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Normas especiais e antinomias nas relações de consumo.

Os critérios tradicionais e a perspectiva constitucional contemporânea de interpretação e aplicação do Direito

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15/03/2012 às 14:26
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Discute-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas regidas por normas específicas, com ênfase na questão dos contratos de locação de bens imóveis.

RESUMO

No presente estudo discute-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC –  nas relações jurídicas regidas por normas específicas, com ênfase na questão dos contratos de locação de bens imóves, regulados pela lei 8.245/91. Questiona-se a existência de antinomia entre essas leis, e a necessidade de excluir-se a aplicação de uma das leis, já que as duas tratam de aspectos distintos da relação contratual, e, em princípio, normas gerais e especiais convivem em harmonia e aplicam-se conjuntamente à mesma relação jurídica, exceto quanto à situação específica (e pontual) em que uma regra contradiz a outra. Em seguida, identifica-se no CDC os aspectos que o definem como norma especial, e analisa-se se, com relação à lei 8.245/91, sendo as duas leis especiais, existiria ou não uma relação de gênero/espécie. Finalmente, aos casos em que se configure uma contradição entre determinadas regras previstas nas duas leis, considerando a insuficiência dos critérios tradicionais, propõe-se uma solução baseada numa compreensão jurídica alicerçada em preceitos constitucionais e nos sentidos por ela determinados, seguindo uma base teórica na linha da proposta hermenêutica do eminente Professor Lênio Streck. Assim, nosso estudo propõe reflexões sobre a própria compreensão do fenômeno das antinomias, sobretudo, de normas especiais, em face de uma expressão do ordenamento jurídico fundada na supremacia e na força normativa da Constituição.

ABSTRACT

The present study discusses the application of the Consumer Defense Code - CDC - on legal relationships regulated by special laws, with emphasis in a question of the contracts of real property regulated by law 8.245/91. It questions the existence of effective opposition between these laws, and the necessity to exclude the application of the laws, because the two deal with different aspects of the contractual relationship, and, in principle, general or special rules exist in harmony together and apply the same legal relationship, except for the specific situation (and off) in which a rule contradicts the other. Subsequently, in the CDC, it identifies the aspects that define it as a special standard, and analyzed whether, with respect to the law 8.245/91, and the two special laws exist or not a relationship of genus / species. Finally, in cases that set a certain contradiction between two rules of the laws, considering the inadequacy of the traditional criteria, it proposes a solution based a juridical comprehension grounded on constitutional precepts and in some senses by it, following a theory founded in the hermeneutics propose by the eminent Professor Lênio Streck. Thus, our study suggests reflections on the proper understanding of the phenomenon of antinomies, above all, special rules in the face of an expression of the legal system founded on the supremacy and the normative force of the Constitution.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Antinomia. Norma especial.

Keywords: Consumer Law. Antinomy. Special rule.

SUMÁRIO:RESUMO.INTRODUÇÃOAS ANTINOMIAS E A APLICAÇÃO DE NORMAS GERAIS E ESPECIAIS..LEX SPECIALIS E A ANTINOMA REAL..A CONSTIUIÇÃO COMO O FUNDAMENTO ESTRUTURANTE DE TODA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO.CONSIDERAÇÕES . FINAIS. REFERÊNCIAS


1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 é expressiva e consistente na tutela dos direitos do consumidor. O art. 5º, XXXII, dispõe: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. No art. 24, VIII, atribui-se competência concorrente para legislar sobre danos ao consumidor. O art. 170, V, dá à defesa do consumidor a condição de princípio da ordem econômica. E, por fim, o art. 48 da ADCT determinou a edição de um Código de Defesa do Consumidor, do que resultou a promulgação da lei 8.078, em setembro de 1990.

