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O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais

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19/03/2012 às 09:22

Resumo:

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  • Os recursos excepcionais no Direito Brasileiro são regulamentados pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Civil, e sua admissibilidade está condicionada ao cumprimento de requisitos específicos.

  • O cabimento dos recursos excepcionais é restrito às hipóteses exaustivas previstas na Constituição, e seu exame de admissibilidade envolve um rigoroso controle dos aspectos formais antes da análise do mérito.

  • Para ultrapassar o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais, é necessário o preenchimento de requisitos como a demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário e a configuração de dissídio jurisprudencial no recurso especial.


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Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. REQUISITOS ESPECÍFICOS À ADMISSÃO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS

Além dos requisitos genéricos comuns à admissibilidade dos recursos excepcionais, tema já analisado no capítulo anterior, existem ainda requisitos específicos que se aplicam distintamente a cada um dos recursos. Esses requisitos serão examinados neste capítulo.

5.1. RECURSO ESPECIAL E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

Ocorre dissídio jurisprudencial quando diferentes Tribunais posicionam-se de forma diversa sobre a aplicação da mesma lei federal. Essa situação gera insegurança jurídica aos jurisdicionados, que veem situações idênticas decididas de formas díspares.

Para uniformizar o entendimento, deve-se fazer uso do recurso especial para que o STJ decida a correta aplicação da norma. Scarpinella ensina que “se a divergência for constatada no âmbito de um mesmo Tribunal, o mecanismo para atingimento daquela finalidade é o incidente de ‘uniformização de jurisprudência’.” (2008, p. 274).

A previsão deste recurso está no art. 541 parágrafo único do CPC dispondo que a parte recorrente deverá fazer prova da divergência “mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência” mencionando as circunstâncias que se assemelhem ao caso confrontado.

Medina leciona que:

[...] tem-se entendido que, caso se interponha o recurso com fundamento na alínea c, o recorrente deverá adequar-se à hipótese, demonstrando suficientemente a presença do requisito de admissibilidade exigível no caso, qual seja a divergência de interpretação acerca da lei federal. Caso contrário, o recurso não deverá ser reconhecido, consoante reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. (2009, p. 88-89).

Clara Azzoni afirma ainda que cabe à Corte do STJ:

[...] a função de evitar o caos na jurisprudência, garantir o respeito ao princípio da igualdade e propiciar segurança jurídica, por meio do controle da lei e da sua interpretação jurisprudencial. A fim de assegurar a igualdade de tratamento aos jurisdicionados, os Tribunais de Superposição exercem um controle sobre a atividade judicial, para que prevaleça a uniformidade interpretativa e, na medida do possível, determinada lei receba sempre, diante de idênticas condições fáticas relevantes naquele julgamento, a mesma interpretação pelos juízes, nas instâncias ordinárias. (2009, p. 24).

Portanto, quando o recurso versar sobre dissídio jurisprudencial, além de todos os requisitos de admissibilidade já abordados neste trabalho, a parte deve demonstrar a divergência juntando cópia autenticada dos acórdãos paradigmas, ou ainda, fazer prova da divergência mediante citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente.

O art. 255 do RSTJ dispensa o uso de cópias autenticadas, desde que o advogado declare no recurso que as cópias dos acórdãos paradigmas são reprodução fiel dos originais.

[...] Para a admissão do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos do aresto recorrido com os do acórdão paradigma, bem como da juntada de certidão ou de cópia autenticada do acórdão paradigma, ou, em sua falta, da declaração pelo advogado da autenticidade dessas, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.368.021/RS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, DJe 07/06/2011).

É essencial ainda que a parte faça o cotejo analítico dos acórdãos paradigmas com o acórdão recorrido, mencionando todas as partes que se identifiquem ou assemelhem ao caso confrontado (art. 255, § 2º do RISTJ).

Mancuso leciona que “constitui ônus do recorrente, através de seu advogado, proceder ao cotejo técnico-jurídico dos arestos colacionados, no afã de surpreender os tópicos que os aproximam ou os distinguem, segundo a tese sustentada no apelo.” (2010, p. 311).

