Sumário: 1. introdução; 2. Os efeitos nocivos da fumaça do tabaco para a saúde do trabalhador; 3. Direito a um ambiente de trabalho sadio e seguro; 4. O dever patronal de proteção da saúde do trabalhador; 5. Responsabilidade civil pelos danos à saúde do trabalhador pela exposição à fumaça do cigarro; 6. Conclusões; 7. Bibliografia.
Palavras-chave: ambiente – doença – empregador – prevenção – responsabilidade – tabaco – trabalho – trabalhador
Resumo
De acordo com a medicina não existe mais dúvida sobre os efeitos nocivos do uso do tabaco para a saúde humana, tanto para o fumante ativo como o passivo, principalmente os trabalhadores, que durante o trabalho ficam expostos aos efeitos nocivos da fumaça do cigarro, sem qualquer equipamento que possa minimizar os seus maléficos efeitos.
No caso do tabaco passivo no ambiente de trabalho é ao empregador que compete permitir ou não que o trabalhador se exponha aos seus efeitos nocivos, pelo que, decorrendo dano para a saúde do trabalhador, cabe ao patrão provar que cumpriu todas as suas obrigações na forma da lei. Caso não o faça, arcará com o pagamento das indenizações e demais reparações pertinentes, cuja responsabilidade consta da Constituição Federal (art. 7º, inc. XXVIII) e da legislação civil (Código Civil, arts. 186, 927, 948 e 949, entre outros).
Pela interpretação sistemática e teleológica do inc. XXVIII do art. 7º, do § 3º do art. 225 da Carta Maior, do § 1º do art. 14 da Lei 6.938/81 e do § único do art. 927 do Código Civil, a responsabilidade do empregador pelos danos aos seus empregados decorrentes da exposição à fumaça do cigarro é objetiva, pois se trata de dano oriundo da degradação do meio ambiente, além de se enquadrar como atividade de risco.
O nexo causal das doenças com a exposição à fumaça do cigarro deve ser visto com razoabilidade, porque não é possível em alguns casos, à luz dos princípios constitucionais, exigir das vítimas a prova cabal e absoluta da relação de causalidade, que no caso já se presume.
1. Introdução
O objetivo deste artigo é levantar algumas reflexões a respeito dos males causados aos trabalhadores expostos á fumaça do cigarro como fumantes passivos nos ambientes de trabalho, sobre as medidas preventivas a serem adotadas e analisar alguns aspectos da responsabilidade civil pelos danos decorrentes.
Tratar dos efeitos nocivos do tabaco para a saúde humana não é tarefa fácil, tendo em vista o grande aparato econômico e político que visa resguardar uma das mais rentáveis atividades econômicas mundiais, a tabagista, especialmente nos Países em desenvolvimento, como o Brasil. Mais difícil ainda se torna a tarefa quando o enfoque se volta para a defesa da saúde do trabalhador, diante de dois grandes interesses econômicos: o do empregador e o da indústria tabagista.
2. Os efeitos nocivos da fumaça do tabaco para a saúde do trabalhador
Cientificamente não existe mais qualquer dúvida sobre os efeitos nocivos do uso do tabaco para a saúde humana. Se o fumante ativo está sujeito a riscos para a sua saúde, igualmente ou pior ocorre em relação àquele que recebe os efeitos da fumaça como fumante passivo. É o caso do trabalhador que não fuma, mas durante a jornada de trabalho fica exposto à fumaça de cigarro no ambiente de trabalho.
O fumo, como comprovado cientificamente, é a maior fonte de poluição em ambientes fechados, porque a fumaça emitida nos ambientes pela ponta do cigarro é cerca de quatro vezes mais tóxica do que a aspirada pelo fumante ativo. Pesquisa do instituto do câncer comprova que pelo menos sete pessoas morrem por dia no Brasil por conviverem com fumantes ativos.
As doenças mais comuns pela exposição à fumaça do cigarro, cientificamente comprovadas, são: irritação nasal e ocular, exacerbação da asma, diversas doenças pulmonares, doenças cardiovasculares e câncer.
