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O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais

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19/03/2012 às 09:22
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4. REQUISITOS GENÉRICOS COMUNS À ADMISSÃO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS

Existem ainda requisitos genéricos e exclusivos a cada um dos recursos que devem ser respeitados para se ultrapassar o exame de admissibilidade. Por serem comum a ambos os recursos, são denominados PRESSUPOSTOS RECURSAIS GENÉRICOS (MANCUSO, 2010).

Este capítulo tratará dos requisitos genéricos comuns à admissibilidade de ambos os recursos excepcionais.

4.1. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS

Enquanto não se esgotarem todos os recursos à disposição das partes para que o Tribunal a quo julgue a matéria, não é possível interporem-se os recursos excepcionais, pois certamente eles não passarão pelo exame de admissibilidade.

Os recursos excepcionais pressupõem a existência de uma decisão contra a qual já foram esgotadas todas as possibilidades de impugnação no Tribunal a quo. Didier e Cunha afirmam que os recursos “não podem ser exercitados per saltum, deixando in albis alguma possibilidade de impugnação.” (2009, p. 266).

É justamente neste sentido que foram editadas as Súmulas 207 e 281 do STJ e STF respectivamente.

Sobre o assunto, Mancuso explica detalhadamente:

A explicação dessa exigência está em que o STF e o STJ são órgãos da cúpula judiciária, espraiando a eficácia de suas decisões por todo o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam pronunciar-se sobre questões federais (STJ) ou constitucionais (STF) – que podem ser até prejudiciais – numa lide cujas questiones júris tenham sido cumpridamente enfrentadas e dirimidas nas instâncias inferiores. Se esses Tribunais da Federação servem para dar a ultima racio sobre a questão jurídica debatida e decidida no acórdão do Tribunal a quo, não se compreenderia que tal intervenção se fizesse quando ainda abertas as possibilidades impugnativas nos Tribunais de origem. Por aí se compreende que o interesse em recorrer, no caso dos recursos excepcionais, não se configura com o só fato da sucumbência (como se dá com os recursos de tipo comum), mas exige, por definição, o prévio esgotamento das vias recursais no Tribunal de origem. A não ser assim, o STF e o STJ estariam a dirigir questiones iuris em primeira mão, como se atuassem em competência originária! (2010, p. 115, sem grifo no original).

Greco Filho é incisivo ao afirmar que “Só cabe recurso especial se forem esgotados os recursos ordinários, inclusive os embargos infringentes perante os tribunais, se cabíveis, de modo que a parte não pode abandonar ou deixar de utilizar os recursos ordinários para querer, desde logo, interpor o especial.” (2006, p. 371).

Wambier (2008), sobre o cabimento dos embargos infringentes, alerta que embora estes possam ser cabíveis, podem ser equivocadamente interpostos. Assim, a simples interposição equivocada dos embargos infringentes não interromperá o prazo para interposição dos recursos excepcionais, conforme preceitua o art. 498 do CPC. A autora adverte, ainda, que há divergência no STJ quanto a esse ponto.  Para a autora, “incabíveis os embargos infringentes, a decisão deve ser considerada definitiva, devendo ser interpostos, desde logo, os recursos extraordinário e especial, conforme o caso.” (WAMBIER, 2008, p. 276).

Para que haja o esgotamento das vias ordinárias, muitas vezes é necessário fazer uso do agravo regimental previsto no art. 557, § 1º do CPC e regulado pelos regimentos internos dos Tribunais, para se alcançar uma decisão colegiada que garanta às partes a possibilidade de recorrer às instâncias Superiores.

Por exemplo: se um determinado recurso de apelação foi desprovido por decisão monocrática, antes de se interpor o recurso especial ou extraordinário, a parte deve se valer do agravo regimental, para que a decisão seja proferida por um colegiado e seja possível, assim, atacá-la por um dos recursos excepcionais.

É preciso ainda ater-se à seguinte situação: A parte que se sentir prejudicada por uma decisão monocrática, pode entender que esta decisão esteja obscura, omissa ou contraditória; por conseguinte opõe embargos de declaração. Esses embargos também podem ser julgados monocraticamente. No entanto, se o relator decidir levá-los à Turma para julgamento, não se deve confundir a decisão quanto a esses embargos com o necessário esgotamento da via ordinária, haja vista que estes são apenas integrativos da primeira decisão.

Assim ocorrendo, é preciso ainda fazer uso do agravo regimental para que a Turma efetivamente decida sobre a questão recorrida, e haja o esgotamento da via ordinária. Didier e Cunha fazem a seguinte reflexão:

Tem sido, contudo, freqüente o hábito de alguns relatores de, em vez de julgarem isoladamente os embargos, levarem-nos a julgamento do colegiado, daí sendo proferido acórdão. Tal acórdão não constitui, no entendimento do STJ, decisão de última instância, pois serviu, apenas, como meio de integração de uma decisão monocrática, a qual ainda não foi revista em sede de agravo interno. (2009, p. 267).

Vale citar ainda os seguintes julgados do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MANTIDA. NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCIDÊNCIA POR ANALOGIA DA SÚMULA 281 DO STF. 1. O julgamento colegiado dos embargos declaratórios opostos à decisão monocrática não acarreta o exaurimento da instância. Aplicação analógica da Súmula 281 do STF. Precedentes. [...] (AgRg no Ag 1.290.443/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 20/05/2011).

