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Depressão no ambiente laboral.

A possibilidade de caracterização da depressão enquanto acidente de trabalho

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08/04/2012 às 11:35
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3 IMPACTOS DOS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA SAÚDE PSICOLÓGICA DOS TRABALHADORES

Conforme explanado no capítulo antecedente, os modelos de organização do trabalho – taylorista, fordista e toyotista – contribuíram para a intensificação do sofrimento físico e mental dos trabalhadores.

Sabe-se que tanto Taylor quanto Ford, buscavam o aumento da produtividade em detrimento do bem-estar dos operários, que se tornavam cada vez mais robotizados e submissos às ordens proferidas. Em tais modelos, a lentidão era vedada e em seu lugar, prevalecia a polivalência laboral.

Com a eclosão do fenômeno da Globalização, as antigas máquinas passaram a ser substituídas por outras novas: os computadores. Neste contexto, surgiu o modelo Toyotista, que valorizou a microeletrônica, a tecnologia e propôs o dinamismo da produção, baseado no sistema de organização da produção “just in time”, de acordo com o qual, se deve produzir na quantidade e no tempo exatos.

Desta forma,

o próprio trabalho muda, a começar pelo ritmo. Na linha de produção da Toyota, ele é de vinte movimentos em dezoito segundos. Os trabalhadores também se qualificam. Mas, profissionais como os ferramenteiros se desqualificam e profissões como a de inspetor de qualidade somem. [31]

Em conseqüência disto, a saúde física e mental dos trabalhadores tornou-se frágil. Nos dias atuais, é comum se falar em temas que envolvem doenças ocupacionais, saúde mental do trabalhador, psicologia do trabalho. Isto se explica pelo fato de que a tensão diária à qual são expostos os trabalhadores contribui para o desencadeamento da fadiga, do stress, da LER, bem como da depressão.

Nesta esteira, o presente capítulo volta-se para esta última, em virtude de ser – dentre as muitas doenças mentais alarmantes – mais conhecida, bem como por atingir uma parcela significativa da sociedade.

Assim sendo, o tópico a seguir se proporá a tratar da depressão como conseqüência do modelo toyotista de organização do trabalho, atualmente imposto pelas empresas.          

3.1 A depressão enquanto doença psicológica

Hodiernamente, a eclosão do número de pessoas acometidas de depressão na sociedade tornou-se fator alarmante, impulsionando, desta maneira, a busca por informações acerca do seu conceito, surgimento e tratamento. 

Assim sendo, a fim de aperfeiçoar o entendimento acerca da depressão enquanto doença psicológica torna-se necessário compreendê-la sob variadas óticas.

Segundo o juiz de Direito Gustavo Felipe,

A depressão pode ser considerada como um estado de prostração emocional, caracterizando-se por profunda e constante tristeza, acompanhada, habitualmente, de diversos sintomas, como intenso sentimento de culpa, queda da auto-estima, irritação, perda de interesse pelas atividades até então desempenhadas, acentuado pessimismo, insônia, cansaço, mudanças de apetite, diminuição da iniciativa, da concentração e da capacidade de tomar decisões, com possíveis idéias suicidas. [32]

Estabelecendo a diferenciação entre tristeza e depressão, José Alberto Del Porto[33] entende que

[...] A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. [...] As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. [...].

Na mesma linha de pensamento, Pedro Gabriel Delgado[34] vislumbra que

A experiência da depressão é totalmente diferente da experiência da tristeza e da reação triste diante de uma perda concreta. A experiência da depressão é justamente uma reação inexplicável de desânimo e tristeza, de menos valia, de se considerar uma pessoa sem valor.

De acordo com Drauzio Varella, os sintomas da depressão são:

Estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo; Anedônia: interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as atividades de rotina; Sensação de inutilidade ou culpa excessiva; Dificuldade de concentração: habilidade freqüentemente diminuída para pensar e concentrar-se; Fadiga ou perda de energia; Distúrbios do sono: insônia ou hipersônia praticamente diárias; Problemas psicomotores: agitação ou retardo psicomotor; Perda ou ganho significativo de peso, na ausência de regime alimentar; Idéias recorrentes de morte ou suicídio.[35]

Importante mencionar que o suicídio aparece como resposta de tal patologia, haja vista que os indivíduos depressivos tendem a considerar os obstáculos da vida como insuperáveis e na ânsia de aliviar as dores experimentadas pelo frágil estado emocional, surgem as tentativas de pôr fim à própria vida.   

