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A possibilidade de efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário

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14/12/2011 às 07:11
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VI – CONCLUSÃO

Os direitos humanos experimentam uma situação contraditória nesta atual fase do Direito, pois adquiriam inusitada força normativa, mas são ameaçados de todos os lados. Afirmaram-se como baliza da legitimidade institucional, mas sofrem rudes golpes de globalização econômica. Exemplo disso é que, se por um lado, atualmente, existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana, por outro, evidenciam-se lesões de toda ordem que aviltam a dignidade humana.

Vivemos, inclusive, um momento histórico em que o paradigma de Constituição preocupada com as questões sociais está sendo questionado devido à crise do Estado do bem estar social e a erosão na idéia da soberania do Estado. O Estado não é mais todo poderoso, pois o poder do Estado vem se deslocando para instâncias supraestatais ou infraestatais. Retoma-se de certa maneira a idéia de pluralismo político, de fontes não estatais de produção de normas e de solução de conflitos como, por exemplo, as Cortes Internacionais como a Comunidade Européia, o Tribunal Penal Internacional, Mercosul etc.

Há uma certa perplexidade no direito constitucional porque as estruturas teóricas sobre os quais a disciplina foi edificada estão se transformando devido a uma série de transformações políticas, econômicas, sociais, que está ocorrendo no mundo contemporâneo. Hoje existe uma revisão da noção de Constituição dirigente e da crença nas normas programáticas dirigidas as classes desfavorecidas. Por exemplo, o professor José Joaquim Gomes Canotilho que criou o termo Constituição Dirigente, chegou a publicar um artigo com o título "A Constituição Dirigente morreu".

Ora, obviamente isso tudo reflete no desenho atual de Constituição. Será que ainda é possível compreender à Constituição como lei suprema, lei acima de tudo que não estaria sujeita a limites de qualquer ordem? Para muitos a idéia de Estado soberano já se foi, a Constituição soberana não existe mais, não existe um poder que está acima de qualquer outro numa comunidade internacional como a nossa.

Porém, por incrível que pareça, uma certeza que essa atual e grave crise econômica trouxe foi que não podemos abdicar de um Estado forte e interveniente. Em todos os países a unânime solução para essa grave crise econômica que acomete o mundo está na intervenção do Estado na economia estatizando empresas e instituições financeiras e fomentando a produção e o consumo em seus países. Essa impensável intervenção do Estado na economia nos dias de hoje simboliza para alguns estudiosos o fim do Estado neoliberal.

A frase dita por Canotilho deve ser entendida no contexto anterior a crise econômica de busca de ausência do Estado, ou do Estado mínimo na sociedade e teve como conseqüência a pior crise econômica desde 1929. A globalização econômica é regida apenas por imperativos de mercado, e a história já nos provou muitas vezes que mercado livre não é suficiente para proteger o homem, pois quando o mercado regula a sociedade, acaba sempre que o mais forte explora o mais fraco, desorganizando a sociedade.

Na verdade, os valores que estão presentes no conceito do Estado de Bem Estar Social e do Estado Democrático de Direito são os valores humanitários, direitos humanos fundamentais, como igualdade, liberdade, justiça e fraternidade e eles são conquistas de muitas lutas da humanidade através dos séculos e nunca vão perecer. A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro, representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira a Constituição e ordenamento jurídico dos Estados contemporâneos. Nesse sentido, as normas programáticas de uma Constituição não são simples programas, exortações morais, sentenças políticas, mas as normas programáticas possuem valor jurídico constitucional idêntico às outras normas constitucionais. Vinculam o legislador, na medida em que são uma imposição constitucional, servindo como diretivas materiais, vinculando todos os órgãos concretizadores não sendo apenas limites negativos.

Como conseqüência, podemos destacar que a legitimidade dos juízes no Brasil para atuar nas políticas públicas a partir das normas programáticas é constitucional. São argumentos favoráveis o art. 5º, XXXV que prescreve que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" e sua responsabilidade em implementar a Constituição, efetiva e eficaz por natureza. Configura também legitimação democrática do Poder Judiciário para atuar nas políticas públicas o fato da nomeação de membros dos Tribunais Superiores ser realizada por aqueles que são eleitos democraticamente, inclusive sendo sabatinados por órgãos colegiados do Congresso Nacional; o quinto constitucional que traz representantes da sociedade para os Tribunais e os concursos públicos, grande instrumento de efetivação do principio da igualdade e mérito que dão legitimidade indireta aos juízes. Pluralizam também o debate constitucional acerca das políticas públicas o papel do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade, na edição de súmula vinculante e na edição de repercussão geral; as audiências públicas no Supremo tribunal Federal; as visitas in loco pelos juízes do STF, como no caso o julgamento da delimitação da reserva Raposa do Sol e o Conselho Nacional de Justiça, órgão de fiscalização do Poder Judiciário, cuja composição tem participação da sociedade. Por fim, um importante instrumento de balizamento e controle da atuação jurídica é a argumentação jurídica que deve ser desenvolvida adequadamente e com razoabilidade pelos juízes em suas decisões.

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Em relação ao Ativismo Judicial, a realidade é que o Brasil vive nos últimos 20 anos a paralisia dos Poderes Executivo e Legislativo e isso é responsável pelo atual protagonismo do Poder Judiciário. A rigor, o Poder Legislativo hoje não cumpre nenhum dos seus três papéis institucionais: não legisla, não fiscaliza o Executivo e representa mal o povo. O poder Executivo, por seu lado, constantemente está envolvido em corrupção e gestão ineficiente. E, na medida em que o assunto está previsto na Constituição, ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 1988 contribuiu para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso, pois o atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política.

Por outro lado, a Constituição de 1988 foi farta em prever instrumentos de correção e implementação dos direitos sociais nela previstos. As Ações Constitucionais, os Remédios Constitucionais e a aplicações dos Princípios Constitucionais são meios jurídicos para a concretização da Constituição. O que falta é uma maior consciência do papel que a Constituição assume no ordenamento jurídico, bem como do papel do Judiciário frente a não implementação e na realização dessa mesma Constituição.

O conceito de crise, normalmente entendido como uma situação negativa, se analisado em sua origem na palavra grega Krisis, significa um momento de mudança e de decisão que pode tornar a vida muito melhor. É bom lembrar que no final da grande crise de 1929 a 1945, crise que lançou o mundo num caos, o mundo aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e implantou o Plano Marshall, que recuperou a economia da Europa e lançou as bases para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. As crises globais deste começo de século XXI podem ser o novo tempo de implementação dos direitos humanos globais e sociais no Brasil e no mundo. Os cidadãos, os advogados, a defensoria pública, o ministério público, os juízes, todos nós somos convocados para a efetivação os direitos sociais previstos na Constituição. A construção de um mundo melhor depende de todos nós.v

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Sobre o autor
Victor Manoel Romero da Silva

Pós-graduado em Direito Público no Rio de Janeiro (RJ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Victor Manoel Romero. A possibilidade de efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3087, 14 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20633. Acesso em: 17 nov. 2024.

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