Em qualquer ambiente de trabalho as pessoas podem estar expostas à fumaça do tabaco e aos seus males, sendo mais graves em alguns seguimentos de trabalho, como em bares, restaurantes, casas noturnas e outros similares. Nestes, quando fechados, os riscos para a saúde do trabalhador são acentuados.
De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a fração de moléstias atribuídas ao fumo passivo é de 1,1% por doença crônica do pulmão, 4,5% por asma, 3,4% por doença do coração e 9,4% por acidente vascular cerebral, o que totaliza 14% de todas as mortes relacionadas ao trabalho causadas por doenças, sendo que a maioria das vítimas está em restaurantes, bares e setores de entretenimento e serviços[1].
3. Direito a um ambiente de trabalho sadio e seguro
O Brasil conta com uma das mais avançadas legislações de proteção ao meio ambiente, tendo como principal objeto a defesa da vida.
A Lei 6.938/81 foi um marco histórico sobre o tema, definindo meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (art. 3º, inc. I), o que está em harmonia com a Constituição Federal de 1988 que, no caput do art. 225, buscou tutelar todos os aspectos do meio ambiente (natural, artificial, cultural e do trabalho), afirmando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
No aspecto específico do meio ambiente do trabalho, a Carta constitucional brasileira estabeleceu como direito social fundamental dos trabalhadores um meio ambiente de trabalho saído e seguro, como se infere do art. 7º e inc. XXII, in verbis:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Trata-se do mais importante direito do trabalhador, que busca a proteção da sua vida em razão do trabalho executado em prol de um tomador de serviços.
Portanto, se todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225) e à saúde plena (CF, art. 196), diferentemente não pode ser em relação ao trabalhador, que move a economia do País e ajuda a criar a riqueza nacional.
4. O dever patronal de proteção da saúde do trabalhador
Se é direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, por outro lado, é do empregador a obrigação de implementar essas normas, porque é ele, como dono do negócio, quem assume os riscos da atividade desenvolvida (CLT, art. 2º).
Na CLT consta de forma cristalina a obrigação patronal de preservação da saúde do trabalhador mediante o cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, como estabelece o art. 157:
“Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”.
Desse modo, demonstrada a existência de dano para a saúde do trabalhador por conta dos riscos ambientais do trabalho, cabe ao empregador provar que cumpriu todas as suas obrigações na forma da lei. Caso não o faça, deverá arcar com as consequências reparatórias.
No caso do tabaco passivo no ambiente de trabalho, é ao empregador que compete permitir ou não que o trabalhador se exponha aos seus efeitos nocivos. O trabalhador fumante passivo, como se pode observar, nada tem a fazer, pois depende da atitude patronal permitir ou não que se fume nos locais de trabalho, devendo agir na forma da lei.
É certo que o art. 2º e §§ da Lei federal 9.294/96 permitem fumar em ambientes fechados, nos chamados fumódromos, dizendo:
Art. 2º - “É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente” (grifados).
§ 1° - “Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema” (grifados).
§ 2º - “É vedado o uso dos produtos mencionados no caput nas aeronaves e veículos de transporte coletivo".
Todavia, essa lei está desatualizada, pois é consenso científico que os fumódromos não atendem à proteção da saúde humana dos efeitos nocivos da fumaça do cigarro, como parece óbvio para qualquer leigo. Basta pensar, por exemplo, nos trabalhadores de bares e restaurantes, que têm como função servir os clientes, expostos aos efeitos do tabaco em locais fechados. O certo, como vêm adotando muitos países do mundo (por exemplo, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Canadá e Austrália), é a criação de ambientes fechados 100% livres do fumo.
Essa é linha adotada pela Convenção de Quadro para controle do tabaco, primeiro e importante tratado internacional de saúde pública aprovado por 167 Países na 56ª Assembléia Mundial da Saúde da OMS (Organização Mundaial da Saúde) em 2003 e aprovada e promulgada pelo Brasil, respectivamente, pelo Decreto Legislativo nº. 1.012/2005 e Decreto nº. 5.658/2006, integrando o ordenamento jurídico brasileiro como lei federal, como é consenso geral ou, para outros, como norma constitucional, diante do que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 5º da Constituição Federal, por se tratar de tratado de direitos humanos, que tem aplicação imediata independentemente de norma interna e status de norma constitucional, como afirma Flávia Piovesan[2] com apoio em Antonio Augusto Trindade Cançado[3].
