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Aplicabilidade da Lei nº 9.099/95 na Justiça Militar Estadual

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06/06/2012 às 10:26
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4. A LEI 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001

A lei 10.259/01 veio para regular os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, contudo esta inseriu algumas novidades no ordenamento jurídico, o que suscitou novos questionamentos, pelos quais os estudiosos do direito ainda não chegaram a um consenso.

Constata-se que a lei 10.259/01 entrou em vigor a partir de 13 de janeiro de 2002, pois teve um período de vacatio legis, vacância, de seis meses, nos termos do Art. 27 do citado dispositivo legal que dispôs sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito Federal.

Observa-se que a lei 10.259/01 só objetivou cuidar da aplicabilidade dos juizados especiais na Justiça Federal, sendo que esta veio para cumprir uma determinação constitucional, todavia vários anos após a vigência da lei 9.099/95 e, ainda com a peculiaridade de uma estipulação de um período de vacância de seis meses.

a) Criação, função e competência da lei 10.259/01.

Verifica-se que a criação dos Juizados Especiais na Justiça Federal veio com o advento da lei 10.259/01, sendo que sua função e competência foram estipuladas nos primeiros artigos da lei:

Art. 1º - São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei 9 099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 2º - Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Percebe-se que para a lei 10.259/01 trouxe uma nova definição para infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, pena abstrata cominada máxima não superior a dois (2) anos, diferenciando-se da lei 9.099/95, que estipulou como infração de menor potencial

Ofensivo que a lei comine pena máxima não superior a um ano. Desta forma, mais um questionamento se apresentou, tendo em vista a se dar tratamento diverso em situações análogas.

b) Previsão de vedação da aplicação da lei 10.259/01 no juízo militar estadual.

A lei dos juizados especiais na Justiça Federal trouxe uma vedação polêmica, pois vedou a aplicação no juízo estadual, conforme se pode constatar pelo dispositivo legal constante na lei, Brasil (2001, p.3) :

 “Art. 20 – Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.”

Diante da redação do citado art. 20 da lei 10.259/01, contendo vedação quanto sua aplicação no juízo estadual e o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo por

ela trazido, acirrada discussão ganhou amplitude quanto à extensão desse novo conceito aos

Juízos Estaduais.

Segundo Gomes (2004, p. 21):

“Apesar disso, nossa posição é no sentido de que deve ser aplicado nos juizados estaduais o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo”.

Por quê? Porque sobre o legislador ordinário está à vontade do Constituinte (a Constituição). Nenhum texto legal ordinário pode, sem justo motivo, discriminar situações. Se o crime da mesma natureza é julgado pelas Justiças Estadual e Federal, deve receber o mesmo tratamento jurídico. A Lei 10.259/01, nos pontos citados, em conseqüência, é inconstitucional porque fere os princípios da igualdade, conforme art. 5º, caput, e, da proporcionalidade de acordo com o art. 5º, LIV, ambos da CR/88”.

Ainda, de acordo com Gomes (2004, p. 21),

“[...] cabe ainda ressaltar que a Lei posterior revoga a anterior quando [...] seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Constata-se que os questionamentos a respeito da lei 10.259/01 são pertinentes, conforme se pode verificar pelo art. 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Percebe-se que vários foram os questionamentos a respeito de alguns artigos da lei 10.259/01, especificamente naqueles que confrontavam com a lei 9.099/95, ou davam tratamento diferenciado, gerando mudanças na aplicação da lei dos juizados especiais na justiça estadual.

Prosseguindo-se na caracterização do objeto de pesquisa, a seção a seguir, após se ter um conhecimento a respeito da Justiça Militar e da lei dos Juizados Especiais Criminais, faz-se um breve posicionamento de autores e jurisprudências a respeito da aplicação dos institutos da lei 9.099/95 na Justiça Militar.


