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Crédito consignado: a demora na reabertura do mercado e o jogo dos espelhos

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Não existe, no direito brasileiro, declaração de abertura de mercado, pois essa é a regra; e a exclusividade, exceção. Assim, a obrigação de não fazer imposta ao Banco do Brasil (para que não imponha exclusividade nos contratos de crédito consignado) obriga aos órgãos e autoriza aos terceiros interessados a manter o mercado nas condições ideais de outrora.

A exclusividade do crédito consignado terminou. Aliás, já estava encerrada com a Circular Bacen 3522 datada de janeiro de 2011, e no mérito teve o desfecho com a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão competente para analisar e julgar práticas contra a livre concorrência.

Na decisão do CADE a suspensão dos contratos de exclusividade com o Banco do Brasil é imediata, devendo apenas aguardar a publicação no Diário Oficial da União, por obediência ao princípio da publicidade, expresso na Constituição Federal. Da decisão cabe recurso do Banco do Brasil, mas isso não modifica, e sequer atrasa, a decisão do órgão antitruste.

A publicação já ocorreu, no entanto, ainda hoje persiste a exclusividade de fato, uma vez que grande parte do funcionalismo público está alijada do acesso ao crédito de outras instituições, conforme notícia e denúncia prolatadas por entidades representativas do funcionalismo: associações, sindicatos e federações.

Ora, se foi decretada o fim da exclusividade, e foi, porque o mercado de crédito consignado continua encolhido em um momento que, para além do funcionalismo, mas à luz da condição econômica atual, o acesso ao crédito se faz necessário, em prol da economia?

Em primeiro lugar é importante entender o quê motivou o CADE a prolatar em sua decisão, a suspensão imediata dos contratos de exclusividade no crédito consignado, então vejamos: a observação de práticas de concorrência desleal [01], dumping e truste, requer ação imediata, pois a demora implica na falta de efetividade da decisão. Ou seja, se há prática predatória de concorrência, ela deve ter fim antes que o mercado, objeto que se quer preservar, seja destruído pela falência dos concorrentes. Por este motivo, o tempo é o fator determinante no equilíbrio de mercados, e foi expresso na decisão pela suspensão imediata dos contratos de exclusividade, como é razoável supor que seja feito nos casos de concorrência desleal.

O objetivo de dominação de mercado precisa apenas de tempo suficiente para causar prejuízo irreversível, não sendo necessário ser perene. Como exemplo, citamos o dumping, prática comercial que consiste em uma ou mais empresas venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços abaixo de seu valor justo por determinado período, apenas o suficiente para prejudicar e/ou eliminar a concorrência local.

A decisão é suficiente e bastante para que o funcionalismo público possa ter acesso a créditos consignados oriundos de outras instituições. Pouco importa que aquela autarquia tenha se insurgido contra a decisão revogadora da exclusividade, menos ainda importa que não reconheça a competência do Conselho no julgamento. Aliás, e apenas por exercício de argumentação, o Cade tem indubitável competência para tanto, já tendo se pronunciado sobre as compras do Itaú/Unibanco e da Nossa Caixa pelo próprio Banco do Brasil.

O fato é que os recursos que poderão ser interpostos contra a decisão não tem o condão de suspender o fim da exclusividade, pelo contrário, como já vimos, sem a suspensão imediata dos contratos não há defesa da concorrência.

Desta forma, o por quê da demora nesse fornecimento só pode ser explicado pelo erro de forma na interpretação da natureza dos recursos que o Banco do Brasil pode, e deverá, propor em face do decidido, que, mais uma vez, repito, não tem poder suspensivo da decisão, pela natureza da matéria.

Se a demora no fornecimento de crédito ao funcionalismo não tem sentido jurídico, por outro lado, e de forma coloquial, lembra um jogo de espelhos, onde a representação de si se dá através do outro, ou seja, órgãos públicos e instituições financeiras aguardam uma declaração que autorize o status quo ante, mas isso não irá ocorrer.

A decisão do CADE, para além da defesa dos mercados, tem apenas um pólo, o próprio Banco do Brasil. Não trata do funcionalismo público e tampouco de outras instituições concorrentes no mercado do crédito consignado, de forma que podemos dizer que a decisão se caracteriza nos termos do art. 878 a 883 do CC, determinando uma omissão, que em direito se denomina obrigação de não fazer. Em outras palavras: a decisão do CADE determina que o Banco do Brasil se omita sobre pactos de exclusividade sobre pena de multa. Sendo decisão de não fazer, e dirigida a pessoa jurídica determinada (no caso o Banco do Brasil) não cabe ao CADE, por técnica e obviedade, declarar que os outros estão autorizados ao fornecimento do crédito.

Não existe, no direito brasileiro, declaração de abertura de mercado pois essa é a regra, e a exclusividade exceção, assim, a obrigação de não fazer imposta ao Banco do Brasil obriga aos órgãos e autoriza aos terceiros interessados a manter o mercado nas condições ideais de outrora.

Ações e recursos contra a decisão do CADE, interpostas naquele órgão ou em outros podem (e irão) durar mais de uma década, e na hipótese mais do que remota de que haja sentença que permita a exclusividade, sendo ela em favor do Banco do Brasil ou de outra instituição, ela se dará da prolação da nova decisão em diante, não podendo atingir os contratos feitos durante a vigência da decisão do CADE, por segurança jurídica.

Aguardar decisão declaratória em ação cujo objeto é uma omissão é erro procedimental, e por sinal inescusável, como são todos os erros de interpretação.


Notas

01 Concorrência desleal é termo técnico, de forma que não se trata de concorrência moralmente inaceitável ou desonesta. O termo em sentido amplo, significa toda atividade econômica contrária ao Direito e aos costumes numa situação de concorrência, estando relacionada com o abuso de poder na eliminação dos concorrentes, domínio de mercados ou ainda no aumento arbitrário dos lucros.

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Sobre a autora
Maria Gabriela Moya Gannuny El Bayeh

Advogada em São Paulo, mestranda em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL BAYEH, Maria Gabriela Moya Gannuny. Crédito consignado: a demora na reabertura do mercado e o jogo dos espelhos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3136, 1 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20996. Acesso em: 24 abr. 2024.

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