Nesse sentido Scarpinella leciona que:

É necessário transcrever, copiar e comparar trechos das situações fáticas e jurídicas do acórdão recorrido e do indicado como paradigma. É imprescindível que se faça o confronto entre os julgados para identificar suas semelhanças (fáticas e jurídicas) e suas diferenças (quanto ao resultado). É o que comumente se denomina “demonstração analítica da divergência”, que remonta à antiga Súmula 291 do STF. (2008, p. 283).

Importante mencionar, ainda, que a divergência dos julgados não pode ser entre acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal que proferiu a decisão recorrida. Também não se admite o recurso especial quando a orientação do Tribunal a que for dirigido o recurso estiver no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmulas 13 e 83 do STJ).

Somente acórdãos poderão ser utilizados como paradigmas. As decisões monocráticas não servem para finalidade de comprovar dissídio jurisprudencial:

[...] Decisões monocráticas não servem como paradigmas para fins de demonstração de dissídio jurisprudencial, a teor do disposto no art. 266 do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (EDcl nos EAg 1.182.703/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, DJe 29/03/2011).

[...] I – O cabimento dos embargos de divergência, nos termos do art. 330 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, pressupõe a existência de dissídio entre decisão de Turma com julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal. Assim, decisão monocrática não serve como paradigma para demonstrar a divergência jurisprudencial. [...] (AI 547.631 AgR-ED-EDv-AgR, Rel.  Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 241 Pbl. 13/12/2010).

Acórdãos do STF também não se prestam como paradigma na interposição do recurso especial,[23] tendo em vista a finalidade precípua deste recurso pela alínea "c" do art. 105, III da CF, que é de uniformizar a interpretação em torno de legislação infraconstitucional.

Uma vez julgado o recurso, será uniformizado o entendimento, criando um precedente e dando maior segurança jurídica ao jurisdicionado.

5.2. RECURSO ESPECIAL E NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 535, II DO CPC

Uma vez opostos embargos de declaração para prequestionar a matéria, o Tribunal de origem tem o dever de julgá-los, desde que estes sejam cabíveis, e se façam presentes todos os requisitos. Caso estes embargos venham a ser rejeitados, a parte, ao interpor o recurso especial, deve fundamentá-lo em negativa de vigência ao art. 535, II do CPC.

Se assim não o fizer, incide o disposto na Súmula 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.

Assim, quando interposto em face de uma decisão que, mesmo com a oposição de embargos de declaração, o Tribunal a quo não apreciou a matéria, rejeitando-os, o recurso especial deve necessariamente conter tópico sobre negativa de vigência ao art. 535, inciso II do CPC:

[...] É inadmissível Recurso Especial quanto a questão inapreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 2. No contexto dos autos, competia à agravante pontuar contrariedade ou negativa de vigência ao art. 535, I e II, do CPC, a fim de que, se provido, o Tribunal a quo interpretasse e aplicasse os referidos artigos tidos como violados. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1.240.227/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 10/05/2011).

[...] Nos casos em que a matéria ventilada no recurso especial não foi objeto de decisão pelo Tribunal de origem, apesar da oposição de embargos de declaração, cabe ao recorrente apontar negativa de vigência ao art. 535 do Código de Processo Civil, sob pena de incidência da súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça. (REsp 908.288/MT, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, DJe 23/11/2009).

Com efeito, o STJ, observando que o Tribunal a quo violou este dispositivo não julgando adequadamente a matéria, dará provimento ao recurso especial e determinará que os autos retornem ao Tribunal de origem para que este aprecie devidamente a matéria, em novo julgamento, sobre as questões suscitadas nos embargos de declaração anteriormente rejeitados.

Sobre a Súmula 211 Assis explica que:

A bem da verdade, a conclusão extraída do verbete se mostra incensurável, porque a subsistência da omissão vulnera, de um lado, o art. 535, II, e de outro não se pode considerar, justamente por força da omissão, “decidida” a questão federal. Esse raciocínio exclui a necessidade de iniciativa da parte para aflorar a questão federal. A oposição dos embargos não visará a elisão da falta de iniciativa da parte, mas corrigirá a falta de decisão do órgão a quo, “que, por essa via, é convocado a enfrentar o tema, já que incabível o recurso a respeito do não decidido”. (2007, p. 780).