Tais pensamentos suicidas devem ser analisados cautelosamente por especialistas, bem como por pessoas próximas aos depressivos, a fim de evitar possíveis mortes e possibilitar a manifestação destes em relação aos problemas que vivenciam.

 Ainda, de acordo com a European Alliance Against Depression, em estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde, a depressão foi identificada “por encabeçar a lista de doenças responsáveis pela carga global de patologias em países industriais.” [36]

Com base nas informações ora trazidas, faz-se necessário a compreensão acerca da origem da depressão, ou seja, como e quando surgiu. Desta maneira, passa-se aos seguintes parágrafos, os quais se limitarão a tratar disto.

3.2 Breve histórico da depressão        

Ao contrário do que se pode pensar, a depressão não se trata de patologia contemporânea, ocorrendo manifestações depressivas – entendidas, na época, como melancolia – desde a antiguidade. 

Segundo os autores americanos Steven L. Dubovsky e Amelia N. Dubovski,

As tentativas de classificar a depressão datam, pelo menos, desde o quarto século antes de Cristo, quando Hipócrates cunhou os termos melancolia (bile negra) e mania (estar louco). As descrições independentes, em 1854, de dois médicos franceses, Falret e Baillarger, de folie circulaire (loucura circular) e folie à double forme (loucura de forma dupla) foram os primeiros diagnósticos formais de episódios alternantes de mania e depressão como uma doença única.  No início do século XX, Emil Kraepelin diferenciou a esquizofrenia (demência precoce) da “insanidade maníaco-depressiva” (atualmente denominada transtorno bipolar), com base no curso com deterioração da primeira e no curso episódico, da última. Kraepelin (1921) acreditava que a insanidade maníaco-depressiva era uma doença única que incluía “a insanidade periódica e a circular”, a mania e a melancolia, embora também reconhecesse que, em muitos casos, era difícil estabelecer uma diferença entre demência precoce e insanidade maníaco-depressiva.[37]

No entendimento de Alberto Stoppe Júnior e Mário Rodrigues Louzã Neto,

No final do século passado, depressão tornou-se sinônimo de melancolia: “uma condição caracterizada pela diminuição de ânimo, diminuição de coragem ou iniciativa, e uma tendência a pensamentos tristes”. Em geral, o termo depressão referia-se a um sintoma”. [38]

Assim, observa-se que os episódios depressivos eram percebidos e estudados desde os tempos longínquos, o que refuta a idéia da depressão enquanto doença moderna.

Na idade Média,

A depressão, ainda denominada melancolia, era uma doença especialmente nociva, uma vez que o desespero do melancólico sugeria não estar ele embebido de alegria ante o conhecimento certo do amor e da misericórdia divinos. A melancolia era considerada um afastamento de tudo o que era sagrado.[39]

Importante mencionar que, nesta época, o tratamento oferecido a tais indivíduos acometidos de depressão era a realização de atividades manuais, colocando-os, muitas das vezes, à margem da sociedade. 

Por sua vez, na Idade Moderna, Marsilio Ficino, na Itália, foi o filósofo que mais discutiu a depressão, supondo que a melancolia, presente em todos os homens, era a manifestação do anseio humano pelo grande e o eterno. Dizia que todo gênio é um melancólico. [40]

É necessário entender, porém, que nos dias atuais a depressão está inclusa dentre os transtornos específicos do humor e nem sempre é exteriorizada através de manifestações melancólicas e atípicas.

Desta maneira, com o fito de aperfeiçoar a compreensão acerca de tal patologia, passa-se ao sucinto estudo dos subtipos depressivos.

