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Pluralidade de vítimas no latrocínio

11/01/2012 às 09:10
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Hipótese comum em crimes praticados com violência e principalmente com uso de arma, própria ou imprópria, é a ocorrência de várias mortes, ou seja, a vítima direta da subtração e terceiros.

Hipótese comum em crimes praticados com violência e principalmente com uso de arma, própria ou imprópria, é a ocorrência de várias mortes, ou seja, a vítima direta da subtração e terceiros. Há também casos em que a vítima direta não vem a morrer, ocorrendo, entretanto, a morte de pessoas que, em razão de suas funções, ilícitas ou lícitas, se encontram no local do crime. São essas hipóteses que passaremos a analisar nesse artigo.

A primeria hipótese a se avaliar é a possibilidade de que um agente, ao consumar uma subtração, valendo-se de violência, venha a causar várias mortes, v.g., a vítima direta do objeto subtraído, o seu segurança e um policial que passava no local. De início, temos que questionar quantas subtrações foram efetuadas. Se foi efetuada apenas uma subtração com várias mortes, entendemos que haverá crime único, sendo o restante das mortes utilizado como circunstância judicial do art. 59. do Código Penal para a definição da pena-base. Essa é a corrente majoritária. Entretanto, existem correntes entendendo tratar-se de concurso de crimes material ou formal. Contudo, não podemos usar o mesmo raciocínio quando se tratar de várias subtrações com pluralidade de mortes. Portanto, se o agente adentra em um recinto, subtraindo vários bens das vítimas que se encontravam nesse local, utilizando violência, vindo a causar a morte das vítimas em função dessa violência, estaremos diante de concurso de latrocínios (concurso material, formal ou continuado). Ressalva importante deve ser feita ao conhecimento do agente quando da subtração dos bens, ou seja, o agente deve possuir o conhecimento de que está subtraindo vários bens, caso contrário, voltamos à primeira solução.

O professor Rogério Greco defende o mesmo posicionamento quando afirma:

"Portanto, quando estivermos diante de várias subtrações com vários resultados morte, nada impede o raciocínio do concurso de crimes. Assim, imagine-se que, durante a prática de um roubo em um prédio de apartamentos, os agentes acabem subtraindo os bens de várias pessoas, causando a morte de algumas delas. Poderá se cogitar, in casu, de concurso de latrocínios, com as discussões que lhe são pertinentes, que girarão em torno da natureza desse concurso de crimes (concurso material, concurso formal, ou, ainda o crime continuado)."1

Contudo, pode ocorrer também, e infelizmente é muito comum, que o agente entre em um recinto (exemplo mais corriqueiro no ônibus) em que várias pessoas estão presentes e venha a subtrair o pertence de uma vítima causando a morte dessa, e logo depois, com dolo autônomo, mate mais três pessoas que presenciam o crime. Observe-se que aqui a solução é diversa das anteriores, isto é, nesse exemplo não estaremos diante de concurso de latrocínios, e nem poderemos usar as mortes como circunstâncias judiciais. Portanto, nessa suposição, teremos, em nosso entender, um crime de latrocínio e três homicídios qualificados (art. 157, § 3º, parte final c/c 3 vezes art. 121, § 2º, V, todos do Código Penal). Para que não haja erro na correta adequação típica, devemos ficar atentos ao nexo causal, ou seja, a morte que qualifica o roubo (latrocínio) deve ser um resultado da violência empregada para a subtração.

