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LER/DORT como acidente de trabalho

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18/05/2012 às 14:03
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Havendo diagnóstico de DORT, fará jus o trabalhador a todos os benefícios próprios do acidente do trabalho. Também lhe será assegurada garantia de emprego, nos termos da lei. Tendo havido culpa ou dolo do empregador, terá direito a indenização.

1. Considerações iniciais

Os acidentes do trabalho, a exemplo do que ocorre com os acidentes de trânsito, em razão de seu grande número e de seu custo para os indivíduos e para o Estado, vêm determinando redobrada atenção de parte das autoridades públicas, da comunidade jurídica, das empresas e da sociedade em geral. Busca-se identificar as causas, medir suas consequências e, especialmente, encontrar medidas para a adequada e necessária prevenção.

As transformações exigidas nos processos produtivos pela competitividade do mercado, com estabelecimentos de metas, intensificação do trabalho e padronização dos procedimentos,  ensejaram, especificamente no âmbito laboral, o desenvolvimento de patologias osteomusculares, que atingem parcela significativa de trabalhadores. Estas doenças, atualmente conhecidas como LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), foram inicialmente descritas como tenossinovite ocupacional.

Por ocasião do XII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, realizado em 1973, foram apresentados casos de tenossinovite ocupacional que haviam atingido, dentre outros trabalhadores, lavadeiras e engomadeiras. Na mesma oportunidade, houve recomendação para que fossem observadas pausas durante o trabalho daqueles que utilizavam intensamente as mãos na execução das atividades laborais.

As entidades sindicais empreenderam  renhida  luta para que houvesse o reconhecimento das LER/DORT, destacando-se o esforço dos sindicatos dos trabalhadores em processamento de dados, em especial na década de 80, para que a tenossinovite fosse enquadrada como doença do trabalho.

O embate produziu resultados. Em novembro de 1986, por meio da Circular de Origem nº 501.00155, o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) passou a recomendar às Superintendências que reconhecessem a tenossinovite como doença do trabalho nas hipóteses em que fossem resultado de “movimentos articulares intensos e reiterados, equiparando-as nos termos do §3º do art. 2º da Lei 6.367, de 19.10.1976, a um acidente do trabalho”.

A primeira referência oficial às afecções músculo-esqueléticas relacionadadas ao trabalho,  conhecidas inicialmente como Lesões por Esforços Repetitivos (LER), foi feita pela Previdência Social por meio da Portaria nº 4.062, de 06 de agosto de 1987, que utilizou a terminologia tenossinovite do digitador. No ano de 1992, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, através da Resolução SS 197/92, introduziu oficialmente a terminologia Lesões por Esforços Repetitivos (LER), no que foi seguida pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais, que publicou a Resolução 245/92, baseada no  documento paulista. Em 1993, o INSS editou, com apoio nas resoluções mencionadas, Norma Técnica para Avaliação de Incapacidade para LER. Em 1998, ao efetuar revisão da Norma Técnica em questão, a Previdência Social substituiu a sigla LER por DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), que representa tradução da terminologia Work Related Musculoskeletal Disorders (WMSD), amplamente utilizada no mundo. A Instrução Normativa DC/INSS nº 98, de 05 de dezembro de 2003, que determinou revisão da Norma Técnica sobre DORT de 1998, utilizou as duas expressões (LER/DORT). Consta no anexo I da referida instrução normativa que “A terminologia DORT tem sido preferida por alguns autores em relação a outros tais como: Lesões por Traumas Cumulativos (LTC), Lesões por Esforços Repetitivos (LER), doença Cervicobraquial Ocupacional (DCO), e Síndrome de Sobrecarga Ocupacional (SSO), por evitar que na própria denominação já se apontem causas definidas (como por exemplo: “cumulativo” nas LTC e “repetitivo” nas LER) e os efeitos (como por exemplo: “lesões” nas LTC e LER). Informa, ainda, que “Para fins de atualização desta norma, serão utilizados os termos Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT).

A Instrução Normativa DC/INSS nº 98/2003 estabeleceu critérios para simplificar, uniformizar e adequar a atividade médico-pericial frente aos casos de LER/DORT, considerados, atualmente,  como acidentes de trabalho, quando preenchidos os requisitos legais à sua caracterização.