3.3 Subtipos depressivos

Sabe-se que a depressão está inserida no rol dos transtornos específicos do humor, apresentando como subtipos: transtorno depressivo maior, depressão mascarada, transtorno distímico e depressão psicótica.

3.3.1 Transtorno depressivo maior (TDM)

Caracteriza-se por episódios depressivos, havendo a manifestação ou não de mania (euforia). O indivíduo com tal transtorno perde o prazer por atividades que antes lhe eram prazerosas, o que impede a vivência normal.

Para qualificar o diagnóstico, serão levadas em consideração as síndromes depressivas causadas por doenças psiquiátricas, ignorando-se as substâncias psicoativas causadoras de transtornos do humor.

Ademais, ainda que um episódio depressivo maior se dê pelo menos uma vez na vida de um indivíduo, a regra é a recorrência. Neste sentido, os autores americanos Steven Dubovsky e Amelia Dubovsky afirmam que

Embora o TDM possa se constituir de um episódio isolado, a recorrência é a regra, ao invés da exceção. Após um episódio depressivo maior isolado, o risco de um segundo episódio é de cerca de 50%; após um terceiro episódio, o risco de um quarto é de cerca de 90%. [41]

Porém, tendo em vista a dificuldade de determinar precisamente os sintomas depressivos, muitas das vezes pensamentos negativos e depreciativos confundem-se com um quadro depressivo.

Faz-se necessário, desta maneira, averiguar se eventuais episódios de tristeza, impaciência, hipersensibilidade configuram sintomas de uma depressão, a fim de que seja possível buscar-se o tratamento adequado.

3.3.2 Depressão mascarada

Sabe-se que metade dos episódios depressivos não são reconhecidos, em virtude dos sintomas do distúrbio serem óbvios de difícil constatação, podendo haver a oscilação de humor.

A alexitimia, ou a incapacidade de expressar emoções em palavras, pode levar à manifestação de humor depressivo como sintoma físico de depressão – com insônia, falta de energia e dificuldade de concentração –, sem nenhuma consciência de se sentir deprimido. [...]Outra forma de depressão mascarada encontrada em ambientes neurológicos ocorre em pacientes com aprosódia. A aprosódia, ou falta de capacidade de transmitir ou compreender emoções e outras nuances da fala e do comportamento é uma manifestação de doença do hemisfério não-dominante.[42]

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Assim, se os indivíduos que possuem aprosódia desenvolverem a depressão mascarada, podem se sentir desmotivados, tristes, sem – todavia – demonstrarem isto.  

Conforme entendimento de Simone Mello Suruagy e Ana S. Botto, a depressão mascarada

Seria uma forma de somatização depressiva onde, apesar de se tratar de uma depressão, os sintomas vêm mascarados sob forma de queixas orgânicas. A forma (a máscara) é orgânica, mas o conteúdo (a causa) é depressão. Nossa sociedade aceita mais uma patologia orgânica do que uma psíquica, talvez sendo então este o motivo de a depressão apelar para estas máscaras.[43]

Em suma, a depressão mascarada reflete a presença de determinado(s) sintoma(s) físicos, sendo que muitas vezes, podem ser confundidos com fadiga, insônia, apatia, hipersensibilidade, medo. Nestes casos, está-se diante de uma depressão menos crônica: a distimia.

3.3.3 Transtorno distímico

O termo “distimia” representa “mal-humorado”. O indivíduo acometido deste transtorno apresenta personalidade depressiva na maior parte do dia, o que perdura ao longo dos dias, por no mínimo, dois anos. 

Diferentemente da depressão, a distimia pode deixar o indivíduo com a sensação de que este é o seu jeito normal de ser, com dizeres como “sempre fui desse jeito”. Há, portanto, uma perda de autocrítica quanto à doença, o que, somado ao baixo interesse em várias áreas da vida, pode levar ao isolamento ou a uma vida limitada, com poucos relacionamentos sociais, inclusive dificuldades profissionais e familiares. [44]

Em virtude dos sintomas serem atenuados em relação ao transtorno depressivo maior, dificilmente os indivíduos com distimia buscam tratamento. Entretanto, é necessário saber que o transtorno distímico está associado a outros problemas, tais como abuso de álcool, uso de drogas, síndrome do pânico.