Medina e Wambier afirmam:

Por isso é que se estabeleceu a regra de que, defeituoso o acórdão e interpostos embargos de declaração para que sejam supridas omissões, esses devem ser necessariamente julgados, sob pena de se estar também aqui diante de outra ilegalidade (violação ao art. 535, II, do CPC). (2010, p. 234).

E ainda Medina (2009), leciona que se o acórdão, a despeito da interposição de embargos, não se manifestar sobre a questão federal supostamente omitida, não caberá recurso especial com fundamento nessa questão. Caberá, entretanto, recurso especial com fundamento no art. 535, II, do CPC, postulando a anulação da decisão recorrida.

Embora a doutrina não aborde muito esse tema, é ponto pacífico no âmbito do STJ que o recurso especial deve ser interposto por negativa de vigência ao art. 535, II do CPC, não devendo a parte insistir apenas na indicação dos dispositivos que entende terem sido violados ou para os quais foi negada vigência no acórdão recorrido.

5.3. A REPERCUSSÃO GERAL NOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS

A repercussão geral é um requisito de admissibilidade específico para o recurso extraordinário. Essa exigência veio a partir da EC 45/2004 que introduziu o § 3º ao art. 102 da CF; e com a edição da Lei 11.418/2006, adaptando-se à reforma constitucional que introduziu no CPC os artigos 543-A e 543-B.

Wambier ensina que o recurso extraordinário procura “resguardar o sistema jurídico e não a situação individual das partes, a não ser mediatamente ou de modo indireto.” (2002, p. 245).

Além de todos os requisitos genéricos e específicos já apontados neste trabalho, a parte que pretender interpor recurso extraordinário deve demonstrar, em preliminar do recurso, a existência de repercussão geral das questões constitucionais aventadas no acórdão recorrido, que possam transcender aos interesses subjetivos do recorrente. Especificamente “precisará demonstrar-se que o tema discutido no recurso tem uma relevância que transcende àquele caso concreto, revestindo-se de interesse geral.” (WAMBIER, 2008, p. 291).

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A autora ainda explica que “essa figura impede que o STF se transforme numa 4ª instância e deve diminuir, consideravelmente, a carga de trabalho daquele Tribunal.” (WAMBIER, 2008, p. 293).

Medina também adverte que “não basta a existência de questão constitucional na decisão recorrida; além disso, exige-se que tal questão ofereça repercussão geral, para que o recurso extraordinário seja admissível.” (2009, p. 121).

Considerar-se-á presente a repercussão geral quando o litígio oferecer questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapasse os interesses subjetivos da causa (art. 543-A, § 1º, CPC). Também haverá repercussão geral quando o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF (art. 543-A, § 3º do CPC).

Medina e Wambier exemplificam as questões relevantes que transcendem os valores subjetivos da causa da seguinte forma:

a) relevância econômica, como aquelas que se vê em ações que discutem, por exemplo, o sistema financeiro da habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a telefonia, o saneamento básico, a infraestrutura etc.; b) relevância política, quando, por exemplo, de uma causa possa emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais; c) relevância social há numa ação em que se discutem problemas relativos à escola, à moradia, à saúde ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações; d) relevância jurídica no sentido estrito existe, por exemplo, quando esteja em jogo o conceito ou a noção de um instituto básico do nosso direito, de molde a que aquela decisão, se subsistir, possa significar perigoso e relevante precedente, como, por exemplo, a de direito adquirido. (2010, p. 240, sem grifo no original).

Para Alvim Neto (2005), o instituto da repercussão geral também deveria ser adotado pelo STJ. Falando sobre a crise do judiciário, o autor afirma que o STJ também está abarrotado de recursos, perdendo espaço para a ampla discussão de questões mais relevantes de interesse social relativamente ao direito federal.

A PEC 358/2005 que está aguardando apreciação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, tem o mesmo propósito do instituto da repercussão geral, porém no âmbito do STJ, acrescentando o art. 105-A a Constituição Federal. Se aprovada esta PEC e inserido o art. 105-A na CF, o STJ poderá aprovar “súmulas impeditivas de recurso”. A redação do artigo proposto é a seguinte:

O Superior Tribunal de Justiça poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação, constituir-se-á em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra a decisão que a houver aplicado, bem como  proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. [24]

Cruz e Tucci lecionam que o exame da repercussão geral é o último dos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário a ser examinado pelo relator:

O relator do recurso extraordinário deverá examinar, com precedência, todos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário. Sendo positivo, o juízo de admissibilidade, só então a questão da repercussão geral será levada primeiramente à apreciação da turma. (2006, p. 62).

