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A obrigação alimentar dos avós e a extrema excepcionalidade da medida prisional

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05/03/2012 às 09:49
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5. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DO DECRETO PRISIONAL DOS AVÓS

Embora a prisão civil seja em muitas circunstâncias a única forma eficaz de obrigar o devedor a saldar sua dívida, ela agride a integridade física e às vezes até psicológica do devedor, mormente em idade avançada, se vendo impedido no seu direito de ir e vir, podendo sofrer danos irreversíveis em suas condições de saúde.

Dessa maneira, deve o julgador de primeiro grau ter máxima cautela quando o decreto versar sobre avós, eis que a grande maioria deles se encontra numa categoria própria, chamada de “terceira idade”.

Essa categoria, de acordo com cientistas, se inicia aos 65 anos de idade, mas sem dúvida alguma, este é um critério sem fundamento científico preciso, pois as pessoas são muito diferentes umas das outras, possuindo especificações físicas e psicológicas que invalidam um critério cronológico de definição.

A prisão é uma medida extrema e odiosa restrigenda, a qual serve como meio coativo de cumprimento da obrigação alimentar, porém, agride tanto a liberdade quanto a dignidade dos avós.

Cumpre salientar que os avós que contam com no mínimo 60 anos, estão sob a proteção da Lei Complementar nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, mais conhecida como o Estatuto do Idoso, justamente por se encontrarem numa situação diferenciada. Assim, deve o juiz aplicar a lei com sabedoria, evitando que se retire dos avós o necessário para que tenham uma velhice digna.

A Constituição Federal, em seu art. 1º inciso III, adotou como princípio maior o princípio da "dignidade humana." Dessa forma, todos os demais direitos fundamentais decorrem desse direito, e  nele encontram, por sua vez, seu próprio alicerce. Em consequência, toda a atividade do Estado deve ser orientada à proteção da dignidade humana, e qualquer violação a esse princípio atinge também os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana como sujeito de direitos.

Em relação à interpretação dos direitos fundamentais da pessoa humana, ao credor dos alimentos, justamente pela relevância extrema do seu direito, deve ser oportunizada a pronta e integral satisfação judicial de seu elementar direito ameaçado, selecionando o operador jurídico os “meios executivos que se revelem necessários à prestação integral da tutela executiva, mesmo que não previstos em lei, e ainda que expressamente vedados em lei, desde que observados os limites impostos por eventuais direitos fundamentais”. (MADALENO apud GUERRA, 2007, p. 237)

Desse modo, imperioso é que o juiz, no caso dos avós, busque outros meios coercitivos que visem a satisfação do débito alimentar, mas que sejam mais brandos, diante das condições físicas e psicológicas que tais sujeitos apresentam.


6. OUTRAS MEDIDAS CABÍVEIS PARA A SATISFAÇÃO ALIMENTAR

É certo que não sendo paga alguma parcela da prestação alimentícia, pode o credor ingressar com ação executiva pedindo a prisão civil do devedor. Contudo, interessante é a ideia de previsão de multa diária, denominada astreinte, que não passa de um gravame pecuniário imposto por acréscimo ao devedor renitente, como ameaça adicional para demovê-lo a honrar o cumprimento de sua obrigação. Em alguns casos, vislumbrada a conveniência da medida, pode ser aplicada de ofício quando do recebimento da execução, de modo que representaria uma situação menos gravosa ao devedor de alimentos e o credor satisfaria seu crédito da mesma forma.

Esta multa diária tem sido muitas vezes uma “alternativa eficiente de motivação executiva adicional” e, conforme Sérgio Cruz Arenhart, citando Roger Perrot, é tida como

Um meio de pressão que consiste em condenar um devedor sujeito a adimplir uma obrigação, resultante de uma decisão judicial, a pagar uma soma em dinheiro, por vezes pequena, que pode aumentar a proporções bastante elevadas com o passar do tempo e com o multiplicar-se das violações. (MADALENO apud ARENHART, 2007, p. 242)

Na mesma esteira, ensina Grisard Filho (2006, p. 903):

A previsão constitucional de uma sanção cominatória, multa ou astreinte, revela-se eficiente meio de pressão sobre o ânimo do devedor de alimentos para que cumpra em tempo sua obrigação. Essa sanção destina-se a desestimular a recalcitrância do obrigado pela coação psicológica do custo financeiro adicional e progressivo do inadimplemento. Aqui é castigo imposto ao devedor e não meio de reparar o prejuízo do credor, como expõe o § 4º, do art. 461, do Código de Processo Civil.

Ademais, Madaleno (2007, p. 243-244) cita que:

As multas são associadas ao instituto do contempt of Court, porque o descumprimento de ordem judicial implica uma lesão ao credor e a insubordinação à autoridade judicial, eis que ofendida a autoridade do Estado. Desse modo, para tornar possível a prestação da tutela específica, o legislador conferiu ao juiz poderes para impor multa diária ao réu indiferente ao expresso pedido do autor, consistente, verdadeiramente, de uma sanção processual destinada a desestimular – pela coação psicológica do custo financeiro adicional e até progressivo – a obstinada resistência da pessoa obrigada e fazer que se sinta compelida a cumprir o preceito a que estava obrigada.

E continua:

Chamada de tutela inibitória, pois este é o sentido da imposição da multa diária, a astreinte como instrumento legítimo de pressão psicológica deve ser fixada em valor significativo para o demandado, a fim de que o preceito seja cumprido. Fosse irrisório o valor arbitrado para a multa e certamente ela estaria longe de cumprir a sua função de inibição à relutância do devedor.