[...] Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. Assim, constitui pressuposto de admissibilidade do apelo excepcional o esgotamento dos recursos cabíveis na instância ordinária (Súmula n. 281/STF). 2. Apreciada a apelação em decisão monocrática, seria indispensável submetê-la ao colegiado, por meio do agravo previsto no art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, mostrando-se insuficiente a oposição de embargos declaratórios. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 772.942/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 25/10/2006).

Entretanto, anote-se que se o relator receber estes mesmos embargos declaratórios, convertendo-os em agravo regimental terá havido o esgotamento prévio das instâncias ordinárias. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO DA MÁQUINA JUDICIÁRIA. RECONHECIMENTO. ESGOTAMENTO DE INSTÂNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. [...] 2. Com o julgamento dos embargos de declaração contra decisão monocrática no tribunal de origem, recebidos como agravo interno pelo colegiado, houve exaurimento de instância. Cabível a abertura da via especial. [...] Embargos acolhidos com efeitos modificativos. (EDcl no AgRg no REsp 693.707/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJ 05/06/2006, sem grifo no original).

Mancuso leciona que:

O exercício dos recursos excepcionais pressupõe a preclusão consumativa quanto aos recursos cabíveis nas instâncias inferiores; tendo em vista o princípio da unirrecorribilidade, cremos que a prática do recurso cabível, na instância ordinária, preclui, consumativamente, esse momento processual, restando então o campo propício para a interposição do recurso extraordinário, do especial, ou de ambos, em sendo o caso. (2010, p. 114, grifo do autor).

Portanto, a interposição dos recursos excepcionais exige o prévio e necessário exaurimento das instâncias ordinárias por meio dos recursos ordinários, não sendo admissível a interposição per saltum dos recursos excepcionais.

4.2. EMBARGOS DECLARATÓRIOS PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO

Os embargos de declaração constituem uma figura muito importante para quem pretende recorrer às instâncias Superiores. É uma espécie de recurso por estar arrolado nos incisos do art. 496 do CPC.

Eles são cabíveis contra qualquer decisão, desde que para aclarar uma omissão, obscuridade ou contradição, ou ainda, para corrigir erro material[14] que “é aquele perceptível por qualquer homo medius, e que não tenha, evidentemente, correspondido à intensão do juiz.” (MEDINA; WAMBIER, 2010, p. 206).

Assis leciona que até mesmo contra despacho – que em regra não caberiam recursos conforme preceitua o art. 504 do CPC – são admissíveis os embargos de declaração. Para ele:

O fato de o despacho não provocar gravame às partes não o isenta dos defeitos do art. 535. Por exemplo: o juiz designa audiência de instrução e julgamento para certo dia, mas o provimento omite a hora da solenidade. Evidentemente, os embargos de declaração se prestam a corrigir a omissão. Feliz se revela, nesta contingência, o alvitre de que, conquanto declarando a lei o pronunciamento irrecorrível, “o faz com a ressalva implícita no concernente aos embargos de declaração”. (2007, p. 598).

A necessidade de interpor embargos de declaração para correção dessas decisões é bem delineada por Medina e Wambier:

Segundo pensamos, qualquer interpretação conducente à inadmissibilidade do recurso neste caso conduziria a que se admitisse que o sistema tolera que decisões interlocutórias padeçam de tais vícios, o que nos parece evidentemente inconstitucional, pois, se a Constituição impõe que todas as decisões sejam motivadas, não se concebe que o sistema toleraria a prolação de decisões obscuras e contraditórias. (2010, p. 200).

Nesse mesmo sentido pacificou-se a jurisprudência do STJ com o seguinte julgado:

[...] Os embargos declaratórios são cabíveis contra qualquer decisão judicial e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal. A interpretação meramente literal do art. 535 do Código de Processo Civil atrita com a sistemática que deriva do próprio ordenamento processual, notadamente após ter sido erigido a nível constitucional o princípio da motivação das decisões judiciais. (EREsp 159.317/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Corte Especial, DJ 26/04/1999).

O STJ entende que “não se deve restringir, nos tribunais, a oposição de embargos de declaração aos acórdãos, sob pena de se poder estar obstando o aprimoramento da decisão judicial”[15].

Portanto, se a parte sucumbente considerar que há alguma omissão, obscuridade, contradição ou erro material na decisão recorrida deverá opor embargos de declaração para que a decisão esteja perfeita e acabada antes de ser atacada por um dos recursos excepcionais. Isso, no entanto, não significa que os embargos de declaração é requisito para interposição dos recursos excepcionais. Se o acórdão recorrido não deixar margem para qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material, poderá se interpor diretamente os recursos excepcionais.

Os embargos de declaração constituem o remédio processual adequado para corrigir ou adequar qualquer decisão judicial, principalmente no momento que antecede a interposição dos recursos excepcionais, funcionando como embargos prequestionadores. Estes embargos, opostos tão somente para fins de prequestionamento, não são considerados protelatórios (Súmula 98 do STJ) e, portanto, a parte que opor embargos com este fim não deve ser condenada a pagar a multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC.

Amaral Leão também faz uma reflexão interessante sobre os embargos prequestionadores:

O nosso CPC fala somente em Embargos Declaratórios, mas verificamos uma colocação que reputo bem apropriada, feita por ilustre advogado paulista, o E. Dr. Samuel Monteiro, que este entende que se podem conceituar os Embargos Declaratórios em duas espécies: esclarecedores e prequestionadores. Aqueles que se propõem a esclarecer dúvidas, obscuridades ou contradições são os Embargos Declaratórios, ou esclarecedores, e os que visam abordar questões federais ou constitucionais que o acórdão não ventilou são os Embargos Prequestionadores, que são interpostos com o fim específico de transpor os óbices das Súmulas 282 e 356 STF para viabilizar o RE. (LEÃO, 1989, p. 238, grifo do autor).