Conseqüentemente, torna-se improvável a rápida constatação da distimia, sendo que um indivíduo que apresenta episódios distímicos, primeiramente realizará uma série de outros tratamentos médicos, sem, contudo, tratar especificamente do real problema.

Caso seja comparada com o Transtorno Depressivo Maior, a distimia se apresenta com menos oscilações de humor, menos sentimentos de auto-piedade, menor perda de interesse pela vida.  Porém, em termos de desempenho, a distimia afeta a vida social do indivíduo tanto quanto o Transtorno Depressivo Maior, comprometendo suas relações interpessoais, afetando sua saúde, bem como reduzindo sua capacidade de executar tarefas no ambiente de trabalho.

3.3.4 Depressão psicótica

Este tipo de depressão, conhecido também como depressão delirante, apresenta episódios depressivos acompanhados de alucinações. Para alguns especialistas, não é comum a ocorrência da supracitada depressão.

Segundo Steven e Amelia Dubovsky,

O reconhecimento de sintomas psicóticos em pacientes deprimidos nem sempre é direto. Se o paciente não parece gravemente deprimido, o médico não pode perguntar sobre sintomas psicóticos. Alguns pacientes não consideram ouvir vozes, ver coisas, paranóia ou idéias de referência como anormais, não relatando esses sintomas. Outros pacientes ocultam sintomas psicóticos porque não querem ser considerados “malucos”. [...] Sintomas psicóticos, por vezes, emergem após vários episódios de depressão não-psicótica. [45]

Partindo disto, é possível associar a depressão psicótica com esquizofrenia, estando intrínseca a esta, bem como presente nos pacientes esquizofrênicos.  No estado de delírio, as idéias de perseguição e constantes paranóias fazem o indivíduo imaginar que é vítima de conspirações ou de organizações secretas.

O tratamento dos episódios psicóticos dá-se através de uma equipe multidisciplinar, a qual deve atuar conjuntamente com os familiares do depressivo, buscando melhorias no estado de saúde do mesmo.

3.4 A depressão como conseqüência do modelo toyotista de organização laboral

Sabe-se que a polivalência funcional, em conjunto com a constante vigilância e tensão nervosa às quais o empregado ficava exposto diariamente ao desempenhar suas atividades, bem como a ausência de reconhecimento do bom serviço realizado, incutiram na mente do profissional o pensamento de frustração por alienar sua mão-de-obra ao empregador, que acabava enxergando aquele como ferramenta barata e útil ao aumento da produtividade.

Sabe-se que o just in time, gerado pelo toyotismo e implementado nas empresas,

criou uma série de pressões aos trabalhadores à medida que incluiu um envolvimento intensificado, elevou a responsabilidade e a constante vigilância para garantir a qualidade dos produtos. A velocidade deste processo de produção diminuiu o tempo de espera, tornando a coordenação da produção bem mais frágil de modo que as peças enviadas para frente não apresentassem defeitos, pois seu fluxo deveria ser constante, o que aumentou consideravelmente o nível de stress dos trabalhadores. [46]

Com isto, apreende-se que o modelo toyotista incutiu na mente do trabalhador a idéia de ser este parte fundamental e única para o funcionamento da empresa, o fazendo acreditar que, quanto mais determinado fosse, melhor seria sua qualidade de vida, o que incentivou o aumento da produtividade.     

Juntamente com a polivalência funcional e o ritmo desenfreado de trabalho, frutos da tecnologia e do toyotismo, cresceu também o nível de responsabilidades assumidas pelos trabalhadores em relação às tarefas assumidas, e que, muitas das vezes, eram desconhecidas pelos mesmos. Ou seja, a ausência do know-how tornou-se ponte entre o bem-estar e os transtornos mentais.