Neste caso, a Convenção de Quadro sobre o controle do tabaco veio alargar o universo dos direitos humanos sobre meio ambiente e saúde nacionalmente garantidos, não havendo qualquer conflito com a Constituição Federal, especialmente, no caso da proteção da saúde do trabalhador e do meio ambiente, com os arts. 7º, inc. XXII, 196 e 225. Igualmente não há incompatibilidade ou conflito com a Lei federal 9.294/96, que apenas foi complementada. De qualquer forma, mesmo que se queira arguir eventual incompatibilidade entre as duas normas, sustentando que a Convenção de Quadro tem força de lei infraconstitucional, é esta que deve prevalecer, porque lei posterior revoga a anterior com ela incompatível (§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro). Ademais, no plano dos direitos fundamentais, aplica-se a norma mais favorável à vítima, titular do direito violado, porque aqui a primazia é a proteção da pessoa humana, pelo que, por qualquer ângulo que se veja a questão, a prevalência é da norma convencional, cujo art. 8º trata da proteção contra a exposição à fumaça do tabaco nos seguintes termos:
1 - “As Partes reconhecem que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade”.
2 - “Cada Parte adotará e aplicará, em áreas de sua jurisdição nacional existente, e conforme determine a legislação nacional, medidas legislativas, executivas, administrativas e/ou outras medidas eficazes de proteção contra a exposição à fumaça do tabaco em locais fechados de trabalho, meios de transporte público, lugares públicos fechados e, se for o caso, outros lugares públicos, e promoverá ativamente a adoção e aplicação dessas medidas em outros níveis jurisdicionais”.
Alguns Estados da Federação brasileira já se adequaram ao comando do art. 8º da Convenção Quadro, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Rondônia, Roraima, Amazonas e Paraná. No caso paulista, pela Lei nº. 13.541/2009, que no art. 2º e §§ estabelece:
Artigo 2º - “Fica proibido no território do Estado de São Paulo, em ambientes de uso coletivo, públicos ou privados, o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco”.
§ 1º - “Aplica-se o disposto no “caput” deste artigo aos recintos de uso coletivo, total ou parcialmente fechados em qualquer dos seus lados por parede, divisória, teto ou telhado, ainda que provisórios, onde haja permanência ou circulação de pessoas”.
§ 2º - “Para os fins desta lei, a expressão “recintos de uso coletivo” compreende, dentre outros, os ambientes de trabalho, de estudo, de cultura, de culto religioso, de lazer, de esporte ou de entretenimento, áreas comuns de condomínios, casas de espetáculos, teatros, cinemas, bares, lanchonetes, boates, restaurantes, praças de alimentação, hotéis, pousadas, centros comerciais, bancos e similares, supermercados, açougues, padarias, farmácias e drogarias, repartições públicas, instituições de saúde, escolas, museus, bibliotecas, espaços de exposições, veículos públicos ou privados de transporte coletivo, viaturas oficiais de qualquer espécie e táxis”.
No art. 4º acrescenta que:
“Tratando-se de fornecimento de produtos e serviços, o empresário deverá cuidar, proteger e vigiar para que no local de funcionamento de sua empresa não seja praticada infração ao disposto nesta lei” (grifados).
A Lei paulista, como se vê, é rigorosa ao proibir o cigarro e derivados de tabaco em áreas fechadas de uso coletivo, como bares, restaurantes, casas noturnas, escolas, ambiente de trabalho, museus, shoppings, lojas, repartições públicas e táxis, não abrindo brecha alguma para a existência de fumódromos, o que representou uma grande vitória para os trabalhadores desses estabelecimentos e para o povo em geral, inclusive para os próprios fumantes, que de forma teimosa, expõem-se arriscam as suas vidas.
Algumas liminares foram deferidas autorizando bares e restaurantes a não seguirem as regras da lei paulista, logo cassadas pelo Tribunal de Justiça.