O Código de Defesa do Consumidor – CDC, lei 8.078/90, constitui-se como estatuto regulador das relações de consumo, isto é, relações entre um fornecedor de produtos ou serviços e um consumidor, na qual é conferida ampla proteção jurídica ao consumidor. Há, pois, um consenso inatacável sobre a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC) em relação ao fornecedor, o que significa, portanto, uma exceção ao princípio da presunção de igualdade das partes no direito privado. Logo, este conceito de vulnerabilidade é o fio condutor de toda a teoria do direito consumerista, e de sua interpretação e aplicação.

Entretanto, algumas situações revelam-se particularmente controversas no que se refere à aplicação do CDC, sobretudo em razão da existência de inúmeras normas especiais em nosso ordenamento jurídico, o que conduz a insistentes argumentações centradas no denominado “princípio” da especialidade, pelas quais se busca excluir a aplicação do CDC em determinadas relações jurídicas regidas por leis específicas. Dentre tais situações, tem-se como emblemática a dos contratos de locação de bens imóveis, que são regulados pela lei 8.245/91, também conhecida como lei do inquilinato.

Nesse âmbito conflituoso, o Superior Tribunal de Justiça – STJ – firmou entendimento quanto à inaplicabilidade do CDC aos contratos de locação de bens imóveis, vale citar: “Consoante entendimento desta Corte é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos locativos, tendo em vista que são estes regulados por lei específica, apta a suprir as pendências decorrentes das relações locatícias” - AgRg no Ag 636897/SP (BRASIL, 2005) – cf. outros julgados: REsp 689266/SC; REsp 575020/RS; REsp 485664/MG; REsp 605.295/MG; AgRg no Ag 363679/MG. Assim, o STJ firmou entendimento, amparado no critério de especialidade, de que o CDC seria uma norma geral reguladora de relações de consumo, enquanto a lei 8.245/91 é a norma especial a ser aplicada aos contratos de locação de bens imóveis, ainda que se trate de relação de consumo.

Com isso, considerando o entendimento firmado pelo STJ, que parece estar significativamente difundido no Direito pátrio, pergunta-se, então: pode-se excluir a aplicação de todo o CDC a uma determinada relação jurídica em razão do critério de especialidade? E, havendo antinomia, o CDC seria uma norma geral ou especial, em relação à lei 8.245/91? E ainda, no caso de se identificarem duas normas especiais, em tese, aplicáveis ao mesmo caso, qual seria a solução para o conflito? São, portanto, as questões sobre as quais propomos uma discussão, com o propósito de contribuir para um adequado entendimento sobre a questão das regras especiais nas relações de consumo.


2. AS ANTINOMIAS E A APLICAÇÃO DE NORMAS GERAIS E ESPECIAIS

A antinomia jurídica é a contrariedade entre normas de direito, consiste na situação em que duas normas (ou mais de duas) regulam a mesma conduta, estabelecendo preceitos antagônicos, isto é, existe uma efetiva contraposição (contradição) entre as normas. Lembrando os ensinamentos de Kelsen (1998, p. 143), um tal conflito surge quando duas normas determinam condutas diversas e inconciliáveis.

Ferraz Júnior (2010, p. 79) define antinomia jurídica como “uma oposição entre normas total ou parcialmente contraditórias, emanadas no mesmo âmbito de competência normativa”. O autor define ainda uma condição que caracterizaria a antinomia real, distinguindo-a da aparente, condição essa que seria uma “posição insustentável do sujeito pela ausência ou inconsistência de critérios para uma solução dentro dos limites do ordenamento”. Na antinomia aparente, portanto, o próprio ordenamento jurídico indica os critérios para solucionar a contradição.

Tem-se a contradição quando o conteúdo de uma das normas representa a negação do conteúdo da outra (FERRAZ JÚNIOR, 2010, p. 178), o que pode ocorrer em três situações: entre uma norma que ordena fazer algo e uma que proíbe fazê-lo; entre uma norma que ordena fazer e uma que permite não fazer; e entre uma norma proíbe fazer algo e uma que permite fazer (BOBBIO, 1995, p. 85).