5. A LEI 9.839, DE 27 DE SETEMBRO DE 1999.

A presente lei 9.839/99 acrescentou à lei 9.099/95 um dispositivo proibitivo, assim dispondo: 

“Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.”

Nota-se que a lei 9.839/99 veio com o objetivo de colocar fim a discussão a respeito de serem os institutos da lei 9.099/95 aplicáveis ou não à Justiça Militar, sendo que com a inserção do art. 90-A, o legislador deixou evidenciado que não se aplica os institutos da lei dos juizados especiais no âmbito da Justiça Militar, de forma categórica e objetiva.

Todavia, o advento da referida lei não pacificou os questionamentos, pois pelo exercício do controle difuso de constitucionalidade  ainda os juízes de primeira instância da Justiça Militar continuam aplicando alguns institutos da lei 9.099/95, bem como a discussão sobre a constitucionalidade da lei proibitiva se faz presente.

Reafirmando este pensamento, Queiroz (2000, p. 28) retrata:

“O ponto de partida que me levou a investigar mais a fundo essa questão foi a edição, em 28/09/99, da Lei 9 839, [...]. Devo ressaltar que esta lei foi editada após quase quatro anos de vigência da lei a que se incorporou, período de tempo mais que suficiente para que os tribunais, inclusive o STF, pacificassem a jurisprudência no sentido de que era ela aplicável ao processo militar.Ressalto, entretanto, que os Tribunais Militares se curvaram, mas não aceitavam esta orientação jurisprudencial, tanto que o colendo STM havia editado a Súmula nº 9 de seguinte teor:

 “A Lei nº 9.099, de 26/09/95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União”. Seguindo essa linha de entendimento, os Tribunais de Justiça Militar dos Estados também nunca admitiram a aplicação da Lei nº 9 099/95 ao processo penal militar, enquanto no STF vários “hábeas corpus” ditavam posição inversa, firmando mesmo uma tese jurídica. Pois assim, firmada a tese, sobrevêm a mencionada lei e dispõe clara e expressamente de modo diverso, o que, para o leigo ou pra os menos avisados, seria o bastante. Se a lei proíbe, está proibido e pronto! Afastam-se dos militares os benefícios previstos na Lei n. 9 099/95 simplesmente porque são militares. Creio, porém, que não seja tão simples e fácil assim porque, acima e antes da competência do legislador ordinário, está a Constituição a fixar limites que não podem ser extrapolados, sob pena de incidir no vício da inconstitucionalidade.

Percebe-se que a lei 9.839/99 proibiu a aplicação dos institutos da lei 9.099/95 na Justiça Militar, contudo não encerrou o problema e as discussões a respeito do tema, criando sim mais questionamentos e, interpretações diferenciadas a respeito de se aplicar ou não os mencionados institutos aos militares.

A discussão jurídica direcionou-se no sentido de ser o artigo 90-A, da lei 9.099/95, considerado inconstitucional, por violar o principio da igualdade, pois os militares estariam sendo discriminados, tendo os seus direitos suprimidos, em detrimento de outros cidadãos, que se encontram em uma mesma situação jurídica e possuíam certos diretos que não foram estendidos aos policiais militares.

Dessa forma, após o surgimento do artigo 90-A, os Tribunais Superiores e Auditorias da Justiça Militar começaram a interpretar de forma negativa a possibilidade de aplicação dos institutos da lei 9.099/95, no âmbito da justiça militar, considerando que a lei 9.839/99 seria realmente constitucional, não sendo aplicável o artigo 90-A da lei 9.099/95 somente aos crimes cometidos antes de sua vigência:

-  HC LEI 9.839/99 INAPLICÁVEL AOS CRIMES COMETIDOS ANTES DE SUA VIGENCIA – LEI 9.099/95 – JUSTIÇA MILITAR.

A lei n.9.839/99 acrescentou o artigo 90-A à Lei 9.099/95, estabelecendo que as disposições contidas nesta não se aplicam no âmbito da Justiça Castrense. Os efeitos da Lei 9.839/99 são de direito material e prejudiciais ao réu, razão pela qual não se aplicam aos crimes cometidos antes de sua entrada em vigor .