Foi arguida a inconstitucionalidade das leis estaduais perante o STF em quatro ADIs (4249-SP, 4306 - RJ, 4351 - PR e 4353 – PR), mas em nenhuma delas foi deferida liminar, aguardando-se o julgamento do seu mérito.
Nessas ações um dos principais fundamentos é as leis extrapolaram os limites da competência legislativa concorrente ao estabelecerem regras contrárias à legislação federal em vigor e violam os princípios da liberdade individual dos fumantes, da livre iniciativa, da mínima intervenção estatal na vida privada, da proporcionalidade e da razoabilidade.
Em parecer na ADI 4249, o Procurador Geral da República argumentou que o fato de o Brasil ter assinado e ratificado a Convenção de Quadro da OMS para controle do fumo mudou o panorama legal, porque essa Convenção exige que os ambientes públicos fiquem 100% livres de fumaça e não admite os espaços reservados para fumantes, tendo as leis estaduais apenas complementado o que já é previsto pela legislação federal, não existindo qualquer violação à Constituição Federal.
Em matéria ambiental não resta dúvida sobre a competência legislativa concorrente dos Estados-Membros, como assegura a Constituição Federal no art. 24, dizendo:
“Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
... VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; ...
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; ...
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde).
Assim, o fato de a União legislar sobre um assunto que envolva competência concorrente, por si só não é impedimento para que os Estados-membros também legislem sobre ele. É por isso que se trata de atuação concorrente. Á União cabe legislar de forma geral e aos Estados-membros de forma supletiva, para preencher os vazios da lei federal, a fim de aperfeiçoá-la, como o fizeram as leis estaduais, porque a Lei Federal estabelece norma geral e as estaduais normas específicas e supletivas.
É esse o entendimento que passou a ser adotado pelo STF, que na ADI nº. 3937, que trata de questão semelhante sobre meio ambiente e saúde, por votação majoritária negou referendo à decisão concessiva de liminar em face da Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros minerais que tenham fibras de amianto na sua composição.
No voto vencedor, o Ministro Joaquim Barbosa salientou sobre os graves danos à saúde provocados pelo amianto, citando doenças relacionadas como asbestose, câncer do pulmão e outros tipos etc., no sentido de reconhecer, de acordo com critérios adotados pela Organização Mundial da Saúde, a inexistência de limites seguros para a exposição humana ao referido mineral. Sustentou que haveria uma norma a respaldar a postura legislativa adotada pelo Estado-membro, qual seja, a Convenção 162 da OIT, promulgada pelo Decreto 126/91, que constitui um compromisso assumido pelo Brasil de desenvolver e implementar medidas para proteger o trabalhador exposto ao amianto, uma norma protetiva do direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado.
O Ministro Lewandowski reafirmou sua posição no sentido de que em matérias que envolvem a defesa da saúde púbica e questões ambientais, nada impede que a legislação estadual e municipal sejam mais protetivas do que a legislação federal, o que é exatamente a hipótese da Convenção de Quadro, que de forma mais favorável às vítimas, proibiu a fumaça do tabaco em ambientes fechados.
Portanto, de acordo com a Constituição Federal (arts. 7°e inc. XXII, 196 e 225), legislação infraconstitucional e Convenção de Quadro sobre o controle do tabaco, o empregador tem a obrigação de adotar medidas que impeçam a exposição do trabalhador aos efeitos passivos do tabaco e dos seus derivados, especialmente aquelas previstas no art. 8º da referida Convenção.
5. Responsabilidade civil pelos danos à saúde do trabalhador pela exposição à fumaça do cigarro
Os reflexos sociais dos acidentes e doenças do trabalho ao longo do tempo influenciaram o advento de normas jurídicas para proteger as vítimas e seus dependentes, havendo importante evolução teórica sobre a responsabilização pelos danos decorrentes dos acidentes de trabalho, cujas teorias surgiram com base nos infortúnios do trabalho, passando a influenciar o arcabouço teórico do instituto da responsabilidade civil no geral.
