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A possibilidade de efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário

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14/12/2011 às 07:11
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IV - O PODER JUDICIÁRIO.

Verdadeiramente o poder político no Estado, apesar de ser tripartido, é uno e indivisível. Há apenas um poder político, que é o poder do Estado, que é o poder revelado na ordem jurídica com força de constranger à obediência, de coordenar e impor uma decisão. Mas esse poder político do Estado tem três funções básicas: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. O poder Legislativo se encarrega de gerar a lei, o Executivo, da atividade administrativa e o Poder Judiciário, da jurisdição, resolvendo conflitos. A rigor não existe, portanto, divisão de poderes, mas de funções que para serem exercitadas há necessidade de criação de poderes através de órgãos, mas o Poder é um só: uno, indivisível, imprescritível, etc. E essas funções são, em regra indelegáveis, na idéia da existência da repartição constitucional de competências.

O Poder Judiciário é órgão fundamental na formação de um Estado Democrático de Direito, pois cabe a ele, com autonomia e independência, velar pela guarda da Constituição, especialmente pela observância dos princípios da igualdade e da legalidade. De fato, seria inimaginável um Estado Democrático de Direito sem um Poder Judiciário independente, com a relevante função de administrar a Justiça, como fiscal da aplicação da Constituição e das Leis. Por outro lado, o Poder Judiciário é apontado por parte da doutrina como verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, pois a estes é assegurado o direito de ser julgado por Juízos e Tribunais independentes e imparciais. A espinha dorsal do sistema judicial brasileiro muito dela é cláusula pétrea e baseada no princípio da unidade da jurisdição, inafastabilidade do controle jurisdicional, garantias da magistratura e independência do Judiciário.

Antigamente, com o Estado Liberal, o Poder Judiciário não tinha muitos poderes, nem muitas atribuições sendo apenas um órgão subsidiário do Estado e praticamente não interferia na sociedade. Com a Constituição de 1988 o Poder Judiciário ficou fortalecido. A partir desse momento, esse Poder passou a ficar em pé de igualdade com os demais poderes e, conseqüentemente, passou a controlar todos assuntos da sociedade e por isso passou a ser mais procurado.

A atual Constituição incrementou o Judiciário, reforçou suas garantias, dotou tal poder de uma série de instrumentos e mecanismos que visam possibilitar umas prestações jurisdicionais independente, imparciais e insubmissas à vontade dos donos do poder. Não há paralelo em outras Constituições, já que o nosso sistema é o que mais reforça a magistratura. As garantias funcionais e as garantias institucionais dos magistrados são amplas: inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de subsídios, o autogoverno etc. Esse último permite que o Judiciário escolha seus dirigentes, e é por isso que o presidente do Supremo Tribunal Federal é escolhido por ele mesmo e os chefes dos órgãos dirigentes dos tribunais são escolhidos por cada tribunal.

Pelo visto acima, o Poder Judiciário tem base para atuar na efetivação dos direitos sociais pois, além de contar com a legitimidade Constitucional direta, como visto acima, há a legitimidade indireta, pois a seleção dos juízes é por concurso público, um mecanismo eminentemente democrático. Não se pode esquecer que os juízes dos tribunais superiores são escolhidos pelo Poder Executivo e referendados pelo Senado Federal, fora diversos mecanismo de participação da sociedade no poder judiciário como a figura do amicus curiae, na composição popular do CNJ, o quinto constitucional composto por advogados e a participação popular nas súmulas vinculantes. Outro eficiente meio de controle da atividade do Poder Judiciário é na obrigatoriedade da fundamentação de suas decisões o que permite um controle por outros juízes, por outras instâncias e pela própria sociedade garantindo uma decisão justa e democrática.


V - OS PRINCÍPIOS

Atualmente os princípios jurídicos tiveram reconhecido seu grau de juridicidade. Ou seja, deixaram de desempenha um papel secundário para passar a cumprir o papel de protagonistas do ordenamento ganhando reconhecimento de seu caráter de norma jurídica potencializada e predominante. Tanto que a doutrina prescreve que violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

É inegável que os princípios possuem positividade e vinculatividade o que lhes confere a qualidade de normas que obrigam e possuem eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, tais como as regras, ou mesmo os princípios derivados de princípios mais abstratos.