Medina critica a nomenclatura dada a esses embargos. Para ele:

Vê-se, pois, que através de embargos de declaração não é possível realizar-se prequestionamento, uma vez que, a rigor, o prequestionamento eminentemente necessário já deve ter sido realizado quando da apresentação das razões recursais. Os embargos declaratórios prestar-se-iam, apenas, a incitar o órgão julgador a suprir determinada omissão, e nesse suprimento talvez fique demonstrada a existência de violação a disposição federal. No máximo, poder-se-ia entender que a parte “re-prequestionaria”, através dos embargos de declaração. Isso porque já teria ocorrido o prequestionamento e, não havendo manifestação do órgão julgador, a respeito da questão constitucional ou federal, através dos embargos de declaração se visaria a alcançar a supressão da omissão, mas não o prequestionamento, que já é de ter ocorrido. (2009, p. 250).

Em que pese às divergências doutrinárias, importante salientar que sejam eles “esclarecedores” ou “prequestionadores”, estando a decisão ausente de prequestionamento, é preciso valer-se dos embargos declaratórios para superarem-se os óbices das Súmulas 282 e 356 do STF.

4.3. O PREQUESTIONAMENTO

O prequestionamento está implicitamente previsto no texto constitucional, dispondo que os Tribunais Superiores só se manifestarão sobre causas já decididas[16]. Para Cassio Scarpinella (2008), prequestionamento é sinônimo de causa decidida.

Mancuso (2010) lembra que a exigência é antiga, constando também das Constituições anteriores.

Wambier explica que:

[...] a noção de prequestionamento, como se sabe e como o próprio vocábulo sugere, nasceu como sendo fenômeno que dizia respeito à atividade das partes. As partes é que “questionam”, discutem ao longo do processo sobre a questão federal ou constitucional.

A importância desta atividade das partes sempre foi uma constante na evolução do instituto. (2008, p. 397).

Para Medina e Wambier “o prequestionamento da decisão seria o reflexo da atividade das partes ao longo do processo” (2010, p. 234). Não havendo o reflexo desta atividade na decisão, a omissão deve ser suprida via embargos de declaração.

Didier e Cunha (2009), afirmam que o prequestionamento é na verdade mais uma etapa do exame de cabimento dos recursos.

Villela critica a atuação dos Tribunais ao analisar este requisito de admissibilidade: “Por outro lado, se a omissão do acórdão recorrido persistir depois dos embargos declaratórios – o que é comum, dada a notória má vontade dos juízes para com tais embargos – reputa-se satisfeito o requisito do prequestionamento.” (1986, p. 142).

A figura do prequestionamento veio “para enfatizar que a parte deveria provocar o surgimento da questão federal ou constitucional perante a instância inferior.” (MEDINA, 2002, p. 201).

Quanto à classificação do prequestionamento, Souza entende que:

A propósito, prequestionamento é classificado pela doutrina e pela jurisprudência em razão da evidência e até da efetiva ocorrência do julgamento da questão federal, ou não. O prequestionamento numérico consiste na existência de menção expressa ao preceito de regência da questão federal, no bojo da decisão recorrida. Há prequestionamento explícito quando a questão federal é resolvida no julgado recorrido, ainda que sem menção ao respectivo preceito legal de regência. O prequestionamento é implícito quando a questão federal não é solucionada na decisão recorrida, apesar de previamente veiculada em peças processuais (verbi gratia, petição inicial, contestação, razões recursais, contra-razões). Por fim, há o prequestionamento quando a questão federal não é resolvida no julgamento recorrido, nem mesmo após a interposição de embargos declaratórios. A rigor, só há prequestionamento se for numérico ou, no mínimo, explicito. É o que revela o enunciado nº 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. (2004, p. 418).

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Prequestionar significa questionamento prévio pelo Tribunal a quo dos dispositivos constitucionais ou infraconstitucionais tidos como violados. Por isso fundamental a importância dos embargos de declaração para provocar a manifestação dos Tribunais sobre a matéria de fundo que será objeto dos recursos excepcionais, caso os Tribunais de origem não tenham prequestionado.

Didier e Cunha em uma perspectiva mais crítica sobre a atuação dos Tribunais Superiores afirmam que:

O prequestionamento é uma das válvulas de escape dos tribunais superiores, que se valem dele para deixar de julgar o mérito dos recursos, em diversas oportunidades. E como se isso não bastasse, STF e STJ adotam concepções diversas sobre o fenômeno, dificultando ainda mais o trabalho dos demais operadores jurídicos. (2009, p. 266).

Medina afirma que o prequestionamento deve ocorrer antes mesmo da decisão: “Ora, se a questão constitucional ou federal deve estar na decisão recorrida, logicamente o prequestionamento deve ocorrer antes da decisão, porquanto essa decisão é que poderá ser alvo do recurso.” (2002, p. 300).

No mesmo sentido se posiciona Theotonio Negrão afirmando que “Prequestionamento quer dizer questionamento antes, apresentação do tema antes do julgamento, não depois.” (1990, p. 246, grifo do autor).