Os critérios tradicionais para a solução das antinomias no direito interno, amplamente difundidos e aceitos pela quase unanimidade dos juristas, e definidos como critérios jurídico-positivos, são três, a saber: o hierárquico, o cronológico e o de especialidade.

O critério hierárquico consiste no reconhecimento de uma superioridade de uma norma sobre outra,  em razão de um escalonamento em graus de hierarquia no sistema normativo, isto é, as normas encontram-se em níveis hierárquicos distintos, e, assim, a de nível superior prevalece sobre a de nível inferior, p. ex., um decreto que contradiz com uma lei ordinária seria inválido, já que é inferior em relação à lei, a qual, por sua vez, seria inválida caso contrariasse a Constituição.  Segue-se, assim, o pensamento de Kelsen (1998, p. 144), de que uma norma do escalão inferior, para que seja considerada como válida, terá de estar em harmonia com uma norma do escalão superior.

Pelo critério cronológico, define-se que a lei posterior derroga a anterior, desde que a posterior seja, pelo menos, de mesmo nível hierárquico, nos termos § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Todavia, deve-se observar que normas gerais não revogam normas especiais anteriores, e vice-versa, conforme dispõe o § 2º do mesmo artigo: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.  

O terceiro dos critérios, é o de especialidade, em que a regra especial prevalece sobre a regra geral, quando ambas se contradizem. A regra específica representa algo como um plus normativo em face da regra geral, presumindo-se ser apta a regular determinada situação jurídica de forma mais justa, mais adequada, mais particularizada. Nas palavras de Bobbio (1995, p. 96): “A passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo genus) para uma regra derrogatória menos extensa (que abrange uma espécie do genus)”.

Na linha de raciocínio do mestre italiano, essa passagem gradual, a especificação, representa um pressuposto fundamental da justiça, de tratamento igual aos que estão na mesma situação, e desigual aos que estão em situações distintas. No direito pátrio observa-se uma ampla aplicação desse critério, dada a infinidade de leis especiais, incidentes sobre situações jurídicas que receberam do legislador um tratamento diferenciado.

Entretanto, essa aplicação demasiada, por vezes, gera excessos e equívocos, sobretudo quando se utiliza o critério da especialidade não como forma de solução de conflito de normas, mas como princípio capaz de excluir a aplicação de uma norma de caráter geral, pela simples existência de uma norma especial, ainda que não exista antinomia entre elas.

A Lei de introdução ao Código Civil, conforme já citado, é clara ao dispor que se temos uma lei geral e uma especial, uma não revoga e nem exclui a aplicação da outra. Não é, pois, o simples fato de existir um lei de caráter geral e uma lei específica incidindo sobre uma mesma situação jurídica que existirá uma antinomia, pois, como dissemos, só há antinomia quando as regras se contradizem. Na verdade, a necessidade de coexistência entre ambas decorre da própria ideia de ordenamento e das exigências de tratamento jurídico adequado às variadas situações fáticas que a vida social produz.

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Portanto, se não há antinomia entre duas regras, contidas em lei distintas, enfim, se existe a possibilidade de aplicação de duas regras, sem que uma exclua a eficácia da outra, obviamente, ambas poderão (e deverão) ser aplicadas conjuntamente. Além disso, a antinomia só se verifica no caso concreto, isto é, só podemos dizer que uma regra é inaplicável em face da aplicação de outra, se verificarmos essa contradição, esse antagonismo, no caso concreto, afinal, por óbvio, não se aplica norma em abstrato.

Nesse sentido, parece-nos que o entendimento firmado pelo STJ esbarra em uma contradição incontornável, sucumbindo nos próprios termos § 1º do art. 2º da LICC, pois se uma lei especial não revoga nem modifica a lei geral, dizer que o CDC é inaplicável às locações de bens imóveis por existir uma lei específica que as regula, seria, então, contrariar claramente o sentido mais elementar da regra do § 1º do art. 2º da LICC.