Historicamente, a normatividade dos princípios jurídicos perpassa por três distintos capítulos: o jusnaturalismo, o juspositivismo e o pós-positivismo. O jusnaturalismo moderno inicia sua formação a partir do século XVI. E tal escola tinha por objetivo deixar para traz o dogmatismo medieval, bem como escapar do ambiente teológico em que se formou e desenvolveu. Na fase jusnaturalista, os princípios ocupavam uma função meramente informativa (para valorar como certo ou errado, conforme a norma de direito positivo se conformasse ou não às diretrizes dos princípios), mas sem qualquer eficácia sintática normativa. Nesta fase os princípios jurídicos eram situados em esfera metafísica e abstrata, sendo reconhecidos como inspiradores de um ideal de justiça, cuja eficácia se cinge a uma dimensão ético-valorativa do Direito. Tamanha foi a influência histórica da escola jusnaturalista que, já no século XIX, com o advento do Estado Liberal muitos dos preceitos seguidos pelos jusnaturalistas foram incorporados em textos escritos. Era a superação histórica do naturalismo.

Com a promulgação dos Códigos, principalmente do Napoleônico, o Jusnaturalismo exauria a sua função no momento mesmo em que celebrava seu triunfo. Transpondo o Direito racional para o Código, não se via nem admitia outro direito senão este. O recurso a princípios ou normas extrínsecos ao sistema do direito positivo foi considerado ilegítimo. Surgia o positivismo. Nesta fase, tinha-se a pretensão de criar uma Ciência Jurídica com objetividade científica e características similares das conferidas às Ciências Exatas. Apartava-se, assim, o Direito da Moral, de modo a inserí-los em compartimentos estanques para fins científicos.

O grande impacto do positivismo e o culto velado a seus dogmas legitimou, ainda que sob vestes travestidas, a feitura de autoritarismos dos mais diversos. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram uma barbárie em nome da lei. A queda do Positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social.

Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios, analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo se ressalte, para garantir os direitos sociais do homem. No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.

A superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acercado do Direito, sua função social e sua interpretação. O Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação explícita ou implícita pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.

Os princípios têm uma dimensão de peso de tal forma que quando dois princípios incidirem sobre o caso concreto e apontam em direções diferentes, o intérprete não é necessariamente forçado a escolher por um princípio em detrimento do outro. Com princípios não há propriamente antinomia. Existem tensões entre princípios que se equaciona através de uma ponderação. O princípio não define de antemão, ao contrário da regra, quais são as hipóteses em que ele vai incidir. A regra permite uma subsunção do fato à norma, ao contrário do princípio. A característica dos princípios é que eles são fluidos, têm um teor mais aberto, permitem arejar o direito, permitem que ele se adapte às mudanças que ocorrem na sociedade, humanizam a aplicação do direito e tornam mais relevante o papel do intérprete.

Os princípios estão associados a direitos. Os princípios são instrumentos que permitem uma leitura moral da Constituição. Moralidade da Constituição vem, sobretudo, em virtude dos princípios. São exemplos de princípios em sentido amplo as diretrizes políticas e os direitos previstos nas constituições.

Eles são um mandado prima facie, isto é, a resposta dada por eles não é necessariamente a resposta definitiva, eis que você pode perquirir que outros princípios incidem, ponderar, aquilatar diante das circunstâncias específicas que cercam o caso concreto qual a melhor solução. As regras, ao contrário, são comandos definitivos. Assim, pensar em princípio seria pensar em proporcionalidade, a resolução de conflitos principiológicos se resolve através de uma ponderação que vai se pautar na proporcionalidade.

Uma Constituição que contivesse apenas regras não iria ter a maleabilidade suficiente para acomodar todas as infinitas variações do fato social. Por outro lado, uma Constituição que contivesse apenas princípios seria tão abstrata que geraria um clima de permanente insegurança jurídica. Os princípios acabam permeando a interpretação da regra. Todavia, o processo não é unilateral, no sentido de extrair as regras dos princípios. É um processo de esclarecimento recíproco, no qual você interpreta a regra à luz do princípio do qual ela decorre e por outro lado, o sentido do princípio é informado pelo conteúdo das regras que constituem os seus desdobramentos.

O importante é mostrar como é que a aplicação de um princípio envolve uma margem de indeterminação, de maleabilidade, muito maior. Só que não é subjetividade pura, não é arbítrio, exige o emprego da racionalidade prática, é argumentação jurídica, é uma lógica que não se confunde com a lógica matemática da subsunção. O que se deve observar é que nem princípio é menos nem princípio é mais. Regra é muito importante, já que o ordenamento jurídico precisa de segurança, previsibilidade.