Sob o entendimento de Dejours,

O polivalente conhecia um grande número de macetes, mas acumulou também zonas de ignorância, e assim estava confrontando a uma extensão de risco. Cresceu seu medo, e era freqüente, então, que assistíssemos a uma descompensacão, conduzindo à licença médica, ao repouso forçado e a um tratamento medicamentoso ‘por depressão’. [47]

Ademais, outro aspecto acerca da polivalência trata-se do grande número de profissionais com alto grau de formação, que desempenhavam atividades aquém de sua qualificação, sendo que tal fator também concorreu para a sensação de desânimo e auto-desvalorização funcional.

Em contrapartida, nos casos em que existiam profissionais especializados na tarefa a ser executada, freqüentemente o número era baixo, o que propiciou o aumento da sobrecarga de trabalho. Em virtude da insatisfação, o trabalhador, nestas condições, não possuía metas.

A intensificação do trabalho dentro das empresas exigia dos empregados o aumento dos esforços, mas, por outro lado, não lhes oferecia a certeza de carreira na empresa.

De acordo com KÖLER, citado por Sabrina Kelly Pontes,

a flexibilidade e a polivalência fizeram desaparecer os empregos considerados indefinidos (supervisores, vigias, etc) e as carreiras ocupacionais, baseadas na aprendizagem de uma profissão com determinadas qualificações. Segundo o autor, as qualificações se converteram em propriedade da organização e as hierarquias planas dificultam a possibilidade de fazer carreira dentro da empresa. [48]

Com base no relatório abaixo desenvolvido por Dejours[49], tendo como análise o trabalho no ramo da indústria eletrônica, foi constatado que esse acúmulo de tarefas, em conjunto com a cronometragem dos tempos e a exigência de elevado desempenho de rendimento, ocasionavam súbitas descompensações, citando como exemplo o caso de mulheres que apresentaram crises de choro, nervosas e até mesmo desmaios, em resposta às pressões sofridas no ambiente laboral.

Agitada, uma operária começa, de repente, a tremer e a gritar. Alguns momentos depois, uma outra tem uma crise de choro e abandona sua função. Segue-se, em cadeia então, “uma série de descompensações”. Enquanto este incidente é isolado, a contraventora é conduzida à enfermaria. Mas se diversas operárias descompensam, a chefia direta intervém, geralmente com uma diminuição dos ritmos de trabalho. Basta diminuir a pressão organizacional para fazer desaparecer toda manifestação do sofrimento. [50]

Nota-se, portanto, que a presença de transtornos mentais e comportamentos neuróticos reside em atividades que exigem do trabalhador maiores responsabilidades, ausência de erros, antipatias no local de trabalho, bem como a dificuldade em acompanhar o dinamismo tecnológico.

O resultado prático disto, na vida social do indivíduo também se exterioriza em forma de agressividade. Nesta esteira, para PONTES e ZANAROTTI,

o indivíduo descarrega nas relações familiares a agressividade advinda de um trabalho estressante, constituindo uma fonte suplementar de sofrimento. Estas práticas de trabalho psicologicamente nocivas levam o trabalhador a um acúmulo de fadiga do corpo e a uma condição crônica de excesso de trabalho, resultando em um esgotamento fatal, o chamado karoshi. [51]

Em relação à saúde mental do trabalhador e à exploração do trabalho, o modelo toyotista superou a expropriação da força de trabalho, a qual os modelos anteriores cultuavam.

Desta forma, o objetivo do toyotismo se concentrava na união dos empregados em busca do êxito coletivo da empresa, ou seja, o toyotismo camuflou a intenção de explorar mental e fisicamente os empregados, com o discurso da colaboração geradora do orgulho profissional.

Segundo Eder Dion de Paula Costa,

A transição do trabalho de modelo fordista/taylorista para o toyotista não garante uma maior autonomia ou liberdade do trabalhador, como muitas vezes foi preconizado, mesmo que tendo uma maior participação no processo de produção, uma vez que, permanece circunscrito à condição de trabalho alienado, ocorrendo, no entanto, a intensificação do trabalho produtivo, o qual contribui para a formação e realização do capital, sendo fonte de mais-valia. [52]

O toyotismo surgiu como uma proposta de reestruturação produtiva baseada na superação das deficiências encontradas no fordismo, com vistas à atualização do acúmulo de capital.