De outro modo, supor que existe antinomia entre toda a lei 8.245/91 e todo o CDC não comporta a mínima razoabilidade, pois, como fica claro na definição de antinomia, seria necessário, para confirmar tal suposição, que a aplicação de qualquer regra do lei 8.245/91 juntamente com quaisquer das regras contidas no CDC consistisse em uma contradição, em preceitos normativos opostos, em uma situação em que o sujeito, ao cumprir uma regra de uma das leis, estaria, necessariamente, descumprindo uma regra prevista na outra lei.

Pelo contrário, assim como existem inúmeros exemplos de aplicação do CDC em concorrência com outras normas sem que isso resulte em antinomia, é fato, nitidamente observável, que inúmeras regras do CDC podem ser aplicadas juntamente com a lei 8.245/91, sem que se verifique qualquer antinomia. Suponhamos, então, alguns breves exemplos para demonstrar essa possibilidade.

O art. 28 do CDC, dispõe: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”. Sabe-se, pois, que a lei 8.245/91 não possui qualquer dispositivo que vede a desconsideração da personalidade jurídica de empresa que exerça atividade de locação de imóveis e venha a causar danos ao consumidor, nos termos previstos no CDC.

No mesmo sentido temos: art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: […]. Obviamente, a lei 8.245/91 não contém permissão paraas práticas abusivas previstas no art. 39 do CDC. O mesmo podemos dizer sobre o art. 34: “O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos”. Assim como sobre o parágrafo único do art. 42, que dispõe: O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito a repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. E ainda: art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Afinal, será que a lei 8.245/91 permite que o credor de débitos inadimplidos resultantes de contratos de locação de bens imóveis possa expor o consumidor a ridículo, constrangimento ou ameaça?

Enfim, muitos exemplos poderiam ser citados. De fato, o CDC e a lei 8.245/91 tratam de aspectos diferentes de uma mesma relação contratual (MARQUES, 2002). Destarte, em princípio, não haveria contradição na aplicação das duas leis, ressalvando, é claro, que essa aplicação, em todo caso, estaria sempre atrelada às circunstâncias do caso concreto.

Outra questão que poderia ainda ser discutida seria a existência, ou não, de uma relação de consumo neste tipo de contrato, embora não seja o objeto próprio deste trabalho e, ainda, não seja esse, em princípio, o fundamento do entendimento do STJ.

Outrossim, parece-nos insustentável a afirmação de que em tais contratos inexistiria, em qualquer caso, a relação de consumo, primeiro porque cairíamos no equívoco de excluir uma hipótese de aplicação de uma lei antes mesmo da ocorrência do fato, além disso, uma simples proposição fulminaria tal asserção, vejamos: suponha-se um contrato de locação de imóvel, sendo um dos contratantes uma empresa que tem como atividade a locação de imóveis e o outro um indivíduo que utilize esse imóvel como moradia. Evidentemente, em tal exemplo temos nítida a relação de consumo, pois temos as figuras do fornecedor (empresa) e do consumidor (locatário), e, certamente, a condição de vulnerabilidade. É pertinente, nesse sentido, observar a lição da Professora Cláudia Lima Marques (apud Camilloto):

“[…] a locação é tratada, nas grandes cidades, como contratos de adesão elaborados pelas imobiliárias; nas pequenas cidades, como contratos de locação ainda paritários e discutidos com cada inquilino. O importante é poder caracterizar a presença de um consumidor e de um fornecedor em cada polo da relação contratual” (2002, p. 363).

“As complexas e reiteradas relações, as quais se estabelecem entre locatário, o locador, a imobiliária, o condomínio e sua administração, formam uma série de relações contratuais interligadas que estão a desafiar a visão “estática” do direito. Como verdadeiro contrato cativo de longa duração, a locação e suas relações jurídicas acessórias necessitam uma análise dinâmica e contextual, de acordo com a nova teoria contratual, a reconhecer a existência de deveres principais e deveres anexos para as partes envolvidas, seja o consumidor, seja a cadeia organizada de fornecedores diretos e indiretos” (2002, p. 364-365).