Sobre a constitucionalidade do requisito prequestionamento, Medina leciona que:

[...] é constitucional, não sob o prisma de ser previsto na Constituição Federal como requisito necessário para o cabimento dos recursos extraordinário e especial, mas porque não vai contra as normas constitucionais. Pelo contrário, serve para instrumentalizar o conhecimento da questão constitucional ou federal pela decisão recorrida, decorrendo, assim, de manifestação do princípio dispositivo e do efeito devolutivo, perante a instância inferior. (2002, p. 305).

Nery (2007), afirma que ele não é um fim em si mesmo; o instituto não tem a autonomia própria para sua subsistência. Ele é somente mais um dos meios para se alçar a admissibilidade dos recursos excepcionais.

Para Medina e Wambier: “A exigência do prequestionamento decorre da circunstância de que os recursos especial e extraordinário são recursos de revisão. Revisa-se o que já se decidiu.” (2010, p. 401).

Conclui-se este tópico afirmando que: Prequestionamento é a necessidade de constar na decisão impugnada o prévio debate da questão federal ou constitucional nas instâncias inferiores, ato imprescindível para o cabimento e admissão dos recursos excepcionais.

4.3.1. Prequestionamento em matéria de ordem pública

Atualmente, o entendimento na jurisprudência, tanto no STJ como no STF, é de que mesmo as matérias de ordem pública que, via de regra, poderiam ser anuladas a qualquer tempo e grau de jurisdição, devem ser prequestionadas:

[...] PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. IMPRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1.  Não se admite o recurso especial, quando não ventilada, na decisão proferida pelo tribunal de origem, a questão federal suscitada. 2. Ainda que a questão seja de ordem pública, passível de conhecimento ex-officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, imprescindível seu debate prévio para o fim de viabilizar o acesso à instância extraordinária. [...] (AgRg no REsp 1.158.100/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJe 24/06/2011, sem grifo no original).

[...] AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS STF 282 e 356. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. [...] 1. A questão constitucional invocada no recurso extraordinário não foi objeto de debate e de decisão no acórdão recorrido. Desatendido o pressuposto recursal do prequestionamento, imprescindível para o conhecimento do apelo extremo. Exigência do cumprimento desse requisito recursal, ainda que a questão suscitada seja de ordem pública. Precedentes. Súmulas STF 282 e 356. [...] (AI 482.317 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 048, Pbl. 15/03/2011).

Medina compartilha da mesma tese:

[...] as matérias que, nas instâncias ordinárias, podem ser conhecidas ex officio, em virtude da aplicação das disposições processuais mencionadas, não podem ser conhecidas ex officio em sede de recurso extraordinário e recurso especial. E mais: não constando a matéria na decisão recorrida, mesmo que haja provocação da parte quando da interposição do recurso extraordinário ou recurso especial, ainda assim não será possível o conhecimento da matéria pelo Tribunal ad quem. É que, como se viu, por expressa disposição constitucional somente poderão ser alvo do recurso extraordinário ou do recurso especial as matérias “decididas” na decisão recorrida. (2002, p. 220).

Nolasco (2006), afirma após profundo estudo, que somente será possível reconhecer de ofício a matéria de ordem pública nos recursos excepcionais se estas estiverem ligadas ao mérito recursal, e desde que não haja necessidade de reavaliar as provas.

Atualmente predomina na jurisprudência “a tese mais rígida de que não há possibilidade do conhecimento de matéria de ordem pública, sem que tenha havido o prequestionamento.” (NOLASCO, 2006, p. 482).

Divergindo, o Min. Almeida Santos, citado por Mancuso, leciona que:

[...] o prequestionamento em matéria de ordem pública deve ser repensado em termos mais liberais, pois não passa de um rematado absurdo não se conhecer da alegação de coisa julgada ou da argüição de incompetência absoluta, da supressão de instância e outras questões do mesmo peso e relevo. (2010, p. 278).

Mancuso menciona as razões divergentes na doutrina sobre o tema, não discordando nem de um nem de outro:

A questão da admissibilidade ou não do RE ou do Resp, quando presente matéria de ordem pública – ainda que não prequestionada -, coloca de um lado, como regra, o princípio dispositivo (CPC, art. 2º, 128, 515 e parágrafos), a que se agrega o argumento de que o âmbito de devolutividade desses recursos, na perspectiva vertical, é bem restrita; e de outro lado, como exceção, a cognoscividade de ofício de tais temas, a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 113; 219, § 5º; 267, § 3º). Em verdade, há razões para os dois lados, o que tem impedido que se forme consenso a respeito, tendo já se decidido: “Na via estreita do recurso especial não se admite ao STJ conhecer de ofício (ou sem prequestionamento) nem mesmo das matérias a que alude o § 3º do art. 267, CPC” (RSTJ 74/277). (2010, p. 279, sem grifo no original).

Continua ainda o autor, citando José Saraiva que tal exegese:

[...] se coaduna com a natureza do recurso especial, pois a este cabe verificar somente se foi aplicado, de modo correto, o direito federal efetivamente considerado pelo acórdão recorrido, porque se trata de controle da atividade jurisdicional realizada, e não daquela que deveria ter sido e não foi. (SARAIVA, 2002, p. 262 citado por MANCUSO, 2010, p. 279).

A doutrina e jurisprudência ainda é bem divergente sobre o assunto, pois ainda existe o entendimento de que por força do efeito translativo dos recursos (profundidade do efeito devolutivo), uma vez ultrapassado o exame de admissibilidade, deve ser analisada a questão de ordem pública, mesmo que não tenha havido o prequestionamento.