Assim, o supracitado modelo de organização do trabalho propiciou a exclusão de muitos e a detenção de capital nas mãos de poucos. Ademais, voltou-se para a flexibilidade produtiva, uma vez que visava atender às demandas do consumidor de forma individualizada.

De igual modo, pregava a flexibilidade dos trabalhadores, que passaram a ser polivalentes e desempenharem diversas funções de maneira intensiva, ocasionando, com isso, o esgotamento físico e mental dos mesmos.

Há quem entenda, como o autor WOMACK, citado por Sabrina K. Pontes, que:

a maior diferença entre a produção em massa e a enxuta se estabelece nos objetivos finais. Enquanto a produção em massa tolera um grande número de defeitos entre os produtos, um estoque alto e uma pequena variedade na produção, os produtores enxutos buscam a perfeição através de custos sempre declinantes, ausência de estoques e de itens defeituosos e com uma alta variedade de produtos. A fábrica enxuta tem como objetivo identificar e eliminar os desperdícios. [53]

 A intensidade do ritmo do trabalho associada aos estímulos oferecidos pelas empresas aos trabalhadores, na busca de melhores resultados e aumento no acúmulo de capital, inevitavelmente comprometeu a saúde dos mesmos, que se sentiam na obrigação de retribuir as benfeitorias recebidas no âmbito laboral em forma de trabalho alienado e polivalência funcional. 

Na concepção de MELO e LAPIS,

Pelas novas tendências de organização do trabalho difundidas nas empresas, quem não quer ver seu nome na lista de demissões deve estar sempre pronto a colaborar. A falência ou os avanços da concorrência são referências obrigatórias nas reuniões de equipe, como maneira de conquistar uma dedicação extra, tanto individual quanto coletiva, um esforço maior do trabalhador, intensificando o trabalho para melhorar o desempenho e a qualidade. Nesse contexto de tendência à precarização das relações de trabalho e de risco constante de ingressar nas estatísticas alarmantes do desemprego, aumentam a ansiedade e o medo do trabalhador, a tal ponto que os desgastes físico e psicológico passam, muitas vezes, a ser banalizados e encarados como se fossem parte da forma normal de trabalhar e viver. [54]

Neste contexto, urge ressaltar que a depressão emerge como doença originada tanto por fatores biológicos quanto genéticos. Todavia, os fatores supracitados aosquais o indivíduo está vulnerável no ambiente onde desenvolve suas atividades, indubitavelmente contribuem no agravamento daquela.

Assim sendo, passaremos aos parágrafos subseqüentes, que tratarão das normas de proteção legal à saúde do trabalhador.

3.5 Normas de proteção legal à saúde do trabalhador

Conforme o disposto pelo Ministério da Saúde,

No Brasil, até 1988, a Saúde era um benefício previdenciário, um serviço comprado na forma de assistência médica ou uma ação de misericórdia oferecida à parcela da população que não tinha acesso à previdência ou recursos para pagar assistência privada. Em meados de 1970, surge o Movimento de Reforma Sanitária, propondo uma nova concepção de Saúde Pública para o conjunto da sociedade brasileira, incluindo a Saúde do Trabalhador. [55]

Sabe-se que, no Brasil, a primeira lei versando sobre acidentes do trabalho foi o Decreto n. 3.724 do ano de 1919. Neste contexto, as doenças originadas pelo ambiente laboral eram equiparadas aos acidentes do trabalho.