Também não se há como prosperar o argumento de que uma norma específica apta a regular determinada relação jurídica dispensaria, em todo caso, a incidência de quaisquer outras normas. Primeiro, porque sendo esta norma específica, certamente haverá normas gerais aplicáveis às mesmas situações jurídicas, e, como sabemos, uma não afasta a outra se não houver antinomia. Segundo, porque sempre haverá a possibilidade de existirem no mesmo ordenamento normas mais específicas do que aquela, ou seja, relembrando Bobbio (1995, p. 92), trata-se de um processo de diferenciação gradual de situações especiais, que uma vez identificadas, requerem um regramento mais específico, em um contínuo desenvolvimento de um ordenamento jurídico.

Em sentido oposto, é pacífico o entendimento de que, em se tratando de uma relação de consumo, o CDC pode e deve ser aplicado ainda que a relação seja regida, também, por outras normas, como as de direito civil. Suficiente lembrar que a grande maioria das relações de consumo se dão em contratos de compra e venda, e esses contratos são disciplinados, em dispositivo específico, no Código Civil, assim como nas normas gerais sobre contratos, de modo que todas essas regras são aplicáveis, conjuntamente, aos mesmos fatos desde que não estabeleçam regramentos antagônicos.

Nesse ponto, aliás, o entendimento do STJ, considerando que, nos termos dos seus julgados, a simples existência uma lei especial seria bastante para excluir a aplicação do CDC, parece nos conduzir a situações contraditórias, incoerentes, ou no mínimo intrigantes, como, p. ex., caso sejam editadas leis específicas sobre contratos de mútuo, compra e venda, ou prestação de serviços, o CDC, então, seria inaplicável a essas relações jurídicas?

Se há, então, uma relação de consumo em um contrato de locação de bens imóveis, não há como se sustentar o argumento de que tão somente por existir um lei específica (lei 8.245/91) reguladora desses contratos, simplesmente seria inaplicável o CDC, sem que, ao menos, seja apreciada, em concreto, a possível antinomia, isto é, se realmente existiria a impossibilidade de serem aplicadas as duas leis sem que houvesse soluções contraditórias.

Enfim, não se torna uma lei inaplicável a um determinado tipo de contrato pelo simples fato de existir lei especial regulando esta espécie de contrato, isso seria um flagrante desvirtuamento do critério de especialidade, que, obviamente, é critério para solução de antinomias e, portanto, não pode ser aplicado se não há antinomia. Afinal, a clareza do § 2º do art. 2º da LICC não admite equívoco, leis gerais e especiais não se revogam.

Assim, sobre o primeiro questionamento, chegamos à seguinte proposição: não se pode excluir a aplicação de toda uma lei (geral) pelo fato de a relação jurídica ser regida por uma lei específica, pois a inaplicabilidade só poderá ocorrer, tão somente, em relação às regras que estejam em contradição.

Contudo, evidentemente, tal afirmação não esclarece satisfatoriamente o problema ora posto em questão, pois, como sempre existe a possibilidade de antinomia, precisamos saber, então, como identificar a norma geral e a especial, enfim, analisar os aspectos de generalidade e especifidade das normas.

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Sobre o autor
Luis Alberto da Costa

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luis Alberto. Normas especiais e antinomias nas relações de consumo.: Os critérios tradicionais e a perspectiva constitucional contemporânea de interpretação e aplicação do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3179, 15 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21293. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Versão modificada pelo autor de artigo originalmente publicado na Revista Jurídica da Presidência, vol. 13, n. 101, Out 2011/Jan 2012, com o título "Normas especiais e antinomias nas relações de consumo: os critérios tradicionais e a hermenêutica constitucional". As modificações não alteram substancialmente o conteúdo original do artigo.

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