O Estado só poderá criar leis compatíveis com as normas programáticas. No desempenho da função administrativa, o Estado deverá, porém, priorizar a materialização das normas programáticas, mas elas não teriam eficácia plena e imediata.
A nossa Constituição de 1988 inovou bastante quanto aos direitos humanos. Nas constituições anteriores não havia títulos constitucionais sobre direitos e garantias fundamentais e que pudessem hospedar como faz a Constituição de 1988, os direitos individuais, coletivos, sociais, relativos à nacionalidade e partidos políticos e políticos. Antes da Carta de 1988, a expressão direitos e garantias fundamentais era utilizada, pelas Constituições passadas, como sinônimo de direitos individuais. Então, direitos individuais, direitos fundamentais, liberdades públicas, direitos humanos, etc., eram expressões sinônimas porque indicavam o mesmo instituto, o mesmo fenômeno jurídico. A Constituição de 1988 desde logo instituiu o título II, no qual o legislador constituinte originário hospedou os direitos individuais e coletivos, sociais, da nacionalidade, políticos e de existência, organização e participação dos partidos políticos.
Os direitos fundamentais são aqueles considerados indispensáveis para uma vida digna em sociedade. Eles são tratados no texto constitucional como forma de garantia de uma maior proteção em razão da rigidez constitucional, ou então, para que sejam preservados através da cláusula de imutabilidade. São as chamadas cláusulas pétreas, previstas no art. 60 § 4º da Constituição atual, que prescrevem que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.
O Princípio da Efetividade dos Diretos Fundamentais ou da Aplicabilidade Imediata dos Direitos Fundamentais está consagrado no art. 5º, § 1º da Carta Magna, que prescreve que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Essa aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais deve ser entendida como uma diretriz exegética para o intérprete buscar extrair da norma a maior carga de efeitos que ela pode dar. Então, o intérprete diante de uma norma constitucional especial que consagra direito fundamental deve pensar no que ele pode fazer para tirar daquela norma o máximo de efeitos possíveis.
O grande problema da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais diz respeito aos direitos sociais de conteúdo prestacional. Com relação aos direitos individuais de defesa, tem se entendido que a aplicabilidade imediata vale incondicionalmente, como é o caso do Mandado de Injunção. Quanto aos direitos sociais o foco da questão é que são direitos que dependem de prestações, dependem também de recursos. O problema é que os recursos são limitados e a visão clássica é de que, no quadro de escassez, as escolhas ou prioridades devem ser feitas não pelo Poder Judiciário em suas sentenças, mas por poderes que têm legitimidade conseguida da vontade popular direta, através das eleições, como o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Até por que, constitucionalmente o Legislativo faz o orçamento e o Executivo executa o orçamento.
Com isso, a concepção tradicional, negava eficácia imediata aos direitos fundamentais prestacionais afirmando que os direitos individuais eram exigíveis e que os direitos prestacionais não eram, dependeriam de legislação. Essa é a visão que durante muito tempo prevaleceu e que está ligada com uma certa equiparação dos direitos sociais às normas programáticas, e a leitura de normas programáticas como normas que possibilitam que se oponha a uma conduta do Estado, mas não que se exija uma prestação a partir dela.
No entanto surgiram outras compreensões em relação à questão. Uma tese existente afirma que mesmo nos direitos prestacionais, que estão consagrados de forma mais abstrata, como saúde, moradia, em que o texto constitucional não define a prestação, existe um mínimo de direitos que deve ser tutelado, um mínimo existencial, e que somente o que ultrapassar esse mínimo vai depender de lei, vai depender de ato da administração com previsão no orçamento, ou seja, vai ficar ao sabor das autoridades políticas, mas o mínimo está garantido.
A idéia da existência do mínimo existencial neutraliza algumas das alegações feitas contra a eficácia dos direitos prestacionais. Por exemplo, uma das alegações que se faz é que essa concepção de dar ao Poder Judiciário a tutela dos direitos prestacionais gera uma concepção antidemocrática de Governo de Juízes, de forma que o Poder Judiciário vai começar a interferir nas escolhas das prioridades dos gastos, das políticas públicas, o que não é democrático nem republicano.
Só que a concepção contemporânea de democracia afirma que a democracia pressupõe o mínimo, que o governo democrático não é só o governo em que ocorram eleições periódicas, mais do que isso existem pressupostos para essa democracia, e, dentre estes pressupostos, estaria a existência do mínimo existencial para que se possa participar conscientemente do debate democrático. Assim se o mínimo é pressuposto da democracia assegurá-lo não pode ser contrário à democracia, o que neutraliza a crítica democrática. Esse argumento neutraliza de certa maneira também a crítica liberal uma vez que a liberdade só pode ser assegurada quando há o mínimo de condições materiais para isso.
Por outro lado, a efetividade dos direitos na Constituição é máxima por natureza e assim não haveria motivo para se falar em mínimo em relação ao direito social. Será que essa tese do mínimo existencial não traz uma hierarquização em que se coloca antes os direitos individuais e depois os direitos sociais num retorno ao individualismo egoísta de outrora? Na verdade, o problema da aplicabilidade dos direitos sociais pode ser equacionado através de uma ponderação em que de um lado coloca-se o direito social e do outro lado a justiça e a democracia.
No lugar do direito social pode-se colocar a dignidade humana. Para a realização da dignidade da pessoa humana é essencial a efetivação dos direitos sociais. Assim o problema do mínimo existencial é muito importante, mas não é o único critério.
Alguns chegam a defender a construção do novo conceito de discricionariedade baseado na teoria do Garantismo Jurídico. Existe uma divergência entre a normatividade e a efetividade, e o garantismo seria forma de fazer a junção entre elas, garantindo os direitos humanos. Isso vai implicar na necessidade de que só seja permitido ao agente público fazer uso da discricionariedade a partir do momento em que a Administração tiver satisfeito as necessidades básicas dos cidadãos, ou seja, a garantia do mínimo necessário à sua dignidade, representado pelo atendimento aos direitos fundamentais. Com isso, assegurar o mínimo necessário à dignidade humana significa atender às demandas geradas pelos direitos fundamentais das populações, especialmente as mais pobres, e que se constituem nas principais destinatárias das políticas públicas para suprir necessidades vitais de sobrevivência minimamente digna. Do ponto de vista de uma visão garantista do controle da Administração, dado que esta deve atuar, em todos os momentos, tendo a pessoa como centro de suas realizações, cabe ao Judiciário a avaliação dos atos administrativos, sempre sob a perspectiva dos direitos fundamentais constitucionais.
Se, não é possível transferir para o Poder Judiciário a possibilidade de escolher quais políticas públicas são as mais importantes, por outro lado ele é tão legitimado quanto os outros Poderes para a efetivação dos direitos fundamentais. A idéia dos direitos fundamentais é a concretização do meta-valor da dignidade da pessoa humana, isto é, tratar o homem sempre como fim e nunca como meio, o homem como valor fonte de todo o ordenamento jurídico e o Poder Judiciário é o guardião dele.