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Perspectivas do movimento em prol da conciliação

21/12/2011 às 15:29
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Busca-se fortalecer a prática da conciliação como meio alternativo à resolução dos litígios, pela criação de Tribunais Multiportas e pelo fomento à conciliação pré-processual.

SUMÁRIO: Introdução. 1. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a conciliação. 2. Fundamentos normativos da conciliação. 3. Dever fundamental estatal de oportunizar a conciliação. 4. Vantagens da conciliação. 5. O Tribunal Multiportas e a conciliação pré-processual. Considerações finais. Referências das fontes citadas.

RESUMO: O artigo apresenta reflexão voltada ao fortalecimento da prática da conciliação como meio alternativo à resolução dos litígios, destacando a necessidade da criação de Tribunais Multiportas e do fomento à conciliação pré-processual para cumprimento do dever fundamental de prestar jurisdição célere e eficaz e de resolver os conflitos de interesse de forma mais eficiente.

PALAVRAS-CHAVE: Conciliação. Tribunais Multiportas. Celeridade.

ABSTRACT: The article presents reflections aimed at strengthening the practice of conciliation as an alternative means of settling disputes, highlighting the need for the creation of Multi-doors Courthouses and by promoting conciliation pre-process for compliance with the fundamental duty to provide fast and effective jurisdiction and resolve conflicts interest more efficiently.

KEY WORDS: Conciliation. Multi-doors Courthouses. Celerity.


Introdução.

A consolidação do modelo constitucional estabelecido pela Constituição de 1988 permitiu a expansão do Poder Judiciário, principalmente na defesa dos interesses dos individuais, coletivos e difusos.

Nesta perspectiva, um dos principais desafios do Poder Judiciário é estabelecer mecanismos céleres e eficazes de satisfazer os direitos dos cidadãos e cumprir com exatidão a sua missão constitucional. Trata-se, em verdade, do dever fundamental à prestação jurisdicional adequada ao texto da Constituição.

Assim, acentuou-se o movimento em prol da necessidade de fomentar-se a conciliação como meio alternativo à resolução dos litígios.

Pretende-se, aqui, apontar algumas características do movimento conciliatório, destacando suas vantagens, com a participação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, apresentando a noção de Tribunal Multiportas e da conciliação pré-processual.


1. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a conciliação.

O CNJ foi criado pela Emenda Constitucional n. 45 (08/12/2004) com o fim de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

No exercício das suas atribuições, o CNJ editou a Resolução n. 125/2010 (DJ-e n° 219/2010, de 01/12/2010) que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.

Tal ato normativo teve por finalidade fomentar a substituição da solução adjudicada da tutela jurisdicional mediante sentença por outros mecanismos de soluções de controvérsias, com destaque para os meios consensuais, tal como se verifica com a mediação e a conciliação [01].

Iniciou-se, assim, movimento tendente a prestigiar a conciliação judicial ou extrajudicial, como mecanismo de solucionar célere e adequadamente os conflitos de interesses, denotando importante virada cultural no Poder Judiciário nacional.

Inegavelmente, existem muitos obstáculos ao sucesso do movimento, principalmente decorrente da cultura sentencial dos membros do Poder Judiciário. Daí a necessidade e a importância da política instaurada pelo CNJ.

Questão que deve ser destacada é aquela atinente aos mecanismos aptos a efetivar o movimento em prol da conciliação.

Foi determinada a criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, com amplas atribuições, em especial destaque para [02]: (i) desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses; (ii) planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas; (iii) criação de uma rede de interlocução com outros Tribunais e com os órgãos participantes do movimento conciliatório, tais como entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino; (iv) instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; (v) promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos; (vi) incentivar a promoção de cursos e seminários sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de solução de conflitos; (vii) firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins do movimento em prol da conciliação.

Também foi determinada a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários [03].


2. Fundamentos normativos da conciliação.

A cultura do litígio e da decisão judicial outorgada ao magistrado sempre foram características do sistema judicial brasileiro, especialmente após a promulgação da Constituição vigente.

Tal situação contribui para crise do Judiciário, decorrente do excesso de demandas e da ausência de estrutura suficiente para resolver com agilidade e presteza todos os conflitos de interesse.

Neste contexto, é de fundamental importância a análise dos dispositivos constitucionais que autorizam e legitimam o movimento em prol da conciliação.

Na Constituição, é possível encontrar os seguintes dispositivos que fundamentam a prática conciliatória: artigo 89 [juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau]; artigo 97, § 8º, III [prevê a câmara de conciliação para pagamento débitos públicos]; artigo 5º, LXXVIII [consagra o princípio da razoável duração do processo].