O que justifica a reparação acidentária é a necessidade de compensar a vítima pelo prejuízo sofrido em razão de danos causados por outrem, o que repousa nos princípios de justiça, equidade, moral e solidariedade.
No direito brasileiro a responsabilidade patronal pela reparação dos danos à saúde do trabalhador consta da Constituição Federal de 1988, que no art. 7º e inc. XXVIII, diz:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Na resolução das questões pontuais é preciso valer-se do Código Civil, especialmente dos arts. 186, 927, 948 e 949, entre outros.
Os pressupostos clássicos da responsabilidade civil por ato ilícito são:
a) Dano reparável
b) Ação ou omissão do agente;
c) Culpa do agente;
d) Relação de causalidade entre o ato ilícito e o dano.
Conforme entendimento clássico, tais pressupostos são também indispensáveis para a caracterização da responsabilização civil nos acidentes de trabalho, porque de acordo com o inc. XXVIII do art. 7º da Constituição, a culpa continua sendo seu principal fundamento.
Na responsabilidade subjetiva, regra geral, cabe à vítima provar a culpa do empregador pelo dano sofrido. Em algumas situações admite-se a inversão do ônus da prova para o réu. Ou seja, somente se provada a culpa do empregador, este será condenado a indenizar a vítima.
Com efeito, nos hipóteses de responsabilidade objetiva, especialmente levando em conta o disposto no § 3º do art. 225 da Constituição Federal, no § 1º do art. 14 da Lei 6.938/81 e no § único do art. 927 do Código Civil de 2002, que reconhecem esse tipo de responsabilidade pelos danos ambientais e nas atividades de risco.
Isto decorre de uma interpretação sistemática e teleológica do caput do art. 7º com os dispositivos supra, os quais reconhecem a responsabilidade sem culpa. É que o art. 7º diz que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Quer dizer que o inc. XXVIII criou um direito mínimo, o qual pode perfeitamente ser alterado por outra norma legal, desde que de maneira mais favorável ao trabalhador, no caso, a vítima de acidente de trabalho.
O § 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) assegura a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente e a terceiros em decorrência prejudicados, in verbis:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Coerentemente, essa proteção também está assegurada ao aspecto meio ambiente do trabalho e, assim, aquele que poluí-lo responde objetivamente pelos danos causados e pelos consequentes prejuízos sofridos pelos trabalhadores expostos às respectivas agressões.
A responsabilidade objetiva, no caso, fundamenta-se, sobretudo, no primado da proteção da incolumidade da pessoa humana, como nesse sentido vaticinou Pontes de Miranda[4], com as seguintes palavras:
“Quando se observa o mundo, em que se acham as esferas jurídicas das pessoas, e se pretende o ideal de justiça baseado na incolumidade de cada uma delas, objetivamente, entende-se que todo o dano deve ser reparado, toda lesão indenizada, ainda que nenhuma culpa tenha o agente”.
Desse modo, é forçoso concluir que nas hipóteses de doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador pelos prejuízos à saúde do trabalhador é objetiva, com o supedâneo no § 3º do art. 225 da Constituição Federal e 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81, aplicáveis de forma harmônica com o inc. XXVIII do art. 7º da Carta Magna. A razão é que, sendo o meio ambiente do trabalho um aspecto integrante do meio ambiente geral (arts. 200, VIII e 225 da Constituição), toda e qualquer lesão decorrente dos desequilíbrios ambientais atraem a regra do § 3º do art. 225 da Constituição e § 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 no tocante à responsabilidade objetiva.
Adotando esse entendimento, foi aprovado na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e pelo TST, em novembro de 2007, o Enunciado n. 38, com a seguinte redação:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos arts. 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81”.
Ademais, tem aplicação, para fundamentar a responsabilidade objetiva do empregador que expõe seus empregados aos efeitos nocivos do tabaco, o § único do art. 927 do novo Código Civil que estabelece:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (grifos nossos).
Trata-se de importante novidade trazida pelo Código Civil de 2002, que adotou expressamente a teoria do risco como fundamento da responsabilidade objetiva, paralelamente à teoria subjetiva.