Ordem concedida para que seja anulada ab initio a ação penal por falta de representação do ofendido ( rel.: Ministro Jorge Scartezzini-T5-unânime –HC 10.782/SP). (DJ de 21/02/00).  

Mesmo tendo os Tribunais Superiores interpretado a lei 9.839/99 como constitucional, vários Conselhos Permanentes da Justiça Militar Estadual, em juízo de primeira instância, estão contrariando o mandamento desta lei, argüindo a inconstitucionalidade do citado diploma legal, com base no controle de constitucionalidade difuso, contido a aplicar os institutos da Lei do Juizados Especiais Criminais à lei penal militar. Segundo o MM. Juiz de Direito Militar, Titular da primeira Auditoria, Dr. Marcelo Adriano Menacho dos Anjos, 2010:

“Não pode a lei ordinária estabelecer distinções entre brasileiros, onde a própria Lei Fundamental não estabelece. Por estas razões declaro, incidentalmente, após argüição do Ministério Público, a inconstitucionalidade da lei 9.839/99,que acrescentou a art.90-A na lei 9.099/95.”

Fica-se claro que, atualmente, grande parte dos aplicadores do direito tem se posicionado a favor da aplicação da lei 9.099/95 no âmbito da justiça militar, declarando incidentalmente, no curso do processo, a inconstitucionalidade da lei 9.839/99. Posicionamento diverso não poderia existir, pois esta lei veio a tratar os policiais de forma desigual e injusta. Muito se tem falado sobre a integração das policias, em especial a polícia militar e a polícia civil, agora imagine a situação em que ocorra uma operação conjunta entre as policias militar e civil e que os integrantes de ambas as instituições agridam um cidadão, e em decorrência das agressões este venha ter lesões leves pelo corpo, este não querendo representar contra os policiais por achar que as agressões ocorreram em virtude de ele mesmo dar causa ao fato, vindo a desacatar os policiais e resistir à ordem de prisão. Pela lei 9.839/99 deveria se aplicar os benefícios da lei 9.099/95 aos policias civis e se restringir a sua aplicação aos policiais militares, ou seja, independente da vítima querer ou não que o Ministério Público dê prosseguimento ao crime de lesão corporal esta ação é, para o policial militar, pública e incondicionada, mesmo que não haja contra este uma representação formal, em virtude da pratica do crime, o processo será instaurado de ofício, diferentemente da situação do policial civil em que a ação fica condicionada à vitima. Neste caso poderíamos ter duas situações distintas para o mesmo caso: se a vitima não viesse a representar contra os policiais de ambas instituições, somente os policiais civis teriam os benefícios da lei 9.099/95, enquanto o policial militar poderia ter sua liberdade cerceada. Nota-se que para uma mesma situação, em que envolvem as mesmas pessoas, poderíamos ter tratamentos diversos. Ora, como é que os governantes e a própria sociedade podem querer a integração entre as policias, se todos os tratam de forma distinta.

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6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INVOCADOS

O legislador ordinário, quando da construção da Lei 9.839/99, não teve o cuidado de analisar os fatos sociais que poderiam advir com a adição do artigo 90-A a Lei 9.099/95, em que não mais pode o militar se beneficiar dos institutos despenalizadores, constantes na Lei 9.099/95, vindo a atual lei a afetar de forma sensível o principio da isonomia. A Constituição Federal de 1988 estabelece, através do principio da isonomia, o entendimento de que todos são iguais perante a lei, não podendo ter os cidadão, que se encontram em igualdade de condições, tratamento diferenciado em razão de profissão, raça, religião, idade e sexo.