Quanto à configuração do instituto, Dantas ensina que “a repercussão geral pressupõe análise coletiva, com ao menos oito cabeças focadas no mesmo assunto, pois só por voto de dois terços dos membros do STF é que se pode reconhecer a sua ausência, o que, se não assegura que justiça será feita” (2008, p. 219), mas tornará a decisão de certa forma mais qualificada.

Lembra ainda o autor que “não basta que o acórdão recorrido contenha uma questão constitucional que ofereça repercussão geral. É necessário que o recorrente tenha se insurgido contra ela, inclusive prequestionando-a.” (DANTAS, 2008, p. 31). O instituto é assim por ele conceituado:

Repercussão geral é o pressuposto especial de cabimento do recurso extraordinário, estabelecido por comando constitucional, que impõe que o juízo de admissibilidade do recurso leve em consideração o impacto indireto que eventual solução das questões constitucionais em discussão terá na coletividade, de modo que se lhe terá por presente apenas no caso de a decisão de mérito emergente do recurso ostentar a qualidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de pessoas experimente, indiretamente, sua influência, considerados os legítimos interesses sociais extraídos do sistema normativo e da conjuntura política, econômica e social reinante num dado momento histórico. (DANTAS, 2008, p. 246).

A competência do STF é exclusiva para o exame da existência, ou não, da repercussão geral ao caso sub judice (art. 543-A, § 2º, CPC). Assim, embora seja a repercussão geral um requisito de admissibilidade, o Tribunal a quo não poderá avaliar a sua presença, ou não, no recurso extraordinário interposto. O que o Tribunal de origem aferirá é apenas a existência da preliminar de repercussão geral no recurso, uma vez que deverá haver nas razões recursais um tópico com a preliminar sobre a “existência de repercussão geral” no caso concreto.

Marinoni e Mitidiero ensinam que “não se admite que outros tribunais se pronunciem a respeito do assunto. Eventual intromissão indevida, nessa seara, desafia reclamação ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que se mantenha a integridade de sua competência.” (2007, p. 43).

Em outras palavras o Tribunal a quo verifica tão somente, sob o aspecto formal, se a parte demonstrou em preliminar do recurso a possível existência de repercussão geral. Nesse sentido o STF, no julgamento de uma questão de ordem, assim se pronunciou:

[...] Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade – seja na origem, seja no Supremo Tribunal – verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação específica voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RSTF, art. 327)”, e que o exame da efetiva existência da repercussão geral é que está “sujeita ‘à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal’ (Art. 543-A, § 2º) [...] (AI 664.567 QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJe 096, Pbl. 06/09/2007, sem grifo no original).

Nos casos em que o STF já decidiu pela inexistência de repercussão geral, o Tribunal a quo poderá inadmitir os recursos extraordinários interpostos com a mesma alegação de repercussão geral, sem, no entanto, estar usurpando a competência do STF. É o que dispõe o § 7º do art. 543-A do CPC.

Assis bem explica esse dispositivo:

Declarada a existência de repercussão geral, a súmula da decisão, publicada no diário oficial, “valerá como acórdão”, segundo o art. 543-A, § 7º, e funcionará como precedente para casos análogos. Neste caso, e somente nele, “admitir-se-á o juízo de inadmissibilidade do recurso extraordinário, pela ausência de repercussão geral, por decisão do presidente do tribunal a quo, ou por decisão monocrática do relator (art. 557 do CPC), ou por acórdão de Turma do STF”. (2007, p. 768, sem grifo no original).

Ao interpor um recurso extraordinário, a parte deve portanto demonstrar, em preliminar no recurso, a repercussão geral que a matéria ventilada terá com seu devido julgamento. A relevância que transcende ao caso concreto revestindo o recurso de interesse geral, observando as disposições do art. 543-A do CPC.

