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O Supremo Tribunal Federal e a objetivação do controle difuso de constitucionalidade

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08/01/2012 às 14:07
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3 INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NO ÂMBITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM INFLUÊNCIA NAS DECISÕES DO STF

3.1 REMÉDIOS PARA SOLUCIONAR A CRISE DO STF

Como bem afirma XIMENES, essa crise vivida pelo STF é "uma crise de quantidade" [67]. Não é de hoje que se tem adotado mecanismos na tentativa de diminuir "a (sobre)carga de trabalho do STF, idealizados com o propósito de diminuir a quantidade ou elitizar a natureza dos processos encaminhados à instância extraordinária" [68]. Cabe destacar, à título de ilustração, alguns instrumentos consagrados no ordenamento jurídico brasileiro como tentativas de superação desta crise:

ARAÚJO cita, entre outros, a ampliação dos poderes dos relatores, prevista no art. 557 do CPC, a distribuição imediata dos processos e o deslocamento da competência de alguns feitos para a Justiça Militar [69].

BRAGHITTONI destaca as inovações trazidas pela Lei n°. 9.756, de 17.12.1998, que, dentre outras regras, determina que serão retidos os recursos especial e extraordinário quando tratarem de decisões interlocutórias. Além disso, também destaca a ampliação dos poderes do relator, só que os constantes do art. 544, §§3° e 4°, que permite que o relator dê provimento ao próprio recurso especial quando o acórdão recorrido contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STJ, ou, ainda determinar a sua conversão, o mesmo servindo para o agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário [70].

Para KOSIKOSKI, o prequestionamento também pode ser incluído entre os mecanismos de filtragem [71].

Por fim, o próprio STF, em seu relatório de atividades de 2007, aponta três instrumentos que "marcaram uma nova etapa de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional", quais sejam: Leis n°. 11.417 (súmula vinculante), n°. 11.418 (repercussão geral) e n°. 11.419 (processo eletrônico), todas de 19 de dezembro de 2006, e da respectiva regulamentação no âmbito do Tribunal [72].

Em que pese todos esses mecanismos que visam a diminuição da demanda perante o STF terem grande campo de discussão, no presente trabalho a atenção será voltada à repercussão geral da questão constitucional como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e a possibilidade de edição de súmulas vinculantes pelo STF.

Isso porque, tais modificações constitucionais e legislativas alteraram o clássico controle difuso de constitucionalidade, "pois este vem passando por evidente modificação no sentido de torná-lo ‘abstrato’, conforme se pode verificar pelas própria modificações realizadas no ordenamento, como também pela atual jurisprudência do STF, a qual vem enfrentando matérias tais como: a natureza objetiva do recurso extraordinário (repercussão geral); as súmulas vinculantes (...) [73].

O legislador constatou ser necessária a adequação do STF ao fenômeno das demandas em massa, criando instrumentos que lhe possibilitam a efetivação de sua função precípua, "qual seja a de prestar tutela jurisdicional necessária à pacificação social" [74], o que, conforme veremos, acabou por alterar os efeitos da decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade.

3.2 REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL E SUA APLICABILIDADE

A Emenda Constitucional n°45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o §3° ao artigo 102 da CF, o qual exige a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para que haja a admissibilidade do recurso extraordinário. Esse dispositivo é de eficácia limitada e foi regulado pela Lei n° 11.418, de 19 de dezembro de 2006. Esta lei inseriu os artigos 543-A e 543-B ao CPC, que, repetindo a técnica legislativa aberta da CF, utilizou-se de conceitos jurídicos indeterminados ao tratar da repercussão geral. Por fim, a Emenda Regimental n° 21/2007 alterou o Regimento Interno do STF, que passou a regular esse instituto em seus artigos 322 a 329. Desde então, o STF está autorizado a definir as questões constitucionais que, por revelarem interesse geral, devem ser recebidas em recurso extraordinário.

A intenção do legislador é firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não como mera instância recursal; possibilitar que ele só analise questões relevantes para a ordem constitucional; e fazer com que decida uma única vez cada questão constitucional, não se pronunciando em outros processos com idêntica matéria. E, ainda, conforme ARAÚJO, essa exigência traz consigo um "caráter pedagógico", ou seja, também objetiva que os outros órgãos do Poder Judiciário acolham e apliquem o entendimento colegiado no STF [75].

Conforme observação de FUCK, "[n]ão se trata, portanto, de mera regra de direito processual, mas instituto da jurisdição constitucional que viabiliza a aplicação mais eficaz e homogênea das normas constitucionais" [76].