Primeiramente, ao analisarmos o caso em questão, há de se ressaltar a diferença entre normas e princípios, pois segundo Celso Antonio Bandeira de Melo, estes são mandamentos fundamentais que direcionam todo o sistema jurídico, definido a lógica e a racionalidade de como se deve interpretar o sistema jurídico enquanto a norma é um mandamento jurídico que possui aplicação especifica, sendo interpretada caso a caso;

[...] princípios são mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua real compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido.

Por sua vez regra jurídica é a norma que decide a situação em concreto descrita pelo legislador. O princípio se irradia para todo o sistema jurídico, ao passo que a regra tem aplicação especifica. (Melo,1994, pág.50.)

É importante salientar que o direito por ser fruto de uma sociedade mutável, deve ser interpretado de forma dinâmica e coerente, tendo tanto o legislador, como o aplicador  da lei, de saber interpretar essa dinâmica social para melhor agir, sempre na defesa do cidadão (seja ele Civil ou Militar) e das instituições. Assim deve estar, também a Justiça Militar aberta às discussões que se mostram presente e que afetam todos os cidadãos militares, enfrentando os desafios atuais, diante de novas realidades, observando sempre as tendências sociais, os costumes, o progresso científico, capturando com isso os anseios individuais e coletivos.

Nas palavras de René Ariel Dotti, para que a norma seja considerada legítima, devem convergir para a elaboração da norma penal:

“Os anseios individuais e coletivos de proteção dos valores relevantes que se refletem no definição dos delitos, na cominação das sanções, na estrututa dos princípios e das regras de aplicação da lei” ( DOTTI,1998,pág.175)

No mesmo entendimento está Sergio Turra Sobrane, que considera ser fundamental importância ao legislador a observância das mudanças e tendências sociais, para que assim possa criar normas que atinjam, verdadeiramente, os anseios da sociedade:

A tarefa entregue ao legislador penal consiste em observar as tendências sociais, capturando eventuais alterações dos valores sociais que possam justificar a descriminação de determinada conduta ou que evidenciem o surgimento de novos comportamentos que reclamem repressão pela via penal.

[...] O legislador deve estar sensível às mudanças de hábitos, de costumes e ao progresso  cientifico. A tutela penal que se justifica em certa época pode não ser imprescindível noutra, diante das modificações sociais, momento em que ao legislador cabe atuar decisivamente de maneira descriminante.

[...] O legislador penal, pois, deve nortear sua atuação pela moderação e equilíbrio, evitando radicalismo que possam criar situações injustas, quando optar por criminalizar ou descriminalizar certas condutas...( SOBRANE,2001, pág. 03-04)

É importante frisar que a lei dos Juizados Especiais Criminais, tem sua origem em dispositivo expresso da Constituição Federal, do qual determina que “cabe à União, no Distrito Federal e nos Estados, a criação dos Juizados Especiais Criminais para julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo” ( artigo 98, I da CF/88), sendo que e nenhum momento a Magna Carta instituiu alguma proibição quando ao fato dos militares poderem se beneficiar dos dispositivos da lei dos Juizados Especiais. A Constituição da Republica veda aos militares o direito de greve e de sindicalização, mas em nenhum momento instituiu a proibição dos mesmos se beneficiarem dos dispositivos da lei 9.099/95, institutos tais como o da transação penal, da suspensão condicional do processo, bem como da necessidade de representação da vítima, nos crimes de lesão corporal culposa ou leve. A lei 9.839/99, portanto, veda a aplicação da lei 9.099/95 à Justiça Militar estabelecendo situação mais gravosa e notadamente desigual aos militares, situação essa nem o regime constitucional dos militares estabeleceu. É nesse sentido que o MM. Juiz de Direito Militar, titular da primeira Auditoria, Dr. Marcelo Adriano Menacho dos Anjos, argüiu incidentalmente a inconstitucionalidade da lei 9.839/99, que aditou o artigo 90-A na lei 9.099/95:

“Não pode a lei ordinária estabelecer distinções entre brasileiros, onde a própria Lei Fundamental não estabelece. Por estas razões declaro, incidentalmente, após argüição do Ministério Público, a inconstitucionalidade da Lei 9.839/99, que acrescentou o art. 90-A na lei 9.099/95. O Direito Penal Militar, integra o chamado Direito Penal Especial, que tem no  CPM  e no CPPM a Legislação substantiva e adjetiva de sua aplicação. Na legislação processual há a previsão do Processo Ordinário e dos Processo Especiais, os quais são estabelecidos os crimes de deserção, insubordinação, o trâmite do Hábeas Corpos e os processos de competência originária do Superior Tribunal Militar. Desta forma os crimes previstos no Código Penal Militar, cuja pena Máxima não exceda a um ano e que  seja aplicável o Processo Ordinário do CPPM se enquadram na definição legal de infração penal de menor potencial ofensivo. Muito embora o direito e o processo penal militar sejam direito penal especial, o Processo Ordinário do CPPM não se constitui procedimento especial.” (ANJOS,2010).

A inconstitucionalidade da Lei 9.839/99, que adicionou o artigo 90-A, mostra-se latente, pois o tratamento dado aos cidadãos militares é desproporcionalmente desigual, em relação aos outros cidadãos e até mesmo a outros policiais, de instituições diversas, e afeta de forma sensível o princípio da isonomia, pois ao policial militar, que é encarregado de cumprir e fazer cumprir a lei, não teve os benefícios da Lei dos Juizados Especiais Criminais, enquanto outros policiais (civis e federais), que desempenham funções  semelhantes na área da segurança pública são abrangidos por tal benefícios.

Inconstitucionalidade esta, que pode ser entendida, através do entendimento dado pelo doutrinador Jose Afonso da Silva, que considera como inconstitucional a distinção não autorizada entre pessoas que estão em uma mesma situação jurídica, impondo a esta obrigação, dever ônus, sanção ou qualquer sacrifício em detrimento de outros:

A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção, ou qualquer sacrifícios a pessoas, discriminando-as em face de outras que se encontram em uma mesma situação, que, assim, permaneçam em condições mais favoráveis. O ato é inconstitucional por fazer discriminação não autorizada entre pessoas em situação de igualdade. Mas aqui, ao contrário, a solução da desigualdade de tratamento não está em estender a situação jurídica detrimento a todos, pois não é admissível impor constrangimento por essa via. Aqui a solução está na declaração de inconstitucionalidade do ato discriminatório em relação a quantos o solicitarem ao Poder Judiciário, cabendo até ação de inconstitucionalidade por qualquer das pessoas indicadas no artigo 103 da Constituição Federal de 1988. ( SILVA,2000, pág.47)

 O legislador ao editar a referida norma, criou diferenciações entre os policiais militares e os cidadãos comuns, sendo que ambos estão em um mesmo plano jurídico, impondo obrigações, deveres, ônus, sanções, sacrifícios aos policiais militares, discriminando-as em face dos cidadãos comuns, que se encontram em uma mesma situação jurídica, e que mesmo assim, permanecem em condições mais favoráveis.

A lei 9.839/99 não coaduna com o estabelecido no artigo 19, inciso III da Constituição Federal, que estabelece igualdade de direitos entre os cidadãos, pois a lei não deve ser fonte de privilégio ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social, que necessita tratar eqüitativamente todo e qualquer cidadão. Ao se cumprir a lei todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento igual, sendo certo, ainda que, ao próprio ditame legal é proibido deferir disciplina diversa para aquelas pessoas que se encontram em  uma mesma situação jurídica.