O PL 8.046/2010, se aprovado, trará uma inovação quanto ao momento de apresentação das razões de existência de repercussão geral. Diz o art. 986 do referido Projeto que:

Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente deduza as razões que revelem a existência de repercussão geral, remetendo, em seguida, os autos ao Supremo Tribunal Federal, que procederá à sua admissibilidade, ou o devolverá ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão irrecorrível.

Com efeito, pelo texto do projeto do novo CPC, o relator do recurso especial poderá entender que a decisão recorrida aborde também assunto constitucional. Assim, naquela instância, o relator deverá abrir vista à parte para que esta apresente as razões que possam justificar o recurso extraordinário, inclusive com uma preliminar de repercussão geral, e remeter os autos ao STF para análise.

O instituto da repercussão geral é hoje o principal instrumento utilizado pelo STF na contenção dos recursos que chegavam, e ainda chegam, àquela Corte, com fins meramente protelatórios; o instituto vem alcançando, assim, a finalidade para a qual foi criado.

5.4. VIOLAÇÃO DIRETA, E NÃO REFLEXA AOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – SÚMULA 636 DO STF

Criou-se na jurisprudência o entendimento de que: “Somente se admite recurso extraordinário se a ofensa à Constituição for direta, ou seja, se não houver ofensa a dispositivo legal para só depois ocorrer ofensa a preceito constitucional.” (OMMATI, 2006, p. 191).

Para Ommati, prevalecendo este entendimento no direito brasileiro, o STF estará desconsiderando a própria Constituição, pois:

[...] se existe um modelo constitucional do processo, estabelecido pelo Texto Fundamental brasileiro, e esse modelo existe, em decorrência dos princípios constitucionais, por exemplo, do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, fundamentação das decisões judiciais, é claro que esses princípios constitucionais só ganham sentido e densidade nas situações concretas e nas normas infraconstitucionais que os densificam, tais como as normas do Código de Processo Civil que regulam o direito a prova, o momento de produção da mesma, dentre outras. (2006, p. 196).

Se não fosse assim, “como defender o princípio do direito adquirido, direito fundamental de todo cidadão brasileiro, se não descermos às normas infraconstitucionais e à própria situação concreta?” (OMMATI, 2006, p. 197).

Didier e Cunha afirmam que:

Em outras palavras, se, para demonstrar a contrariedade a dispositivo constitucional, é preciso, antes, demonstrar a ofensa à norma infraconstitucional, então foi essa que se contrariou, e não aquela. Não cabe, portanto, o recurso extraordinário, cabendo, isto sim, o recurso especial ao STJ. (2009, p. 327).

A Súmula 636 do STF dispõe que: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.

Assis leciona que:

O motivo dessa restrição repousa em dois fundamentos. Primeiro: ao STF só incumbe o controle das questões constitucionais. As questões federais integram os domínios do recurso especial. Segundo: os tipos do art. 102, III, a e c, se mostram rígidos e não comportam interpretação elástica para incluir a questão federal posta de permeio à aplicação da Constituição. Nesta contingência, o recorrente há que interpor recurso extraordinário e recurso especial. E, por isso mesmo, consistindo a norma federal questionada em mera repetição do texto constitucional, há ofensa direta, e não reflexa. (2007, p. 705).

Mancuso (2010) ensina que a violação direta e frontal à CF ocorre quando o próprio texto constitucional resultou ferido, sem que a lei infraconstitucional esteja de permeio, ainda que também possa ter sido violada.

Ele ensina ainda que “o manejo do recurso extraordinário só é liberado a partir de um histórico de afronta direta e frontal à Constituição, e não de maneira indireta, reflexa ou oblíqua, assim atingindo a CF por ricochete.” (MANCUSO, 2010, p. 172, grifo no original).

Para Assis (2007), tal disposição é pertinente haja vista que não se admite interpretação elástica para abranger a questão federal discutida no recurso extraordinário. Ocorrendo esta situação, o recorrente deve manejar ambos os recursos excepcionais, ficando o extraordinário exclusivo para análise se houve ofensa direta.