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO SE SUPERADO O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. 1. A análise da prescrição, mesmo sendo matéria de ordem pública, não dispensa o necessário prequestionamento. 2. Por força do efeito translativo, esta matéria poderia ser analisada se o recurso especial superasse o juízo de admissibilidade, o que não se verifica na hipótese. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.357.618/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJe 04/05/2011).

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NULIDADE ABSOLUTA. PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO. 1. As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: REsp 801.154/TO, DJ 21.05.2008; REsp 911.520/SP, DJ 30.04.2008; REsp 869.534/SP, DJ 10.12.2007; REsp 660519/CE, DJ 07.11.2005. 2. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já que cumprirá ao Tribunal "julgar a causa, aplicando o direito à espécie" (Art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF). 3. In casu, o Tribunal a quo atribuiu efeito modificativo aos embargos de declaração, para excluir da condenação da recorrida o pagamento de juros compensatórios e inverter os efeitos da sucumbência, deixando de intimar a recorrente para apresentar impugnação ao recurso. 4. Embargos de declaração de fls. 3319/3329 acolhidos, para dar-lhes efeitos modificativos e prover o recurso especial, impondo-se o retorno dos autos à instância de origem, para que seja aberto prazo para impugnação aos embargos de declaração opostos pelo ora recorrido, nos termos do voto anteriormente proferido às fls. 3400/3405. (EDcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 28/02/2011).

Assim, em que pese a jurisprudência admita a exceção, a regra é que mesmo as questões de ordem pública não prescindem do prequestionamento, exigência inafastável para admissão e conhecimento dos recursos excepcionais.

4.3.2. Prequestionamento implícito

Medina explica que há duas concepções na doutrina e jurisprudência do que vem a ser prequestionamento implícito. Para uma o “prequestionamento implícito ocorre quando, apesar de mencionar a tese jurídica, a decisão recorrida não menciona a norma jurídica violada”. Já a outra entende que “há prequestionamento implícito quando a questão foi posta à discussão no primeiro grau mas não foi mencionada no acórdão, que, apesar disso, a recusa, implicitamente.” (2009, p. 232).

O STF não admite o prequestionamento de forma implícita. Para ser admitido o recurso extraordinário, a questão constitucional deve constar explicitamente na decisão recorrida. No entanto, adotando a segunda concepção acima explicada por Medina, se a questão foi posta em discussão e o Tribunal, mesmo com a oposição dos embargos se recusou a manifestar, o STF poderá admitir o recurso extraordinário. É o denominado “prequestionamento ficto”, que será analisado no próximo tópico.

Já o STJ admite o prequestionamento implícito na sua primeira concepção, entendendo que este ocorre quando na decisão recorrida, a questão infraconstitucional, a despeito de não estar expressamente mencionada, foi debatida nas instâncias ordinárias:

PROCESSUAL CIVIL. ART. 16 DA LEI N. 8.213/91. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 282 E 356 STF. 1. "O chamado prequestionamento implícito ocorre quando as questões debatidas no recurso especial tenham sido decididas no acórdão recorrido, sem a explícita indicação dos dispositivos de lei." (AgRg no Ag 1.221.951/MT, Rel. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 14.4.2011, DJe 25.4.2011.) [...] (AgRg no REsp 1.249.209/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 24/06/2011, sem grifo no original).

Com o mesmo juízo, Aragão afirma que “se alguma questão fora julgada, mesmo que não seja mencionada a regra de lei a que está sujeita, é óbvio que se trata de matéria ‘questionada’ e isso é o que basta.” (1994, p. 43).

E ainda Freire ensina que:

Há prequestionamento implícito quando o tribunal de origem, apesar de se pronunciar explicitamente sobre a questão federal controvertida, não menciona explicitamente o texto ou o número do dispositivo legal como afrontado. Exatamente neste sentido o prequestionamento implícito vem sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça. (2001, p. 980).

Portanto, por prequestionamento implícito entende-se o debate pelo órgão judicante da matéria levada a julgamento. Assim, se o Tribunal a quo se manifestar, a despeito de mencionar dispositivos na decisão recorrida, a questão será tida como prequestionada implicitamente, ultrapassando o juízo de admissibilidade dos recursos especiais interpostos para o STJ. Já para o STF, em regra, o prequestionamento deve ser explícito.

4.3.3. Prequestionamento ficto

A figura do prequestionamento ficto foi acolhida na doutrina a partir do entendimento de que existiriam duas categorias de embargos de declaração: os “esclarecedores” e os “prequestionadores”. Este último interposto com o fim específico de transpor os óbices das Súmulas 282 e 356 do STF, viabilizando o Recurso Extraordinário (MEDINA, 2009).

Nessa esteira, uma vez interpostos os embargos prequestionadores, estaria aberta, conforme o caso, a via do recurso especial ou extraordinário, “porquanto estaria suprido o requisito do prequestionamento, mesmo que o recurso de embargos de declaração não fosse sequer conhecido. Para parte da doutrina ocorreria, no caso o ‘prequestionamento ficto’.” (MEDINA, 2009, p. 248, grifo do autor).

Didier e Cunha também chegam à conclusão de que “a simples interposição dos embargos de declaração já seria o bastante, pouco importa se suprida ou não a omissão, aplicando-se, literalmente, o disposto no enunciado 356 do STF. Haveria aí o chamado prequestionamento ficto.” (2009, p. 213, grifo do autor).

Miguel Nagib sobre o tema explica que:

Embora não exista no acórdão recorrido, tem-no a Suprema Corte por satisfeito, enquanto pressuposto recursal, se a parte procurou obter a explicação dos temas debatidos no extraordinário, através da pertinente oposição de embargos declaratórios. (1995, p. 13).