2.Conceito de acidente do trabalho

2.1.Acidente típico

Nos termos do disposto no art. 19 da Lei 8.213/91, acidente do trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico, é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais referidos no inciso VII do artigo 11 da lei que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Com base no conceito legal de acidente do trabalho, Sebastião Geraldo de Oliveira identifica as seguintes características: a) evento danoso: b) decorrente do exercício do trabalho a serviço da empresa; c) que determina lesão corporal ou perturbação funcional; e d) causa a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.[1]  Cláudio Brandão, após analisar os diversos conceitos existentes na doutrina sobre acidente de trabalho, apresenta sua própria definição, afirmando que se trata de “um evento, em regra, súbito, ocorrido durante a realização do trabalho por conta alheia, que acarreta danos físicos ou psíquicos à pessoa do empregado, capazes de gerar a morte ou a perda temporária ou permanente, de sua capacidade laboral.”[2]

O fato que determina o acidente típico, como regra geral, é súbito, inesperado, gerado por agente externo e também é fortuito, ou seja, não provocado pela vítima.

Há necessidade, ainda, para a caracterização do acidente laboral que exista nexo causal com o trabalho a serviço da empresa. Sérgio Pinto Martins[3] explica a respeito:

O acidente do trabalho, em princípio, é aquele que decorre do exercício do trabalho. Não se pode considerar, portanto, acidente do trabalho o proveniente de acidente de trânsito que nada tenha a ver com o trabalho.

É preciso que, para existência do acidente do trabalho, exista um nexo entre o trabalho e o efeito do acidente. Esse nexo de causa-efeito é tríplice, pois compreende o trabalho, o acidente, com a consequente lesão, e a incapacidade, resultante da lesão. Deve haver um nexo causal entre o acidente e o trabalho exercido.

Do evento, há de resultar necessariamente lesão ou perturbação física ou mental do trabalhador. “É da essência do conceito de acidente do trabalho que haja lesão corporal ou perturbação funcional. Quando ocorre um evento sem que haja lesão ou perturbação física ou mental do trabalhador, não haverá, tecnicamente, acidente do trabalho. Tanto que há expressa menção legal que não será considerada doença do trabalho a que não produza incapacidade laborativa”.[4]

Por último, é indispensável que o evento determine a morte, ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. “A incapacidade temporária não significa necessariamente afastamento do trabalho, pode ser mesmo apenas o tempo para realizar um pequeno curativo ou da visita a um hospital, tanto que o INSS determina que “a CAT deverá ser emitida para todo acidente ou doença relacionados ao trabalho, ainda que não haja afastamento ou incapacidade”. [5] Caracteriza-se o acidente também nas hipóteses em que, em razão do evento danoso, seja necessário maior esforço para o exercício da profissão habitualmente exercida ou outra profissão.

2.2. Acidentes do trabalho por equiparação

O legislador elencou, no art. 21, da Lei 8.213/91, situações em que o evento danoso guarda relação indireta com o trabalho executado pela vítima, equiparando-as ao acidente do trabalho. Trata-se da chamada causalidade indireta.

Dentre as hipóteses listadas no dispositivo em questão, merece destaque o inciso I, que equipara ao acidente de trabalho “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;”. Albergou este dispositivo a teoria das concausas. Acerca do tema, ensinam Carlos Alberto Meneses Direito e Sérgio Cavalieri Filho[6]:

Concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal.

Em outras palavras, concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós, produzirem o dano.

O agente suporta esses riscos porque, não fosse a sua conduta, a vítima não se encontraria na situação em que o evento danoso a colocou.

Doutrina e jurisprudência entendem, coerentes com a teoria da causalidade adequada, que as concausas preexistentes não eliminam a relação causal, considerando-se como tais aquelas que já existiam, quando da conduta do agente, que são antecedentes ao próprio desencadear do nexo causal. Assim, por exemplo, as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente. Será irrelevante, para tal fim, que de uma lesão leve resulte a morte, por ser a vítima hemofílica; de um atropelamento ocorram complicações, por ser a vítima diabética; da agressão física ou moral, a morte, por ser a vítima cardíaca; de pequeno golpe, uma fratura de crânio, em razão da fragilidade congênita do osso frontal etc. Em todos esses casos, o agente responde pelo resultado mais grave, independente de ter ou não conhecimento da concausa antecedente que agravou o dano.