Esse alerta é importante, pois, existem casos em que durante a execução do roubo ocorre a morte de um dos partícipes, e nesse ponto deveríamos verificar em que condições se deu essa morte, para podermos adequá-la, ou não, ao crime de latrocínio. Pois bem, se um dos partícipes e morto por seu "colega" de crime durante a execução do roubo, essa morte qualificará o roubo? A resposta é: depende. Devemos fazer outra pergunta: essa morte foi resultado da violência empregada para a subtração do bem? Se a resposta a essa segunda pergunta for negativa, a conclusão lógica é que então não estará qualificado o roubo (latrocínio). Todavia, devemos lembrar-nos que essa morte, embora não qualifique o roubo, também é ilícita, e portanto, passível de reprimenda estatal. No caso, homicídio (art. 121. do CP). Porém, pode ocorrer que o sujeito ativo, ao usar de violência (disparo de arma de fogo) contra uma vítima, venha por erro (art. 20, § 3º, do CP) a atingir um de seus comparsas, e nessa hipótese estará configurado o latrocínio. Entretanto, não haverá a qualificadora, se a vítima ao reagir ao roubo, em legítima defesa (art. 25 do CP) vier a matar o roubador. Esses são os casos mais comuns verificados pela doutrina e jurisprudência e devidamente debatidos.

Todavia, vislumbramos outra possibilidade. Seria o caso em que um dos partícipes, durante a execução do roubo desiste, e tenta evitar o crime, vindo a ser morto por seu "colega" de empreitada. Mais uma vez devemos recorrer à pergunta acima: a morte foi resultado da violência empregada para a tirada do bem? A resposta que se impõe é positiva, pois quando o partícipe desiste, e passa a tentar evitar o roubo, ele passa a ser obstáculo ao éxito do roubo, e, por conseguinte, no caso de sua morte, essa qualificará o roubo. Diferente do exemplo abaixo trazido por Bitencourt, em que há apenas divergência de ações entre os comparsas.

Cezar Roberto Bitencourt assim define essas hipóteses com algumas peculiaridades:

"A morte dos participantes do crime (sujeito ativo) não configura latrocínio. Assim, se um dos comparsas, por divergências operacionais, resolve matar outro durante um assalto, não há falar em latrocínio, embora o direito proteja a vida humana, independentemente de quem seja seu titular, e não apenas a da vítima do crime patrimonial. Na realidade, a morte do comparsa, nas circunstâncias, não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvaliosa do latrocínio, que determina sua maior reprovabilidade. A violência exigida pelo tipo penal está intimamente relacionada aos sujeitos passivos naturais (patrimonial ou pessoal) da infração penal, sendo indispensável essa relação causal para configurar o crime preterdoloso especialmente agravado pelo resultado."2

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Com brilhantismo o mestre Weber Martins Batista também tece seus comentários:

"Como se disse ao tratar do problema da caracterização do roubo, a grave ameaça ou a violência pode ser praticada contra o proprietário ou possuidor da coisa, ou contra qualquer outra pessoa que interfira em favor deste ou, de qualquer forma, esteja dificultando a subtração patrimonial. Como é tranquilo na doutrina, o sujeito passivo da violência pode ser diverso do sujeito passivo da lesão patrimonial. O que importa é que exista uma ligação entre a prática da violência (ou grave ameaça) e a subtração patrimonial ou pretendida…. O resultado morte, no crime de latrocínio, pode atingir terceiro, outra pessoa que não a vítima da lesão patrimonial, sem desnaturar, embora dois os sujeitos passivos, a unidade da infração penal."3

Abaixo trazemos o entendimento de nossos tribunais a respeito do tema:


CONCURSO MATERIAL

"Sendo distinta da primeira ação do acusado aquela em que mata, desnecessariamente, outra vítima para roubar, não há falar em crime único ou continuado, mas em concurso material de latrocínio."

(TJSP – AC – Rel. Mariano Falcão – RT 574/327)

"Latrocínio – ausência de lesão patrimonial – pluralidade de vítimas – configuração de latrocínio em relação à vítima prostrada pelos disparos do criminoso e de tentativa de roubo em relação à segunda vítima que conseguiu fugir – Não reconhecimento do concurso formal."

(TJSP – AC – Rel. Xavier Homrich – RJTJSP – 31/365)


CONCURSO FORMAL

"PENAL. LATROCíNIO. AÇÃO E ATO. DESÍGNIOS. LATROCÍNIOS PRATICADOS CONTRA DIFERENTES VÍTIMAS, MEDIANTE AÇÃO ÚNICA DESDOBRADA EM ATOS DIVERSOS, CONFIGURA O CONCURSO FORMAL E NÃO UM ÚNICO CRIME."