No plano infraconstitucional também há vários preceitos normativos que consagram a prática conciliatória: Lei 9.099/95 [Juizados Especiais Estaduais]; Lei 10.259/01 [Juizados Especiais Federais] e o Código de Processo Civil [artigos 277, 331, 447 a 449, 475-N e 740. Mais recentemente, a Resolução n. 125/2010 ampliou o espectro dos meios alternativos de resolução de litígios, estabelecendo metas, programas de políticas para os tribunais.

Estas, portanto, são as normas que norteiam a política em prol da conciliação.


3. Dever fundamental estatal de oportunizar a conciliação.

O Estado Constitucional Democrático instaurado com a Constituição de 1988 consolidou os direitos fundamentais no sistema jurídico pátrio, permitindo, de forma alvissareira, a intervenção do Poder Judiciário para a proteção e o cumprimento das prestações jurídicas e materiais previstas no texto magno.

A fim de manter a integridade do direito, assentada nos princípios de justiça, equidade e devido processo legal (Dworkin) [04], é indispensável que o Poder Judiciário preste jurisdição adequada às normas encapsuladas na Constituição.

Com esta perspectiva, o cumprimento integral das determinações Constitucionais somente será possível se, com o cumprimento dos direitos fundamentais, também forem observadas as normas atinentes aos deveres fundamentais que vinculam a jurisdição constitucional.

A Constituição da República Federativa do Brasil, a partir do artigo 5º, (Capítulo I do Título II), ao mesmo tempo em que dispõe sobre os direitos fundamentais, prevê um catálogo de deveres fundamentais (dos direitos e deveres individuais e coletivos), denotando que também representam uma categoria jurídica autônoma.

Ao Estado, portanto, cumpre observar o dever fundamental material de promover a igualdade; assegurar os direitos sociais; prestar serviço público com base na legalidade, na impessoalidade, na moralidade, na publicidade e na eficiência; manter a ordem e a segurança; promover, proteger e recuperar a saúde; praticar assistência social; garantir a educação e o desporto; defender o meio ambiente; e, no plano instrumental, o dever de investigar, processar e punir com ética.

Igualmente, cabe ao Estado promover a solução célere e adequada dos conflitos de interesse (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição). Historicamente, sempre foram prestigiados os meios formais de resolução dos problemas sociais, materializados na prestação adjudicatória, a denotar a necessária mudança de concepção nos indivíduos e na sociedade.

Assim, é dever fundamental do Estado oportunizar aos cidadãos a solução dos conflitos por meios não adversariais, ou seja, mediante acordo ou sem a necessidade de um processo judicial. Preconiza-se, presentemente, a abertura do sistema, com a possibilidade de maior participação dos indivíduos mediante a resolução alternativa e não substitutiva dos conflitos de interesse.

Desta forma, os indivíduos possuem o direito fundamental à solução conciliatória dos conflitos de interesse.

As normas constitucionais já mencionadas traduzem o dever fundamental do Estado em propor e oportunizar ao cidadão a solução do seu conflito mediante meios não adversariais. Vale dizer, é função essencial do Estado permitir que o cidadão exerça seu direito fundamental à conciliação.


4. Vantagens da conciliação.

Inúmeras são as vantagens que a solução não adversarial do conflito poder trazer à sociedade, destacando-se:

- a solução do conflito pré-processualmente evita a sobrecarga do Poder Judiciário, que poderá se dedicar a questões que versem sobre direitos indisponíveis e de interesse difuso, coletivo e transnacional;

- o acordo é mais flexível e permite maior interação das partes;

- a conciliação não é rígida e não se limita ao binômio procedente/improcedente inerente à sentença judicial;

- a conciliação admite a imposição de condições para a celebração de acordo, o que não se admite na prolatação de sentença (artigo 460, parágrafo único, do CPC);

- fomento à cidadania, com a participação direta e imediata dos indivíduos;

- desnecessidade da força estatal para resolver todas as questões conflituosas;

- revisita o conceito de acesso à Justiça, que não se limita apenas à intervenção estatal mediante a solução adjudicatória e substitutiva;

- o processo judicial é autocrático, presidido pelo juiz, ao passo que a conciliação é dialógica, permite o debate e a abertura entre os indivíduos;

- a conciliação e a mediação afastam as mágoas e as animosidades decorrentes da sentença judicial;

- não há vencedor e perdedor;

- não há formalidade, as partes não seguem rituais e formas rígidas;

- inexiste a insegurança muitas vezes inerente às múltiplas possibilidades que o Judiciário pode apresentar à solução do conflito judicial.