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No Brasil, o marco zero desse novo Direito que privilegia os princípios constitucionais sobre a regra posta, que fez com que todo o ordenamento jurídico passasse a ser analisado à luz da Constituição Federal, foi a Constituição de 1988. A carta passou a ser o centro do sistema jurídico, ocupando o trono de onde, até então, reinava o Código Civil. Em outros países, como a Alemanha, essa mudança começou a ser construída antes, no pós-guerra.

No novo patamar da Constituição, o juiz deixa de ser apenas "a boca que pronuncia a lei", como um ser inanimado, e passa a aplicar à legislação as garantias fundamentais das pessoas. Conceitos como o jusnaturalismo (o homem tem direitos naturais que não dependem de leis para serem respeitados) e o positivismo (o direito é somente aquilo que diz a lei) quase saíram de circulação. Em seus lugares, surge o pós-positivismo, que é o fenômeno jurídico que hoje presenciamos. Sem desprezar a lei, o juiz a interpreta tendo como norte a Constituição, naqueles casos em que se entende que o direito não cabe integralmente na norma legislada. Os grandes valores da humanidade migram para o mundo jurídico pela porta dos princípios constitucionais reaproximando a ética e o direito. Neste caso, o juiz é participante do processo de construção do direito.

As teorias tradicionais não estão derrotadas, mas não são suficientes para resolver os graves problemas sociais presentes na realidade. Devido ao Constitucionalismo Democrático o Judiciário é agora chamado a impor, não a sua vontade, mas a vontade da Constituição aos agentes eleitos dos outros poderes da República para essas obrigações. A Constituição, nesse modelo, desempenha o papel de assegurar as regras do jogo democrático, propiciando participação política ampla e o governo da maioria e proteger valores e direitos fundamentais,

Os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Mínimo Existencial Humano, da Máxima Efetividade da Constituição, Força Normativa da Constituição, da Juridicidade e da Reserva do Possível são princípios explícitos e implícitos em nossa Constituição.

Quanto ao princípio do mínimo existencial, o principio corresponderia ao conjunto de situações materiais indispensável a existência humana digna, considerada não apenas como sobrevivência física mas também espiritual, intelectual e outros aspectos humanos fundamentais de um estado de direito. É como se todas as pessoas tivessem direito ao mínimo de direitos fundamentais necessários a uma vida digna e o fundamento axiológico deste principio é a dignidade da pessoa humana.

O principio da reserva do possível surge a partir das necessidades humanas infinitas frente aos recursos limitados para essa satisfação. No caso, a ponderação judicial precisa considerar o que é economicamente viável a ser prestado pelo Estado. O princípio é formado pelo binômio razoabilidade da prestação somado a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivos as prestações positivas dele emanadas. Importante asseverar que o principio não configura óbice ao implemento das políticas sociais pelo Poder Judiciário, salvo se o Estado conseguir comprovar a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível.

Quanto ao principio da vedação ao retrocesso social, a vontade do Estado deve prevalecer pois é ente permanente, e não a vontade do Governo, temporário por natureza. As políticas públicas são direitos públicos subjetivos como, por exemplo, o programa do atual governo federal conhecido por Bolsa- família de ajuda a milhões de famílias carentes, o programa Farmácia Popular e outros programas sociais. Expressa a idéia de que uma vez obtido um determinado grau de realização dos direitos sociais eles passariam a constituir simultaneamente uma garantia constitucional e um direito subjetivo que impediriam que novos governantes anulassem, ou revogassem conquistas sociais. Como o destino do país não é previsível e como a administração pública precisa de liberdade para conduzir o país, obviamente não se trata de um principio absoluto.

Sobre o principio da máxima efetividade, ou força normativa ou juridicidade, esses princípios têm uma carga axiológica comum, tendo em vista que defendem a eficácia direta e imediata de todos os dispositivos presentes na Constituição, inclusive os que possuem conteúdo programático. O principio da juridicidade é formado por uma legalidade material com suas regras e principio em substituição a uma visão mais conservadora do direito alinhada a legalidade em sentido formal. Não se pode mais ter uma leitura rígida da separação de poderes. Deve haver uma preocupação com a Justiça.

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Sobre o autor
Victor Manoel Romero da Silva

Pós-graduado em Direito Público no Rio de Janeiro (RJ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Victor Manoel Romero. A possibilidade de efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3087, 14 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20633. Acesso em: 28 abr. 2024.

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