Tal medida visa, a um só tempo, a diminuição do tempo do processo bem como resguardar a função desse órgão para que ele aprecie apenas as causas imprescindíveis para a realização do progresso da sociedade brasileira [77].

Resta saber o que vem a ser repercussão geral, haja vista sua importância vital no que tange ao requisito de admissibilidade recursal do extraordinário.

3.2.1 Interpretação conceitual de "repercussão geral"

Por se tratar de conceito aberto e, por isso, a determinação do que seja repercussão geral da questão constitucional ser incumbência do STF através da sua interpretação no caso concreto, a doutrina apresenta situações em que entende estar presente esse novo requisito. Tal antecipação interpretativa foi construída com base nas linhas apresentadas pelo legislador.

Dispõe o art. 543-A do CPC, com redação determinada pela Lei n° 11.418, de 19 de dezembro de 2006:

"Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§1° Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

(...)

§3° Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal".

Como se observa, o dispositivo da repercussão geral prevê a rejeição de recursos extraordinários que tratem de casos sem relevância social, econômica, política ou jurídica, permitindo que o STF concentre seus esforços nas questões que ultrapassem os interesses subjetivos das partes no processo. Presente o binômio "relevância + transcendência" [78], caracterizada estará a repercussão geral.

MARINONI e MITIDIERO advertem que as questões envolvendo violações a direitos fundamentais, sejam eles substanciais ou formais, apresentam transcendência, posto que são considerados "uma tábua mínima de valores da sociedade em dado contexto histórico". Assim, por exemplo, violações ou ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar, ou aos direitos fundamentais inerentes ao processo justo, ao devido processo legal processual seriam dotadas de repercussão geral [79].

Para TUCCI, "[o] que realmente interessa é que a repercussão da matéria constitucional discutida tenha amplo espectro, vale dizer, abranja um significativo número de pessoas" [80]. TAVARES, por sua vez, entende que uma questão é relevante para ser analisada pelo STF quando ela é uma novidade e encontra-se pendente de decisão em vários tribunais, cabendo a ele iluminar o assunto [81]. Nesse sentido a repercussão geral da questão constitucional se daria quando o "recurso extraordinário tenha o condão de sinalizar o encaminhamento jurídico-processual que merece ser dado a certa questão constitucional de interesse geral" [82].

Do §3° do referido art. 543-B extrai-se dois casos em que se presume a repercussão geral da matéria invocada no extraordinário: se a decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. "Nessas hipóteses, a repercussão reside nos imperativos de certeza e segurança jurídicas, aos quais interessa a uniformidade dos provimentos jurisdicionais" [83]. Como bem destaca TUCCI, a existência de súmula ou precedente judicial consolidado por si só já indica que a matéria reveste-se de amplo interesse [84].

A súmula referida pelo legislador não precisa ser vinculante, pois, mesmo que a questão esteja sumulada, a repercussão geral se configura em qualquer julgamento contrário à jurisprudência dominante do STF. Deve-se entender como jurisprudência dominante, "a que resulta de posição pacífica, seja porque não há acórdãos divergentes, seja porque as eventuais divergências já tenham se pacificado no seio do STF" [85].

Adverte ALENCAR SOBRINHO que a compreensão dessa presunção legislativa deve ser "vista com olhos de lince", e explica:

"Destarte, cumpre ao STF, a despeito da argüição de contrariedade a súmula ou jurisprudência do Tribunal, examinar se, de fato, a decisão recorrida incorre nesta contrariedade, a ponto de estar acobertada pela presunção. Com efeito, um recurso fundamentado na aludida contrariedade, em que se verifique uma contradição apenas indireta e reflexa a súmula ou jurisprudência, poderá perfeitamente ter seu seguimento negado pelo STF, ante a ausência da situação que dá ensejo à presunção" [86].

Assim, não se pode perder de vista que os precedentes invocados pelo recorrente deverão ser atuais e intrinsecamente análogos à questão que traz em seu recurso extraordinário [87].

Quanto a esta presunção trazida pelo legislador, de contrariedade a verbete sumular ou jurisprudência dominante, PAIVA já a identifica como uma questão relevante do ponto de vista jurídico [88].

Por esta análise, verifica-se que a real amplitude do conceito "repercussão geral" só pode ser verificada quando da efetiva aplicação do instituto pelo STF. Será imensa a responsabilidade do julgador na construção do significado da norma, em cada caso concreto, por que com ela estará o STF, também, resgatando as suas reais funções institucionais e atribuindo mais efetividade e legitimidade ao Poder Judiciário brasileiro.