Madaleno (2007, p. 245) conclui dizendo que:

Sempre que presentes as condições favoráveis à imposição da multa como ferramenta adicional de motivação para o pagamento da pensão alimentícia represada pelo devedor alimentar, dispostos a causar agravos materiais e morais ao credor da pensão, certamente servirão as astreintes como um eficiente mecanismo de desestímulo à renitente teimosia dos executados que costumam dar vazão processual às feridas abertas por força de velhas dissensões afetivas e conjugais.

Se a astreinte é um ato subjetivo do juiz, entendo que deveria ser aplicada quando o magistrado de família se deparar com a questão alimentos/avós/netos. No entanto, verifico que a aplicação desse instrumento se afigura recomendável somente nos casos em que o devedor reúne condições financeiras e há manifesta intenção em não adimplir com a obrigação.

Uma outra sugestão, que independe de condição financeira privilegiada do devedor, é a possibilidade da “penhora on line”, prescrita no art. 655-A do CPC, que contempla a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira. A requerimento do credor, o juiz requisita à autoridade supervisora do sistema bancário informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade até o valor indicado na execução.

Entretanto, apesar de mecanismo ágil e eficaz, necessita de requerimento pelo credor e ainda da existência de saldo, o que por vezes dificulta sua aplicabilidade e/ou efetividade.

Outro ponto que deve ser ressaltado é a aplicação da multa prevista no art. 475-J, do CPC, no patamar de dez por cento do montante da execução. É opção menos gravosa ao devedor, porque este responderá com seu patrimônio e não sofrerá coerção pessoal. Tal procedimento está em consonância com o art. 620 do CPC, segundo o qual, quando por vários meios o credor puder satisfazer a execução, o juiz mandará que se faça pelo menos gravoso ao devedor.

Diante do exposto, tem-se que a prisão civil é meio eficaz para o recebimento dos alimentos em atraso, mas as consequências deste ato podem ser irreversíveis quando se trata de uma pessoa idosa, comumente fragilizada em suas condições físicas e psicológicas. Neste caso, penso que as medidas acima propostas têm o mesmo condão de coagir ao pagamento, mas de uma forma mais amena, não ofendendo princípios constitucionais fundamentais, como o princípio da dignidade humana.


7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A pessoa idosa deve ter, na medida do possível, acesso às condições básicas de sobrevivência, levando em consideração suas necessidades individuais e condições de saúde. A liberdade, sem dúvida, é necessária para se viver com dignidade, sendo importante para todas as pessoas, de todas as idades, principalmente quando em idade avançada, com eventual perda de capacidade física.  O idoso tem tantas peculiaridades que o legislador criou o Estatuto do Idoso, com o cunho de proteger integralmente os seus direitos. A criança e o adolescente estão em circunstâncias diferentes da do idoso, mas carecem de possibilidades para gerir suas necessidades, as quais só na fase adulta poderão ser alcançadas e supridas.

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Primeiramente, entendo que a proteção à vida dos filhos cabe primordialmente aos pais, que geraram estas vidas. Transferir essa tarefa fundamental para os avós é o mesmo que subverter o ciclo natural da vida e os compromissos de responsabilidade que devem nortear as relações parentais. De qualquer forma, se não podemos mudar a legislação, e se a obrigação alimentar pode ser repassada ou complementada por esses indivíduos, nos cabe somente fazer uma análise profunda do caso e criar mecanismos para amortecer essa relação especial que a lei coloca.

Ao verificarmos o entendimento contido na jurisprudência gaúcha, notadamente quando a questão envolve avós e netos em relação à pensão alimentícia, o critério da possibilidade deve prevalecer sobre a necessidade e proporcionalidade, nos termos do Agravo de Instrumento nº 70005360425, da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 13 de fevereiro de 2003, pelo Desembargador Rui Portanova. Este julgado já demonstra a particularidade do caso, somada à excepcionalidade. Se na fixação da obrigação alimentar dos avós há exceção à regra, porque não pode haver também ao executá-la?

Conclui-se que se deve, em situações como esta apontada no tema, optar pelos meios menos gravosos e tão eficazes quanto propõe a prisão civil. Sendo as medidas alternativas efetivamente aplicadas, os avós serão chamados da mesma maneira à sua obrigação, o que possivelmente levará ao adimplemento almejado. Adotar-se-á, por tal via, formas menos gravosas e humilhantes, não passando por cima de um dos basilares princípios constitucionais, o da dignidade da pessoa humana, ressalvando ainda, o direito à vida, ponto de partida para a institucionalização dos alimentos.


REFERÊNCIAS

ASSIS, Akaren de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

BRASIL. Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968. Vade Mecum. 7 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vade Mecum. 7 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Vade Mecum. 7 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Vade Mecum. 7 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

COSTA, Maria Aracy Menezes da. A Obrigação Alimentar dos Avós. In: WALTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf H. (Org.). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 223-234.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 5.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRISARD FILHO, Waldyr. O futuro da prisão civil do devedor de alimentos: caminhos e alternativas. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família e Dignidade Humana: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM : IOB Thomson; São Paulo: IOB Thomson, 2006. 921 p. p. 891-909.

MADALENO, Rolf. A execução de alimentos pela via da dignidade humana. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código Civil: aspectos civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 233-262.

NERY Junior, Nelson. Constituição federal comentada e legislação constitucional. 2. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de Alimentos Comentada: doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70005360425. Relator: Rui Portanova. Julgado em 13/02/2003. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 05 jun. 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. 

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Sobre a autora
Juliana Cristina Wanderley

Pós graduada em Direito Público e Prática Jurídica na ESMESC - Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, em convênio com FURB - Fundação Regional de Blumenau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WANDERLEY, Juliana Cristina. A obrigação alimentar dos avós e a extrema excepcionalidade da medida prisional . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3169, 5 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21204. Acesso em: 22 dez. 2024.

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