Já em 1966, por meio da Lei n. 5.161, foi criado o FUNDACENTRO, que se trata de instituição governamental voltada para pesquisas científicas em relação à saúde dos trabalhadores.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988,

a saúde tornou-se um direito de todos e um dever do Estado, garantido  mediante políticas sociais e econômicas. O texto da Carta Magna afirma que as ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada ehierarquizada e constituem um sistema único e que ao Sistema Único de Saúde compete executar as ações de saúde do trabalhador. [56]

Ademais, a Lei Federal n. 8.080/90, qual seja a Lei Orgânica da Saúde, em seu art. 6, §3º, I, estipula que:

Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; [57]

Conforme entendimento do Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, citado em artigo pela Juíza do Trabalho, Sueli Teixeira,

As doenças profissionais são aquelas peculiares a determinada atividade ou profissão, também chamadas de doenças profissionais típicas, tecnopatias ou ergopatias. O exercício de determinada profissão pode produzir ou desencadear certas patologias, sendo que, nessa hipótese, o nexo causal da doença com a atividade é presumido. É o caso, por exemplo, do empregado de uma mineradora que trabalha exposto ao pó de sílica e contrai a silicose.

Doença profissional é aquela típica de determinada profissão. Já a doença do trabalho, também chamada de mesopatia ou doença profissional atípica, apesar de igualmente ter origem na atividade do trabalhador, não está vinculada necessariamente a esta ou aquela profissão. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente de trabalho. O grupo atual das LER/DORT é um exemplo oportuno das doenças do trabalho, já que podem ser adquiridas ou desencadeadas em qualquer atividade, sem vinculação direta a determinada profissão. Diferentemente das doenças profissionais, as mesopatias não têm nexo causal presumido, exigindo comprovação de que a patologia desenvolveu-se em razão das condições especiais em que o trabalho foi realizado.  Nas doenças do trabalho, as condições excepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica com a conseqüente eclosão ou a exacerbação do quadro mórbido, e até mesmo o seu agravamento. [58]

Em face do tema ora exposto, torna-se necessário observar se o Estado age em sentido favorável ao cumprimento de tais normas protetivas à saúde do trabalhador.

Citando Wagner Balera, Celso Fernandes Campilongo preleciona que:

O bem-estar da população depende de medidas concernentes à promoção, à proteção e recuperação da saúde. Daí que todos, sem exclusão, deverão ter igual acesso aos serviços de saúde. Aliás o que importa, é o direito que todos possuem, de não ficarem doentes. É preciso que o Estado crie condições – alimentares, ambientais e econômicas – para que as pessoas sejam saudáveis(...) Os direitos sociais exigem uma ação do Estado. No exame da eficácia das normas de direito sanitário, não basta saber se a norma é válida e usualmente aplicada pelos tribunais. É necessário saber mais: se o Estado toma as medidas concernentes à promoção da saúde. [59]

Urge salientar que a Constituição Federal de 1988 insere a saúde no rol dos direitos sociais, bem como assegura, em seu art. 7º, XXII, que são direitos dos trabalhadores a “redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.”

Compete ao Estado retirar tais disposições constitucionais do plano abstrato e, mediante políticas públicas voltadas para a promoção da saúde dos trabalhadores, concretizá-las.

De acordo com as resoluções da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, ficou estipulado que cabe ao Estado promover ações que visem, dentre outras coisas:

Garantir que os empregadores sejam obrigados a prover condições salubres de trabalho, alcançando a eliminação da monetarização dos riscos, garantindo aos trabalhadores o direito à recusa de submeter-se a ambientes insalubres. [...] Fazer cumprir, por meio de instrumentos legais, a obrigatoriedade de notificação de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, nas empresas privadas e instituições públicas das três instâncias, sob pena de sanções. [...]  [60]

Os demais direitos sociais expostos na Carta Magna atuam em conjunto com a saúde, incumbindo ao poder público criar condições suficientes para que sejam garantidos de fato, tendo em vista o trabalho simboliza a inclusão social e que o trabalhador encontra na atividade exercida a sua própria identidade enquanto pessoa.

Assim sendo, o capítulo final se proporá a abordar a possibilidade de entender a depressão como acidente de trabalho e as implicações provenientes disto.

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Sobre a autora
Izabela Curvina

Graduada em direito pela Unidade De Ensino Superior Dom Bosco – São Luís,MA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CURVINA, Izabela. Depressão no ambiente laboral.: A possibilidade de caracterização da depressão enquanto acidente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3203, 8 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21438. Acesso em: 19 nov. 2024.

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