3.2.2 Eficácia da decisão no âmbito da repercussão geral

Tratando-se de repercussão geral, vislumbra-se a presença de duas decisões que influenciam os demais recursos que tratam da mesma matéria: a primeira delas é a que reconhece a existência de repercussão geral sobre a questão constitucional levada através do recurso; a segunda é a própria decisão do recurso que apreciou a questão constitucional. Assim, para visualização mais didática deste tópico, imperiosa a transcrição dos dispositivos que regulam a matéria:

"Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

(...)

§5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal".

"Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

(...)

§2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada".

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No tocante ao reconhecimento da existência ou não da presença de repercussão geral na questão constitucional levada no recurso, se esta for reconhecida, os demais recursos que versam sobre a mesma matéria ficarão sobrestados até o julgamento do mérito do recurso selecionado.

Nos termos da lei, sendo negada a existência de repercussão geral à questão, essa decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, os quais considerar-se-ão automaticamente não admitidos, e os já admitidos serão indeferidos liminarmente. REICHELT afirma que "a decisão apresentada pelo STF funciona, novamente, como parâmetro analógico para a negativa de seguimento do recurso pelo tribunal ordinário. Da palavra automaticamente é possível inferir que a decisão do STF possui verdadeiro efeito vinculante, no sentido de não permitir que o tribunal ordinário determine a subida de recursos extraordinários que tratem da mesma matéria" [89].

Julgado o mérito, mesmo que não haja ainda o trânsito em julgado desta ação, "já é possível aplicar a orientação fixada pelo STF, pois já pacificada a controvérsia constitucional" [90]. Os processo sobrestados devem ter prosseguimento de acordo com a orientação fixada pelo STF.

Diversamente da decisão que nega a existência da repercussão geral, contudo, a decisão de mérito do recurso não apresenta de pronto efeito vinculativo. Na lição de REICHELT, a "analogia que impedia que fossem levados ao STF determinados recursos extraordinários que tratassem de questões semelhantes não apresenta caráter vinculante nos casos de o tribunal ordinário entender pertinente a manutenção de sua posição em relação à questão antes julgada" [91]. Ressalta, porém, que se "de um lado, não há o efeito vinculante das decisões do STF no que se refere à análise de mérito, há, no mínimo, a sua eficácia persuasiva, a qual resta consideravelmente potencializada por força do alerta legal endereçado ao tribunal ordinário" [92].

Assim, nos termos do art. 543-B, §3º, do CPC, se os magistrados entenderem que o caso em análise se enquadra na decisão proferida pelo STF, "procederão ao exame dos recursos sobrestados para declará-los prejudicados no caso de o acórdão recorrido estar no mesmo sentido da orientação fixada pelo STF" [93].

Caso seu posicionamento anterior fosse em sentido diverso do então decidido pelo STF, o Tribunal de origem deve adequar-se à decisão da Corte, realizando um juízo de retratação. Ressalta FUCK:

"[O] juízo de retratação não constitui delegação ao tribunal de origem para apreciar o recurso extraordinário, mas oportunidade de a corte local adaptar-se à jurisprudência do STF, como destacado no julgamento da QO no AgIn 760.358/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 19.11.2009 (Informativo 568 do STF). Não cabe à corte de origem apreciar o cabimento do recurso extraordinário, se há prequestionamento ou não, ou se a matéria é infraconstitucional. Possivelmente, a tempestividade constitua o único requisito de admissibilidade passível de verificação nesse momento, em virtude da configuração da coisa julgada" [94].

Essa decisão que declara prejudicado o recurso ou que realiza juízo de retratação é irrecorrível, exceto se em razão dela, o Tribunal de origem enfrentou novas questões antes prejudicadas pelo entendimento anterior. "Assim, por exemplo, se a questão constitucional pacificada pelo STF disser respeito à prescrição, o juízo de retratação poderá suscitar outras questões constitucionais no mérito" [95]. Ainda, "[c]ogita-se, apenas, a possibilidade de agravo regimental ou impetração de mandado de segurança quando houver patente equívoco na aplicação de precedente do STF" [96].

Se o juízo de origem discordar da tese sustentada pelo STF por entender que ela não deve ser aplicada àquele caso concreto, ele pode manter sua decisão, encaminhando-a à apreciação do STF que, conforme o §4º do art. 543-B do CPC, poderá cassá-la ou reformá-la liminarmente [97].

