A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) publicou no dia 14 de dezembro de 2011 a sua Súmula nº 44, com a seguinte redação:
“Para efeito de aposentadoria urbana por idade, a tabela progressiva de carência prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91 deve ser aplicada em função do ano em que o segurado completa a idade mínima para concessão do benefício, ainda que o período de carência só seja preenchido posteriormente”.
Esse enunciado padronizou a controvérsia existente nas Turmas Recursais, contrariou a norma legal (como será visto) e a orientação administrativa do INSS (de exigir a carência no ano de cumprimento de todos os requisitos), além de ter alterado o modo de verificação de um dos requisitos da aposentadoria por idade dos segurados do RGPS que desenvolvem atividade de natureza urbana.
Recorda-se que o benefício de aposentadoria por idade do Regime Geral de Previdência Social é devido para todos os segurados e tem dois requisitos, previstos no art. 48 da Lei nº 8.213/91: (a) o período de carência; (b) e a idade mínima de 65 anos para o homem, ou de 60 anos para a mulher (com exceção do trabalhador rural, o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, beneficiados pela redução em 5 anos na idade pelo art. 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91, e pelo art. 201, § 7º, II, da Constituição).
A qualidade de segurado na data do pedido ou da concessão da aposentadoria não é mais exigida, diante do art. 102, § 1º, da Lei nº 8.213/91 (acrescentado pela Lei nº 9.528/97): “A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos”.
Tendo em vista que a Súmula nº 44 se refere ao ano de preenchimento da carência da aposentadoria por idade, também é importante recordar o conceito de carência, previsto no art. 24 da Lei nº 8.213/91: “Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”. Trata-se do recolhimento de um número mínimo de contribuições durante um determinado período, necessário para a obtenção do benefício.
A carência para a concessão da aposentadoria por idade, em regra, é de 180 meses (art. 25, II, da Lei nº 8.213/91). Para os segurados que já eram inscritos no RGPS antes de 24 de julho de 1991, aplica-se a tabela progressiva do art. 142 da Lei nº 8.213/91, variável de 60 (em 1991) até 180 meses (em 2011), de acordo com o ano que o segurado cumprir os requisitos idade e carência.
Não há necessidade de satisfação simultânea da carência e da idade mínima; observados os dois, ainda que em datas diferentes, o segurado tem direito à aposentadoria por idade. A 3ª Seção do STJ já pacificou a questão:
“(...) 2. Esta Corte Superior de Justiça, por meio desta Terceira Seção, asseverou, também, ser desnecessário o implemento simultâneo das condições para a aposentadoria por idade, na medida em que tal pressuposto não se encontra estabelecido pelo art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91.
3. Desse modo, não há óbice à concessão do benefício previdenciário, ainda que, quando do implemento da idade, já se tenha perdido a qualidade de segurado. Precedentes.
4. No caso específico dos autos, é de se ver que o obreiro, além de contar com a idade mínima para a obtenção do benefício em tela, cumpriu o período de carência previsto pela legislação previdenciária, não importando, para o deferimento do pedido, que tais requisitos não tenham ocorrido simultaneamente.
5. Embargos de divergência acolhidos, para, reformando o acórdão embargado, restabelecer a sentença de primeiro grau” (EREsp 776110/SP, 3ª Seção, rel. Min. Og Fernandes, j. 10/03/2010, DJe 22/03/2010).
Especificamente na aposentadoria, o art. 142 da Lei nº 8.213/91 prevê que a carência para a concessão do benefício deve observar o ano de preenchimento de todos os requisitos:
“Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício: (...)”.
Portanto, existe regra específica sobre o assunto, que impõe o cumprimento da carência de acordo com a observância de todos os requisitos, e não apenas com fundamento em um deles (como, por exemplo, a idade).
A interpretação literal do dispositivo não deixa dúvidas sobre o cômputo da carência de acordo com as contribuições exigidas no ano de preenchimento dos dois requisitos, e não em outro momento. Entretanto, a questão sempre gerou polêmica.