Para a inserção do infortúnio na hipótese prevista no inciso transcrito é absolutamente indispensável que o trabalho tenha atuado como fator contributivo, como fator desencadeante ou agravante de doenças preexistentes.

Cita-se, a título de exemplo, a situação de empregado que venha a desenvolver hérnica de disco da coluna lombo-sacra. Ainda que se apure que a patologia não tenha sido desencadeada pelo trabalho, pode ser agravada devido às condições desfavoráveis, tais como posição sentada durante toda a jornada de trabalho, em cadeira ergonomicamente inadequada e com exigência de flexão de tronco.

O art. 21, da Lei 8.213/91, arrola ainda as seguintes situações, equiparáveis ao acidente do trabalho:

II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§ 1º. Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

2.3.Doenças ocupacionais

A par do acidente típico, previsto no art. 19, a Lei 8.213/91 também considera como acidente de trabalho as doenças ocupacionais, subdividas em doenças profissionais e doenças do trabalho. Dispõe o art. 20 da lei mencionada:

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Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

2.3.1.Doença profissional

Por doença profissional deve ser entendida, segundo a lei, aquela produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação do Anexo II do Decreto 3.048. São doenças próprias de determinadas profissões e apresentam o trabalho como sua causa única e eficiente. Afirma, a respeito, Sérgio Pinto Martins[7]:

[...]São doenças inerentes exclusivamente à profissão e não ao trabalho, embora possam ser desenvolvidas no trabalho. Há presunção da lei. Exemplo é a doença adquirida pelo mineiro em razão do exercício de sua profissão.

As doenças profissionais são as causadas por agentes físicos, químicos ou biológicos inerentes a certas funções ou atividades. Não se confundem com os acidentes-tipo, pois têm atuação lenta no organismo humano. São também denominadas de idiopatias, tecnopatias ou ergopatias.

Dada a sua tipicidade, a doença profissional não demanda comprovação de nexo de causalidade com a atividade. Para sua caracterização, basta confrontar a função desempenhada pelo empregado com a relação elaborada pela Previdência Social (Anexo II do Decreto 3.048/99, cumprindo salientar que a lista fundamenta-se na observação clínica de casos, de sintomas e sinais da doença relacionados com determinada atividade profissional e também em estudos epidemiológicos.

Na doença profissional, há presunção juris et de jure de relação com o trabalho, não se admitindo prova em contrário. Existe, portanto, presunção absoluta de nexo causal entre a atividade e a doença. “Basta comprovar a prestação de serviço na atividade e o acometimento da doença profissional. Sinteticamente, pode-se afirmar que doença profissional é aquela típica de determinada profissão.”[8]

2.3.2.Doença do trabalho

Doença do trabalho, nos termos do disposto no art. 20, II, da Lei nº 8.213/91, é aquela adquirida ou desencadeada em razão das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente. Subdivide-se em:

a) Típica

Está prevista no art. 20, II, da Lei 8.213/91. Serão consideradas doenças do trabalho típicas aquelas constantes no Anexo II do Decreto nº 3.048/99. Prescindem de comprovação do nexo de causalidade com o trabalho, pois há presunção legal nesse sentido.

b) Atípica

Também chamada de mesopatia, está prevista no art. 20, § 2º da Lei 8.213/91, nos seguintes termos: “Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.” Trata-se das denominadas mesopatias, que exigem comprovação do nexo de causalidade com o trabalho, o que em geral ocorre através de vistoria no ambiente de trabalho.

Sérgio Pinto Martins preceitua a respeito das doenças do trabalho:

A doença do trabalho é o gênero do qual a doença profissional é espécie. O que deve ser ressaltado é que nem toda doença pode ser considerada do trabalho, pois somente aquelas determinadas pela lei é que o serão, na forma prevista no Anexo II do Decreto nº 3.048. As doenças encontradas nessa relação são chamadas “tecnopatias” ou “ergopatias”. As que estão relacionadas no mencionado anexo não dão direito a prestações por acidentes do trabalho, sendo chamadas “mesopatias”, como ocorre com exposição a agentes químicos, como benzeno, chumbo; físicos, como ruído, radiações; biológicos, como microorganismos e parasitas que causem infecções etc. A exceção à regra se dá quando as mesopatias não relacionadas no citado anexo tenham resultado de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionado diretamente, que serão consideradas pela Previdência como acidente do trabalho (§2º do art. 20 da Lei 8.213). (p. 408)