Nesse sentido Wambier também leciona que “a interposição dos embargos de declaração contra o acórdão que seria alvo de recurso extraordinário tornou-se para parte da doutrina e da jurisprudência suficiente para a configuração do prequestionamento.” (2008, p. 408).

Hoje, somente o STF aceita o chamado prequestionamento ficto[17], consistente na simples oposição dos embargos declaratórios, ainda que estes sejam rejeitados, ou sequer conhecidos, sem exame da tese constitucional, bastando apenas que a matéria tenha sido devolvida por ocasião do julgamento dos embargos. Já a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não se admite os recursos especiais com o chamado prequestionamento ficto.

4.3.4 Prequestionamento explícito

O prequestionamento explícito consiste na manifestação expressa na decisão recorrida dos dispositivos tidos por violados. Não havendo esta menção, necessário se faz o uso dos embargos declaratórios.

Medina explica que “o prequestionamento explícito ocorre quando a norma jurídica violada tiver sido mencionada pela decisão recorrida.” (2009, p. 232).

Wambier leciona que haverá prequestionamento explícito “quando a norma jurídica violada tiver sido mencionada pela decisão recorrida” ou ainda “quando houvesse decisão expressa acerca da matéria no acórdão.” (2008, p. 414).

Sobre o tema, esclarecedor os seguintes julgados do STF:

Recurso extraordinário: prequestionamento "explícito": exigibilidade. O requisito do prequestionamento assenta no fato de não ser aplicável à fase de conhecimento do recurso extraordinário o princípio jura novit curia: instrumento de revisão in jure das decisões proferidas em única ou última instância, o RE não investe o Supremo de competência para vasculhar o acórdão recorrido, à procura de uma norma que poderia ser pertinente ao caso, mas da qual não se cogitou. Daí a necessidade de pronunciamento explícito do Tribunal a quo sobre a questão suscitada no recurso extraordinário: Sendo o prequestionamento, por definição, necessariamente explícito, o chamado "prequestionamento implícito" não é mais do que uma simples e inconcebível contradição em termos. (AI 253.566 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 03/03/2000, sem grifo no original).

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL – RECURSO IMPROVIDO. - A ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza – ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica – a utilização do recurso extraordinário. (RE 633.734 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 125, Pbl. 01/07/2011). 

O termo explícito já encerra a questão. Para o STF, embora seja possível a admissão da tese do “prequestionamento ficto”, a regra é que haja o “prequestionamento explícito”. É necessário que os dispositivos tidos por violados estejam explicitamente mencionados no acórdão ou decisão recorrida para que seja admitido o recurso extraordinário.

4.4. REITERAÇÃO DOS RECURSOS INTERPOSTOS ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Já há algum tempo formou-se na jurisprudência entendimento de que o recurso interposto antes da abertura do prazo, ou seja, antes da intimação do acórdão seria intempestivo. É o chamado “recurso prematuro”. Didier e Cunha (2009), afirmam ser esdrúxula esta tese.

Esse fenômeno é bem observado quando o acórdão prejudica ambas as partes do processo. No entanto, uma delas entende que a decisão apresenta erro material, ponto omisso, obscuro ou contraditório e opõe embargos de declaração, enquanto que a outra entende que a decisão deve ser combatida diretamente por meio dos recursos excepcionais e, sem ter ciência da oposição de embargos pela parte contrária, interpõe os recursos. Considerando que com a decisão dos embargos o acórdão pode ser reformado, o recurso anteriormente interposto poderá perder seu objeto. Por isso é necessário ratificar as razões recursais ou, ainda, complementá-las, quando da publicação do acórdão.

A Corte Especial do STJ[18], no entanto, já pacificou o entendimento quanto à possibilidade de interposição do recurso especial antes da publicação dessas decisões. Também o STF[19] já admitiu tempestivo o recurso interposto antes da fluência do seu prazo.

O que se exige, no entanto, é a ratificação destes recursos por meio de uma simples petição após a publicação do acórdão que julgou os embargos de declaração opostos pela parte contrária.

O STJ inclusive editou a Súmula 418 sobre o tema que dispõe: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Assim, torna-se imprescindível que a parte reitere as suas razões recursais após a publicação do acórdão dos embargos de declaração. Essa ratificação constitui mais um dos requisitos de admissibilidade recursal.

É pacífica a jurisprudência do STJ e STF no sentido de que é prematura a interposição dos recursos excepcionais antes do julgamento dos embargos de declaração sem a sua posterior ratificação, pois naquele momento ainda não se havia esgotado a instância ordinária:

[...] RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO ANTERIOR AO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RATIFICAÇÃO. AUSÊNCIA. RECURSO PREMATURO. INTEMPESTIVIDADE. 1. "É prematura a interposição de recurso especial antes do julgamento dos embargos de declaração, momento em que ainda não esgotada a instância ordinária e que se encontra interrompido o lapso recursal". (Recurso Especial nº 776.265/SC, Corte Especial, Relator p/ acórdão o Sr. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 6/8/07). 2. Afigura-se, portanto, intempestivo o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, ainda que opostos pela parte contrária, ante a ausência de ratificação do especial. 3. Ressalte-se que a necessidade de ratificação surge após a apreciação dos embargos declaratórios, com a intimação das partes para ciência do julgamento. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.159.940/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 16/11/2009, sem grifo no original)[20].