Nesse sentido, constata Alexandre de Morais que a Constituição da Republica estabelece a igualdade de todos perante a lei, igualdade esta que é pronunciada é invocada por todos, mas nem sempre da forma correta, seja porque se estende direitos para onde não se deveria ter o estendido, seja porque se deixa de aplicá-lo onde deveria, no caso em questão vê-se que as distinções estabelecidas pela lei 9.839/99 contradizem os preceitos básicos do princípios da igualdade, pois estabelece diferenciações desproporcionais a pessoas que estão em um  mesmo patamar jurídico, dando aos policiais militares uma situação mais gravosa em comparação aos demais cidadãos e até mesmo aos policiais ( civis, federais), que possuem privilégios, não estendidos aos militares, por força da lei 9.839/99, que veio a editar o art. 90-A da lei 9.099/95:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidade virtual, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela Lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. ( MORAES,2002,pág.180)

A lei 9.839/99 se mostra insensível aos princípios constitucionais da isonomia/igualdade e da proporcionalidade, pois não pode a Lei Ordinária estabeleceu, devendo o legislador ordinário estar atento às mudanças sociais para que atue com moderação e justiça, tendo em vista sempre o objetivo de se alcançar a paz social, ou seja, deve ter o legislador sempre o escopo de alcançar os anseios individuais e coletivos de toda a sociedade, evitando, com isso situações injustas que prejudiquem alguns e em contra partida beneficiem outros. Ao se fazer a análise da Lei 9.839/99, deve tanto legislador, quanto o interprete (juiz) analisá-la sob dos princípios constitucionais, em especial o princípio da igualdade/isonomia e da proporcionalidade.

É o que ensina Alexandre de Moraes:

O princípio da igualdade opera em dois planos distintos. De um lado opera frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. De outro plano, o princípio da igualdade opera na limitação do interprete, basicamente, a autoridade pública, no sentido de obriga-lo a aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça classe social ou profissão.( MORAES, 2004, pág.67-68)

No mesmo sentindo, está o entendimento de Bobbio, em que o legislador apesar de possuir um certa discricionariedade, encontra-se limitado pelos princípios constitucionais, devendo criar leis em consonância deste:

Quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder de normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. A Constituição Federal ao atribuir esse poder, estabelece limites. A pessoa ou o órgão autorizado a formular normas inferiores é levado a estabelecer normas que não estejam em oposição a normas superiores ( pense-se na obrigação que tem um poder regulamentar ou um poder  negocial de exercitar esse poder dentro dos limites estabelecidos pelas normas superiores. ( BOBBIO, 1996,pág.55)

Quando se fala que o legislador tem o direito e/ou dever de legislar sobre determinado assunto, não se pode entender que este possui prerrogativas ilimitadas, absolutas, podendo editar normas quando e/ou como entender necessárias. A Constituição Federal ao conceder ao legislador ordinário o direito/dever de legislar estabelece automaticamente restrições, que são os seus próprios princípios. É neste sentido que atua o princípio da igualdade, em que o legislador ao criar a norma jurídica não pode criar regras que criem distinções entre pessoas que estão em situações idênticas. O juiz ao prolatar uma sentença deve ser o mais justo e imparcial possível, cabendo-lhe analisar o caso concreto, não podendo, pois, tomar decisões que diferencie as pessoas em razão, do sexo, cor, religião ou classe social ou profissão, sob pena de ser considerada ilegal e ilegítima.

As normas do Ordenamento jurídico devem ser feitas e aplicadas de forma coerente, devendo-se evitar antinomias entre elas. A coerência não é condição de validade de uma norma jurídica, mas é indiscutivelmente uma condição para a aplicação da justiça do ordenamento, pois uma normas aplicada de forma incoerente, conforme o livre arbítrio daqueles que são chamados a aplica-las, pode gerar a quebra da certeza jurídica (aqui entendida como aquela que gera a paz e ordem social) e o desrespeito à justiça ( que corresponde ao senso de igualdade, onde segundo a própria Constituição Federal, todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de raça, religião, profissão ou classe social). É nesse sentido que a lei 9.839/99, que veio a restringir aplicação da lei dos juizados especiais criminais no âmbito da justiça militar, se mostra ilegal e ilegítima, pois não respeita o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, vindo a discriminar o policial militar, que se encontra na mesma situação jurídica do cidadão comum. Nesse sentido Bobbio considera que as regras de antinomia devem ser dirigidas somente ao legislador e ao juiz, que são os verdadeiros criadores e aplicadores da norma jurídica, não podendo estes, respectivamente, criar leis, da maneira como quiserem ou bem entenderem, diferenciando pessoas que estão em um mesmo plano jurídico.