A Lei nº 11.430/2006 inseriu o art. 21-A na Lei 8.213/91, estabelecendo terceira espécie de doença ocupacional. Trata-se daquela decorrente do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico). “Da incidência estatística e epidemiológica resultante do cruzamento da CID (Classificação Internacional de Doença) com a atividade da empresa CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) advém o NTEP, o qual gera presunção relativa de que a doença acometida pelo empregado é ocupacional.”[9]

O grupo atual das LER/DORT é apontado como exemplo das doenças do trabalho. Apesar de terem origem na atividade do trabalhador, não estão vinculadas necessariamente a determinada profissão. Podem ser adquiridas ou desencadeadas em qualquer atividade, sem que exista vinculação direta a certa profissão.  São as condições do trabalho que ensejam a quebra da resistência do organismo, seguindo-se a eclosão ou exacerbação da moléstia ou então seu agravamento.[10]


3.LER/DORT

Conforme dito acima, as transformações havidas no trabalho e na organização das empresas, com a introdução de inovações tecnológicas, estabelecimento de metas e produtividade, vêm provocando aumento sensível de distúrbios  do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Tais  entidades mórbidas são conhecidas pelas siglas LER/DORT, que significam, respectivamente, Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho.

Embora o interesse pelo tema, em razão da multiplicação do número de patologias em trabalhadores envolvendo o sistema osteomuscular e o tecido conjuntivo, tenha recrudescido, o problema não é novo. A síndrome foi alvo de estudo desde 1700, quando Bernardo Ramazzini, considerado o pai da Medicina do Trabalho, descreveu-a como “doença dos escribas e notários”. Posteriormente, foi exposta como “doença das tecelãs (1920) e, em 1965, como “doença das lavadeiras”. Entre adolescentes, foi relatada pela primeira vez em 1901, por Miles Franklin. Informa a respeito Wanderley Codo:

Que é uma velha patologia ligada, desde seu início, ao trabalho, se pode constatar: já em 1700, Bernardo Ramazzini, o médico italiano que descreveu a patologia, fazia a correlação entre a doença e a ocupação das pessoas, referindo-se às competições olímpicas na Grécia.

1901, uma adolescente, Miles Franklin:

“Entre os pequenos fedelhos, assim que crescem o suficiente para carregar o balde, aprendem a tirar o leite. Assim suas mãos se acostumam com o movimento, e isto não as afeta. Conosco era diferente. Sendo quase adultos quando começamos a tirar o leite, e só então mergulhando pesadamente neste exercício, um efeito doloroso caía sobre nós. Nossas mãos e braços, até os cotovelos inchavam, de maneira que o nosso sono era constantemente interrompido pela dor”.[11]

Na segunda metade do século XX os estados mórbidos do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (LER/DORT) disseminaram-se em todo o mundo, tendo determinado, no Japão, em 1958, limitação da carga horária para 5h/dia  ou até 40.000 movimentos repetitivos ao dia para os trabalhadores cujas atividades eram frequentemente relacionadas com a cervicobraquialgia.[12]

O problema intensificou-se a partir da década de 1980. Nesta época, verificou-se na Austrália, entre trabalhadores de escritórios e fábricas, epidemia de dor crônica incapacitante de membro superior, havendo empresas que chegaram a apresentar um terço de seus empregados com tal quadro, situação que determinou gastos expressivos com tratamento médico e indenizações. 

Os quadros de LER/DORT vêm atingindo várias áreas profissionais, em especial os segmentos que exigem movimentos repetitivos ou significativa imobilização postural. Além da Austrália, também registram  epidemais de LER/DORT, dentre outros, a Inglaterra, o Japão, os Estados Unidos e o Brasil.

3.1.            Conceito de LER/DORT

No Anexo I da Instrução Normativa INDC/INSS nº 98/2003, que aprovou a norma técnica sobre LER/DORT, seu conceito é assim descrito:

Entende-se LER/DORT como uma síndrome relacionada ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como: dor, parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insidioso, geralmente nos membros superiores, mas podendo acometer os membros inferiores. Entidades neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites, compressões de nervos periféricos, síndromes miofaciais, que podem ser identificadas ou não. Frequentemente são causa de incapacidade laboral temporária ou permanente. São resultado da combinação da sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer seja pela utiilzação excessiva de determinados grupos musculares em movimentos repetitivos com ou sem exigência de esforço localizado, seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições por tempo prolongado, particularmente quando essas posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo-esqueléticas contra a gravidade. [...]

