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A representação da ofendida em face da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha)

02/04/2012 às 17:18
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Não é razoável exigir da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.

Como é cediço, até o ano de 1995 os delitos tipificados nos artigos 129, "caput", e 129, § 6º, ambos do CP, eram de ação pública incondicionada. O artigo 88 da Lei 9099, de 1995, todavia, passou a dispor que dependeria de representação a ação penal relativa aos crimes citados.

De outra banda, a jurisprudência se consolidou no sentido de que somente após o oferecimento da denúncia é que a representação se tornava irretratável, consoante os artigos 25 do CPP e 104 do CP.

A Lei 11.340, publicada no Diário Oficial de 08.08.2006, denominada Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe em seu artigo 12, inciso I, que a autoridade policial deverá, dentre outras providências, ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada.

Contudo, a citada Lei em seu artigo 16 determina que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida (ou seja, somente para as vítimas do sexo feminino, naquelas condições disciplinadas no § 9º do artigo 129 do CP, cuja pena passou a ser de três meses a três anos de detenção) de que trata a citada Lei 11.340/06, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Em outras palavras, após a entrada em vigor daquele diploma legal, passou a ser vedada no âmbito de Polícia Judiciária eventual renúncia à representação da ofendida na hipótese do § 9º do artigo 129, CP.

O artigo 41 dessa Lei, por outro lado, estabelece que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher (ou seja, apenas para as vítimas do sexo feminino, naquelas condições previstas no § 9º do artigo 129, CP), independentemente da pena prevista, NÃO SE APLICA A LEI Nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Em face da discrepância existente entre os artigos 12, I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, ocorreram questionamentos acerca da natureza da ação penal do delito previsto no artigo 129, § 9º, CP (lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica ou familiar), ou seja, se tal infração deveria ser apurada mediante ação pública incondicionada ou condicionada à representação da ofendida.

Acerca da matéria os tribunais ficaram absolutamente divididos, inclusive o Superior Tribunal de Justiça.

No dia 9 de fevereiro de 2012, por maioria de votos, vencido o presidente, Ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

A corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima.

O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.

Ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o Ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.

Com tal decisão o STF validou a Lei 11.340/06, conferindo interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), no sentido de que: 1) a Lei 9.099/95 não se aplica, em nenhuma hipótese, aos crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha; 2) o crime de lesões corporais consideradas de natureza leve, praticadas contra a mulher em ambiente doméstico, processa-se mediante ação penal pública incondicionada; 3) os dispositivos referidos têm aplicação a crimes que se processam mediante representação, por previsão legal distinta da Lei 9.099/95, como, por exemplo, o crime de ameaça (artigo 147, parágrafo único, CP).

Permite-se, com isso, que referida norma legal alcance, agora, a verdadeira eficácia social que dela se esperava ao longo de quase seis anos de vigência.

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Sobre o autor
José Luiz Joveli

delegado de polícia em Americana (SP),Mestre em Direito e também Professor de Direito Penal pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOVELI, José Luiz. A representação da ofendida em face da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3197, 2 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21413. Acesso em: 21 nov. 2024.

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