Medina faz uma importante ressalva quanto à intenção das partes em interpor os recursos excepcionais:

Caso a parte que tem intenção de apresentar recurso extraordinário ou especial tenha tido notícia da interposição de embargos de declaração pela parte adversária, não deverá, por isso, deixar de interpor o recurso excepcional. É que os embargos de declaração apresentados podem vir a ser considerados intempestivos e, por isso, pode-se entender que tais embargos de declaração não teriam interrompido o prazo para interposição de outros recursos. (2009, p. 132, grifo do autor).

Já Mendonça Sica, critica a necessidade de ratificação desses recursos. Para ele, essa exigência atenta contra o devido processo legal (art. 5º, LIV e II da CF), por não haver previsão legal para tanto e constitui mais uma “armadilha” para não se conhecer os recursos:

Primeiramente, salta aos olhos a incongruência do raciocínio, pois admite que um ato processual inadmissível (rectius: ineficaz) seja reiterado, o que é um contra-senso. Se o recurso extraordinário ou especial antes interposto era inadmissível, o caso seria de interpor um novo, depois que os embargos declaratórios tenham sido julgados.

Também não se poderia vislumbrar preclusão lógica do direito ao recurso extraordinário ou especial, pois a ausência de reiteração não revela ato logicamente incompatível com a vontade de recorrer. Igualmente não se pode cogitar que a falta de ratificação do recurso antes interposto possa considerar-se renúncia tácita a ele, pois não se enxerga na omissão qualquer manifestação de vontade do recorrente. (2007, p. 138).

Atualmente, tanto no STF como no STJ, a jurisprudência é unanime no sentido de que os recursos excepcionais interpostos antes do julgamento dos embargos declaratórios precisam ser ratificados quando da publicação do acórdão que julgou os embargos. Sem essa ratificação, os recursos certamente não passarão pelo exame de admissibilidade.

No novo PL 8.046/2010, há uma previsão de que se ao julgar os embargos declaratórios não houver alteração na conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto antes deste julgamento será processado e julgado automaticamente, independente de ratificação.[21] A necessidade de ratificação, hoje, decorre da jurisprudência. Se o projeto for aprovado, as partes, por determinação legal, estarão dispensadas de ratificar esses recursos, se com o julgamento dos embargos de declaração não houver alteração do acórdão recorrido.

4.5. SIMULTANEIDADE NA INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS E FUNDAMENTO INATACADO – SÚMULAS 283 DO STF E 126 DO STJ

A interposição dos dois recursos excepcionais, quando cabíveis, deve ser simultânea. Kozikoski faz o seguinte apontamento:

A admissibilidade do recurso especial está condicionada à dupla impugnação - interposição concomitante de recurso especial e extraordinário -, quando se tratar de acórdão lastreado em matéria constitucional e infraconstitucional. Mas não é só. O recurso extraordinário deve estar revestido de seus pressupostos formais, sob pena de não conhecimento do mesmo. (2005, p. 758).

Em regra, uma vez interpostos os recursos excepcionais, primeiramente será julgado o recurso especial, ficando sobrestado o processamento do recurso extraordinário (WAMBIER, 2008). Caso o relator daquele entenda que a questão constitucional seja prejudicial ao julgamento deste, sobrestará o seu julgamento e enviará os autos para que o STF julgue primeiro o recurso extraordinário.

Wambier leciona que “interpostos ambos os recursos, os autos serão encaminhados ao STJ, razão pela qual, preferencialmente, tem-se, antes, o julgamento do recurso especial, e, depois, o julgamento do recurso extraordinário, salvo se considerar-se que este recurso é prejudicial àquele.” (2008, p. 312).

Na hipótese do recurso especial ser provido antes do julgamento do RE, este último poderá ficar prejudicado, haja vista que a decisão do recurso especial substitui o acórdão recorrido. Assim, se surgir na decisão do STJ alguma ofensa a dispositivo constitucional, deverá agora, nessa instância, interpor-se o recurso extraordinário.

Para Wambier “o que importa saber, para se decidir deva ou não o recurso extraordinário ser julgado, é, no fundo, se ainda tem sentido que este recurso seja julgado, ou se a parte teria perdido o interesse, já que qualquer possível resultado do recurso extraordinário não alteraria sua situação.” (2008, p. 318).

A autora alerta, ainda, que os recursos devem ser interpostos simultaneamente, porem “cabe ao STJ decidir se há ou não prejudicialidade, através do relator, em decisão irrecorrível (CPC, art. 543, § 3º), só reformável pelo relator do recurso extraordinário, no STF” (WAMBIER, 2008, p. 319).

Ainda quanto à simultaneidade, a Súmula 283 do STF dispõe que: “É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange a todos eles”.

No mesmo sentido a Súmula 126 do STJ disciplina que: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”. 

Dos enunciados acima extraímos que, se a decisão recorrida contiver mais que um fundamento suficiente para reforma da decisão, é obrigatória a interposição de ambos os recursos excepcionais pela parte que se sentir prejudicada. A parte não pode simplesmente escolher um dos recursos para se interpor. Deve necessariamente manejar ambos os recursos excepcionais sob pena de o outro ser inadmitido por falta de fundamento inatacado.

Nesse sentido Didier e Cunha afirmam que:

Somente devem incidir os enunciados n. 126 da Súmula do STJ e n. 283 da Súmula do STF, se os fundamentos constitucional e infraconstitucional forem autônomos, é dizer, se cada um, por si só, for suficiente para sustentar o acórdão recorrido. (2009, p. 289).