(STJ - Recurso Especial: REsp 28023 SP 1992/0025396-2 Relator(a): Ministro EDSON VIDIGAL Julgamento: 13/06/1995 Órgão Julgador: T5 - Quinta Turma)."

"Latrocínio e roubo qualificado – vítimas diversas – configura-se o concurso formal de crimes uma vez que, com uma única ação, mais de um delito foi cometido, na forma prevista no § 1º do art. 51. do CP" (atual art. 70)"

(TJSP – AC – Rel. Adalberto Spagnuolo – RT 542/337).

"Latrocínio – concurso formal de crimes, praticados contra duas vítimas mediante uma só ação, desdobrada em vários atos"

(STF – RE – Rel. Djaci Falcão – RT 633/380; RTJ – 125/671).

"O latrocínio consumado em decorrência com o tentado, implica na incidência da regra contida no art. 70. do estatuto repressivo"

(TJRO – AC – Rel. Dimas Ribeiro da Fonseca – RT – 699/362).

"Concurso formal de delitos – caracterização – pluralidade de vítimas – subtração de bens de uma única família – patrimônio particular de cada um – "várias foram as vítimas patrimoniais, pois, ainda que da mesma família, cada uma tinha seu patrimônio particular"

(TJSP – Rev. Rel. Gomes de Amorim – JTJ – 141/408).


CRIME CONTINUADO

"Se apenas um patrimônio foi atingido pelo assaltante no abater marido e mulher para roubar, é de ser reconhecida a continuidade delitiva em seu comportamento"

(TJSP – AC – Rel. Onei Raphael – RT 591/319).

"Latrocínio - assaltos a motorista – homogeneidade do "modos operandi" - identidade de local e pequeno intervalo de tempo na sua consumação – unificação de penas – "voltou a orientação jurisprudencial a aceitar a continuidade delitiva, embora diversos os bens jurídicos atingidos e diferentes os sujeitos; se trata de delitos da mesma espécie existindo homogeneidade no modus operandi e proximidade de local e tempo na sua execução"

(TJSP – Rel. Gentil Leite RT – 532/625).

"Sendo o latrocínio crime complexo, a pluralidade de vítimas não implica a pluralidade de latrocínios. Precedentes STF"

(STF – HC – Rel. Carlos Velloso - RT 734/625).


CRIME ÚNICO

"Se há diversidade de vítimas fatais e se as mesmas são marido e mulher, ocorrendo subtração material, por integrar a res um só patrimônio, positive-se a ocorrência de um único delito complexo de latrocínio e não concurso formal, devendo o número delas ser levado em linha de conta para os fins do art. 59. do CP"

(TJRJ – AP –Rel. Oscar Silvares – j – 1998, IBCCRIM).

"Tratando-se de latrocínio de delito complexo contra o patrimônio, a multiplicidade de crimes-meio não altera sua unidade, independentemente da diversidade de vítimas, não se podendo reconhecer, em tal hipótese a ocorrência do concurso material, mas de crime único, cuja pena-base sera agravada, a teor do art. 59. do CP"

(TAMG – Ap –Rel. Erony da Silva – 1997 – RT 748/710).

"Não se considera a multiplicidade de latrocínios em razão da multiplicidade de mortes. Trantando-se de delito complexo, decomposto em crime-meio e crime-fim, o roubo não tem desfigurada, desfeita sua uinidade, quando o crime-fim permanece um só, apenas porque diversos foram os crimes-meio. Assim, tendo-se um único latrocínio, impossível o reconhecimento da continuidade delitiva pela multiplicidade de mortes e do concurso material com outros eventuais crimes praticados"

(TJSP – AC – Rel. Renato Talli – RT 651/266).


Notas

1 Greco Rogério. Curso de direito penal, volume III, p. 91.

2 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, p. 112.

3 Batista, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal, p. 285.

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Sobre o autor
João Carlos Carollo

advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAROLLO, João Carlos. Pluralidade de vítimas no latrocínio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3115, 11 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20830. Acesso em: 2 nov. 2024.

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