Nesse ponto, explica SANTOS:

"No caso em tela, a utilidade da decisão da instância especial não reside tanto no julgamento em si das pretensões que lhe são submetidas, mas na tese esposada em sua fundamentação. É nela que residirá o verdadeiro critério para que o juízo a quo realize a adequação de sua decisão à do STF ou à do STJ. Enfim, a lógica desse juízo de retratação é muito semelhante ao modo como os juízos, Tribunais e Administração Pública devem observar (cumprir) os fundamentos determinantes das decisões detentoras de eficácia vinculante" [98].

Essas são as primeiras linhas que demonstram o novo panorama das decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade, onde se verifica que as decisões proferidas em recurso extraordinário transcendem seus efeitos além das partes litigantes no processo, possibilitando ao STF exercer a sua função de Corte Constitucional, analisando com especial atenção as questões relevantes socialmente.

3.3 SÚMULA VINCULANTE E SUA APLICABILIDADE

A Emenda Constitucional n°45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o art. 103-A à Constituição Federal, possibilitando a edição de súmula vinculante pelo STF em matéria constitucional, na via de controle difuso de constitucionalidade "com o fim de evitar-se o ajuizamento de demandas ou, caso isso não seja possível, diminuir o tempo para a tramitação de causas que já foram pacificadas, definitivamente, pela própria Corte Constitucional anteriormente" [99]. Esse dispositivo foi regulado pela Lei nº 11.417, de 20 de dezembro de 2006, que passou a ter vigência a partir de 20 de março de 2007, a qual dispõe sobre a edição, revisão e cancelamento de enunciados de súmulas vinculantes.

Abaixo, segue transcrição do dispositivo constitucional que trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro este tão importante instrumento:

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável o que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso".

Ensina BATISTA JUNIOR que o instituto jurídico "súmula" - aqui entendida como súmula comum, anterior à EC nº 45 - foi concebida em 1963, pelo então Ministro do STF Victor Nunes Leal, como construção da "crescente simbiose entre o sistema legalista e o de precedente", servindo como um "meio-termo entre o pragmatismo judicial e o apriorismo legal". Para este autor, esta foi "a mais bem elaborada modalidade de consolidação e de efetivação da jurisprudência brasileira e representou a sublimação da norma judicada pelos tribunais" [100].

A súmula "representa o teor ou o conteúdo de um julgado, de modo abreviado, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal, condensando o enunciado que serve de precedente à uniformização de jurisprudência do próprio órgão prolator" [101]. Assim, não apenas o resumo da decisão, a súmula apresenta "apresenta uma estrutura de decisão revestida sob a forma de epifonema, que encerra de forma axiomatizante o debate dialético jurídico" [102].

Essa súmula então desenvolvida, até a edição da EC nº 45, não era de observância obrigatória pelos demais juízes ou tribunais. Apenas com esta emenda constitucional é que se "consolidou o monopólio interpretativo-constitucional pela Suprema Corte brasileira" [103], criando a possibilidade de edição de súmula com efeitos vinculativos.

Conforme disposto no art. 103-A da Constituição, acrescido pela EC nº 45, o STF poderá, de ofício ou por provocação, havendo a decisão de dois terços de seus Ministros e após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação a si próprio e aos demais tribunais, como também à administração pública direta e indireta, em todas as esferas.

Este novo instituto tem por finalidade dar aplicabilidade à interpretação constitucional que o STF entende adequada à determinado dispositivo legal, sendo a interpretação constitucional o objeto das súmulas [104].

3.3.1 Requisitos para a edição e legitimados da súmula vinculante

Os requisitos para a edição de uma súmula vinculante são retirados do próprio caput do art. 103-A da Constituição, e seu §1º, que determina a aprovação de dois terços dos Ministros membros do STF, reiteradas decisões sobre matéria constitucional e controvérsia atual entre órgãos do Judiciário ou entre estes e a administração pública.

LOBO ressalta que a controvérsia entre os órgãos judiciários deve ser atual "isto é, não se pode utilizar precedentes antigos, cujo entendimento já tiver sido superado por outro de mesma instância ou de instância superior. Não há um prazo razoável para inferir essa atualidade, devendo ser analisada caso a caso" [105]. No mesmo sentido, o Min. MENDES leciona que "[a] norma constitucional explicita que a súmula terá por objetivo superar controvérsia atual sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas capaz de gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos. Estão abrangidas, portanto, as questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas em face de normas infraconstitucionais" [106].