As expressões "Lesões por Esforços Repetitivos (LER)" e "Distúrbios Osteo musculares Relacionados ao Trabalho (DORT)"  abrangem os distúrbios ou doenças do sistema músculo-esquelético-ligamentar, que podem ou não estar relacionadas ao trabalho. Trata-se de termos genéricos, cabendo ao médico estabelecer o diagnóstico específico da doença que gerou o sintoma apresentado.

3.2.Enquadramento da síndrome como doença ocupacional

As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) podem definir problemas distintos, de causas diversas, devendo-se salientar que não existem como entidade nosológica. Hipotireoidismo,doenças infecciosas ou imunológicas e ainda quadros depressivos e movimentos repetitivos, dentre outros, podem desencadear tendinites, tenossinovites ou capsulites.  Entretanto, somente quando alguma destas enfermidades tiver como  fator desencadeante os movimentos repetitivos é que merecerá o enquadramento como LER. Se os esforços repetitivos em questão forem executados no exercício da atividade laboral, a LER então se equipará à DORT, em razão do nexo causal (ocupacional), indispensável à caracterização da doença ocupacional.

A doença ocupacional, considerada pela lei como acidente do trabalho, exige, à sua caracterização, além do nexo causal, também os demais requisitos próprios do acidente do trabalho, quais sejam, a lesão corporal ou perturbação funcional e  a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

3.2.1.   Nexo ocupacional

A IN INDC/INSS nº 98/2003,  apresenta, no quadro I, relação exemplificativa entre o trabalho e algumas entidades nosológicas. Cita-se, a título de ilustração, a bursite do cotovelo (olecraniana). Como causa ocupacional, é apresentada a “Compressão do cotovelo contra superfícies duras, sendo apontado como exemplo “Apoiar o cotovelo em mesas” e, como diagnósticos diferenciais, “gota, contusão e artrite reumatóide”. Portanto, se determinado trabalhador apresentar a patologia em questão, incumbe ao profissional responsável, em geral o médico do trabalho, examinar se decorre do exercício das atividades laborais ou sem tem como origem outras causas, a exemplo daquelas mencionadas. Apenas se restar caracterizado o nexo causal (ou concausal) é que a patologia merecerá enquadramento como doença ocupacional. A literatura especializada assinala a respeito[13]:

É importante destacar inicialmente que muitas das lesões por sobrecarga funcional dos membro superiores não são causadas pelo trabalho, mas por outros fatores. Por exemplo, é bem conhecido que jogar tênis pode resultar em epicondilite lateral, que jogar vôlei pode resultar em lesão nos ombros; também é bem conhecido que hábitos de vida podem ocasionar dor e/ou lesão, por exemplo, determinadas posições para se dormir, uso de bolsas pesadas nos ombros e até mesmo a inatividade física pode acabar resultando em queda de ombro, freqüentemente acompanhada de dor. Também deve-se destacar ser muito freqüente que em determinadas épocas da vida mulher (gestação, menopausa), apareçam queixas de dor nos membros superiores, inclusive com cmopressão de nervos. E que muitas doenças sistêmicas (hipotireoidismo, diabetes) e condições associadas ao envelhecimento vêm acompanhadas de dor em membros superiores. (grifo no original).

Para o estabelecimento do nexo ocupacional,  existem critérios técnico-científicos preconizados por várias escolas internacionais. No âmbito nacional, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1488/98, que recomenda, dentre outros aspectos, o exame do local de trabalho e da sua organização, além de dados epidemiológicos. A Diretoria Colegiada do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS publicou a Resolução INSS/DC nº 10, de 23 de dezembro de 1999, onde constam procedimentos médicos para o estabelecimento do nexo causal, recomendando incluir nos procedimentos e no raciocínio médico a resposta a dez questões essenciais, que são elencadas no item IV daquele normativo.