Essa nova disposição legal deve ser aplicada nas ações acidentárias, como vem reconhecendo parte majoritária da jurisprudência atual, como se vê dos acórdãos a seguir ementados:
EMENTA: “Responsabilidade objetiva. Acidente de trabalho. Indenização. Danos decorrentes do exercício de atividade laborativa de risco inerente. Aplicação da responsabilidade objetiva. Reparação de perdas pelo empregador independentemente de culpa. Tem inteira aplicação a responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco, na indenização de danos ocorrentes no exercício de certas atividades que trazem inerente a possibilidade de causar danos, como o corte de grama com máquina elétrica, quando não há propriamente culpa do empregador ou dono do instrumento, no evento danoso. Em casos tais, os problemas da responsabilidade são tão-somente os da reparação de perdas, quando os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manter incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva. Sentença mantida, inclusive quanto aos danos morais” (Tribunal de Alçada do RS, Apelação Cível n. 192.112.191, da 3ª Câmara, Rel. Juiz Arnaldo Rizzardo, julgado em 5.8.92, RT 694/175).
EMENTA: “DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ACIDENTE DO TRABALHO. 1. O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador, decorrentes de acidente do trabalho, conduzem à responsabilidade objetiva do empregador. 2. A atividade desenvolvida pelo reclamante - teste de pneus - por sua natureza, gera risco para o trabalhador, podendo a qualquer momento o obreiro vir a lesionar-se, o que autoriza a aplicação da teoria objetiva, assim como o fato de o dano sofrido pelo reclamante decorrer de acidente de trabalho. Inquestionável, em situações tais, a responsabilidade objetiva do Empregador” (Processo TST - RR - 422/2004-011-05-00; Primeira Turma; DJ - 20/03/2009; Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa).
Na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e TST, em novembro de 2007, foi aprovado o Enunciado n. 37, acolhendo a aplicação da responsabilidade objetiva do empregador nas atividades de risco, verbis:
“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”.
Reconhecida a aplicação do § único do art. 927 nas ações acidentárias, resta a tarefa de enquadrar cada caso concreto como atividade de risco, que é da jurisprudência, com ta ao auxílio da doutrina.
A atividade de risco pressupõe maiores probabilidades de danos para as pessoas, o que normalmente já é reconhecido por estatísticas. Os danos são esperados e podem causar prejuízo a alguém, sendo que a natureza da atividade é a peculiaridade que vai caracterizar o risco capaz de ocasionar os acidentes de trabalho.
A atividade de risco é aquela que tem, pela sua característica, uma peculiaridade que desde já pressupõe a ocorrência de danos para as pessoas. É a atividade que tem, intrinsecamente ao seu conteúdo, um perigo potencialmente causador de dano. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham a resultar a terceiros.
Aqui não se trata de qualquer risco, mas, do risco acentuado, que decorre da própria atividade ou da forma como o trabalho é desenvolvido, cujo exemplo é a atividade perigosa descrita no art. 193 da CLT, que diz:
“São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado (grifados)”.
A atividade de risco, como afirma Cláudio Brandão[5], enquadra-se no risco específico, que se agrava em razão da natureza do trabalho. Assim, o que configura a responsabilidade objetiva pelo risco da atividade nos termos do § único do art. 927 do novo Código Civil brasileiro não é um risco qualquer, específico, normal e inerente a qualquer atividade produtiva, mas a atividade cujo risco específico, acentuado e agravado em razão da natureza do trabalho, a ela inerente, é excepcional e incomum, embora previsível.
A natureza potencialmente perigosa da atividade de risco é a peculiaridade que a diferencia das outras atividades para caracterizar o risco capaz de ocasionar acidentes e provocar prejuízos indenizáveis, com base na responsabilidade objetiva aludida no art. 927 do Código Civil.
Trata-se, portanto, do risco-probabilidade e não do risco-possibilidade. É o caso, como me parece, do trabalho em contato com a fumaça do cigarro, especialmente em ambientes fechados, pois cientificamente não se tem qualquer dúvida dos males causados à saúde humana. As probabilidades de o trabalhador fumante passivo adquirir doenças do pulmão, cardiovascular e outras, é muito maior do que de um outro trabalhador que não se expõe aos efeitos do tabaco. Então, se se trata de uma atividade de risco, a responsabilidade do empregador independe de culpa, o qual, para se exonerar da obrigação de indenizar, deverá provar que a doença adquirida pelo trabalhador teve outra causa que não os males do fumo passivo.