Em razão dessa atualidade da controvérsia, não se admite a edição de súmula vinculante que trate de norma recentemente inserida no ordenamento jurídico, pois a ela "faltaria o requisito das reiteradas decisões de enfoque constitucional" [107].

Os legitimados para o pedido de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante estão arrolados nos incisos do art. 3º, da Lei 11.417/06. São eles: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Defensor Público da União; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador do Estado ou do Distrito Federal; os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

3.3.2 Efeitos da súmula vinculante

Segundo LOBO, a súmula vinculante "inaugura, em todo o mundo, uma nova sistemática que admite a elaboração de normas cogentes, munidas de efeito erga omnes e providas de comando genérico e abstrato, assim como são as leis, porém com uma característica peculiar, a de serem elaboradas e editadas pelo Judiciário" [108].

Para ABBOUD, "a prescrição legislativa que o STF formula passa a valer após sua publicação com força de lei (geral-abstrata e para o futuro) independentemente dos casos que a embasaram como também não a acompanham os fundamentos dos acórdãos que a originaram" [109].

Conforme o dispositivo constitucional, as súmulas passarão a ter efeitos vinculantes a partir de sua publicação. APPIO assevera que este é "o reconhecimento, pelo constituinte derivado, da natureza essencialmente legislativa da edição de súmulas vinculantes pelo órgão de cúpula do Judiciário brasileiro" [110].

Dessa forma, ante os efeitos vinculantes e erga omnes, quando uma lei é declarada inconstitucional pela súmula vinculante, esta passa a vigorar após a sua publicação. Caso esta súmula vinculante seja contrariada por lei que lhe é posterior (lei em sentido estrito, criada pelo Poder Legislativo), as disposições daquela não mais prevalecerão, passando a vigorar os termos da lei nova, até que nova súmula seja editada tratando da matéria, se for o caso [111].

Quanto aos efeitos desta súmula no tempo, APPIO explica que as súmulas vinculantes podem produzir efeitos ex tunc para os casos ainda não transitados em julgado, "pois refletem Direito novo (nova regra) e são aprovadas com quórum qualificado" [112]. Segundo ele,

"[a] súmula vinculante - por sua vez editada após o julgamento do mérito - produzirá, inegavelmente, efeitos retroativos, já que atinge as apelações pendentes de julgamento na origem (por força da LF 11.276/06) como também atinge os recursos extraordinários (por conta da repercussão geral) ou mesmo os recursos especiais (por conta da LF 11.672/08, que trata dos processos repetitivos nos Tribunais/Turmas Recursais). Não se pode falar, por conseguinte, em irretroatividade absoluta da súmula vinculante, exceção feita para a proteção dos casos já transitados em julgado (coisa julgada), em relação aos quais não existam recursos pendentes". [113]

Assim, quanto aos casos ainda pendentes de julgamento dos recursos, a súmula vinculante determinará o seu não-conhecimento sempre que a decisão de 1º ou 2º grau atacada estiver em conformidade com seu enunciado [114].

"Bem por isto, as instâncias inferiores ao Supremo Tribunal, terão a importante missão de definir se a súmula vinculante se aplica ao caso pendente (para fins de admissibilidade do recurso já interposto), ou se, utilizando-se do distinguishing method, trata-se de um caso de não aplicação da súmula, porque inaplicável o princípio imanente a sua edição. A Constituição Federal nega às instâncias inferiores a prerrogativa de realizar o controle (difuso) de inconstitucionalidade sobre o conteúdo da súmula ou mesmo a simples negativa de adesão (através da reclamação ao Supremo). Podem, todavia, interpretar o seu alcance" [115].

A decisão que já foi proferida de forma contrária à súmula vinculante, e ainda não transitou em julgado, estará sujeita ao processamento do competente recurso, devendo sua decisão ser reformada [116].

"Note-se que todos os processos em curso estão diretamente vinculados às decisões do Supremo Tribunal (...) conferindo racionalidade e previsibilidade aos sistema judiciário do país. Estas decisões do Supremo Tribunal Federal não têm, contudo, efeito retroativo, na medida em que o sistema recursal brasileiro foi (re)construído pelas Leis Federais 11.276/06 e 11.672/08, com o claro escopo de assegurar a imediata adesão da instância recursal ao julgado do Supremo. Todavia, isto não implica nulificar o que já havia sido decidido. Caso contrário, bastaria uma simples decisão do Supremo para nulificar todas as decisões judiciais que tivessem julgado de forma contrária ao novo entendimento" [117].