Sérgio Roberto Faraco[14] explica, quanto ao nexo ocupacional, que Schilling, em 1994, classificou as doenças segundo sua relação com o trabalho da seguinte forma: a) I – Trabalho como causa necessária; b) II – Trabalho como fator contributivo, mas não necessário; c) III – Trabalho como provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida. O autor faz ainda distinção entre o nexo causal e o nexo técnico. O primeiro é a correlação entre a moléstia diagnosticada e o agente desencadeador. Em razão de que o mesmo agente desencadeador pode encontrar-se ou não no trabalho, necessário que o perito, como segundo passo, efetue a busca do nexo técnico. Este representa a capacidade de desencadeamento da moléstia pela atividade laboral desenvolvida pelo trabalho. É o vínculo entre a patologia e os riscos de sua ocorrência nos misteres laborais executados.

Para o diagnóstico de LER/DORT, são fundamentais a história clínica, o exame físico, as atividades ocupacionais pregressas do trabalhador e a investigação sobre suas atividades não ocupacionais, inclusive de lazer.  “É importante lembrar que, não existindo nexo causal entre a atividade ocupacional do paciente e a patologia observada, não se pode denominar o quadro de DORT, pois, por definição, tal condição é ocupacional.”[15]

3.2.2.  Lesão corporal ou perturbação funcional

Lesão corporal, nos termos adotados pela Lei 8.213/91, é sinônimo de lesão orgânica segundo o sentido que lhe dá a ciência médica. Para esta,[16]  lesão significa modificação estrutural de um órgão ou de uma parte do organismo vivo, em razão de alterações de origem interna (p.ex. tumor ou lesões tendíneas degenerativas) ou externa (p.ex. traumatismos que provocam fraturas). São fenômenos de natureza biológica, estrutural, morfológica. Sua presença somente se dá em razão de traumatismos, tumores, outras doenças de órgãos e sistemas ou envelhecimento biológico. Perturbação funcional ou distúrbio significa desarranjo, disfunção, alteração do funcionamento considerado normal, sem que necessariamente existam lesões. Trata-se de prejuízo ao adequado funcionamento de órgão ou sentido. Os distúrbios normalmente ocorrem quando há algum desequilíbrio entre as condições funcionais da pessoa e os fatores físicos, psicológicos e sociais que encontra no ambiente onde vive e trabalha. Como regra geral, os distúrbios tendem a desaparecer quando os fatores que os determinaram são identificados e eliminados ou minimizados. Distúrbios podem estar associados a lesões, mas com estas não se confundem.

Portanto, para que as patologias do sistema osteomuscular e/ou do tecido conjuntivo sejam consideradas doença ocupacional (DORT), devem provocar lesões e/ou perturbação funcional, observado o significado de tais expressões, acima explicitado.

3.2.3.      Incapacidade laborativa

Segundo a Organização Mundial da Saúde, incapacidade é “qualquer redução ou falta (resultante de uma “deficiência” ou “disfunção”) da capacidade para realizar uma atividade de uma maneira que seja considerada normal para o ser humano, ou que esteja dentro do espectro considerado normal”.  Será considerado incapaz para o trabalho aquele que apresenta impossibilidade de desempenhar os misteres próprios do cargo em decorrência da doença. Não serão havidas doenças do trabalho as que não produzem incapacidade. A legislação prevê a concessão de benefícios não em razão da doença, e sim por incapacidade.

Quanto ao grau, a incapacidade pode ser total ou parcial. A primeira determina a impossibilidade de o empregado trabalhar e prover a sua subsistência, enquanto a segunda ocorre quando a tarefa pode ser executada sem risco de vida ou agravamento da doença, havendo, entretanto, baixa produtividade e menor eficiência em razão da patologia.

Quanto à duração, a incapacidade pode ser temporária ou permanente. Diz-se temporária, quando a recuperação é esperada em lapso de tempo previsível; permanente, quando o trabalhador for considerado incapaz, sem possibilidade de recuperação para o exercício da atividade inerente ao cargo ou em função análoga, segundo os recursos da terapêutica e reabilitação existentes.

Quanto à profissão, a incapacidade laborativa pode ser: a) uniprofissional, quando atinge apenas uma atividade específica; b)multiprofissional, quando alcança diversas atividades profissionais; e c) omniprofissional, quando determina impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa.

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Sobre a autora
Ilse Marcelina Bernardi Lora

Juíza do Trabalho no Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. LER/DORT como acidente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3243, 18 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21805. Acesso em: 28 mar. 2024.

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