A conclusão é que em qualquer situação o empregador tem a obrigação de adotar medidas e cuidados para eliminar os riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores, enquanto que nas atividades de risco essa obrigação é maior ainda, diante do risco acentuado e agravado. Mesmo assim, a única forma de se exonerar da responsabilidade é comprovar que tudo fez e que a doença ocorreu não pelo risco em si da atividade, mas, por culpa exclusiva da vítima.
Outra importante questão a ser observada no tocante à responsabilidade patronal nas alegadas doenças decorrentes do contato com a fumaça do tabaco diz respeito ao chamado nexo causal.
De acordo com o art. 186 do Código Civil, aquele que causar dano a outrem é obrigado a reparar os prejuízos decorrentes. Para tanto, é necessário que haja nexo que ligue o dano provocado ao seu causador. É o que se chama de relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado do ato.
No acidente de trabalho ou doença ocupacional o nexo de causalidade é o vínculo existente entre a execução do serviço e o acidente ou doença ocupacional.
Assim, nas ações acidentárias, um dos primeiros pressupostos a ser examinado pelo juiz do trabalho é o nexo causal, para saber se realmente se trata de um acidente de trabalho ou não.
Como regra geral, o ônus de comprovar esse nexo é da vítima do acidente ou da doença do trabalho.
No caso de acidente típico, maiores dificuldades não há quanto à comprovação do nexo causal, principalmente quando já existe comunicação do acidente ao órgão previdenciário, com indicação do dia, hora, local e detalhes do infortúnio.
Todavia, quando se trata de doenças ocupacionais, em certos casos torna-se extremamente difícil para a vítima desincumbir-se desse ônus probatório. Por isso, há uma certa tendência flexibilizante desse pressuposto, pois o fundamento maior da reparação acidentária é a proteção da vítima e não do suposto autor do dano.
É o que lembra Sebastião Geraldo de Oliveira[6], com apoio na doutrina de Gisela Sampaio da Cruz[7] , assim transcrita: “Nos últimos tempos, acompanhando as transformações da responsabilidade civil, o conceito de nexo causal foi flexibilizado, com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral. Não é mais possível em alguns casos, à luz dos princípios constitucionais, exigir das vítimas a prova cabal e absoluta da relação de causalidade. Dessa forma, apesar de o nexo causal ser, tal qual o dano, um dos elementos da responsabilidade civil, exige-se, com fundamento na nova ordem constitucional, que a prova da relação de causalidade seja flexibilizada em certas situações”.
Havendo divergências com relação ao nexo causal da doença com o trabalho, especialmente quando negado este pelo réu, cabe ao perito nomeado pelo juiz emitir o seu parecer, que nem sempre é conclusivo em razão dos poucos elementos probatórios ou porque a medicina não é uma ciência exata, restando ao juiz, diante dos elementos dos autos, da sua experiência como julgador sobre o que ordinariamente acontece, formar o seu convencimento, reconhecendo ou não o dever de reparar o dano. Nesse sentido afirma Sebastião Geraldo de Oliveira[8] que “as provas não devem ser avaliadas mecanicamente com rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento que conjugue fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece para formar o seu convencimento”.
Nem sempre há uma certeza absoluta sobre o nexo causal, mas, de outro lado, pode existir um elevado grau de probabilidade sobre a configuração do nexo causal, que deve ser levado em conta pelo julgador, como se vê dos julgados a seguir ementados:
EMENTA: “Acidente do trabalho — Benefício — Conversão — Aposentadoria previdenciária em acidentária — Doença — Mal da coluna — Nexo causal — Prova. A presença do nexo causal se mede por razoável probabilidade, não por matemática certeza, mesmo porque a ciência médica não é exata. Se o fosse, as calculadoras seriam feitas para os médicos e esses estariam livres de todas as acusações e indenizações pelos erros que vivem cometendo. Vale dizer, é o possível lógico, não o absolutamente certo, que embasa a conclusão pela presença do nexo causal e concausal. Cabe converter a aposentadoria por invalidez previdenciária na homônima acidentária, ainda que calculadas ambas com um percentual de 100% do salário de benefício, para que, com que o correto enquadramento jurídico da incapacidade do segurado, possa ele gozar de todas as implicações daí advindas, mormente as indiretas, dentre estas a eventual geração de responsabilidade baseada no direito comum” (STACIVSP, 12ª Câmara, Apelação n. 690.457/5, Relator Juiz Palma Bisson, 28.8.2003).