É importante destacar que o próprio STF está vinculado ao enunciado da súmula vinculante não podendo "afastar-se da orientação sumulada sem uma decisão formal no sentido da superação do enunciado eventualmente fixado" [118]. Para o Min. MENDES, a afirmação de que não-existência de autovinculação do STF ao estabelecido nas súmulas deve ser vista com cuidado. "Talvez seja mais preciso afirmar que o Tribunal estará vinculado ao entendimento fixado na súmula enquanto considerá-lo expressão adequada da Constituição e das leis interpretadas. A desvinculação há de ser formal, explicitando-se que determinada orientação vinculante não mais deve subsistir" [119].

Com o escopo de assegurar a sua autoridade, não sendo respeitado e aplicado o conteúdo da súmula vinculante, o interessado pode apresentar reclamação junto ao STF. Tal medida já vinha prevista no art. 102, inciso I, alínea "l" da Constituição, sendo reforçada especificamente quanto à súmula no §3º do art. 103-A.

Frise-se que, ao contrário do que ocorre com o mandado de segurança, a reclamação apresentada contra decisão que confronta súmula vinculante não tem prazo decadencial [120].

3.3.3 Segurança jurídica e igualdade de tratamento como efeitos da edição de súmulas vinculantes

Como bem ressalta BATISTA JUNIOR, a edição de súmulas vinculantes favorece o controle das condutas em sociedade, pois ela indica o que Judiciário considera correto ou errado acerca de determinada matéria, possibilitando a previsibilidade do resultado judicial das demandas já pendentes e daquelas ainda por existirem, antecipando eventual futura decisão. Para o autor, o enunciado constante de súmula vinculante "[i]nflui decisivamente na formação da persuasão racional do magistrado, de forma ainda mais eficaz que os demais elementos de convicção postos à sua disposição. Anula, em tese, o risco das decisões conflitantes, contribuindo para a segurança e a certeza jurídicas. Por fim, uniformiza a jurisprudência, com a aplicação de um único juízo de valor para os casos análogos, presentes e futuros" [121].

Dessa forma, pode-se dizer que do "conjunto de decisões proferidas pelos tribunais superiores passou a ser possível extrair-se uma regra geral que sustentasse a almejada previsibilidade jurídica, eliminando a alegada loteria judicial" [122].

No mesmo sentido é o posicionamento de CAMBI e BRITO:

"Logo, pelos precedentes, é possível saber, de antemão, a solução que o Judiciário irá adotar para a questão posta em discussão, assegurando, com isso, segurança jurídica. Esta segurança, em última análise, é um direito fundamental social, consagrado noa art. 6º da CF, voltado a dar estabilidade e previsibilidade ao ordenamento jurídico e, destarte, possibilitar que os cidadãos não só conheçam o direito, mas ajam em conformidade com ele. Por isso, não é sem sentido que um dos requisitos constitucionais para a elaboração da súmula vinculante é a existência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarretem grave insegurança jurídica" [123].

Além da possibilidade de proporcionar a segurança jurídica, estes autores apontam como consequência da edição de súmulas vinculantes e seus efeitos o alcance da igualdade de tratamento, principalmente quando se tratar de demandas em massa. Explicam que "para hipóteses iguais, submetidas à apreciação do Poder Judiciário, tem-se resultados iguais, de tal sorte que, inúmeras pessoas, ao levarem suas pretensões para decisão, terão, então, a certeza de que receberão, também, respostas iguais do poder público" [124].

Cumpre assinalar, conforme a lição do Min. MENDES, que as súmulas vinculantes apenas serão capazes de reduzir a crise vivenciada pelo STF e demais tribunais se editada e aplicada "em tempo social e politicamente adequado". Segundo o Ministro, "não pode haver um espaço muito largo entre o surgimento da controvérsia com ampla repercussão e a tomada de decisão com efeito vinculante. Do contrário, a súmula vinculante perderá o seu conteúdo pedagógico-institucional, não cumprindo a função de orientação das instância ordinárias e da Administração Pública em geral. Nesse caso, sua eficácia ficará restrita aos processos ainda em tramitação" [125].

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Sobre a autora
Claudia Luiza da Silva Matos

Advogada em Curitiba (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Claudia Luiza Silva. O Supremo Tribunal Federal e a objetivação do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3112, 8 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20769. Acesso em: 26 dez. 2024.

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