A regra da proibição de antinomia pode ser dirigida apenas àqueles que tem relação com a produção e aplicação da norma jurídica, em particular ao legislador, que é o produtor por excelência, e ao juiz, que é o aplicador por excelência. Dirigida ao aplicador, soa assim: (“Não deveis criar normas que sejam incompatíveis com outras do sistema”). Dirigida aos aplicadores, assume outra forma: (“Se vocês se esbarrarem em antinomia, devem elimina-las”.). Quando o juiz esse encontrar frente a um conflito entre normas de diferente níveis, dispostas hierarquicamente deve impor a regra da coerência, onde será levado a aplicar a norma superior em detrimento da norma inferior. Já a pessoa ou o órgão autorizado a formular normas inferior é levado a estabelecer normas que não estejam em oposição a normas superiores. Grifos nossos ( Bobbio, 1996,pág.116).

Quando a Constituição Federal atribui aos cidadãos, por exemplo, o direito de todos serem iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-lhes a igualdade de direitos e o respeito à sua dignidade, limita o conteúdo normativo do legislador Ordinário, isto é, lhe proíbe de estabelecer normas contrárias aos princípios por ela estabelecidos. Os limites de conteúdo podem, por sua vez, ser positivos ou negativos, conforme a Constituição imponha ao legislador ordinário estabelecer normas em uma determinada matéria (ordem de mandar) ou lhe proíba estabelecer normas numa determinada matéria (proibição de mandar ou ordem de permitir). Por sua vez o limite quanto à forma de legislar se dá porque o legislador ordinário está obrigado a seguir regras e procedimentos, pré-estabelecidos pela Constituição Federal, quando da criação da norma jurídica. É o que nos ensina Bobbio:

Os limites com que o poder superior restringe o poder inferior são de dois tipos deferentes:

I – Relativos aos conteúdos (materiais)

II – Relativos à forma (formais)

Observa-se que quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado, ou seja, a Constituição Federal, ao atribuir ao Poder Legislativo Ordinário, o direito ou dever de legislar sobre determinado assunto, lhe estabelece também limites, sendo que a observação desses limites é importante, porque eles delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente. Uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é que lhe foi prescrita, ou que exceda os limites formais, isto é, não siga os procedimentos estabelecidos, está sujeita a ser declarada ilegítima e a ser expulsa do sistema.

O primeiro refere-se ao conteúdo da norma que o inferior está autorizado a emanar, o segundo refere-se à forma, isto é, ao modo ou ao processo pelo qual a norma do inferior deve ser emanada”. (Bobbio, 1996, pág.55).

Portanto, deve tanto o legislador quanto o juiz observar e interpretar as tendências sociais, valorizando e catalogando, de forma coerente, os bens jurídicos mais relevantes, sempre sob a luz da Constituição Federal de 1988, despenalizando condutas de menor bagatela, dando relevância somente a aquelas que afetam de forma sensível o ordenamento jurídico, criando assim norma jurídica, justa e eficaz que sintetize os anseios de todos os cidadãos, seja ele civil ou militar, sob pena de serem consideradas ilegítimas e poderem ser excluídas do ordenamento jurídico, diante de flagrante inconstitucionalidade.

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Sobre o autor
Paulo Ângelo Lima

Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte, Servidor Público Estadual, Pos-Graduado em Direito e Processo Penal Militar pela Academia de Polícia de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Paulo Ângelo. Aplicabilidade da Lei nº 9.099/95 na Justiça Militar Estadual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3262, 6 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21937. Acesso em: 21 dez. 2024.

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