EMENTA: “DANOS MORAIS. DOENÇA OCUPACIONAL. SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO (LER). Restou clara a existência do dano à saúde da reclamante, que é portadora de Síndrome do Túnel do Carpo (LER). Nem sempre é fácil estabelecer se a enfermidade apareceu ou não por causa do trabalho. Verifica-se que a reclamante laborou por todo o contrato de trabalho na preparação de saladas efetuando movimentos repetitivos, uma vez que passava cerca de quatro horas seguidas lavando, descascando e cortando verduras e legumes. Restou claro nos autos que a autora somente passou a apresentar o quadro de tendinite no ano de 2002, após dois anos trabalhando na reclamada, conforme laudos médicos de fls. 25/30 e laudos periciais de fls. 211/217 e 319/327. Levando-se em conta o tempo de labor diário da reclamante na mesma função e o fato de que o julgador tem que estar atento aos fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece, verifica-se que há sim nexo de causalidade entre o labor exercido pela obreira e a doença ocupacional adquirida. Dá-se provimento ao apelo para, reformando-se a sentença, condenar a reclamada a pagar à autora indenização por danos morais” (AC 01757.2005.009.17.00.8 RO — 17ª REGIÃO — Juiz José Carlos Rizk — Relator. DJ/ES de 8.5.2007).
Conforme o caso, para comprovação do nexo causal, pode o juiz inverter o ônus da prova para o réu, aplicando analogicamente o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inc. VIII)[9], porque o empregador tem o dever de adotar todas as providências necessárias para proteger a saúde e integridade física e psíquica do trabalhador.
Nesse sentido foi aprovado o Enunciado n. 41 na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e TST, com o seguinte conteúdo:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA. Cabe a inversão do ônus da prova em favor da vítima nas ações indenizatórias por acidente do trabalho”.
No tocante aos benefícios previdenciários, a Lei n. 8.213/91 foi acrescida do art. 21-A, criando o chamado Nexo Técnico Epidemiológico e, com isso invertendo o ônus da prova para o empregador:
“A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças — CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento”.
§ 1º - “A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo”.
§ 2º - “A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social”.
Com a nova alteração legal foi instituído o Nexo Técnico Epidemiológico para doenças provocadas pelo trabalho por meio do vínculo direto entre a atividade econômica de cada um dos ramos em que estão inseridas as empresas e uma lista de possíveis doenças e acidentes que podem acontecer naquele ambiente de trabalho específico. Assim, a Perícia Médica deverá fazer o reconhecimento automático do nexo entre a doença ou acidente e o trabalho exercido pelo trabalhador. Este não terá mais que comprovar que adoeceu por conta da sua profissão ou atividade, mas o empregador pode descaracterizar o nexo, fazendo prova em contrário.
O Decreto n. 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) considera estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento (art. 337, parágrafos).
Como se observa do exposto, a alteração legal acarretou repercussões previdenciárias e trabalhistas e também, conforme o caso, pode ser aplicada analogicamente nas ações acidentárias de responsabilidade civil, quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a doença alegada, na forma da Classificação Internacional de Doenças (CID) e do disposto na Lista B do Anexo II do Regulamento da Previdência social (Decreto n. 3.048/99).
Nesse sentido foi aprovado o Enunciado n. 42 na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pela ANAMATRA e TST, com o seguinte conteúdo:
“ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO. Presume-se a ocorrência de acidente do trabalho, mesmo sem a emissão da CAT — Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei n. 8.213/91”.