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Tais vantagens, não exaustivas, demonstram que o movimento em prol da conciliação deve ser prestigiado e fomentado na cultura jurídica pátria.


5. O Tribunal Multiportas e a conciliação pré-processual.

Interessante solução alternativa à explosão judicial de litígios é aquela proposta pelos países anglo-saxônicos com os tribunais multiportas (Multi-door Courthouse).

Segundo Sifuentes:

No tribunal multiportas o sistema judicial acolher no seu seio as formas bíbridas de resolução dos litígios entre o jurisdicional e o não jurisdicional. A concepção desse modelo alternativo de solução de litígios prevê a integração, em um único local, de vários modos de processamento de conflitos, tanto judiciais como extrajudiciais. Assim, em vez de haver apenas uma ‘porta’ – o processo judicial – o tribunal ‘multiportas’ englobaria sistema bem mais amplo, com vários tipos de procedimento concentrados em verdadeiro ‘centro de Justiça’, organizado pelo Estado, no qual as partes podem ser direcionadas à porta adequada a cada disputa.

A principal característica do novo sistema está no seu procedimento inicial: ao se apresentar perante determinado tribunal, a pessoa passa por uma triagem para verificar qual processo seria mais recomendável para o conflito que a levou ao Poder Judiciário. Pode, assim, ser direcionada primeiramente para a porta da Administração Pública ou, então, para a porta dos conciliadores extrajudiciais, antes de ser encaminhada à Justiça. [05]

Quando se cogita a possibilidade de conciliação, pressupõe-se a solução do conflito no curso de processo judicial já instaurado.

Contudo, a noção de tribunal multiportas permite potencializar o movimento em prol da conciliação, permitindo alcançar situações conflituosas ainda não judicializadas.

Neste sentido, é possível imaginar a porta da conciliação pré-processual, que também está contemplada no movimento encampado pelos tribunais pátrios.

A Resolução 125 do CNJ determinou que os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania criados pelos tribunais tenham setores específicos para a solução pré-processual de conflitos [06].

Trata-se, como se observa, de completa mudança na cultura do litígio judicial, permitindo que o conflito seja solucionado sem o ajuizamento de uma ação e a instauração de processo judicial.

A ideia da conciliação pré-processual pode ser destinada à solução de litígios de massa, com especial destaque para as lides previdenciárias, deixando à decisão adjudicatória questões que não permitem a resolução mediante a conciliação.

Com base nessa noção, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por intermédio do SISTCON – Sistema de Conciliação, incentivou a criação do ‘Sistema de Conciliação Pré-Processual – SICOPP’, com atuação, inicialmente, em Curitiba/PR, havendo enorme sucesso na iniciativa, especialmente em matéria previdenciária, com alto índice de acordos celebrados [07].


Considerações finais.

A política instaurada pelo CNJ e encampada pelos tribunais pátrios demonstra o sucesso do movimento em prol da conciliação, contudo, é preciso avançar com o fim de satisfazer o princípio da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição).

Uma das possibilidades mais evidentes para evitar a multiplicação de processos – especialmente os repetitivos – e de resolver a enorme quantidade de lides nos juízos e tribunais pátrios é a adoção Tribunal Multiportas, permitindo a escolha da forma mais adequada para o deslinde dos mais variados conflitos de interesse.

Portanto, torna-se necessária a criação de Tribunais Multiportas para cumprimento do dever fundamental de prestar jurisdição célere e eficaz e de resolver os conflitos de interesse de forma mais eficiente.


Referências das fontes consultadas.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

SIFUENTES, Mônica. Tribunal multiportas. Direito Federal – Revista da AJUFE. Brasília, n. 84, p. 193-194, 2º trimestre, 2006.


Notas

  1. Artigo 1º, parágrafo único, da Resolução nº 125/2010.
  2. Artigo 7º, da Resolução nº 125/2010.
  3. Artigo 8º, da Resolução nº 125/2010.
  4. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p 271 e seguintes.
  5. SIFUENTES, Mônica. Tribunal multiportas. Direito Federal – Revista da AJUFE. Brasília, n. 84, p. 193-194, 2º trimestre, 2006.
  6. Artigo 10.
  7. Conforme obtida em: http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/rbb_TEXTO%20DO%20SICOPP.pdf.
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Sobre o autor
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. Perspectivas do movimento em prol da conciliação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3094, 21 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20685. Acesso em: 16 abr. 2024.

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