De um lado, computando a carência tendo como data-base o ano da DER, havia acórdãos, por exemplo, da 1ª Turma Recursal do Mato Grosso (Processo nº 197268320054013, rel. Juiz Federal Julier Sebastião da Silva, j. 17/08/2005, DJ 30/08/2005) e da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina (Processo nº 200872520021465, rel. Juíza Federal Luísa Hickel Gamba, j. 24/09/2008). Na doutrina, defendendo expressamente o cumprimento da carência na DER estão Ítalo Romano Eduardo, Jeane Tavares Aragão Eduardo e Amauri Santos Teixeira[1], e Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro[2].
Em sentido contrário, e admitindo o cômputo da carência no ano em que o segurado completar a idade mínima (mesmo que preencha posteriormente a carência), existem precedentes da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina (Processo nº 200972590016487, rel. Juiz Federal Ivori Luís da Silva Scheffer, j. 17/09/2009) e do TRF da 4ª Região (AC 200871000166549, Turma Suplementar, rel. Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli, j. 24/06/2009, D.E. 06/07/2009).
Ao padronizar a questão nos Juizados Especiais Federais, a TNU concluiu que a carência da aposentadoria por idade pode ser aquela referente ao ano em que o segurado completou a idade mínima, mesmo que não tenha preenchido os dois requisitos nesse ano:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR URBANO. DESNECESSIDADE DE CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO DOS REQUISITOS EXIGIDOS EM LEI. CONGELAMENTO DO PRAZO PREVISTO PARA O IMPLEMENTO DA IDADE PARA FINS DE OBSERVÂNCIA QUANDO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INCIDENTE PROVIDO.
1. O prazo de carência a ser observado para fins de concessão de aposentadoria por idade de trabalhador urbano deve ser aferido em função do ano em que o segurado completa a idade mínima exigível, sendo que na hipótese de entrar com o requerimento administrativo em anos posteriores, aquele prazo continua a ser observado.
2. Pedido de Uniformização a que se dá provimento, com anulação do acórdão recorrido e restauração da sentença de procedência do pedido. Condenação em honorários advocatícios (Questão de Ordem nº 2/TNU)” (Pedido de Uniformização 200872590019514, rel. Juíza Federal Simone Lemos Fernandes, j. 05/05/2011, DJ 17/06/2011).
O entendimento foi mantido em julgamento posterior: “(...) 5. Uniformização do tema referente à possibilidade de concessão de benefício de aposentadoria por idade no momento em que o segurado completar o requisito etário” (Pedido de Uniformização 200872640020464, rel. Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello, j. 02/08/2011, DJ 30/08/2011). Na sequência, também se decidiu que “(...) a tabela progressiva de carência prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91 deve ser aplicada em função do ano em que o segurado completa a idade mínima para se aposentar, ainda que o período de carência só seja preenchido posteriormente” (Pedido de Uniformização 00225519220084013600, rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, j. 24 /11/201, DJ 09/12/2011).
Os três precedentes citados deram origem à Súmula nº 44, segundo a qual é possível o “congelamento” da carência no ano em que o segurado completar o requisito etário, caso não tenha ainda preenchido aquela.
Por exemplo, se o segurado que já era filiado ao RGPS antes da Lei nº 8.213/91 completou 65 anos de idade em 2005, mas naquele ano tinha apenas 100 contribuições para fins de carência, terá direito à aposentadoria por idade quando atingir 144 contribuições (exigidas em 2005 de acordo com a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91), independentemente do ano em que isso ocorrer. Caso se observe o critério de que a carência deverá ser aquela existente no ano em que o segurado completar os dois requisitos (idade e carência), no exemplo citado o segurado poderia atingir 144 contribuições em 2009, mas ainda não faria jus à aposentadoria por idade porque nesse ano a carência (conforme a regra de transição) é de 168 contribuições.
A despeito do raciocínio consolidado pela TNU na Súmula nº 44, viu-se que a aposentadoria tem regra específica prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91, que demanda o cumprimento da carência de acordo conforme as regras vigentes na data do cumprimento de todos os requisitos. Na aposentadoria por idade, deveria ser observado o ano de cumprimento da idade e da carência, e não apenas da primeira. De acordo com o texto legal citado, “(...) a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício (...)”.
Entretanto, a TNU uniformizou a questão de forma “contra legem”, ao aceitar que a carência seja verificada com fundamento somente no ano em que o segurado atingiu a idade mínima.
Notas
[1] EDUARDO, Ítalo Romano; EDUARDO, Jeane Tavares Aragão; TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 317.
[2] RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito previdenciário esquematizado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 120.