Mancuso ainda leciona:

Ora, se é possível – e não raro ocorre – que o acórdão do Tribunal a quo contenha capítulos que relevam da Constituição e da lei federal, sendo qualquer desses comandos suficiente, de per si, para conferir higidez ao julgado, é claro que o ataque a só um daqueles alicerces não configuraria o interesse em recorrer, visto que o decisório ainda assim se manteria, apoiado no fundamento inatacado. Esse raciocínio é que está à base das Súmulas STF 283 e STJ 126, roborando a percepção de que o pano de fundo, na formulação cumulativa de RE e REsp, consiste na configuração do interesse em recorrer. (2010, p. 341).

Vale ainda citar os seguintes julgados:

[...] Nos termos da jurisprudência do STF, a admissibilidade do recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça está adstrita a discussões constitucionais inauguradas no julgamento do recurso especial. As matérias constitucionais que já foram objeto de análise pelas instâncias ordinárias precluem, ante a não interposição simultânea de recurso extraordinário e recurso especial. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AI 761.983 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJe 248, Pbl. 17/12/2010).

PROCESSO CIVIL. ACÓRDÃO COM DUPLA FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO INTERPOSTO. SÚMULA N. 126/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. SÚMULA N. 283/STF.   1. Amparado o acórdão recorrido em fundamento constitucional e infraconstitucional, mostra-se aplicável a Súmula n. 126 desta Corte se a parte não interpuser recurso extraordinário. 2. Ao deixar a recorrente de impugnar os fundamentos do julgado objurgado, aplica-se-lhe, por analogia, a Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal. 3.  Agravo regimental não conhecido. (AgRg no REsp 766.948/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 12/04/2010).

O mesmo ocorre quando a decisão recorrida se fundamenta em mais de um dispositivo constitucional ou infraconstitucional, e a recorrente interpõe os recursos sem atacar todos eles. É pacifico o entendimento que havendo mais de um fundamento na decisão recorrida, todos eles devem ser atacados. Emblemático o julgado a seguir:

[...] Permaneceu inatacado, nas razões recursais, fundamento suficiente para a manutenção do acórdão recorrido, referente ao princípio da legalidade e à indevida interveniência do Poder Público no processo eleitoral de entidade privada. Incidência da Súmula STF 283. [...] (RE 492.006 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 076, Pbl. 26/04/2011).

A propósito bem explica Didier e Cunha:

É possível, ainda, que um mesmo capítulo do acórdão tenha por fundamento matéria constitucional e matéria legal. Nesse caso, se qualquer desses fundamentos for suficiente para sustentar a decisão, devem ser interpostos recurso extraordinário contra a parte constitucional e recurso especial contra a parte infraconstitucional da fundamentação. Se deixar de ser interposto um desses recursos, o outro que venha a ser intentado não será admitido, por inutilidade: é que mesmo vitorioso “de pé” com base no outro fundamento. (2009, p. 288).

Portanto, se o acórdão recorrido apresentar matérias que ensejam a interposição de ambos os recursos e a parte deixar de interpor um deles, ou ainda, sendo cabível apenas um desses recursos, a parte não atacar neste todos os fundamentos da decisão recorrida, o recurso será inadmitido em face das Súmulas 283 e 126 do STF e STJ respectivamente.

4.6. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULA 284 DO STF

A questão da “fundamentação deficiente” não se confunde com o “fundamento inatacado”. Pois nesta o fundamento não foi sequer atacado, e naquele, embora atacado, foi de forma totalmente equivocada e deficiente.

O STF na Súmula 284 dispôs que: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

Tanto no STF como no STJ é imprescindível que a fundamentação dos recursos demonstre de forma clara como os dispositivos foram violados pela decisão recorrida, para que possam ser admitidos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA STF 284. 1. É imprescindível para a admissão do apelo extremo que a fundamentação demonstre como os dispositivos constitucionais alegados foram violados pelo acórdão recorrido. Súmula STF 284. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 812.202 AgR, Rel.  Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 025, Pbl. 08-02-2011).[22]

Também o STJ tem aplicado por analogia o disposto na Súmula 284 do STF, ao fazer o juízo de admissibilidade dos recursos especiais:

[...] FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. [...] Alegação genérica de ofensa a lei federal é insuficiente para delimitar a controvérsia, sendo necessária a especificação do dispositivo considerado violado, conforme disposto na orientação sumular nº 284 do STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.275.765/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Des. Convocado do TJ/RS), 6ª Turma, DJe 15/06/2011).

A demonstração da forma como os dispositivos foram violados ou não observados na decisão recorrida deve ser clara. Significa dizer, ainda, que a parte recorrente deve fazer a subsunção dos fatos à norma. Emblemático o precedente a seguir do STF:

Recurso extraordinário: descabimento: interposição deduzida sob a forma de artigo doutrinário, sem a identificação dos fatos e a subsunção deles aos princípios constitucionais invocados, que não permite a exata compreensão da controvérsia: incidência da Súmula 284. (AI 275.275 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 24/08/2001).

Se a recorrente não fizer esta correlação de forma clara, seu recurso especial ou extraordinário não será admitido por deficiência na sua fundamentação incidindo o disposto na Súmula 284 do STF. Este é mais um dos requisitos genéricos, comum à admissão dos recursos excepcionais.

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Sobre a autora
Silvane Boschini Lopes

Advogada em Curitiba (PR). Coordenadora jurídica da Carrilho & Cafareli Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Silvane Boschini. O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3183, 19 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21312. Acesso em: 24 abr. 2024.

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