Dantas adverte que “embora seja pacífica a jurisprudência do STF, a doutrina controverte o tema da ofensa direta e indireta ao texto constitucional, hábil a ensejar o cabimento do RE.” (2008, p. 170) e continua sua critica afirmando que:

[...] criou-se na jurisprudência do STF a doutrina da ofensa direta, segundo a qual a questão que pode ser levada ao conhecimento do Tribunal em sede de RE é aquela frontal e direta ao texto constitucional. Em outras palavras: se a ofensa a disposição constitucional irradiar da negativa de vigência a dispositivo infraconstitucional que define os contornos de instituto que esteja previsto na Carta Política, essa violação seria meramente reflexa, não ensejando o cabimento do RE. [...]Essa jurisprudência iterativa foi a responsável por definir que diversos princípios processuais inseridos na Constituição – como a intangibilidade da coisa julgada, a legalidade, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório – pressupõem a interpretação das normas infraconstitucionais que lhes definem o alcance e o conteúdo, de modo que a alegação de ofensa a eles em RE esbarraria na doutrina da ofensa direta. (2008, p. 170-171).

O rigorismo da aplicação deste requisito deveria ser verificado caso a caso, e não de forma automática como tem ocorrido. Para Dantas, “o ponto fulcral, segundo pensamos, deveria residir na intensidade da ofensa reflexa, inadmitindo-se aqueles recursos em que se verificasse um baixo grau de intensidade.” (2008, p. 173).

O autor cita divergência manifestada pelo Ministro Marco Aurélio quanto à forma que o STF vem aplicando a doutrina da ofensa direta. Nesse julgado o Ministro diz que:

[...] Não se coaduna com a missão precípua do Supremo Tribunal Federal, de guardião maior da Carta Política da República, alçar a dogma a assertiva segundo a qual a violência à Lei Básica, suficiente a impulsionar o extraordinário, há de ser frontal e direta. Dois princípios dos mais caros nas sociedades democráticas, e por isso mesmo contemplados pela Carta de 1988, afastam esse enfoque, no que remetem, sempre, ao exame do caso concreto, considerada a legislação ordinária – os princípios da legalidade e do devido processo legal. [...] (RE 398.407, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ 17/12/2004).

Theotonio Negrão ensina que “para provar a ofensa à Constituição, se tiver que argumentar com a violação de lei infraconstitucional, esta é que foi a lei violada, e não a Constituição.” (1990, p. 243). Portanto o recurso a ser manejado seria o recurso especial.

Há quem diga que é exagerada a aplicação dessa teoria, servindo a mesma apenas para atender as próprias conveniências do STF:

Em última análise, e sem perder de vista a jurisprudência da Corte, não nos parece exagerado afirmar que a teoria da ofensa direta tem servido convenientemente aos interesses do STF de impedir que o número insuportável de recursos aumente ainda mais.

Como os conceitos de ofensa direta e reflexa não estão bem delineados na doutrina ou na jurisprudência, o tribunal serve-se dessa contingência para manejar sua pauta, visualizando ofensas diretas e reflexas sem um padrão definido que assegure às partes a necessária previsibilidade. (DANTAS, 2008, p. 174).

Cunha afirma que “Admitir o recurso extraordinário por ofensa reflexa ao princípio constitucional da legalidade seria transformar em questões constitucionais todas as controvérsias sobre a interpretação da lei ordinária” (2010, p. 27).

Portanto, se para análise da violação a dispositivo constitucional for necessário o exame de dispositivos legais, ou seja, quando para caracterizar a violação a dispositivo constitucional depender-se da análise da norma infraconstitucional, estaremos diante de uma violação reflexa que torna inadmissível o recurso extraordinário.

Sobre este tema, podemos ainda dizer que o novo PL 8.046/2010 abre uma brecha a quem não conseguiu demonstrar em suas razões recursais a ofensa direta aos dispositivos constitucionais. O art. 987 do projeto prevê que se o relator, no STF, entender que o recurso extraordinário verse sobre questão infraconstitucional, deverá remeter os autos ao STJ para julgamento[25]. Assim, o recurso extraordinário não seria mais inadmitido de imediato.

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Sobre a autora
Silvane Boschini Lopes

Advogada em Curitiba (PR). Coordenadora jurídica da Carrilho & Cafareli Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Silvane Boschini. O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3183, 19 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21312. Acesso em: 18 dez. 2024.

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